Como em muitos lugares no mundo, onde os cristãos foram mortos por não renegar a Santa Fé, aliás, exatamente como em Roma nos primeiros séculos, heroísmo que dela fez a Sede do Cristianismo, no Vietnã não foi diferente. E um dos líderes que seguiu o Caminho de Cristo foi Santo André Dung-Lac, decapitado na capital, Hanói, em 1839.
A evangelização em suas terras havia começado ainda no século XVI, na Era da Circunavegações, com a chegada dos primeiros missionários europeus, principalmente portugueses, de várias ordens e congregações. E assim tiveram início mais de quatro séculos de violentas perseguições perpetradas pelas autoridades locais, vitimando bispos, padres, seminaristas, catequistas e leigos, sendo destes últimos a maioria pais e mães de católicos.
Em 1580 já havia um surpreendente número de mártires em seu país. Só Roma Antiga teria visto tantos sacrifícios. De 1625 a 1886 viu-se uma grande e sistemática perseguição aos cristãos em toda Ásia, e só no Vietnã foram mais 130 mil mortes. Assistindo vultosa escala de conversões, e enciumados pela perda da devoção que o povo lhes tinha, reis e governantes declararam ódio ao Catolicismo e morte a qualquer pessoa que anunciasse o Evangelho ou simplesmente se tornasse cristão.
Nosso Santo nasceu em Bac-Ninh, no norte do Vietnã, com o nome de Tran An Dung no ano de 1795, de muito pobre família. Quando seus pais procuraram trabalho em Hanói, sua guarda, então aos 12 anos de idade, foi entregue a um diligente catequista, que prometeu dar-lhe casa e alimento. Sempre muito lúcido, ele teve educação cristã por 3 anos e foi batizado com o nome de André Dung, em homenagem a Santo André, companheiro e irmão do Príncipe dos Apóstolos. De fato, seu irmão mais velho, que também seria ordenado, já havia sido batizado com o nome de Pedro. Aprendeu latim e chinês, e tornou-se ele mesmo catequista, viajando por todo país.
Escolhido para estudar Teologia, tornou-se padre dominicano em 15 de março de 1823, pois realmente admirava este carisma da Ordem dos Pregadores de anunciar Jesus vivendo em itinerância e mendicância. Foi feito vice-pároco de Dongchuan, hoje distrito da cidade de Kunmig, em terras da China. Incansável pregador, jejuava com frequência e batizava muita almas. Enquanto ainda era seminarista, revelou-se profícuo missionário atuando nas mais diversas regiões, muitas delas de extrema pobreza.
Para que se tenha uma ideia da incipiente condição de seu trabalho, o alfabeto vietnamita foi criado no século XVII por Alexander de Rhodes, padre jesuíta francês, baseando-se na anotações de missionários portugueses do século anterior. Também é deste insigne pioneiro, expulso do país em 1645 e considerado 'Apóstolo da jovem Igreja asiática', ainda dividida em três regiões, Tonkin, Annam e Cochinchina, o primeiro catecismo local.
Por esses tempos, suprimiu o nome de Dung e adotou Lac, para pregar em mais perigosas províncias com as de Hanói e Nam-Dihn.
Como simplesmente assassiná-los não surtia o desejado efeito, pois, para o povo que bem assimila o catecismo, o martírio é realmente a essência do Cristianismo, antes de serem mortos, e para maior humilhação, os cristãos eram marcados em suas faces com as palavras 'ta dao', que significa falsa religião, além de presos e torturados por longos períodos. Maridos eram afastados das esposas, e crianças dos pais. Já os refugiados nas mais longínquas florestas e montanhas eram sumariamente executados, porque seus caçadores não deveriam 'perder tempo' prendendo-os e conduzindo-os. Contudo, quanto mais perseguidos, mais crescia o amor a Deus entre eles.
Junto a leigos, eles entregaram suas almas a Cristo em 76 decapitações, 21 estrangulamentos, 5 mutilações, 5 queimados vivos e 9 mortos por tortura. Demonstrando as exemplares resignação e resistência disseminadas entre eles, nenhum sequer vacilou em abandonar o Catolicismo. Ora, de 1645 a 1886 foram 53 editais contra os cristãos no Vietnã, causando a morte de 113 mil fiéis ao todo, cujos bens, para que parentes e toda população soubessem, eram sumariamente confiscados pelo imperador.
Aqui temos trechos de uma carta de São Paulo Le-Bao-Tinh, também martirizado, escrita no ano 1843 aos alunos do seminário de Ke Vinh, atual cidade de Vinh, capital da província de Nghe An: "Eu, Paulo, prisioneiro pelo nome de Cristo, quero falar-vos das tribulações que suporto cada dia, para que, inflamados no amor de Deus, comigo louveis o Senhor, porque é eterna Sua Misericórdia. Este cárcere é realmente a imagem do inferno eterno: além de suplícios de todo gênero, tais como algemas, grilhões, cadeias de ferro, tenho de suportar o ódio, as agressões, calúnias, palavras indecorosas, repreensões, maldades, juramentos falsos e, além disso, as angústias e a tristeza. (...) Como posso eu suportar este espetáculo, ao ver todos dias os imperadores, mandarins e seus guardas blasfemar o Vosso Santo Nome, Senhor, que estais sentado sobre os querubins e os serafins? Vede como Vossa Cruz é calcada aos pés dos pagãos! Onde está Vossa Glória? Ao ver tudo isto, sinto inflamar-se meu coração em Vosso amor e prefiro ser dilacerado e morrer em testemunho de Vossa infinita bondade."
Em 1862, por fim, um tratado assinado com a França começou a garantir a liberdade religiosa no país, mas ainda demoraria mais duas décadas para ser plenamente respeitado.
Suas histórias fortemente inspiraram Santa Teresinha de Lisieux, que se candidatou voluntária entre freiras carmelitas para servir a Deus em Hanói. Ela escreveu em seu diário que seu grande sonho era ser missionária, nominadamente nessa cidade, mas a gravidade de sua enfermidade não lhe permitiu.
Entretanto, movidos pela satânica ira do Comunismo, em 1955 russos e chineses puseram-se a aniquilar padres e bispos, além de milhares de fiéis por todo país. O efeito de mais esse abjeto banho de sangue, porém, foi inverso. Mesmo sendo totalmente tomada pela 'Revolução Socialista', que chegou a expulsar as forças dos Estados Unidos e aliados, em guerra que se expandiu para países vizinhos, como Laos e Cambodja, a população do Vietnã tornou-se a quinta maior em número de católicos da Ásia.
Nossos 117 mártires foram beatificados em quatro separados grupos, no início do século passado, e por três Papas, mas canonizados todos juntos em 1988 pelo amado Papa São João Paulo II.
Santo André Dung-Lac e companheiros, rogai por nós!