sábado, 30 de setembro de 2023

São Jerônimo


    A pedido do Papa São Damásio I, São Jerônimo escreveu a primeira Bíblia oficial da Igreja. Por volta do ano 400, ele terminou e publicou sua tradução dos Livros Sagrados, do grego e do hebraico para o latim, obra que ficou conhecida como a Vulgata, que significa 'divulgada', pois, havia poucos anos, o Catolicismo tinha-se tornado a religião oficial do Império Romano.
    As habilidades de nosso Santo com as letras eram muitas: além de grande estudioso e tradutor das Escrituras, era também escritor, filósofo, teólogo, retórico, gramático, dialético e historiador, e pouco mais tarde seria consagrado Doutor da Igreja.
    Sua tradução é conhecida não apenas por ser a primeira que abrangia de uma só vez todos textos bíblicos, mas também por sua impressionante fidelidade aos originais, sempre buscando a literal correspondência sem perder a profundidade, bem como pela riqueza de detalhes que conhecia dos costumes, tempos, lugares e História do povo hebreu. Como deixou registrado em seus escritos, ele tinha muito sérias e claras metas: "... assim tudo que brota da nascente, podemo-lo encontrar nos ribeiros." Ep. 106, 2
    Não era por menos: São Jerônimo tinha perfeitamente presente que estava tratando da Palavra de Deus. Sabia que tinha em mãos a Revelação. Cuidava de respeitar até a sequência dos termos. Ele escreveu: "... até a ordem das palavras é um mistério." Ep. 57, 5



    Nasceu em 347 na Dalmácia, província romana na costa leste do Mar Adriático, hoje terras da Croácia, Bósnia e Herzegovina e Montenegro, lugar de passagem da miraculosa translação da Santa Casa de Nazaré.
    Mas cedo tomou sua herança e foi a Roma estudar, pois essa era sua grande paixão. Passava horas junto às catacumbas decifrando suas lápides, fascinado que era pela ousadia e pela história dos mártires da Santa Igreja. Ele perguntava-se: "De onde lhes viriam tamanhas coragem e convicção?"
    Até que, num sonho, Jesus apareceu-lhe, repreendendo-o por dizer-se cristão sem se ter entregue à leitura e à compreensão das Escrituras. De fato, até então só se havia debruçado sobre pagãos assuntos, como a Filosofia. Ainda em Roma, pois, foi batizado e começou seus estudos de Teologia.
    Percebendo, porém, a disseminada corrupção dos costumes da capital do Império, decidiu-se partir em peregrinação à Terra Santa, pois nem mesmo a vida de monge na Europa lhe pareceu de autêntica cristandade.


    Por longo período retirou-se nos desertos da Síria, mas, entre o rigor das práticas de eremitério e a fama da Sabedoria e da oratória de São Gregório Nazianzeno, acabou indo a Constantinopla para ouvi-lo. Lá, as controvérsias sobre questões teológicas levaram-no à conclusão da necessidade de mais profundos estudos das Escrituras como única maneira de colaborar na obra de Deus.
    Em Antioquia, o Bispo Paulino, a quem ajudava, ordenou-o em 379, contudo, ao invés da vida pastoral, preferiu dedicar-se ainda mais à exegese. Sua luminosa inspiração já era do conhecimento do Papa, que o convidou para ser secretário particular. E não demorou para que lhe encomendasse a tradução de todos textos bíblicos para o latim, afim de servirem como única fonte para a Igreja, dando uniformidade à Liturgia. Esse vai ser seu ofício pelo resto da vida, e para exercê-lo escolheu viver em Belém, precisamente numa das grutas da Basílica da Natividade, onde o Verbo veio ao mundo. Era 386.


    Sua erudição, disciplina, piedade, austeridade e penitência impressionavam a todos que com ele colaboravam. Salvo alguns invejosos, ele magnetizou a todos na execução dessa obra. Tudo afluía para ele: não lhe faltavam recursos nem ajudantes. E de tão perfeita, sua obra só recentemente foi superada, e mesmo assim apenas em alguns detalhes, contando com os trabalhos de grandes especialistas em linguística e exegese, além do auxílio da quantidade e da qualidade dos modernos recursos. De seus textos emanaram imensa Luz e foram a sólida base que resolveu muitas questões teológicas através dos séculos.
    E como se lhe sobrasse muito tempo, São Jerônimo ainda era ele mesmo extremamente piedoso, isto é, dado à prática do rito do Santíssimo Sacramento, à Liturgia, zeloso da Doutrina e da Tradição deixadas por Jesus.
    Ele ensinava:

    "Como é possível viver sem a ciência das Escrituras, através das quais se aprende a conhecer o próprio Cristo, que é a vida dos crentes?"
    "Cristo é o poder de Deus e a Sabedoria de Deus, e quem ignora as Escrituras ignora o poder e a Sabedoria de Deus. Portanto, ignorar as Escrituras Sagradas é ignorar a Cristo."
    "Se rezas, falas com o Esposo; se lês, é Ele Quem te fala."
    "Ao interpretar a Sagrada Escritura, sempre temos necessidade da ajuda do Espírito Santo."
    "Não te parece que estás, já aqui na terra, no Reino dos Céus, quando se vive entre estes textos, quando se medita neles, quando não se busca outra coisa?"
    "Ama a Sagrada Escritura e a Sabedoria amá-te-á; ama-a ternamente, e custodiá-te-á, honra-a e receberás suas carícias. Que seja para ti como teus colares e teus brincos."
    "Lê com muita frequência as Divinas Escrituras; e mais, que o Livro não caia nunca de tuas mãos. Aprende nele o que tens de ensinar."
    "Permanece firmemente unido à Doutrina da Tradição que te foi ensinada, para que possas exortar segundo a Sã Doutrina e refutar quem a contradiz."
    "Não sigo nenhum primado a não ser o de Cristo. Por isso, ponho-me em Comunhão com Sua Santidade, ou seja, com a Cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja."
    "Os heréticos condenam-se a si mesmos, já que por própria opção abandonam a Igreja. Um abandono que, sendo consciente, torna-se sua condenação."
    "Estou com quem estiver unido à Cátedra de São Pedro."
    "Não há versões, senão perversões."
    "Ama a ciência das Escrituras, e não amarás os vícios da carne."
    "Ainda que tenha uma esplêndida doutrina, é vergonhosa a pessoa que se sente condenada pela própria consciência."
    "Que tuas ações não desmintam tuas palavras, para que não suceda que, quando pregues na Igreja, alguém em sua intimidade comente: 'Por que então tu não ages assim?’ Curioso mestre o que, com o estômago cheio, pôr-se a pronunciar discursos sobre o jejum; até um ladrão pode criticar a avareza; mas no Sacerdote de Cristo a mente e a palavra devem estar de acordo."
    "Quando julgas desculpar, acusas."
    "O amor não tem medida, mas a impaciência não conhece limite."
    "Que ninguém pense que é dono de sua própria vida."
    "O vinho é a primeira arma que o Demônio usa para atacar os moços."
    "A principal virtude da mulher é o pudor. Perdido este, vão-se as demais virtudes."
    "Não há coisa que mais embriague que a perturbação de alma, a tristeza, que conduz o homem à morte."
    "...uma alma tem que se converter em Templo do Senhor."
    "O verdadeiro Templo de Cristo é a alma do fiel: adorna este santuário, embeleza-o, nele deposita tuas oferendas e recebe Cristo. Que sentido tem decorar as paredes com preciosas pedras se Cristo morre de fome na pessoa de um pobre?"
    "Se nós amamos Jesus Cristo e sempre buscamos a união com Ele, o que é difícil nos parecerá fácil."
    "Não há difícil trabalho para quem realmente deseja fazê-lo."
    "Dos espinhos colho rosas, da terra, ouro, e da ostra, a pérola."
    "Trabalha em algo, para que o Diabo sempre te encontre ocupado."
    "Comece agora o que tu serás daqui para frente."
    "Por mais tolo que seja um autor, sempre há de encontrar leitor que se lhe pareça."
    "Sempre reverenciei, não a verbosa rusticidade, mas a santa simplicidade."

    Morreu em 30 de setembro de 420, alcançando mais de setenta anos, apesar da fragilizada saúde desde moço, pela frequente prática de ascetismo. É justificadamente o padroeiro dos estudiosos da Bíblia.
    A gruta onde ele viveu, trabalhou à luz de vela, morreu e foi sepultado, foi devotadamente preservada.


    No século XII, por força das invasões muçulmanas, os cruzados levaram suas relíquias para Roma, quando foram depositadas numa urna de pórfiro, no Altar Papal da Basílica de Santa Maria Maior. Aí sua mandíbula é frequentemente exposta.


    São Jerônimo, rogai por nós!