domingo, 29 de outubro de 2023

O Amor de Deus


    Por que Deus quer ser amado por nós? Quem somos nós para corresponder-Lhe com nosso errante amor? No entanto, Ele determina em Seu primeiro Mandamento: "Amarás o Senhor, Teu Deus, de todo teu coração, de toda tua alma e de todas tuas forças." Dt 6,5
    Poderíamos ser obrigados a amar? Como Jesus pode exigir maior amor a Ele que às pessoas que nos são mais próximas? Ele sentenciou: "Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a Mim, não é digno de Mim. Quem ama seu filho mais que a Mim, não é digno de Mim." Mt 10,37
    A rigidez dessa sentença, porém, esconde uma didática. Apesar da estranheza que causa em primeira mão, ao amadurecermos no amor, vemos que assim Ele imprime Sua Palavra em nossa memória, para mais tarde ser plenamente compreendida. De fato, não podemos verdadeiramente amar nossos familiares sem conhecermos, com a devida profundidade, o amor que Deus nos tem. São João Evangelista assim explica a Comunhão e a origem do amor: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem para conosco. Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele. Mas amamos porque primeiro Deus nos amou." 1 Jo 4,16.19
    Sobre a questão do amor pelas mais próximas pessoas, ele partia do inverso: "Se alguém disser: 'Amo a Deus', mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a Quem não vê. Temos de Deus este Mandamento: aquele que amar a Deus, também ame a seu irmão." 1 Jo 4,20-21
    E a despeito dos insondáveis desígnios de Deus, alguma luz nos é dada sobre essa didática quando lemos essa passagem dos Provérbios: "Meu filho, não desprezes a correção do Senhor, nem te espantes de que Ele te repreenda, porque o Senhor castiga aquele a quem ama, e pune o filho a quem muito estima." Pr 3,11-12
    Tudo isso nos inspira a imagem de um pai cheio de precauções, às vezes agindo de enérgico modo, em função de futuros riscos, e é sensato supor que seja mesmo assim. Os seguidores da tradição de São Paulo argumentam: "Estais sendo provados para vossa correção: é Deus que vos trata como filhos. Ora, qual é o filho a quem seu pai não corrige? Aliás, temos na terra nossos pais que nos corrigem e, entretanto, olhamo-los com respeito. Com quanto mais razão havemos de submeter-nos ao Pai de nossas almas, o Qual nos dará a Vida? Os primeiros educaram-nos para pouco tempo, segundo sua própria conveniência, ao passo que Este o faz para nosso bem, para comunicar-nos Sua Santidade. É verdade que toda correção parece, de momento, antes motivo de pesar que de alegria. Mais tarde, porém, granjeia aos que por ela se exercitaram o melhor fruto de justiça e de Paz." Hb 12,7.9-11
    São Tiago Menor justifica: "Todo aquele que quer ser amigo do mundo, constitui-se inimigo de Deus. Ou imaginais que em vão diz a Escritura: 'Sois amados até o ciúme pelo Espírito que em vós habita ?'" Tg 4,4b-5
    Ora, nas revelações feitas a São João Evangelista, o próprio Jesus vai dizer aos que se iludem com alguma forma de poder: "Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima teu zelo, pois, e arrepende-te." Ap 3,19
    Também é frequente ver na Bíblia a expressão 'temor a Deus'. E fica a pergunta: Afinal, Ele quer ser amado ou temido? A Verdade é que, assim como amadurecer, a compreensão de Sua Revelação requer tempo. No estágio de civilização que vivemos, é fácil perceber, ao menos teoricamente, que o amor sempre produz melhor e mais verdadeiro relacionamento que o puro temor. Mas não há dúvida: visceralmente necessário, e negá-lo é mera puerilidade, o temor foi e ainda é largamente usado. A hierarquia é vital nas humanas organizações! No entanto, porque não são necessariamente excludentes, também já é antiga a didática do amor, e só por ele se pode chegar à perfeição, como São João afirmou: "Nisto é perfeito em nós o amor: que tenhamos confiança no Dia do Julgamento, pois, como Ele (Deus) é, assim também nós somos neste mundo. No amor não há temor. Antes, o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor envolve castigo, e quem teme não é perfeito no amor." 1 Jo 4,17-18
    Este evangelista chegou a apontar o caminho para essa perfeição: "Se mutuamente nos amarmos, Deus permanece em nós e Seu amor em nós é perfeito." 1 Jo 4,12b
    De fato, é assim o Mandamento de Cristo, Deus de amor, e como Ele descreve Sua Igreja: "Dou-vos um Novo Mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como Eu vos tenho amado, vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros." Jo 13,34-35
    O Profeta Isaías, a propósito, já se tinha dado conta de nossa verdadeira relação com Deus: de filiação: "E no entanto, Senhor, Vós sois Nosso Pai. Nós somos a argila da qual sois o oleiro: todos nós fomos modelados por Vossas mãos." Is 64,8
    Por isso, a Ele clamava: "Olhai do alto do Céu e vede de Vossa santa e gloriosa morada: Que foi feito de Vosso ciumento amor e de vosso poder, e da emoção de Vosso coração? Dai livre expansão à Vossa ternura, porque sois Nosso Pai." Is 63,15-16a
    E se somos vez e outra castigados, se bem observarmos os acontecimentos, também é fácil atestar Sua infinita afabilidade. Ele mesmo disse: "Num acesso de cólera, de ti volvi Minha face. Mas em Meu eterno amor, de ti tenho compaixão." Is 54,8
    O livro da Sabedoria, em especial, vai mais longe ao justificar Seu amor: "Tendes compaixão de todos, porque Vós podeis tudo. E para que se arrependam, fechais os olhos aos pecados dos homens. Porque amais tudo que existe, e não odiais nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo algum. Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e conservar a existência, se por Vós não tivesse sido chamada? Mas poupais todos seres, porque todos são Vossos, ó Senhor, que amais a vida." Sb 11,23-26
    E como o sagrado autor dos Provérbios, ele conclui: "É por isso que com brandura castigais aqueles que caem, e adverti-os mostrando-lhes em que pecam, a fim de que rejeitem sua malícia e creiam em Vós, Senhor." Sb 12,2
    Não seria, porém, o amor, e tão simplesmente o amor, ainda hoje, a mais difícil lição que Jesus tenta ensinar-nos? Será que nós compreendemos, ao menos um pouco, a dimensão de Seu amor? Concebemos, ao menos episodicamente, que podemos amar como Ele nos ama? Enfaticamente, Ele estabeleceu esse parâmetro: "Este é Meu Mandamento: amai-vos uns aos outros, como Eu vos amo." Jo 15,12
    E a pergunta é: Que amor é esse que O levou a morrer por nós? Realmente percebemos o exemplo de tantos Santos e mártires? Também chegaríamos, por amor, a essas consequências? De toda forma, essa é a meta por Ele estabelecida e demonstrada por Sua Paixão: "Ninguém tem maior amor que aquele que dá sua vida por seus amigos." Jo 15,13
    Como entender esse sacrifício ao qual Deus Pai submeteu Seu próprio Filho? Não teria sido violento demais? "Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo que lhe deu Seu único Filho, para que todo aquele que n'Ele crer não pereça, mas tenha a Vida Eterna." Jo 3,16
    Por certo, a razão de ser dessa didática de Deus é nossa futilidade, nossa desatenção, nossa inconstância, nossa insensibilidade. Pois se Sua própria morte, brutal como foi, não nos faz despertar para o amor, o que teria acontecido se Ele apenas tivesse Se elevado aos Céus? Se toda Jerusalém não tivesse presenciado Sua Paixão e Morte? Por isso, São Paulo recomenda a São Timóteo que afaste o povo de todas fábulas e fúteis conhecimentos, em nome de um verdadeiro amadurecimento espiritual: "Essa recomendação visava promover o amor que nasce de um puro coração, de uma boa consciência e de uma sincera ." 1 Tm 1,5
    Pois só assim ele garante as celestiais benesses: "É como está escrito: 'Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4)', tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que O amam." 1 Cor 2,9
    Pois o verdadeiro amor a Deus, para minimamente corresponder ao que Ele tem por nós, se  manifesta, como demonstram os Santos, por uma atitude de constante reconhecimento de nossos pecados e pela determinação em não tornarmos a errar. É o que ensina o Eclesiástico: "Aquele que ama a Deus, roga-Lhe pelo perdão de seus pecados e acautela-se para não cometê-los no porvir." Eclo 3,4
    É o que o salmista faz, ao pedir perdão em nome de Seu amor: "Ó Deus, tem piedade de mim conforme Tua Misericórdia. Em Teu grande amor, cancela meu pecado." Sl 51,3
    Ele reconhece: "Eu dá-Te-ei graças, Senhor Meu Deus, de todo coração, e sempre darei Glória a Teu Nome, porque é grande Teu amor para comigo..." Sl 86,12-13
    E afere-lhe o justo valor: "Porque Vosso amor me é mais precioso que a vida..." Sl 63,4
    Agradecido pela Divina Misericórdia, por fim, ele registra: "... Deus de piedade, compassivo, lento para irar-Se, mas rico de amor e de fidelidade..." Sl 86,15


JESUS, PROVA MAIOR DO AMOR DE DEUS

    Jesus bem conhece o coração das pessoas, e de perto acompanha os religiosos. Por isso, dizia que de nada vale o pagamento do dízimo quando se sonega o mais importante: "Ai de vós, fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de diversas ervas, mas desprezais a justiça e o amor de Deus." Lc 11,42
    E em discussão com os líderes da judaica fé, Ele foi ainda mais incisivo: "Não espero Minha Glória dos homens. Mas conheço-vos: sei que não tendes em vós o amor de Deus. Vim em Nome de Meu Pai, por isso não Me recebeis. Se outro vier em seu próprio nome, haveis de recebê-lo." Jo 5,41-43
    São Paulo diz uma muito simples coisa, mas cheia de Sabedoria: Deus tem com o filho que O ama muito especial relação: "... se alguém ama a Deus, esse é conhecido por Ele." 1 Cor 8,3
    Por isso, ressaltando o valor da perseverança para que vençamos a insensibilidade, a inconstância e a faltosa consciência, Jesus recomendou-nos: "Se guardardes Meus Mandamentos, sereis constantes em Meu amor, como também Eu guardei os Mandamentos de Meu Pai e persisto em Seu amor." Jo 15,10
    Não por acaso, São João Evangelista atestou esse amor e essa perseverança até Seus últimos momentos: "Antes da festa da Páscoa, Jesus sabia que tinha chegado Sua hora, a hora de passar deste mundo para o Pai. Ele, que tinha amado os Seus que estavam no mundo, até o extremo amou-os." Jo 13,1
    Contudo, ciente de nossas fraquezas, Ele rezou ao Pai para que Seu amor, que é amor de Salvação, em nós permanecesse pela força de Sua manifestação: "Manifestei-lhes Teu Nome, e ainda hei de manifestá-Lo, para que o amor com que Me amaste neles esteja..." Jo 17,26
    Mas também havia deixado patente que não podemos ser amados por Deus se não amarmos a Ele, Seu Filho: "Pois o mesmo Pai vos ama, porque vós Me amastes e crestes que saí de Deus." Jo 16,27
    Pois, ainda segundo Ele, não podemos honrar a Deus se não honrarmos o Cristo: "Desse modo, todos honrarão o Filho, bem como honram o Pai. Aquele que não honra o Filho, não honra o Pai, que O enviou." Jo 5,23
    E São Paulo bem sabe Quem é o imprescindível Doador para que verdadeiramente alcancemos o mais puro amor: "... o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo..." Rm 5,5
    Bem sabe Quem nos motiva: "... ele informou-nos do amor com que o Espírito vos anima." Cl 1,8
    E reza: "... que sejais poderosamente robustecidos pelo Seu Espírito em vista do crescimento do vosso homem interior. Que Cristo habite pela fé em vossos corações, arraigados e consolidados no amor, a fim de que possais, com todos cristãos, compreender qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, isto é, conhecer o amor de Cristo, que desafia todo conhecimento..." Ef 3,16-19
    Demonstrava mesmo ter alcançado esse amor, como escreve aos coríntios: "Não vos serei oneroso, porque não busco vossos bens, mas sim a vós mesmos. Com efeito, não são os filhos que devem entesourar para os pais, mas os pais para os filhos. De muito boa vontade darei o que é meu, e dar-me-ei a mim mesmo pelas vossas almas, ainda que, mais vos amando, menos por vós seja amado." 2 Cor 12,14b-15
    Devemos, portanto, retribuir o amor de Deus com grandeza de espírito: "Pois Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de força, de amor e de moderação." Tm 1,7
    Mas se errarmos, sabemos que há esperança. Pois firmando a Nova Aliança, Deus disse através de Isaías ao povo de Israel: "'Mesmo que as montanhas oscilassem e as colinas se abalassem, jamais Meu amor te abandonará e jamais Meu pacto de Paz vacilará,' diz o Senhor, que Se compadeceu de ti." Is 54,9-10
    E para tanto Jesus deixou-nos a Igreja, que deve ser nossa Casa, onde somos purificados de nossas faltas. São João Evangelista rende graças: "Àquele que nos ama, que nos lavou de nossos pecados em Seu Sangue e que de nós fez um Reino de Sacerdotes para Deus e Seu Pai, Glória e poder pelos séculos dos séculos! Amém." Ap 1,5b-6
    Pois, de fato, Deus é movido por Seu amor, como São Paulo afirma: "... Deus, que é rico em Misericórdia, impulsionado pelo grande amor com que nos amou..." Ef 2,4
    E São João Evangelista, falando pelos cristãos de então, atesta que Seu amor é verdadeiro: "E nós, que cremos, reconhecemos o amor que Deus tem para conosco." 1 Jo 4,16
    Ele explica tal amor, assim como nossa Redenção, com essas palavras: "Assim foi que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou Seu único Filho ao mundo, para que por meio d'Ele tenhamos a Vida. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou Seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros." 1 Jo 4,9-11
    Sob inspiração do Espírito Santo, São Paulo diz algo muito parecido: "Mas eis aqui uma brilhante prova de amor de Deus por nós: quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu por nós. Se, quando ainda éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho, com muito mais razão, estando já reconciliados, seremos salvos por Sua Vida." Rm 5,8-10
    Por isso, deseja-nos as maiores bençãos: "Que o Senhor dirija vossos corações para Seu amor e para paciência de Cristo." 2 Ts 3,5
    E São Judas Tadeu, de olhos na eternidade, recomenda que perseveremos neste que é o maior dos divinos dons: "Conservai-vos no amor de Deus, aguardando a Misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Vida Eterna." Jd 1,21
    Mas cabe a pergunta: como poderíamos perseverar no amor de Deus? São João dá-nos uma simples sugestão: "Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, nele não está o amor do Pai." 1 Jo 2,15
    Também diz: "Quem possuir bens deste mundo e vir seu irmão sofrer necessidade, mas fechar-lhe seu coração, como pode estar nele o amor de Deus?" 1 Jo 3,17
    Ora, como reinvocaria Jesus, o Pai, em nome de Seu amor, desde os Levíticos já nos havia recomendado: "Amarás teu próximo como a ti mesmo." Lv 19,18
    Portanto, há muito temos da parte de Deus essa determinação. E é pela obediência que perceberemos as benesses de Seu amor em nossas vidas, como São João diz: "Aquele, porém, que guarda Sua Palavra, n'Ele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito." 1 Jo 2,5
    Por fim, numa síntese ainda mais concisa, ele registra: "Eis o amor a Deus: que guardemos Seus Mandamentos." 1 Jo 5,3
    E enternecido, exclama: "Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E, de fato, nós somos! Por isso, o mundo não nos conhece, porque não O conheceu." 1 Jo 3,1
    É pela beleza e profundidade de frases como essas que uma exortação de São Paulo se tornou a saudação de acolhida na Santa Missa: "A Graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a Comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!" 2 Cor 13,13
    E, por isso, o Eclesiástico recomenda com pertinência: "... ama a Deus durante toda tua vida, e invoca-O para tua Salvação." Eclo 13,18

    "Por amor, enviaste-nos Vosso Filho!"