sexta-feira, 22 de setembro de 2023

O Difícil Caminhar com Jesus


    Seguir Jesus não significa abraçar um mundo de facilidades. Ao contrário: muitas vezes as coisas ficam bem mais difíceis, pois o Caminho que Ele aponta é realmente estreito: "Entrai pela estreita porta, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduzem à perdição, e numerosos são aqueles que por aí entram. Estreita, porém, é a Porta e apertado o Caminho da Vida, e raros são aqueles que O encontram." Mt 7,13-14
    E sem que desanimemos, pois com Ele caminhamos para a Vida Eterna, também é necessário ter em mente que o Divino Mestre advertiu os Apóstolos de Seu Sacrifício, e, consequentemente, do sacrifício pelo qual hão de passar Seus seguidores: "Em seguida, convocando a multidão e Seus discípulos, disse-lhes: 'Se alguém quer seguir-Me, renuncie-se a si mesmo, tome sua Cruz e siga-Me. Porque aquele que quiser salvar sua vida, perdê-la-á. Mas aquele que perder sua vida por amor a Mim e ao Evangelho, salvá-la-á. Pois que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder sua Vida?'" Mc 8,34-36
    Caminhar com Jesus, portanto, é corajosa e realisticamente enfrentar as desafiantes situações do dia-a-dia, sem se entregar à desilusão ou à ira. Pois, diante da Revelação, realmente tem-se que assumir as mais difíceis tarefas, como se vê nas exigências da vida missionária que Jesus fazia aos discípulos, enquanto subia a Jerusalém. Está na narrativa de São Lucas:

    "A outro, Ele disse:
    - Segue-Me.
    Mas ele pediu:
    - Senhor, permite-me primeiro ir enterrar meu pai.
    Jesus, porém, disse-lhe:
    - Deixa que os mortos enterrem seus mortos. Quanto a ti, vai e anuncia o Reino de Deus.'"
                                                Lc 9,59-60

    É assim que tomamos nossa cruz e 'perdemos nossa vida', por amor a Ele e ao anúncio da Vida Eterna. É cruz porque significa total sacrifício, é 'perder a vida' porque está na contramão dos prazeres desse mundo. Mas esse é o Caminho da libertação dos pecados, do amadurecimento espiritual, do fazer o que tem que ser feito.
    Tristes daqueles que, perante o Juízo, forem julgados preguiçosos, ambiciosos, covardes ou inimigos da construção do Reino de Deus. Esses são os que realmente perdem suas vidas, e podem perder a Vida Eterna.


O EXEMPLO DE SÃO PEDRO

    O que aconteceu com São Pedro, quando ousou andar sobre as águas como Jesus? São Mateus narra:

    "Pela quarta vigília da noite, Jesus veio a eles caminhando sobre o mar. Quando os discípulos O perceberam caminhando sobre as águas, ficaram com medo:
    - É um fantasma!, disseram eles soltando gritos de terror.
    Mas Jesus logo disse-lhes:
    - Tranquilizai-vos! Sou Eu. Não tenhais medo!
    Pedro tomou a palavra e falou:
    - Senhor, se és Tu, manda-me ir sobre as águas até junto a Ti!
    Ele disse-lhe:
    - Vem!
    Pedro saiu da barca e caminhava sobre as águas ao encontro de Jesus.
    Mas, redobrando a violência do vento, teve medo e, começando a afundar, gritou:
    - Senhor, salva-me!
    No mesmo instante, Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe:
    - Homem de pouca ! Por que duvidaste?
    E apenas tinham subido à barca, o vento cessou."
                                                Mt 14,28-32

    São Pedro teve a audácia de imitar Jesus, e não estava errado. Tanto que Jesus de imediato lhe consentiu, sem argumentar. Apenas disse: 'Vem!' Contudo, tomar Jesus como modelo significa enfrentar grandes contrariedades e fortes oposições. Ele permitiu que Pedro viesse até Si sobre as águas, porém não lhe abrandou o vento. Pelo contrário: permitiu que redobrasse sua violência. Isso fica claro porque, logo que voltaram à barca, o vento parou.
    Quando se abraça a verdadeira realidade, que é apresentada pelo Cristo, em muitas situações as dificuldades apenas aumentam. O inimigo e o mundo passam a opôr ainda mais suas forças. Esse, no entanto, é o momento de mostrar fé, de perseverar. Temos que ter presente que Jesus está do nosso lado, seja para dar-nos a mão, seja para acalmar o vento, e quer ver nossa vitória.
    Desse episódio, todavia, ficam os exemplos de duas atitudes de São Pedro. Primeiro, ele destemidamente tentou imitar o Mestre; segundo, quando se agravaram as circunstâncias, ele soube muito bem a Quem recorrer: nem tentou valer-se de si mesmo, pois sabia nadar, nem pediu socorro aos companheiros da barca, mas a Jesus.


A BOA SEMENTE

    Outra passagem em que as condições se complicam após ouvir Jesus é descrita na parábola do semeador, segundo São Marcos:

    "O semeador semeia a Palavra. Alguns se encontram à beira do caminho, onde ela é semeada. Apenas ouvem-na, vem Satanás tirar a Palavra neles semeada.
    Outros recebem a semente em pedregosos lugares. Quando a ouvem, recebem-na com alegria, mas não têm raiz em si, são inconstantes, e assim que se levanta uma tribulação ou uma perseguição por causa da Palavra, eles tropeçam.
    Outros ainda recebem a semente entre os espinhos. Ouvem a Palavra, mas as mundanas preocupações, a ilusão das riquezas, as múltiplas cobiças sufocam-na e tornam-na infrutífera.
    Mas há aqueles que recebem a semente em boa terra. Eles escutam a Palavra, acolhem-na e dão frutos: um trinta, outro sessenta, outro cem!"
                                                  Mc 4,14-20

    Jesus aponta o inimigo roubando a semente dos que ficam 'à beira do caminho', diz que os problemas e perseguições fazem tropeçar os vacilantes, que não se aprofundam, avisa que as preocupações, as ilusões e as cobiças sufocam os que vivem 'entre os espinhos', ou seja, em maus ambientes e em más companhias, mas também reconhece a boa terra, que dá até cem frutos por cada semente.
    Ao final, as contas são essas: para cada semente que dá frutos, três são perdidas. A quantidade de frutos da semente que vinga, porém, em muito compensa as que se perdem. E a lição é: ninguém é boa terra só porque quer ser, mas por persistir em ser e assim obter de Deus a Graça de gerar frutos. O que se é, comprova-se com o tempo através de atitudes, não só com palavras. Por isso, Jesus pediu que perseverássemos junto a Ele: "Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo se não permanecer na videira. Assim também vós: tampouco podeis dar fruto se não permanecerdes em Mim." Jo 15,4
    E mesmo assim Ele advertia das correções que o Pai faz: "Eu sou a verdadeira videira, e Meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em Mim, Ele cortá-lo-á. E podará todo aquele que der fruto, para que produza mais fruto." Jo 15,1-2
    Acolher devidamente a semente, de fato, não é fácil. Mas, sem dúvida, é a maior das realizações humanas, e é o exemplo dado por Nossa Senhora ao ouvir Jesus ainda aos 12 anos, quando Ele permaneceu sozinho em Jerusalém e disse que devia estar na Casa do Pai. São Lucas registrou: "Sua mãe guardava todas estas coisas em seu coração." Lc 2,51


A PARÁBOLA DO BANQUETE NUPCIAL

    A missão da Igreja, pois, não é nenhuma amenidade. Antes um combate, como dizia São Paulo. Jesus traduziu-a na parábola das bodas do Filho do Rei, quando Seus servos são menosprezados ou mesmo mortos. São Mateus escreve:

    "Jesus tornou a falar-lhes por meio de parábolas:
    - O Reino dos Céus é comparado a um Rei que celebrava as bodas do Seu Filho. Enviou Seus servos para chamar os convidados, mas eles não quiseram vir. Ainda enviou outros, dizendo-lhes:
    - Dizei aos convidados que já está preparado Meu Banquete. Meus bois e Meus animais cevados estão mortos, tudo está preparado. Vinde às bodas!
    Mas, sem se importarem com aquele convite, foram-se, um a seu campo e outro para seu negócio. Outros lançaram mãos de Seus servos, insultaram-nos e mataram-nos. Porque muitos são os chamados, e poucos os escolhidos."
                                               Mt 22,1-6.14

    Convidar a participar deste pedaço do Céu que é a Igreja, nosso Reino de Sacerdotes, não garante pronto acolhimento. E não importa as maravilhas que se anuncie. Não nos espantem, pois, os relatos de martírios. Jesus foi categórico ao afirmar o que nos espera quando resistimos ao Mal: "Se o mundo vos odeia, sabei que odiou a Mim antes que a vós. Se fôsseis do mundo, o mundo amá-vos-ia como sendo seus. Porém, como não sois do mundo, mas do mundo escolhi-vos, por isso o mundo odeia-vos." Jo 15,18-19
    Ora, os apegos a bens materiais e à vanglória têm cegado a muitos, e isso só tende a aumentar, como Ele mesmo previu: "Mas quando vier o Filho do Homem, acaso achará fé sobre a terra?" Lc 18,8b
    São Paulo adverte do grande abandono da fé do fim dos tempos, apontando seu autor: "Ninguém de modo algum vos engane. Porque primeiro deve vir a apostasia, e deve manifestar-se o homem da iniquidade, o filho da perdição, o adversário, aquele que se levanta contra tudo o que é divino e sagrado, a ponto de tomar lugar no Templo de Deus, e apresentar-se como se fosse Deus." 2 Ts 2,3-4

       
O CAMINHO DA CRUZ

    Contudo, o maior exemplo de 'contrariedade' para o cristão é própria Crucificação de Jesus. É do texto de nosso Santo Médico:

    "Conforme Seu costume, Jesus saiu dali e dirigiu-Se para o monte das Oliveiras, seguido de Seus discípulos. Ao chegar àquele lugar, disse-lhes:
    - Orai para que não caiais em tentação.
    Depois afastou-Se deles à distância de um tiro de pedra e, ajoelhando-Se, orava:
    - Pai, se é de Teu agrado, afasta de Mim este cálice! Não se faça, porém, Minha vontade, mas sim a Tua.
    Apareceu-Lhe, então, um anjo do Céu para confortá-Lo.
    Ele entrou em agonia e orava ainda com mais instância, e Seu suor tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra." 
                                             Lc 22,39-44

    Com efeito, mesmo fazendo plena e exclusivamente o que era da vontade do Pai Eterno, Jesus não foi por Ele poupado da maior das torturas que àqueles tempos um ser humano poderia padecer. Se Deus pareceu por demais cruel pedindo a Abraão para sacrificar Isaac, seu único filho, e levando-o à iminência do ato, com Jesus Ele não só ensejou o sacrifício como também o consumou. Claro, a Glória de Sua Ressurreição incomparavelmente supera a humilhação e a dor da morte na Cruz. E entre nós, sempre tão insensíveis, Sua história certamente não teria a mesma repercussão sem Sua Paixão, Ressurreição e Ascensão aos Céus.
    Resta evidente, no entanto, que os sacrifícios exigidos por Deus, por mais estranhos que pareçam, não são desprovidos de sentido nem acontecem sem que uma Graça infinitamente maior seja dada aos que perseveram fazendo Sua vontade. Se quisermos obedecê-Lo, estaremos inevitavelmente envolvidos no processo de santificação por Ele mesmo conduzido, ou seja, a própria construção do Reino de Deus. São Paulo diz aos filipenses: "Porque é Deus, segundo Seu beneplácito, Quem realiza em vós o querer e o executar." Fl 2,13
    Também disseram os seguidores de sua tradição: "E o Deus da Paz... queira dispor-vos ao bem e conceder-vos que cumprais Sua vontade, realizando Ele próprio em vós o que é agradável a Seus olhos, por Jesus Cristo..." Hb 13,20a.21a
    E no livro do Apocalipse, o próprio Jesus adverte: "Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima teu zelo, pois, e arrepende-te." Ap 3,20
    Logo, sejam os desígnios de Deus compreensíveis ou não, assim é Sua vontade, e assim é o caminhar com Jesus. Ele realmente falava de um 'estranho' batismo, como disse a São Tiago Maior e a São João Evangelista: "Jesus prosseguiu: "Vós bebereis o cálice que Eu devo beber, e sereis batizados no batismo em que Eu devo ser batizado." Mc 10,39b
    Também alertou aos fieis: "Disse-vos essas coisas para preservar-vos de alguma queda. Expulsá-vos-ão das sinagogas, e virá a hora em que todo aquele que vos tirar a vida julgará prestar culto a Deus. Procederão deste modo porque não conheceram o Pai, nem a Mim. Disse-vos, porém, essas palavras para que, quando chegar a hora, lembrei-vos de que vos anunciei." Jo 16,1-4
    Garantiu-nos, entretanto, o sucesso pela Verdade: "Lembrai-vos da Palavra que Eu vos disse: 'O servo não é maior que Seu Senhor.' Se Me perseguiram, também hão de perseguir-vos. Se guardaram Minha Palavra, também hão de guardar a vossa." Jo 15,20
    Que nos fique na memória, então, o paradoxo do Cristo, a imagem de Deus assassinado. Pois mesmo que para ser rejeitado por tantos, como estava previsto nas Escrituras, Ele teve que vir e levar a cabo Seu ato máximo de amor pela Redenção da humanidade. São João Evangelista assim resumiu Sua passagem entre nós: "Veio para o que era Seu, mas os Seus não O receberam." Jo 1,11
    Longe da desenfreada busca por ilusórios prazeres que se vê pelo mundo, e diante do mistério do Mal que nele impera, seguir Jesus, como o sacrifício ao qual espiritualmente nos oferecemos toda Santa Missa, é desde sempre mortificação. São Paulo foi contundente: "Pois todos aqueles que quiserem viver piedosamente, em Jesus Cristo, terão de sofrer a perseguição." 2 Tm 3,12
    Era isso que ele e São Barnabé pregavam por onde passavam, desde que começaram a vida missionária: "Confirmavam as almas dos discípulos e exortavam-nos a perseverar na fé, dizendo que é necessário entrarmos no Reino de Deus por meio de muitas tribulações." At 14,22
    E assim ele defendia a Unidade da Igreja, que a todo custo devemos preservar: "Quer eu vá ter convosco quer permaneça ausente, desejo ouvir que estais firmes em um só espírito, unanimemente  lutando pela fé do Evangelho, sem em nada vos deixardes intimidar por vossos adversários. Isto para eles é motivo de perdição, mas para vós de salvação. E é a vontade de Deus, porque a vós é dado não somente crer em Cristo, mas ainda por Ele sofrer." Fl 1,27b-29
    Os seguidores do Apóstolo dos Gentios tinham bem presente essa realidade, e preparavam-se até mesmo para o martírio, que tão frequente era nos primeiros anos da Igreja e ainda hoje acontece: "Atentamente considerai, pois, Aquele que tantas contrariedades sofreu dos pecadores, e não vos deixeis abater pelo desânimo. Ainda não tendes resistido até o sangue na luta contra o pecado." Hb 12,3-4
    Aos jovens, sempre tão ansiosos, seja em busca de ilusões seja para a obtenção de uma Graça, São Pedro deixou essa acurada recomendação: "Semelhantemente, vós que sois mais jovens, sede submissos aos Anciãos. Todos vós, em vosso mútuo tratamento, revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá Sua Graça aos humildes (Pr 3,34). Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte em oportuno tempo. Confiai-Lhe todas vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe fortes na fé. Vós sabeis que vossos irmãos, que estão espalhados pelo mundo, sofrem os mesmos padecimentos que vós. O Deus de toda Graça, que vos chamou em Cristo à Sua eterna Glória, depois que tiverdes padecido um pouco, aperfeiçoá-vos-á, torná-vos-á inabaláveis, fortificá-vos-á." 1 Pd 5,5-10
    Eis porque com instância rezava o salmista: "Ensinai-me, Senhor, Vosso Caminho. Por causa dos adversários, guiai-me pela reta senda." Sl 26,11
    Caminhar com Jesus, pois, como que sobre as águas, requer ciência de que o vento é revolto. Ele mesmo avisou: "No mundo haveis de ter aflições. Coragem!" Jo 16,33
    Contudo, como vemos, também nos encorajou. E garantiu a verdadeira vitória: "Perseverai no Meu amor. Se guardardes Meus Mandamentos, sereis constantes no Meu amor, como também Eu guardei Mandamentos de Meu Pai e persisto no Seu amor. Disse-vos essas coisas para que Minha alegria esteja em vós, e vossa alegria seja completa." Jo 15,9-11

    "Caminhamos na estrada de Jesus!"