A modo das revelações feitas à Santa Gertrudes, A Grande, que viveu nos séculos XIII e XIV, Jesus quis conformá-la, sob todos aspectos, à Sua vida e Sua Paixão, e deu-lhe o nome de 'dileta discípula de Meu Coração.'
Monja Visitandina, da Ordem da Visitação de Santa Maria, de vida monástica contemplativa, nasceu em 22 de julho de 1647, na cidade de Verosvres, região de Lyon, centro-leste da França. Seu pai era juiz e tabelião, o que lhe garantiu alguma estabilidade, mas perdeu-o ainda na infância, e teve que se submeter à criação de parentes, ficando quase sem instrução. Ela mesma registrou: "Perdi meu pai ainda muito nova, e como era a única filha, e minha mãe encarregou-se da tutela dos filhos, que éramos em número de cinco, eu parava muito pouco em casa; e por isso, até à idade de oito anos e meio, pouco mais ou menos, criei-me sem outra educação que a de criados e aldeões."
Aliás, as mais precisas informações que temos de sua história, mais tarde chamada de 'Vida de Santa Margarida-Maria Alacoque - escrita por ela própria', foram anotadas a contragosto, pois das revelações de Deus que teve, reconhecendo sua indignidade diante de tamanha santidade e amor, queria viver para ocultar-se e ser esquecida. E assim se via muito feliz, como apontou: "É pois só por Vosso amor, ó Meu Deus, que eu me submeto a escrever isto por obediência, pedindo-Vos perdão da resistência que nisso tenho feito. Mas, como só Vós conheceis a grande repugnância que sinto, só Vós também podeis dar-me fôrça para vencê-la, tendo eu recebido esta obediência como vinda de Vós, que assim quisestes castigar a demasiada alegria e a precaução que tinha tomado, para seguir a grande inclinação que sempre tive a sepultar-me em eterno esquecimento das criaturas."
De fato, sempre foi muito grata: "Ó Meu único Amor, quanto não Vos devo eu, por terdes-me prevenido desde mais tenra infância, tornando-Vos o Senhor e possuidor de meu coração, apesar de bem conhecerdes as resistências que ele havia de fazer-Vos. Logo que tive consciência de mim, fizestes ver à minha alma a fealdade do pecado, imprimindo em meu coração tanto horror a ele, que a menor mancha me era insuportável tormento..."
Por isso, comprometeu-se: "E sem saber o que dizia, sentia-me continuamente impelida a dizer estas palavras: 'Meu Deus, eu consagro-Vos minha pureza, e faço-Vos voto de perpétua castidade."
Nossa Senhora também se mostrou muito ativa em sua criação, o que a fez perceber a profunda reverência que devia a Jesus: "A Santíssima Virgem sempre teve grandíssimo cuidado de mim, e a ela é que eu recorria em todas minhas aflições; e foi ela quem me apartou de muito grandes perigos. De nenhum modo me atrevia a dirigir-me a Seu Divino Filho, mas sempre a ela..."
De fato, sempre foi muito grata: "Ó Meu único Amor, quanto não Vos devo eu, por terdes-me prevenido desde mais tenra infância, tornando-Vos o Senhor e possuidor de meu coração, apesar de bem conhecerdes as resistências que ele havia de fazer-Vos. Logo que tive consciência de mim, fizestes ver à minha alma a fealdade do pecado, imprimindo em meu coração tanto horror a ele, que a menor mancha me era insuportável tormento..."
Por isso, comprometeu-se: "E sem saber o que dizia, sentia-me continuamente impelida a dizer estas palavras: 'Meu Deus, eu consagro-Vos minha pureza, e faço-Vos voto de perpétua castidade."
Nossa Senhora também se mostrou muito ativa em sua criação, o que a fez perceber a profunda reverência que devia a Jesus: "A Santíssima Virgem sempre teve grandíssimo cuidado de mim, e a ela é que eu recorria em todas minhas aflições; e foi ela quem me apartou de muito grandes perigos. De nenhum modo me atrevia a dirigir-me a Seu Divino Filho, mas sempre a ela..."
E assim as alegrias desse mundo se tornaram amargas para ela, ainda que ela relutasse: "Meteram-me numa casa religiosa onde fiz a primeira Comunhão, tinha eu uns nove anos; e esta Comunhão derramou tanto amargor em todos meus prazeres e divertimentos, que já não podia achar gosto em nenhum, apesar de eu procurá-los com afã."
Rápido, porém, também lhe vieram as dores, ainda que tenha alcançado grande Graça por uma promessa, que definiria sua vida: "Mas vim a cair num estado de tão pela lastimosa doença, que estive, quase durante quatro anos, sem poder andar; e os ossos furavam-me a pele por todos lados. Isto foi causa de não me conservarem mais que dois anos naquele convento; e nunca se pôde achar outro remédio aos meus males, senão me consagrar à Santíssima Virgem, prometendo-lhe que, se me curasse, havia de ser um dia uma de suas filhas. Apenas fiz este voto, logo fiquei curada da doença, e com uma nova proteção da Santíssima Virgem, a qual tomou tão inteira posse de meu coração, que, olhando-me como filha sua, governava-me como coisa que lhe fora consagrada, repreendia-me de minhas faltas, e ensinava-me a cumprir a vontade de Deus."
Nossa Mãe Celeste realmente velava de cada mínimo detalhe. Ora, como sempre fervorosamente rezava de joelhos, "Um dia, quando eu estava assentada a rezar o Terço, apareceu a Senhora diante de mim e fez-me esta admoestação, que jamais se apagou de meu espírito, apesar de eu ser então ainda muito nova: 'Estranho muito, filha minha, que me sirvas com tanto desleixo!' Estas palavras deixaram em minha alma tal impressão, que me têm sido muito úteis em toda minha vida."
Foi quando suas parentes paternas, que ela por autêntica caridade não quis nominar, assumiram o controle de sua casa: "Minha mãe tinha-se despojado da própria
autoridade em sua casa, para concedê-la a outras pessoas; e estas de tal maneira abusaram dela, que nem
minha mãe nem eu nunca passamos outro semelhante
cativeiro. (...) Não tínhamos pois nenhum poder em nossa casa,
nem nos atrevíamos a fazer coisa alguma sem licença.
Era uma contínua guerra..."
Fez, então, a grande descoberta: "A partir de então é que eu pus todas minhas aspirações em buscar todo meu prazer e consolação no Santíssimo Sacramento do Altar."
Mas, como vivia numa povoação afastada da igreja, até isso era-lhe negado: "Sucedia então que, não tendo onde me pudesse refugiar, senão nalgum cantinho do quintal ou do curral, ou noutro sítio escondido onde pudesse pôr-me de joelhos, para desabafar o coração em lágrimas diante de Deus, pela intercessão da Santíssima Virgem, minha boa Mãe, na qual tinha colocado toda minha confiança; ali ficava o dia inteiro sem comer nem beber."
Voltando à casa, seguia-se o terror: "Com efeito, apenas entrava em casa, logo
recomeçava mais forte a bateria, porque não tinha
cuidado do arranjo da casa nem dos filhos daquelas
bem-feitoras de minha alma; e sem me desculpar com
uma só palavra, punha-me a trabalhar com as
criadas."
Passava as noites chorando "... diante da imagem de Meu Jesus Crucificado, o Qual me fez ver, sem
eu nada compreender, que Ele queria tornar-Se Senhor
absoluto de meu coração; e que queria conformar-me em tudo à Sua vida de sofrimento..."
Tais palavras calaram-lhe muito forte: "Desde então ficou minha alma tão penetrada disto, que desejara não tivessem cessado minhas penas nem por um instante, porque tinha sempre presente a Jesus sob a figura do Crucifixo ou do Ecce Homo carregado com a Cruz..."
E já adulta, e freira, tendo que escrever sobre tantos detalhes que desejava esconder, "... Ele fez-me ouvir Sua voz, dizendo : 'Continua, Minha filha, continua. Aqui não se trata de tuas repugnâncias. É necessário que cumpras Minha vontade.'"
Ele explicou: "... é para fazer-te saber que de maneira nenhuma te deves apropriar dessas Graças, nem ser mesquinha em distribui-las aos outros, pois Eu quis servir-Me de teu coração como de um canal, para, segundo Meus desígnios, derramá-las pelas almas, sendo muitas delas por este meio apartadas do abismo da perdição, como depois te farei ver."
Ela, pois, acusava-se de 'graves faltas': "Mas eu também tinha cometido grandes pecados! Uma vez, em tempo de carnaval, estando com outras jovens, mascarei-me por vã complacência, o que foi para mim, durante toda minha vida, objecto de dor e de lágrimas..."
Sua mãe queria-a casada, achando que o voto feito quando criança seria dispensado, pois não sabia o que fazia. E assim ela até dispôs-se, enfeitando-se para receber pretendentes, o que em sua alma era um suplício. Ela anotou: "Depois à noite, quando tirava aquelas malditas librés de Satanás, isto é, os vãos enfeites, instrumentos da malácia dele, aparecia-me Meu soberano Senhor, como na flagelação, completamente desfigurado, fazendo-me terríveis queixas: que minhas vaidades O tinham reduzido àquele estado, e que eu perdia um tão precioso tempo, de que Ele me havia de pedir rigorosa conta à hora da morte; que O atraiçoava e perseguia, depois de ter-me dado tantas provas de amor, e apesar de Seu desejo de que eu me tornasse semelhante a Ele."
Por fim, amadureceu: "Tendo passado vários anos em meio a estas penas e lutas, além de muitos outros sofrimentos, sem mais consolação que a de Meu Senhor Jesus Cristo, que Se tinha assenhoreado de mim e me governava em tudo, reacendeu-se tão ardentemente em meu coração o desejo da vida religiosa, que resolvi ser freira a todo custo."
Contudo, admitia: "Eu era naturalmente inclinada ao amor dos prazeres e divertimentos, porém nunca podia gozar de nenhum, embora às vezes fizesse tudo que podia para buscá-los; pois aquela dolorosa figura que se me apresentava como sendo de Meu Salvador, logo depois de ser flagelado, me impedia inteiramente saboreá-los."
E assim começou a tratar de suas fraquezas: "Sentia extrema repugnância em ver chagas, mas logo me punha a curá-las e a beijá-las para vencer-me, sem saber como as havia de tratar. Porém Meu Divino Mestre sabia suprir tão bem minhas ignorâncias, que em pouco tempo as chagas estavam curadas, sem mais unguento que o da Divina Providência, ainda que fossem muito perigosas chagas..."
Ela ouviu de Jesus: "Escolhi-te para Minha esposa, e prometemos fidelidade mútua, quando tu fizeste voto de castidade. Eu é que te impelia a que o fizesses, antes que o mundo tivesse parte alguma em teu coração, porque Eu o queria com toda pureza, e sem estar manchado de terrestres afeições; e para assim o conservar unicamente para Mim, tirava eu toda malícia de tua vontade, para que ela não pudesse corrompê-lo. E depois te dei a guardar, como um depósito, aos cuidados de Minha Santíssima Mãe, para que ela te regesse, segundo Meus desígnios."
Assim, ela jurou à Virgem Maria: "Por isso, naquela ocasião fiz-lhe voto de jejuar todos sábados, e de rezar-lhe o ofício de sua Imaculada Conceição, quando o soubesse ler, e sete genuflexões todos dias da minha vida com sete Ave-Marias, para honrar suas sete dores..."
Mas era assediada: "Satanás continuamente dizia-me: 'Pobre desgraçada! Que cuidas tu que vais fazer, querendo fazer-te freira? Vais ser a irrisão de toda gente, porque não hás de perseverar. E que vergonha deixar o hábito de Religião e sair dum convento! Onde é que te hás de esconder depois?'"
Quiseram fazer-lhe uma freira ursulina... "E dizia-me uma voz secreta : 'Não te quero ali, mas sim nas religiosas de Santa Maria."
Disse-o a seus familiares: "Quero ir para as de Santa Maria, para um muito afastado convento, onde não tenha parentas nem conhecidas, pois quero ser religiosa só por amor a Deus. Quero deixar o mundo por uma vez, e esconder-me em qualquer cantinho, para dele esquecer-me, e para ser dele esquecida e nunca mais o ver."
Visita então o Convento de Santa Maria da Visitação em Paray-le-Monial, a 30 km nas proximidades, onde, "... logo que entrei no locutório, interiormente ouvi estas palavras: 'É aqui que Eu te quero.'"
Quando finalmente entrou para a congregação, em 1671, de pronto buscou sua Superiora, seu "Jesus Cristo na Terra": "Rogando-lhe eu que me ensinasse a fazer oração, da qual minha alma havia sentido tão grande fome, ela não queria crer que, tendo eu vindo para a Religião aos 23 anos, não a soubesse fazer..."
E quando quis fazer maiores penitências que as da Ordem, foi corrigida em aparição pelo próprio São Francisco de Sales: "... meu Santo Fundador repreendeu-me tão fortemente, sem me deixar passar adiante, que nunca mais tive ânimo para voltar a pensar nisso, porque me ficaram gravadas para sempre no coração estas suas palavras: 'Como, filha minha, pensas que podes agradar a Deus, ultrapassando os limites da obediência, que é o principal sustentáculo e fundamento desta Congregação, e não as austeridades?'"
Sua sede por humilhações e mortificações, porém, seguiam causando estranhezas. É quando Nosso Senhor Se oferece com o próprio fiador de sua vocação: "Mas além disso ainda me puseram em aflição pouco antes de professar, dizendo-me que se estava a ver que eu não servia para tomar o espírito da Visitação, a qual se temia de todas essas espécies de estranhos caminhos, sujeitos a embustes e ilusões. Isto representava eu sem demora ao Meu Senhor, fazendo-Lhe minhas queixas: 'Ó Senhor, e haveis de ser Vós a causa de despedirem-me? Ele respondeu-me: 'Diz à tua Superiora que não tem nada que temer em receber-te, porque Eu respondo por ti; e que, se Me tem por bom pagador, Eu servi-te-ei de fiança.'"
Mas ouvindo isso, a Superiora pediu do próprio Jesus um sinal que demonstrasse que ela seria útil à Congregação, pela prática das observâncias, ao que Ele mandou responder: "Pois bem, Minha filha, tudo isto concedo-te; e Eu fá-te-ei mais útil à Religião que ela pensa, mas há de ser de uma maneira que até agora só Eu sei; e de hoje em diante acomodarei Minhas Graças ao espírito de tua Regra, à vontade de tuas Superioras e à tua fraqueza; e assim terás por suspeito tudo que te apartar da exata observância de tua Regra, que Eu quero prefiras a tudo mais. E além disso sou contente de que anteponhas a vontade de tuas Superioras à Minha, quando te proibirem fazer o que Eu te haja ordenado. Deixa que façam de ti tudo que quiserem: Eu saberei empregar o melhor modo de levar a bom termos Meus desígnios, até por meios que pareçam ser opostos e contrários. Só reservo para Mim a direção de teu interior, pois tendo nele estabelecido o império do Meu puro amor, jamais o cederei a outrem."
Tendo feito profissão de fé em 6 de Novembro de 1672, anotou: "...nesse dia é que Meu Divino Senhor houve por bem receber-me por Sua esposa. (...) E desde então me agraciou com Sua divina presença, mas de uma maneira, que eu ainda não tinha recebido uma tão grande Graça, a avaliar pelos efeitos que depois sempre operou em mim. Via-O e sentia-O junto de mim; e ouvia-O muito melhor que se fosse com os sentidos corporais, pelos quais poderia distrair-me para voltar-me para outra coisa; mas eu não podia pôr-Lhe impedimento, porque nada disso estava na minha mão."
Ela comentou: "Isto imprimiu em mim um tao profundo aniquilamento, que me senti logo como submergida e aniquilada no abismo de meu nada, donde depois não pude sair por motivo de sujeição e respeito àquela infinita grandeza, diante da qual eu queria estar sempre prostrada com o rosto em terra ou de joelhos; e isto tenho feito desde então, enquanto o permite o trabalho e minha fraqueza."
E relatando alguns de Seus "entretenimentos de Apaixonado Esposo", registrou: "Só direi que em Si mesmo me fez ver duas santidades: uma de amor, outra de justiça, ambas rigorosíssimas a Seu modo, e que continuamente haviam de exercer-se em mim. A primeira havia de fazer-me sofrer uma espécie de Purgatório muito doloroso de suportar, para aliviar as santas almas que lá estavam detidas, às quais Ele permitia, segundo Lhe aprouvesse, dirigirem-se a mim. Da santidade de justiça, tão terrível e espantosa para os pecadores, fá-me-ia sentir o peso de Seu justo rigor, fazendo-me sofrer pelos pecadores, e 'particularmente', dizia, 'pelas almas que Me são consagradas, pelas quais te farei ver e sentir ao diante o que terás de sofrer por Meu amor.'"
Aí, contudo, ela encontrou a verdadeira felicidade: "Só direi que isto me deu tanto amor à Cruz, que não posso viver um instante sem padecer: mas padecer em silêncio, sem consolação, sem alívio nem compaixão; e morrer com Este Soberano de minha alma, humilhada sob a Cruz, com toda sorte de opróbrios, de humilhações, de esquecimentos e desprezos. Isto tem-me durado toda vida, pois ela toda se tem passado nesta classe de exercícios que são os do puro Amor, que sempre tomou o cuidado de fornecer-me esta espécie de manjares tão deliciosos ao Seu gosto, que nunca diz basta."
Não obstante, Ele não deixava de corrigi-la: "Meu Divino Mestre deu-me uma vez esta lição, depois de uma falta que eu tinha cometido. 'Sabe', disse, 'que Eu sou um Mestre Santo, que ensina a santidade. Sou puro, e não posso sofrer a menor mancha. Por isso, é necessário que procedas em simplicidade de coração, com uma reta e pura intenção em Minha presença. Eu não posso sofrer o mínimo desvio; e fá-te-ei conhecer que, se o excesso do amor Me levou a fazer-Me Teu Mestre, para ensinar-te e modelar-te à Minha feição, e segundo Meus desígnios, não posso tolerar as tíbias e frouxas almas; e, se sou bondoso em suportar tuas fraquezas, não serei menos severo e exato em corrigir e punir tuas infidelidades.'"
Era pontual, segundo ela: "Mas o que mais severamente repreendia era a falta de respeito e de atenção diante do Santíssimo Sacramento, sobretudo no tempo do ofício e da oração, as faltas de retidão e pureza de intenção e a vã curiosidade."
Ela julgava-se digna de mais castigos, pedindo que lhe afastasse a doçura de Seu amor... "Mas Ele respondia-me que a mim tocava o sujeitar-me indiferentemente a todas Suas diversas disposições, e não o dar-Lhe leis a Ele. E dizia : 'Eu fá-te-ei compreender depois, como sou sábio e prudente diretor, e como sei conduzir as almas sem perigo, quando se entregam a Mim, esquecendo-se de si mesmas.'"
Noutra ocasião, durante uma adoração ao Santíssimo, Jesus fez-lhe repousar sobre Seu peito e disse-lhe: "Meu Divino Coração está tão abrasado de amor para com os homens, e em particular, para contigo, que, não podendo já conter em si as chamas de sua ardente caridade, precisa derramá-las por teu meio, e manifestar-se-lhes para enriquecê-los de seus preciosos tesouros, que Eu te mostro a ti, os quais contêm a Graça Santificante e as salutares e indispensáveis Graças para apartá-los do abismo da perdição; e escolhi a ti, como abismo de indignidade e ignorância, para a realização deste grande desígnio, para que tudo seja feito por Mim."
Foi quando se deu esta impressionante e mística cena: "Depois me pediu meu coração; e eu roguei-Lhe que o tomasse, o que Ele fez, e meteu-o em Seu Adorável Coração, no qual mo mostrou como um atomozinho que se consumia naquela ardente fornalha.
Depois o tirou de lá como uma viva chama em forma
de coração, e tornou-o ao lugar donde o tinha tomado,
dizendo-me: 'Eis aqui, Minha dileta esposa, um precioso penhor de Meu amor, que em teu peito encerra
uma pequenina centelha das mais vivas chamas dele,
para servir-te de coração e consumir-te até ao último
momento, e cujo ardor não se extinguirá, nem poderá encontrar senão um pequeno refrigério numa sangria,
cujo sangue Eu marcarei de tal modo com Minha
Cruz, que essa operação há de trazer-te mais humilhação e sofrimento que alívio. Por isso, quero que
tu a peças simplesmente, assim para praticar o que
está mandado, como para dar-te a consolação de derramar teu sangue na Cruz das humilhações.'"
E lembrando um 'estigma' de que ela havia sido poupada, completou: "E para sinal de que a grande Graça que te acabo de fazer não é nada de imaginação, e que é o fundamento de todas as que ainda tenho para conceder-te, mesmo que já fechei a chaga de teu lado, ficá-te-á a dor para sempre; e, se até agora não tomaste senão o nome de Minha escrava, Eu dou-te o de dileta discípula de Meu Coração."
Ora, tal foi a efetividade desta Graça que "Depois de tão grande favor, e que durou por largo espaço de tempo, em que eu não sabia se estava no Céu se na Terra, fiquei vários dias como que toda abrasada e embriagada, e de tal modo fora de mim, que não podia acabar comigo para dizer uma palavra, senão com violência... E não podia dormir, porque esta ferida, que me
dá uma tão preciosa dor, me causa tão vivos ardores,
que me consome toda e me abrasa viva."
Ela explicou sobre o 'estigma': "Aquela Graça de que falei agora a respeito de minha dor do lado, renovava-se-me nas primeiras sextas-feiras de cada mês, da maneira seguinte: era-me representado aquele Sagrado Coração como um brilhante sol, de vivíssima Luz, o qual lançava seus ardentíssimos raios a prumo sobre meu coração, que logo se sentia abrasado de um tão ardente fogo, que parecia reduzir-me a cinzas; e era particularmente nessa ocasião que Meu Divino Mestre me mostrava o que Ele queria de mim, e descobria-me os segredos daquele Amável Coração."
E narrou: "Uma vez, entre outras, quando estava o Santíssimo exposto, depois de ter-me sentido retirada dentro de mim mesma, com um muito grande recolhimento de todos meus sentidos e potências, Jesus Cristo, Meu doce Mestre, apareceu-me todo radiante de Glória com Suas cinco chagas, brilhantes como cinco sóis; e Sua sagrada humanidade lançava chamas de todos lados, mas sobretudo de Seu sagrado peito, que parecia uma fornalha: e abrindo-o, descobriu-me Seu Amantíssimo e Amabilíssimo Coração, que era a fonte viva daquelas chamas. Foi então que Ele me mostrou as inexplicáveis maravilhas de Seu puro amor, e o excesso a que Ele tinha chegado em amar aos homens de quem não recebia senão ingratidões e friezas. 'Isto', disse-me Ele, 'Me custa muito mais que tudo quanto sofri na Minha Paixão; e tanto, que se eles Me correspondessem com um pouquinho de amor, teriam em pouco tempo tudo quanto fiz por eles, e ainda quisera fazer mais, se possível fosse. Contudo, não têm senão friezas e repulsas para todo este Meu afã de fazer-lhes bem. Mas ao menos tu dá-Me esse gosto de suprires pela ingratidão deles, quanto puderes e fores capaz.'"
Ele determinou-lhe a Comunhão das primeiras sextas, bem como a Hora Santa, das noites de quinta-feira: "Primeiramente hás de receber-Me no Santíssimo Sacramento, sempre que a obediência to quiser conceder, por mais mortificações e humilhações que daí te hajam de vir, as quais tu deves receber como penhores de Meu amor. E além disso hás de comungar todas primeiras sextas-feiras de cada mês; e todas noites da quinta para sexta-feira fá-te-ei participar daquela mortal tristeza que Eu quis sentir no Horto, tristeza que há de reduzir-te a uma espécie de agonia mais angustiosa que a morte."
Deu mais estes detalhes sobre a Hora Santa: "E para acompanhar-Me na humilde oração que Eu então apresentei a Meu Pai, no meio de todas Minhas angústias, levantar-te-ás entre as onze horas e a meia noite, para Comigo prostrar-te durante uma hora, com o rosto em terra, assim para aplacar a divina ira, pedindo Misericórdia para os pecadores, como para adoçar de alguma maneira a amargura que Eu sentia com o desamparo em que Me deixavam Meus Apóstolos, o qual Me obrigou a lançar-lhes em rosto o não terem podido velar uma hora Comigo. E nessa Hora farás tudo que Eu te ensinar."
Viu, então, a Santíssima Trindade, e cada uma das Três Pessoas lhe falou: "Contudo, sempre continuando Nosso Senhor com as mesmas Graças, recebi outra incomparável, parecendo-me, num desmaio que me veio, que as Três Pessoas da Santíssima Trindade me apareceram e fizeram sentir grandes consolações em minha alma. Não podendo, porém, explicar o que então passou, só digo que me pareceu que o Pai Eterno, apresentando-me uma grossíssima Cruz, toda coberta de espinhos, com todos instrumentos da Paixão, disse-me: 'Toma, filha Minha; faço-te o mesmo presente que fiz a Meu muito amado Filho.' 'E Eu', disse Meu Senhor Jesus Cristo, 'pregá-te-ei nela como Me pregaram a Mim, e fá-te-ei fiel companhia.' E a terceira daquelas adoráveis Pessoas disse-me que era só amor, e consumir-me-ia nele, purificando-me."
Ela escreveu sua reação, dando esta descrição: "Ficou em minha alma indizíveis Paz e alegria, porque a impressão que nela fizeram aquelas Divinas Pessoas, nunca mais se apagou. Apareceram-me sob a forma de Três jovens vestidos de branco, todos resplandecentes de Luz, da mesma idade, estatura e beleza. Não compreendi por então, como depois compreendi, os grandes sofrimentos que isto significava..."
Com efeito, as mínimas correções de Jesus continuavam: "Uma vez, tendo-me deixado levar de um movimentinho de vaidade, falando de mim mesma, oh! Meu Deus, quantas lágrimas e gemidos me custou aquela falta. Com efeito, logo que Nos encontramos a sós, repreendeu-me desta maneira e com severo rosto: 'Que tens tu, pó e cinza, de que te possas gloriar, se nada tens de teu, senão o nada e a miséria, nem jamais deves perder de vista nem deixar o abismo de teu nada? E para que a grandeza de Meus dons não te faça desconhecer e esquecer o que tu és, quero que o vejas com teus olhos neste quadro.' E descobrindo-me logo aquele horrível quadro em que estava um compêndio de tudo que eu sou, fiquei de tal modo surpreendida, e com tanto horror de mim mesma, que, se o Senhor me não tivesse sustentado ali, desfaleceria de dor, não podendo compreender o excesso de uma tão grande bondade e Misericórdia, por não me ter ainda sepultado no inferno, e por suportar-me, sendo que nem eu podia suportar a mim mesma."
Depois da Confissão anual, ela recebeu mais esta Graça de Nosso Senhor: "Eis a vestidura de inocência, com que revisto tua alma, para que vivas como se já não vivesses, mas antes Me deixes viver em ti; porque Eu sou a Vida, e tu não hás de viver senão em Mim e por Mim; quero que tu operes como se não operasses, e Me deixes operar e atuar em ti e por ti, renunciando em Mim todos cuidados. Não mais deves ter vontade própria; e como se a não tivesses, deixá-Me-ás querer por ti, em tudo e sempre."
E por estes tempos, contra os assédios do Demônio, socorria-lhe seu Anjo da Guarda, que havia muito já a acompanhava: "Uma vez, empurrou-me do alto de umas escadas com uma braseira cheia, e encontrei-me no fundo sem a entornar e sem dano algum em mim. As que me viram, pensaram que tinha quebrado as pernas, mas senti que meu fiel Anjo da Guarda me acudiu; porque eu tinha a constante dita de gozar de sua presença, e de ser frequentemente repreendida e corrigida por ele."
Realmente, sempre cuidava de iluminá-la: "Uma vez, tendo-me metido a falar de um casamento de uma parenta, o Anjo fez-me ver quão indigno era aquilo de uma alma religiosa; e tão severamente repreendeu-me, que me disse que, se me tornasse a meter nesta espécie de mexericos, me esconderia seu rosto. Não podia sofrer a mínima imodéstia ou falta de respeito na presença de Meu Soberano Senhor, diante do Qual o via prostrado em terra, e queria que eu fizesse o mesmo..."
Um dia, em oração, nossa Santa questionou Jesus: "'E Vós, Senhor, que não fizestes Vós, para ganhar o coração dos
homens? E ainda assim Vo-lo negam, e dele Vos repelem tantas vezes!' 'É Verdade, Minha filha, que Meu amor Me fez sacrificar tudo por eles, sem nenhuma correspondência de sua parte; mas Eu quero que
supras tu essa ingratidão, com os méritos de Meu Sagrado Coração.'"
De fato, ela teve que fazer ainda mais sacrifícios, agora por sua Congregação. Disse-lhe Jesus: "Quero-te entregar Meu Coração. Mas para o futuro é preciso que sejas sua vítima de imolação, para, por intermédio dele, afastares os castigos que a divina justiça de Meu Pai, armado de cólera, quer descarregar sobre uma comunidade, para, em Sua justa ira, admoestá-la e corrigir."
Isto meteu-lhe verdadeiro medo, o que só os aumentava: "Eu desfazia-me em lágrimas; e vi-me por fim obrigada a dizê-lo à Superiora, a qual, ao ver minha aflição, me disse que sem restrições me sacrificasse em tudo que o Senhor desejasse de mim. Mas, Santo Deus, então é que minhas penas cresceram com ainda mais força, porque não tinha ânimo para dizer que sim, e sempre resistia."
E teve mais esta terrível revelação: "Mas na véspera da Apresentação vi a divina justiça, armada de tão terrível maneira, que fiquei toda fora de mim; e não podendo defender-me, ouvi, como São Paulo, as palavras: 'Bem duro há de ser para ti recalcitrar contra o aguilhão de Minha justiça! E já que tanta resistência fizeste para fugir às humilhações que convém sofras neste sacrifício, hás de sofrê-las dobradas; porque Eu não te pedia mais que um sacrifício secreto, e agora o quero público, e de uma maneira e num tempo fora de toda invenção humana, e com tão humilhantes circunstâncias, que hão de ser-te matéria de confusão por toda vida, a teus olhos e aos das criaturas, para fazer-te compreender o que é resistir a Deus.'"
Oferecendo-se, enfim, para expiar os pecados de sua Congregação, achou-se verdadeiramente num exemplo da condenação total: "Via aquela santidade de Deus, armada dos dardos de Sua justa ira, prestes a arremessá-los contra mim, e abismar-me, segundo me parecia, nas fauces do inferno, que eu via já abertas para tragarem-me. Sentia-me abrasada de um fogo devorador que me penetrava até à medula dos ossos, e todo meu corpo em estranhos tremores..."
Teve mesmo que contar com os auxílios de suas irmãs freiras, como ela registrou: "Parece-me, contudo, que posso asseverar que nunca tinha sofrido tanto, ainda que eu pudesse juntar todos sofrimentos que até ali tinha tido, e todos que tive depois; e ainda que durassem todos juntos durante toda vida, parece-me que não se poderiam comparar ao que passei naquela noite. Com isto, quis Nosso Senhor regalar esta mesquinha escrava Sua, para honrar a dolorosa noite de Sua Paixão, embora não fosse mais que uma pequenina amostra; e levavam-me de um lado para o outro com espantosas confusões."
E deu-se este desfecho: "Tendo, pois, passado esta noite nos tormentos que Deus sabe, e sem repouso, até perto da hora de Missa, então me parece que ouvi estas palavras: 'Enfim, está feita a Paz, e Minha santidade de justiça está satisfeita pelo sacrifício que Me fizeste, para prestar homenagem ao que Eu fiz no instante de Minha Encarnação no seio de Minha Mãe, cujo mérito quis juntar e renovar com o que tu Me fizeste, para aplicá-lo em favor da caridade, como te fiz ver. (...) Portanto, à Minha imitação procederás e sofrerás em silêncio, sem mais interesse que a Glória de Deus no estabelecimento do Reino de Meu Sagrado Coração no coração dos homens, a quem Eu o quero manifestar por meio de ti.'"
Não lhe faltava, no entanto, a Paz: "Deu-me Meu Senhor estes ensinamentos; depois de tê-lo recebido, não me tirou, porém, do estado de sofrimento; nele sentia uma inalterável Paz, na aceitação de tudo que padecia e que eu via havia de padecer até ao dia de Juízo, se fosse vontade de Deus..."
O comportamento de suas confreiras, então, não ajudava: "Parecia que tudo se conjurava para aniquilar-me. Continuamente rodeavam-me com perguntas, e as poucas respostas que me arrancavam como à força, ainda serviam de instrumento para aumentar-me o suplício. Não podia comer, nem falar, nem dormir; e todo meu descanso e ocupação era ficar prostrada diante de Deus, o Qual com Sua soberana grandeza me tinha toda abatida no mais profundo abismo de meu nada, sempre gemendo e chorando, para pedir-Lhe Misericórdia e que desviasse os golpes de Sua justa ira."
Ao contrário, agravavam: "E para voltar àquele doloroso estado que não cessava, e que sempre aumentava com bem sensíveis e humilhantes acréscimos, cuidaram que eu estava possessa ou obsessa do Demônio, e deitavam-me muita água benta, com muitas cruzes e orações, para repelir o maligno espírito. Mas o Espírito de que eu me sentia possuída, em vez de fugir, mais me estreitava a Si, dizendo-me: 'Eu gosto da água benta, e amo tanto a Cruz, que não posso resistir a unir-Me intimamente aos que a levam como Eu, e por amor de Mim.' Estas palavras atearam tanto em minha alma o desejo de sofrer, que tudo que padecia me parecia ser uma gota de água que mais acendia do que apagava a sede que eu tinha."
Era uma dor moral: "Foi este um terrível golpe para mim, pois toda vida tinha receado ser enganada, ou enganar aos outros, sem querer. Isto fazia-me chorar muito, porque não podia de maneira nenhuma apartar de mim a influência daquele Soberano Espírito que em mim atuava..."
Veio-lhe, então, num período de Quaresma, seu grande colaborador, um diretor espiritual, o Padre São Claude la Colombière: "Quando aquele Santo homem veio aqui, falando ele à comunidade, interiormente ouvi estas palavras: 'Eis aí quem Eu te envio,' Isto mesmo conheci eu bem depressa na primeira Confissão, nas Quatro Têmporas, porque, sem nos termos visto nem falado nunca, me reteve por muito tempo e me falava como se tivesse compreendido o que em mim passava."
Entretanto, não era um alívio total: "Mas aquela infinita bondade não queria que eu recebesse nenhuma consolação, sem me custar boas humilhações; e este mesmo trato trouxe-mas em não pequeno número; e o mesmo Padre teve muito que sofrer por causa de mim. Diziam que eu queria enganá-lo com minhas ilusões, e embai-lo, como aos outros; mas ele não se importava, e não deixava de continuar a ajudar-me no pouco tempo que esteve nesta cidade, e sempre."
Então se deu este grande sinal: "Uma vez em que ele veio dizer Missa à nossa igreja, fez-lhe Nosso Senhor muito grandes Graças, e a mim também; porque ao aproximar-me para recebê-Lo na Sagrada Comunhão, mostrou-me Jesus Seu Sagrado Coração como uma ardente fornalha, e outros dois corações que nele iam unir-se e abismar, dizendo-me: 'É assim que Meu puro amor une para sempre estes três corações.' E depois me fez ver que toda esta união era para Glória de Seu Sagrado Coração, cujos tesouros queria que eu Lhe descobrisse, para que o mesmo Padre os desse a conhecer, e publicasse sua utilidade e excelência; e que para isso queria que nós fossemos como irmão e irmã, com inteira comunhão de bens espirituais."
E veio deste Padre a ordem que presenteou a Igreja com esta importantíssima obra: "Também me mandou escrever o que em mim passava, coisa a que eu sentia mortal repugnância; por isso escrevia, para obedecer, e depois queimava tudo, cuidando que tinha cumprido suficientemente com a obediência. Mas sofria muito por esta causa, e meteram-me escrúpulo, e proibiram-me tornar a fazer tal coisa."
Para encorajá-la, Jesus explicou: "Mas Aquele Soberano não Se apartava de sua indigna vítima, cuja fraqueza e impotência, para todo bem, Ele por demais conhecia; e dizia-me às vezes: 'Muita honra faço-te Eu, Minha querida filha, em servir-Me de tão nobres instrumentos para crucificar-te. Meu Eterno Pai entregou-Me às mãos cruéis dos desapiedados verdugos, para crucificarem-Me; e Eu contigo sirvo-Me de pessoas a Mim dedicadas e consagradas, a cujo poder te confiei; e por sua salvação quero que ofereças tudo que elas te fizerem sofrer."
Ela bem entendeu: "Ele queria que eu andasse num contínuo ato de sacrifício, e que para isso aumentaria minhas sensibilidades e repugnâncias, de tal maneira, que nada havia de fazer senão com trabalho e violência, para dar-me matéria de vitórias, ainda nas mais simples e indiferentes coisas. E isto posso eu assegurar que sempre ao depois o experimentei. Dizia mais: que nunca encontraria doçura senão nos amargores do Calvário e que Ele me faria achar martírio e sofrimento em tudo que para os outros pudesse ser de alegria, prazer e felicidade temporal... (...) O refeitório e a cama custavam-me tanto, que só o aproximar-me me fazia gemer e derramar lágrimas. Então as ocupações exteriores e o locutório eram de todo ponto insuportáveis..."
Ele seria, enfim, o centro de tudo para ela: "Também queria que eu primasse em receber tudo
como vindo de Sua mão, sem buscar nada para mim,
deixar-Lhe tudo a Ele sem eu dispôr de nada; dar-Lhe
graças tanto pelos sofrimentos como pelas consolações, e nas mais humilhantes ocasiões pensar que
aquilo e ainda mais me era devido, e oferecer o trabalho que sofresse pelas pessoas que me afligiam;
falar sempre d'Ele com grande respeito, e do próximo
com estima e compaixão, e de mim nunca, ou muito
pouco, e com desprezo, a não ser quando por Sua Glória Ele me ordenar outra coisa; atribuir sempre
todo bem e Glória à Sua soberana grandeza, e a mim
todo mal; não buscar nenhuma consolação fora d'Ele,
e quando mas desse, sacrificá-las, renunciando a
elas; não ter apego a coisa nenhuma; estar vazia e
despojada de tudo; não amar senão a Ele e os interesses de Sua Glória, com inteiro esquecimento de mim
mesma. E dizia-me que, ainda que devia fazer todas ações por Ele, queria contudo que em cada uma delas
houvesse sempre alguma coisa que fosse feita diretamente por amor de Seu Divino Coração."
Ainda apontou: "Deu-me vários outros ensinamentos; e como eu me assustasse com a multidão deles, disse-me que não me atemorizasse, pois tinha n'Ele um tão Bom Mestre, e tão poderoso para fazer praticar o que ensinava, como sábio para ensinar e bem governar. Por isso, posso afirmar que, de bom ou mau grado, minhas naturais repugnâncias sempre cediam ao que Ele queria."
Ouviu, depois, a mais divulgada frase quanto à Devoção ao Sagrado Coração de Jesus: "Estando uma vez diante do Santíssimo Sacramento, num dia de sua oitava, recebi de Deus muito grandes Graças de Seu amor, e senti-me impelida do desejo de corresponder-Lhe de algum modo e de pagar-Lhe amor com amor; e Ele disse-me: 'Não podes corresponder-Me melhor que fazendo o que já tantas vezes te pedi.' E descobrindo-me Seu Divino Coração, acrescentou: 'Eis aqui este Coração que tanto tem amado aos homens, que a nada se tem poupado até esgotar-se e consumir para testemunhar-lhes seu amor; e em reconhecimento não recebo da maior parte deles senão ingratidões por meio de irreverências e sacrilégios, tibiezas e desdéns que usam para Comigo neste Sacramento de amor. E o que muito mais ainda Me custa, é serem corações a Mim consagrados os que assim Me tratam. Por isso, peço-te que a primeira sexta-feira depois da oitava do Corpo de Deus seja dedicada a uma festa especial para honrar Meu Coração, comungando nesse dia, e dando-lhe a devida reparação por meio de um ato de desagravo, para reparar as indignidades que recebeu durante o tempo que esteve exposto sobre os altares. E Eu prometo-te que Meu Coração se dilatará, para derramar com abundancia as influências de seu divino amor sobre os que lhe tributarem esta honra, e procurarem que lha tributem.'"
Recomendou-lhe, para tanto, o auxílio do Padre la Colombière, quando o próprio Jesus também lhe ordenou registrar as revelações que tinha: "E respondendo eu a isto, que não sabia como poder levar a cabo o que Ele há tanto tempo desejava de mim, disse-me que me dirigisse ao Seu servo, que para a realização deste desígnio me tinha enviado. E tendo-o feito assim, ele mandou-me escrever o que eu lhe tinha dito acerca do Sagrado Coração de Jesus Cristo, e várias outras coisas concernentes à Glória de Deus."
E quando tentou instituir a Devoção ao Sagrado Coração de Jesus ao menos entre as irmãs de seu convento, sofreu forte oposição. Mas "...confesso que jamais gozei de tão grande Paz em meu coração, nem senti tanta alegria, como quando me ameaçaram com a prisão e me quiseram fazer comparecer, à imitação de Meu bom Mestre, ante um príncipe da Terra, como um joguete de zombaria, e como uma contumaz visionária na imaginação de suas vãs ilusões."
De Nosso Senhor, pois, ouviu uma incomparável frase: "Uma vez que eu estava encarregada de varrer, desejando ardentemente comungar, apareceu diante de mim Meu Divino Mestre e disse-me: 'Minha filha, vi teus gemidos; e os desejos de teu coração são-Me tão gratos, que, se não tivesse instituído Meu Divino Sacramento de amor, Eu o instituiria por amor a ti, para ter o prazer de morar em tua alma e tomar Meu repouso de amor em teu coração.' Isto penetrou-me de tão vivo ardor, que sentia minha alma toda transportada, e não podia exprimir-se senão com estas palavras: 'Ó Amor, ó excesso de amor de um Deus para com uma tão miserável criatura.' Em toda minha vida serviu-me isto de poderoso estímulo, para excitar-me ao reconhecimento deste puro amor."
Verdadeiramente diligente, ajudou a tirar uma alma do Purgatório, fazendo penitências: "Outra vez, estando eu diante do Santíssimo Sacramento no dia de sua festa, apareceu-me de repente uma pessoa, toda em fogo, cujos ardores tão fortemente me penetraram, que me parecia arder com ela. Seu lastimoso estado, que bem mostrava sofrer no Purgatório, fez-me derramar muitas lágrimas. Disse-me que era aquele religioso beneditino que me tinha ouvido de Confissão, quando ele me tinha mandado ir à Comunhão, e em recompensa por isso, Deus tinha-lhe permitido dirigir-se a mim para alivio de suas penas, pedindo-me tudo que por três meses pudesse fazer e sofrer. (...) Mas é impossível explicar o que tive de sofrer naqueles três meses, porque não se apartava de mim, e do lado que estava contra ele, parecia-me que eu também estava a arder, e com tão vivas dores, que me faziam continuamente gemer e chorar."
Também livrou uma alma ameaçada de condenação: "Fazendo-me Meu Soberano saber que, quando Ele quisesse abandonar alguma daquelas almas por quem queria que eu sofresse, me faria padecer o estado de uma réproba alma, fazendo-me sentir a desolação em que ela se acha à hora da morte, nada experimentei de mais terrível... (...) Uma vez que eu estava a trabalhar sozinha, apareceu diante de mim uma freira, então ainda viva, e inteligivelmente ouvi: 'Repara, olha para essa freira só de nome, que Eu estou para lançar de Meu Coração, e deixá-la a si mesma.' No mesmo instante senti-me tomada de tão grande espanto, que, tendo-me prostrado com o rosto em terra, assim fiquei largo tempo, sem poder voltar a mim, e então me ofereci à divina justiça para sofrer tudo que lhe aprouvesse, para o Senhor não a abandonar. E pareceu-me que, voltando-se então contra mim Sua justa ira, me encontrei numa espantosa angústia e desolação por todas partes; porque sentia sobre mim um peso esmagador; se queria levantar os olhos, via um Deus irritado contra mim e armado de varas e açoites, prestes a descarregar sobre mim; e por outra parte parecia-me ver o inferno aberto para tragar-me."
Mas, mesmo assim, ela rezou: "Descarregai, Meu Deus; cortai, queimai, consumi tudo que Vos desagrada, e não poupeis meu corpo, nem minha vida, nem minha carne, nem meu sangue, contanto que para sempre salveis aquela alma." Foi atendida, porém caiu doente e a muito custo levantou-se.
A Madre Superiora a essa época pede uma prova de Jesus, e Ele concede: "E, como minhas doenças eram tão contínuas que não me deixavam quatro dias seguidos de saúde, uma vez, estando eu muito doente, de modo que quase não ouviam o que eu dizia, veio nossa Madre de manhã, e deu-me um bilhete, dizendo-me que fizesse o que ali se dizia; e era que necessitava de certificar-se se tudo que em mim passava era do Espírito de Deus; que, se assim era, me desse o Senhor cinco meses de perfeita saúde, sem precisar de nenhum alívio durante esse tempo. Porém que, se pelo contrário era aquilo espírito do Demônio ou coisa da natureza, eu continuaria nas mesmas indisposições... Apresentei, pois, aquele bilhete a Meu Senhor, que não ignorava o que ele continha; e respondeu-me: 'Asseguro-te, Minha filha, que para prova do Bom Espírito que te rege, de bom grado dá-lhe-ia tantos anos de saúde, quantos os meses que me pediu, e todas mais provas que Me tivesse pedido.' E no momento preciso da elevação do Santíssimo, muito sensivelmente senti que me tiravam todas minhas doenças, como se me tirassem um vestido e o deixassem dependurado; e encontrei-me com as fôrças e a saúde de uma pessoa que há muito não tivesse estado doente; e assim passei o tempo que se tinha pedido, recaindo depois nas indisposições de antes."
E estando doente, toda transida de dor e frio, e sendo obrigada a participar dos Exercícios, pois a Superiora a entregava aos cuidados de Nosso Senhor, ela foi subitamente curada. E escreveu: "Mas nunca fiz uns Exercícios em meio de tanta alegria e de tantas delícias, julgando-me num paraíso, pelos contínuos favores, mimos e intimidades com Meu Senhor Jesus Cristo, com Sua Santíssima Mãe, com meu Anjo da Guarda e com meu bem-aventurado Padre São Francisco de Sales."
Ela havia gravado Nome de Jesus em seu peito com um canivete, mas Ele apagou-o por uma pequena desobediência. Nestes felizes dias, porém, "... para consolar-me da dor que me tinha causado com apagar Seu Sagrado e Adorável Nome sobre meu coração, depois de tê-lo gravado com tantas dores, quis Ele imprimi-lo dentro e escrevê-lo por fora com o selo e o buril todo inflamado de Seu puro amor, mas de um modo que me deu mil vezes mais consolação que o outro me tinha custado em dor e aflição."
Carregou, ademais, mais este estigma de Cristo: "Indo uma vez à Sagrada Comunhão, vi a Sagrada Hóstia resplandecente como um sol, mas cujo brilho eu podia suportar, e Nosso Senhor no meio, tendo na mão uma coroa de espinhos, a qual Ele me colocou na cabeça, pouco depois de tê-Lo recebido, dizendo-me: 'Toma, Minha filha, esta coroa em sinal da que em breve te será dada, para assemelhar-te a Mim.' Não compreendi então o que aquilo queria dizer; mas bem depressa o soube pelos efeitos que se seguiram de duas terríveis pancadas que recebi na cabeça, de maneira que me parecia depois ter a cabeça rodeada de pungentíssimos espinhos, cujas picadas não acabarão senão com minha vida; e disto dou infinitas graças a Deus que fez tão grandes graças à Sua mesquinha vítima."
Além de ser pregada à Santa Cruz, como uma doença, após experimentar seu peso: "O Senhor fez-me ver que não era bastante levar esta Cruz, mas era preciso ligar-me a ela com Ele, para fazer-Lhe fiel companhia, participando de Suas dores, desdéns, opróbrios e outras indignidades que Ele sofria. Por isso, entreguei-me logo para tudo que em mim e de mim quisesse fazer, deixando-me ligar, como Lhe aprazia, com uma doença que bem depressa me fez sentir as agudas pontas daqueles cravos de que estava eriçada aquela Cruz, com acerbíssimas dores, que, em vez de compaixão, não achavam senão desprezos, humilhações e várias outras achegas, muito penosas à natureza."
Ora, São Francisco de Sales havia profetizado, havia poucas décadas, em carta que escreveu a Santa Joana de Chantal, com quem fundou a Ordem da Visitação de Santa Maria, ainda nos primeiros anos desta: "Verdadeiramente, nossa pequena Congregação é obra do Coração de Jesus e de Maria. O Salvador, ao morrer, deu-nos à luz pela abertura de Seu Sagrado Coração." E dizia às irmãs Visitandinas que elas teriam o privilégio de levar o nome de "Filhas do Coração de Jesus."
Nossa Santa morreu enferma, aos 43 anos.
Uma reconstituição de seu corpo, vestida com seus paramentos, está exposta na Capela do Convento da Visitação, em Paray-le-Monial, onde se encontra a Basílica do Sagrado Coração de Jesus. E suas relíquias são carinhosamente guardadas pela Congregação.
Santa Margarida-Maria Alacoque, rogai por nós!