sábado, 29 de abril de 2023

Santa Catarina de Sena


    Filha de religioso tintureiro da Toscana, de vinte e quatro filhos a caçula, aos 7 anos consagrou sua virgindade a Cristo e aos 15 entrou para a ordem terceira dos dominicanos. Ainda aos 6, teve sua primeira visão, que jamais esqueceria: no ar, pairando sobre a igreja de São Domingos, Jesus apareceu-lhe com as vestes do Papa, sentado num luminoso trono e ladeado por São Pedro, São Paulo e São João Evangelista.
    E desde muito nova começou a fazer penitências, entre elas frequentes votos de silêncio. O salmista cantou essa espiritualidade: "Confia ao Senhor tua sorte, n'Ele espera e Ele agirá. Em silêncio, abandona-te ao Senhor, n'Ele põe tua esperança." Sl 36,5.7a
    De 1362 a 1374, isto é, entre 15 e 27 anos, praticou rigoroso jejum de pão e água e viveu em clausura, período em que se manteve em perfeita "Comunhão com Deus", segundo suas próprias palavras. Foi contemplada com indizíveis Graças como o 'casamento místico' com Jesus, a 'morte mística', quando conheceu o inferno, o Purgatório e o Céu, e a 'troca mística de Coração' com Jesus, para experimentar Seu amor pela humanidade.
    Só deixou a clausura quando a Europa foi assolada pela peste negra, também chamada bubônica, para desveladamente ajudar centenas de enfermos. De modo miraculoso curou muitos deles, mas principalmente tratava de salvar-lhes as almas, convertendo-os através de penitências que ela mesma cumpria, convidando-os às orações e até exorcizando-os.


    Ainda em 1374, ao comungar, recebeu os estigmas de Cristo: suas mãos, seus pés e o lado direito foram perfurados por raios que saíam do crucifixo do altar da igreja de Santa Cristina, em Pisa. Jesus escolheu-a para trabalhar pela Igreja e pela Paz, e mostraria que "uma fraca mulher pode envergonhar o orgulho dos fortes." As dores eram tão intensas, porém, que muitas vezes ela não conseguia nem comer e nem falar, recebendo apenas a Comunhão Eucarística. E em preces, não pedia a Jesus que lhe tirasse os estigmas, mas que eles não fossem visíveis, para não causar mais intrigas com os religiosos que, por ignorância ou mesmo pecaminosidade, faziam-lhe forte oposição.
    Em várias ocasiões, enquanto rezava, foi vista levitando. E um dia, ao preparar-se para comungar, o padre viu a Hóstia Consagrada transformar-se em Carne, agitar-Se em sua mão e saltar de seus dedos para a boca de Santa Catarina.
    Desde de 1309, o Papa estava vivendo no sul da França, na cidade de Avignon, por questões de segurança, dadas as guerras entre cidades italianas, que também se insurgiam contra seu poder. Aí ele contava com a proteção da armada do rei francês. Mas em 1376 houve um novo levante contra a autoridade da Igreja nas cidades italianas de Perúgia, Florença, Pisa e na região da Toscana, e Santa Catarina ditou várias cartas ao Sumo Pontífice, exortando-o a voltar a Roma para pessoalmente tratar do assunto e pacificar o rebanho de Cristo, como em 1367 Santa Brígida da Suécia conseguiu convencer seu antecessor, Santo Urbano V, ainda que aí ele só tenha podido permanecer por menos de três anos.
    Vendo infrutífero esse esforço, pôs-se a caminho de Avignon e poucos dias após chegar, inteirando-se de tudo que ali passava, tratou de denunciar a impenitência de cardeais e bispos, assim como vícios burgueses que adquiriram e as interferências políticas do rei e dos nobres nos assuntos da Igreja. Tanto impressionou a todos por sua lucidez, coragem e conhecimento da vontade de Deus, que foi convidada pelo próprio Papa para pronunciar-se no Consistório dos Cardeais.
    Conseguiu, enfim, convencer o Papa a voltar a Roma. Mesmo contra a vontade do rei e de alguns dos membros da Cúria, em 1377 Gregório XI iniciou a viagem de volta. Chegou a hesitar durante o trajeto, mas acabou completando-a sob as exortações de Santa Catarina, que o acompanhava.
    Aí, porém, o Pontífice não teve fáceis dias. A república de Florença rebelou-se outra vez contra sua presença, chegando a obter apoio de muitas cidades italianas e até organizar uma milícia para combatê-lo. Ele, contudo, após resistir como pôde através de vários interditos, acolheu os apelos de Santa Catarina, que pedia paciência para com seus "rebeldes filhos". Mesmo sabendo da grande rejeição que enfrentaria, ela assumiu a frente das negociações e visitou várias dessas cidades, habilmente dialogando com as autoridades. Em Florença, quase foi martirizada.


    No seguinte ano, debilitado e envelhecido, Gregório XI veio a falecer. Eleito Urbano VI, desde o início teve a oposição de três intransigentes cardeais, que terminaram retornando a Avignon e aí elegeram dentre si um anti-papa. Era o Grande Cisma do Ocidente. Santa Catarina ativamente engajou-se em defesa do Papa, por toda parte viajando e exortando em favor da unidade da Igreja e da obediência ao Sumo Pontífice. Sobre esse e vários outros assuntos, religiosos e sociais, acabou sendo adotada como conselheira por nobres, príncipes, rainhas e reis, além de muitos bispos e do próprio Papa.
    Duramente falou à rainha de Nápoles e ao tirano de Milão. Perante o rei da França, recriminou-o pela guerra contra irmãos cristãos, enquanto tentava estimulá-lo às cruzadas, que era um antigo anseio, mesmo um popular clamor, além de sonho de muitos jovens da época, religiosos ou não, em todos países cristãos. Essa sim seria uma justa guerra, para o bem da cristandade, dos monumentos, dos lugares e da sagrada memória. Também denunciava os reis que contratavam brutais mercenários, e em matanças conflagravam a Europa com seus exércitos.
    Dadas as modestas condições de sua família, e tão severas foram suas práticas espirituais desde o início da idade adulta, não foi alfabetizada e assim manteve-se até os 30 anos, quando por milagre aprendeu sozinha a ler em italiano e latim e a escrever. Numa de suas cartas de próprio punho, relata ter recebido lições sobre os assuntos da Igreja diretamente de São João Evangelista e São Tomás de Aquino.


    Em algumas ocasiões, enquanto entrava em êxtase, pedia que anotassem suas palavras. Elas tornaram-se o livro 'Diálogo sobre a Divina Providência', obra que é considerada uma das maiores do misticismo cristão, onde se lê as revelações que recebia, as concepções teológicas e os argumentos sobre sua espiritualidade.
    Foi uma pacificadora da Igreja e da Itália em difíceis tempos, exatamente no início do decaimento da cristandade na Europa, solapado pelo 'humanismo' irresponsavelmente acalentado por supostos católicos e que se revelaria mera porta de perdição, levando ao protestantismo e, pouco mais tarde, ao próprio ateísmo e sua mais diabólica invenção: o comunismo.
    É a única leiga das quatro mulheres que receberam o título de Doutora da Igreja.


    Sua inspiração é evidente. Perfeitamente mistura-se com as locuções internas que tinha:

    "É obrigação de todos edificar os demais com uma boa, santa e honesta vida."
    "Não obrigues outras pessoas a viver como tu vives."
    "Ninguém deve desejar satisfações e visões espirituais, aspire somente a Virtude."
    "Oh, quão doce e gloriosa é esta virtude da obediência! Nela estão todas outras virtudes, porque é concebida e gerada pela caridade. Nela está fundada a pedra da santíssima fé. É rainha tal que quem a desposa nenhum mal padece, mas tem Paz e tranquilidade. As ondas do tempestuoso mar não podem prejudicá-la e não a ofende tempestade alguma."
    "O caminho para atingir o verdadeiro conhecimento e a experiência de Deus é este: nunca abandonar o auto-conhecimento."
    "A humildade brota do auto-conhecimento."
    "Conhecendo-te, tu humilhar-te-ás ao perceber que, por ti mesma, nada és."
    "O orgulho é a raiz de todos vícios."
    "Querendo progredir, é preciso que tenhais sede."
    "A Divina Providência jamais falta ao homem, sob a condição de que ele a aceite."
    "Nesta vida ninguém vive sem Cruz."
    "Os males desta existência não são punições, mas correção a filho que ofende."
    "Devemos tudo suportar, porque o sofrimento é pequeno e a recompensa é grande."
    "A pessoa que sofre mais compartilha as dores dos outros que aqueles que nada padecem."
    "Nada mais desejo que vossa santificação."
    "Tudo quanto Eu quero ou permito tem uma finalidade: que atinjas a meta para a qual vos criei."
    "Eu recompenso quem trabalha por Minha Glória. Sou alegre e faço feliz quem cumpre Minha vontade."
    "Ao querer dar um grande tesouro a um homem, associo-lhe o peso de muitas dificuldades."
    "Eu quero que sejais Santos. Tudo que vos acontece tem essa finalidade."
    "O demônio é fraco e nada pode além daquilo que Eu lhe permita."
    "É na adversidade que se prova ter paciência e amor."
    "Por amor Deus vos criou, sem amor não podeis viver."
    "Só Tu és o Amor, somente digno de ser amado!"
    "O amor por Mim e pelo próximo são uma só coisa."
    "Toda virtude realiza-se em relação ao próximo, bem como todo pecado."
    "Eu considero feito a Mim o que fazeis aos homens."
    "Ao optar por Meu amor, o homem também faz opção de sofrer por Minha causa, qualquer que seja a modalidade da dor."
    "Pelo amor, o homem torna-se outro Cristo. É pelo amor que o homem se une a Deus."
    "Todo mal é ausência de amor."
    "Deus não deu todas qualidades nem deixou ninguém sem qualidade alguma. Por isso, precisamos um dos outros."
    "Jovens, se fores aquilo que Deus quer, colocareis fogo no mundo."
    "A amizade cuja fonte é Deus, nunca se esgota."
    "Foi no depositório da eclesiástica hierarquia que Eu guardei o Corpo e o Sangue de Meu Filho."
    "Foi no seio da Igreja hierárquica que o Senhor depositou Seu mais precioso tesouro."
    "A Eucaristia é o mais apto meio para a união do homem com Deus e maior conhecimento da Verdade."
    "Tenham a certeza de que quando eu morrer, a única causa de minha morte será meu amor pela Igreja."
    "Oh meu padre, se o senhor tivesse visto a beleza de uma só alma em estado de Graça, estaria pronto a morrer mil mortes por uma só!"
    "Oh Maria, Templo da Santíssima Trindade! Oh Maria portadora do fogo e da Misericórdia… Oh Maria, co-redentora do gênero humano porque, tendo vós fornecido vossa carne ao Verbo, foi resgatado o mundo. Resgatou-o Cristo com Sua Paixão, e vós, com vossa dor de corpo e de alma, com vossa compaixão."
    "Pai Eterno, que motivo Vos fez constituir o homem em tão grande dignidade? Foi o inefável amor pelo qual enxergastes em Vós mesmo Vossa criatura, e apaixonastes-Vos por ela! Pois foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes o ser capaz de degustar Vosso Sumo e Eterno Bem."
    "Somos Vossa imagem e Vós, a Nossa, pela união que realizastes no homem, velando a divindade com a miserável nuvem e massa corrompida de Adão. Quem foi a causa? O amor. Vós, ó Deus, fizestes-Vos homem e o homem tornou-se Deus."
    "Vós, Eterna Trindade, sois Meu Criador e eu, Vossa criatura. De novo criastes-Me, no Sangue de Vosso Filho. Nesta nova criação, conheci que Vos enamorastes da beleza de Vossa criatura."
    "Oh Eterna Trindade, foco e abismo de caridade, dissolvei já a nuvem deste meu corpo! O conhecimento que me destes de Vós, em Vossa Verdade, impele-me ao desejo de livrar-me do peso deste meu corpo e dar a vida pela Glória e louvor de Vosso Nome! Pois saboreei e vi, com a luz do intelecto, em Vossa Luz, Vosso abismo, Eterna Trindade, e a beleza de Vossa criatura."
    "Ó abismo, ó Eterna Divindade, ó profundo mar! E que mais poderíeis dar-me que Vos dar a mim? Sois fogo que sempre arde e não consome. Sois fogo que consome todo amor-próprio da alma. Sois fogo que destrói toda frieza."
    "Oh Eterno e Infinito Bem, oh louco de amor! Será que necessitais de Vossa criatura? Parece-me que sim, pois agis como se sem ela não pudésseis viver, embora sejais Vós a Vida, pois todos seres recebem a vida de Vós, e sem Vós ninguém vive… Vós enamorastes-Vos de Vossa criatura, nela pusestes Vossa complacência, como ébrio de sua Salvação! Foge de Vós, e andais à sua procura! De Vós afasta-se, e dela aproximais-Vos!"
    "Disse-me o Senhor: ‘Assim que uma alma entra no Céu, todos eleitos participam de sua glória e assim também ela participa da felicidade de todos. Meus eleitos viverão na alegria, é a felicidade proporcionada pela visão de Minha Divindade e a companhia de Jesus, Cordeiro Imolado. É uma Paz, uma perfeita alegria, uma Luz sem sombras, uma soberana, infinita, ilimitada felicidade."

    Nossa Santa morreu em 1380, no dia 29 de abril, aos 33 anos, mas em 1430, ao ser exumado, seu corpo ainda estava incorrupto. Além do livro citado, deixou 381 cartas e 26 orações da mais pura inspiração.
    É co-Padroeira do continente europeu junto à Santa Edith Stein e Santa Brígida da Suécia, além de co-Padroeira da Itália, junto a São Francisco de Assis, e padroeira dos consultores.
    Suas relíquias encontram-se sob o altar principal da Basílica de Santa Maria sopra Minerva, no centro de Roma, uma construção do século XIV, a única igreja em estilo gótico da Cidade Eterna. Seu rosto, exposto numa capela em sua homenagem, ainda não se decompôs por completo.



    Santa Catarina de Sena, rogai por nós!