sábado, 9 de março de 2024

São Gregório de Nissa


    Místico por excelência, escreveu profundas reflexões sobre a Sã Doutrina, e como poucos ajudou a esclarecer a Divina Revelação. Pacificou várias divergências entre opostas correntes dentro da Igreja, desconcertou heresias, brilhou no Concílio de Constantinopla, em 381, e mereceu o título de 'Coluna da Ortodoxia'.
    Era natural de Cesareia da Capadócia, nascido em 330 e de família de muitos Santos: neto de Santa Macrina Maior, filho de Santa Amélia e Basílio, o velho, mártir da Igreja, irmão de Santa Macrina, a jovem, de São Pedro de Sebaste e de São Basílio Magno. Junto a este irmão e a São Gregório Nazianzeno, são conhecidos como os Padres Capadócios, e dentre eles o mais versátil.
    Na infância e adolescência teve como primeiro professor seu irmão, São Basílio, e assim como ele foi estudar em Atenas. Especializou-se em Platão e Aristóteles, mestres da Filosofia até então, mas não descuidou da , pois profundamente conheceu Orígenes e Metódio de Olimpo. Nesse esforço de conciliar os argumentos da razão com os da fé, foi o grande precursor do trabalho de Santo Agostinho.
    Tornou-se professor de Retórica e resolveu casar-se, pois àquele tempo o celibato ainda não era uma exigência, mas, ao enviuvar em 360, abandonou a carreira pedagógica para dedicar-se exclusivamente ao Catolicismo, graças à influência de São Gregório Nazianzeno. Optou, no entanto, por viver a vida monástica, de absoluta reclusão, em Neocesareia. Nesse período, escreveu suas mais conhecidas obras: 'A Grande Catequese' e 'Sobre a Virgindade', que trata de questões referentes à Nossa Senhora.
    Porém, de tão brilhantes inteligência e conhecimento não poderia permanecer afastado da vida pastoral. Em 371, a contragosto foi consagrado Bispo de Nissa, na Capadócia, por seu irmão, São Basílio, então Bispo de Cesareia da Capadócia.
    Tão benevolente com os pobres, e incapaz de energicamente reagir às ofensas, foi acusado pelo herético movimento arianista de desperdiçar os bens da Igreja. E sob violenta perseguição, apoiada pelo próprio imperador Valente, que era arianista, foi deposto e exilado após o falecimento de seu irmão São Basílio, em 376.
    Em 378, contudo, após a morte do imperador e provada sua inocência, São Gregório foi reconduzido ao posto de bispo e calorosamente aclamado pelo povo. Sua importância crescia a cada vez que pronunciava uma homilia. Era frequentemente chamado para resolver doutrinárias e pastorais controvérsias. O próprio imperador Graciano solicitou seus diplomáticos talentos para dirimir desavenças de política.
    Teve ativa participação no Primeiro Concílio de Constantinopla, em 381, que em definitivo afastou a heresia do arianismo. Neste concílio, São Gregório de Nissa foi consagrado como um dos maiores defensores da Doutrina Cristã. Em matéria de Teologia, é considerado o mais especulativo entres os Padres Capadócios.
    Respeitadas as proporções de tempo e dimensão, sua obra é, sem exageros, comparada a de São Tomás de Aquino, pois simultaneamente usava argumentos de fé e de razão para esclarecer questões de teologia em debates. É um dos que mais lançou mão da Filosofia, recorrentemente de Platão, para sustentar as Verdades da Teologia. Ele é o primeiro, após Orígenes, a fazer uma sistemática compilação da Fé Cristã.
    Produziu farto material de conhecimento teológico: 'Diálogo com Macrina sobre a Alma e a Imortalidade', 'Sobre a Criação do Homem', 'Comentário ao Cântico dos Cânticos e às oito bem-aventuranças', 'Sobre o amor aos Pobres', 'Sobre a Divindade do Filho e do Espírito Santo' e 'A Vida de Moisés'.
    Significativamente contribuiu para o aperfeiçoamento da Cristologia, da Mariologia e dos estudos da Santíssima Trindade.
    É considerado o grande precursor dos Místicos Católicos, como Santa Teresa d'Ávila e São João da Cruz. Enxergava o homem como perfeita imagem de Deus, pois a alma estaria dotada dos grandes dons do Altíssimo: razão, livre arbítrio e virtude. Mais: que por ser feito à Sua semelhança, o homem poderia perfeitamente conhecer a Ele e Sua invisível obra: "A divindade é pureza, ausência de toda paixão e separação de todo Mal. Se tudo isso existe em ti, Deus efetivamente está em ti. Por conseguinte, se teu pensamento não tem mistura de mal, e está livre de toda paixão e livre de mancha, és feliz por tua clarividência, pois, por estares purificado, podes perceber o que é invisível para os que não estão purificados."
    E falando sobre a Santíssima Virgem, escreveu em sua 'Homilia Sobre o Natal de Cristo':
    "Ó admirável acontecimento! Uma virgem torna-se mãe permanecendo virgem! Considera a nova ordem da natureza. Qualquer outra mulher, se permanece virgem, não pode tornar-se mãe; tornando-se mãe, já não conserva a virgindade. Neste caso, porém, as duas qualidades mantêm-se. A mesma pessoa é mãe e virgem. A virgindade não a impediu de gerar, o parto não lhe tirou a virgindade. Era conveniente que, vindo para fazer íntegros e incorruptos os homens, o Salvador fizesse seu ingresso na vida humana a partir da total integridade, sem reserva a Ele consagrada...
    E isto parece-me que o grande Moisés antecipadamente tenha conhecido, através da Luz na qual Se lhe manifestou o Senhor Deus e quando o incandescente arbusto ardia mas não se consumia. 'Irei e verei este grande espetáculo', disse ele, referindo-se, penso eu, não a uma aproximação de lugar mas a uma aproximação no tempo. O que então estava prefigurado no fogo e no arbusto, tornou-se, em oportuno momento, claramente revelado no mistério da Virgem. Da mesma forma que não se consumia o ardente arbusto, também não se corrompeu a Virgem gerando a Luz." 
    São de seus registros:

    "O Nome de Deus não é conhecido, é imaginado."
    "Se um problema é desproporcional ao nosso raciocínio, nosso dever é permanecer bem firmes e irremovíveis na Tradição, que recebemos da sucessão dos Padres."
    "Se o costume vale como prova de solidez, também nós, com certeza, podemos avançar com nosso prevalecente costume. E se eles o rejeitarem, certamente não somos obrigados a seguir o deles. Deixe a inspirada Escritura, então, ser nosso árbitro, e o voto da Verdade certamente será dado àqueles cujos dogmas são encontrados em concordância com as divinas palavras."
    "Assim como no mar, aqueles que são afastados da direção do porto são trazidos de volta ao curso por um claro sinal, ao ver uma luz de alto farol ou um pico de montanha que chega à vista, então a Escritura pode guiar aqueles à deriva no mar da vida de volta ao porto da divina vontade."
    "Não temos direito a essa licença, quero dizer, sobre a afirmação do que nos satisfaz. Nós fazemos das Sagradas Escrituras a regra e a medida de cada princípio. Nós necessariamente fixamos nossos olhos nisso, e só aprovamos aquilo que pode ser feito em harmonia com a intenção desses escritos."
    "Nós, que por cada palavra da Divina Escritura somos convidados à imitação do Senhor, que nos criou em Sua benevolência, eis que tudo desviamos para nossa própria utilidade, tudo medimos de acordo com nossa vantagem."
    "Pois verdadeiramente estéril é a profana educação, que sempre está em trabalho de parto, mas nunca dá à luz. Por quais frutas, dignas de tais dores, a Filosofia mostra por ter trabalhado há tanto tempo? Todos aqueles que estão cheios de vento e nunca chegam a termo, não abortam antes de chegarem à Luz do conhecimento de Deus, embora também eles pudessem tornar-se homens se não estivessem completamente escondidos no ventre da estéril sabedoria?"
    "As três mais antigas opiniões relativas a Deus são anarquia, poliarquia e monarquia. Os dois primeiros são o esporte dos filhos da Grécia, e eles continuam sendo assim. Pois a anarquia é coisa sem ordem; e o governo de muitos é facciosa e, portanto, anárquica e, assim, desordenada. Ambos tendem à mesma coisa, ou seja, à desordem; e essa à dissolução, pois a desordem é o primeiro passo para a dissolução. Mas é a monarquia o que temos em honra."
    "Os conceitos criam ídolos; a maravilha abrange todas coisas. As pessoas matam-se por ídolos; a maravilha faz-nos cair de joelhos."
    "A silenciosa pintura fala nas paredes, e faz muito bem."
    "Não vivamos unicamente segundo a carne, vivamos segundo Deus."
    "O objetivo da virtuosa vida é tornar-se semelhante a Deus."
    "Mas à medida que a alma progride, e por maior e mais perfeita concentração vem a apreciar o que é o conhecimento da Verdade, mais aproxima-se dessa visão e tanto mais vê que a natureza divina é invisível. Assim abandona todas superficiais aparências, não apenas aquelas que podem ser apreendidas pelos sentidos, mas também aquelas que pela própria mente parece ver, e continua a avançar até que, por obra do Espírito, penetre o invisível e incompreensível, e é lá que ela vê Deus."

    "Aquele que vê a Deus possui, por meio dessa visão, todos imagináveis bens: uma vida sem fim, uma perpétua incorruptibilidade, uma inesgotável alegria, um invencível poder, eternas delícias, uma verdadeira Luz, as doces palavras do Espírito, uma incomparável Glória, uma ininterrupta satisfação, enfim, todos bens."
    "Uma vez que com toda minha alma vejo o rosto do Meu Amado, assim toda beleza de Sua forma é vista em mim."
    "A esperança sempre retira a alma da beleza do que se vê, para aquela que está além; sempre acende o desejo do oculto através do que é constantemente percebido. Portanto, o ardente amante da beleza, mesmo recebendo o que sempre é visível como uma imagem do que ele deseja, ainda anseia ser preenchido com o próprio selo do arquétipo."
    "A verdadeira visão e o verdadeiro conhecimento do que procuramos consiste, precisamente, em não ver, em uma consciência de que nosso objetivo transcende todo conhecimento e em toda parte está apartado de nós pela escuridão da incompreensibilidade."
    "Que nós possamos fundir-nos na profunda e deslumbrante escuridão, nela desaparecer, nela para sempre dissolver-nos em uma inacreditável felicidade, além da imaginação, pois o 'absoluto nada' representa a absoluta felicidade."
    "Pois quando se considera o Universo, pode alguém ser tão simplório que não acredite que o Divino esteja em tudo presente, perpassando-o, abraçando-o e impregnando-o?"
    "No Evangelho, foram-nos entregues três Pessoas e Nomes através de Quem a geração do nascimento dos fiéis ocorre, e aquele que é gerado por esta Trindade é igualmente gerado do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Pois assim o Evangelho fala do Espírito, que 'o que nasceu do Espírito é espírito' (Jo 3,6), e é 'em Cristo' (1 Cor 4,15) que Paulo gera, e o Pai é o 'Pai de todos'."
    "Tudo que o Pai é, vemos revelado no Filho; Tudo isso que o Filho é, é também o Pai; pois todo o Filho habita no Pai, e Ele tem todo o Pai habitando em Si mesmo... O Filho, que sempre existe no Pai, nunca pode ser separado d'Ele, como o Espírito jamais pode ser apartado do Filho, que através do Espírito todas coisas opera. É impossível imaginar qualquer tipo de separação ou disjunção entre Eles: não se pode pensar no Filho apartado do Pai, nem separar o Espírito do Filho. Há entre os Três um compartilhamento e uma diferenciação que estão além das palavras e da compreensão."
    "... em nossa constante participação na abençoada natureza de Deus, as Graças que recebemos realmente são grandes sob todos aspectos, mas o caminho, que está além da nossa imediata compreensão, é infinito. Isso constantemente acontecerá com aqueles que assim compartilham da divina bondade, e eles sempre apreciarão uma maior e cada vez maior participação na Graça durante toda eternidade."
    "Aquele cuja vontade está em harmonia com a do Senhor, porque 'dia e noite a medita', torna-se 'uma árvore plantada à beira de um riacho, que dá fruto na própria estação, e cuja folha não morre (Sl 1,1-3).'"
    "Ensina-me, então, 'onde levas Teu rebanho a pastar', que eu possa encontrar a pastagem da Salvação, saciar-me com o celeste alimento que todo homem deve comer se quiser entrar na Vida, correr para Ti, que és a fonte, e beber a longos tragos a Divina Água que fazes brotar para aqueles que têm sede."
    "Não é possível imaginar maior amor do que teres dado a vida pela minha Salvação."
    "O Esposo (Jesus), que é esta verdadeira vinha em pessoa, aparece amarrado ao lenho, e Seu Sangue tornou-se bebida de Salvação para aqueles que por Sua Redenção exultam."
    "Se verdadeiramente pensamos em Cristo como nossa fonte de santidade, devemos abster-nos de qualquer coisa perversa ou impura, em pensamento ou em ato, e assim nos mostrarmos dignos portadores de Seu Nome. Pois a qualidade da santidade é mostrada não pelo que dizemos, mas pelo que fazemos na vida."
    "Como nenhuma escuridão pode ser vista por alguém cercado de luz, então nenhuma trivialidade pode capturar a atenção de qualquer um que tenha seus olhos em Cristo."
    "Aquele que te dá o dia, também te dará as coisas necessárias para o dia."
    "A solidariedade com o pobre é lei de Deus, não um mero conselho."
    "Do mesmo modo que o débito de uma única fonte pode irrigar numerosos campos numa grande extensão, assim a opulência de uma só casa consegue salvar da miséria um grande número de pobres."
    "Atribuímo-nos bens para nossa própria vida, e reservamos o resto para nossos herdeiros. E não pensamos nas pessoas que estão na miséria nem minimamente nos preocupamos com os pobres."
    "Um homem vê seu próximo sem pão e sem meios para obter o indispensável alimento, e, longe de apressar-se a oferecer-lhe sua ajuda para tirá-lo da miséria, observa-o como observaria uma verdejante planta em vias de secar por falta de água."
    "Mas se alguém deseja ser o absoluto mestre de todos, obter toda herança e excluir seus irmãos de uma terceira ou quinta parte, ele não é um irmão, mas um áspero tirano, um rude selvagem, e mais, uma insaciável besta que devoraria todo doce banquete com sua boca escancarada."
    "É impossível viver sem lágrimas para alguém que considera as coisas exatamente como elas são."
    "Falo daquele adormecimento suscitado nos que estão mergulhados na mentira da vida, por esses ilusórios sonhos que são as honras, as riquezas, o poder, a fascinação dos prazeres, a ambição, a sede do gozo, a vaidade e tudo que a imaginação leva os superficiais homens insensatamente a procurar. Todas essas coisas esgotam-se com a efêmera natureza do tempo."
    "É impossível para alguém que se voltou para o mundo e sente suas ansiedades, e envolva seu coração no desejo de agradar aos homens, possa cumprir aquele primeiro e grande mandamento do Mestre: 'Amarás a Deus com todo teu coração e com toda tua força (Mt 22,37).'"
    "Existe um antídoto para as paixões do mal: a purificação de nossas almas, que ocorre através do mistério da piedade. O principal ato de fé neste mistério é olhar para Aquele que sofreu a Paixão por nós. A Cruz é a Paixão, de modo que quem para ela olhe não é afetado pelo veneno do desejo. Olhar para a Cruz significa tornar toda vida morta e crucificada para o mundo."
    "Doente, nossa natureza exigia ser curada; caída, que fosse levantada; morta, que ressuscitasse ... Fechados na escuridão, foi necessário trazer-nos a Luz; cativos, aguardamos um Salvador ... Essas coisas são menores ou insignificantes? Elas não moveram Deus para descer à natureza humana e visitá-la, já que a humanidade estava em tão miserável e infeliz estado?"
    "... onde Salomão diz que 'a Sabedoria construiu-se uma casa (Pr 9,1)', ele indiretamente refere-se nestas palavras à preparação da Carne do Senhor; porque a verdadeira Sabedoria não habita no prédio de outra pessoa, mas para si mesma construiu essa morada do corpo da Virgem."
    "A paz é definida como harmonia entre aqueles que estão divididos. Quando, portanto, terminamos a guerra civil dentro de nossa natureza e cultivamos a Paz dentro de nós mesmos, ficamos em Paz."
    "Que nunca arrisquemos a vida de nossas almas por sermos ressentidos ou guardarmos rancores."
    "Porque a virtude é uma leve e flutuante coisa, e todos que a seu modo vivem, voam como nuvens, como disse Isaías, e como as pombas com seus filhotes. Mas o pecado é pesada coisa, como diz outro dos Profetas, aninhada sobre uma medida de chumbo."

    "Nossa humana fraqueza é protegida pela assistência dos anjos e ... em todos nossos perigos, desde que conosco permaneça a fé, somos defendidos com a ajuda de espirituais poderes."
    "Aquele que está cingido com a temperança vive na luz de uma pura consciência; a filial confiança ilumina sua vida como uma lâmpada... Se assim vivermos, entraremos numa vida semelhante à dos anjos."


    Nosso Santo morreu em 395, tão serenamente quanto viveu.


    Parte de suas relíquias é venerada na Romênia, em Bucareste, na Igreja Balasa.


    Seu maxilar encontra-se no medieval Mosteiro Visoki Decani, no Kosovo.


    Seu crânio está na igreja de São Eustáquio, em Neápolis, na Grécia. 


    São Gregório de Nissa, rogai por nós!