terça-feira, 5 de setembro de 2023

Santa Teresa de Calcutá


    Uma mulher extremamente simples marcou o 'Século da Ciência'. Com apenas algumas aulas de noções de enfermagem, ela pediu dispensa dos votos de sua congregação religiosa para sozinha atender crianças e doentes abandonados à miséria nas ruas de uma superpopulosa cidade, em um muito pobre país e em guerra. Seus modestos serviços, no entanto, tornaram-se uma nova congregação que está espalhada por 90 países, com 3.500 irmãs e irmãos, e mais de 400 casas.
    De família de ricos albaneses, nasceu em Skopje, capital da atual Macedônia, com o nome de Agnes. Em 1928, aos 18 anos, sob orientação de seu padre, resolveu entrar para Casa das Irmãs de Nossa Senhora do Loreto (Instituto Beatíssima Virgem Maria), pois queria ser missionária na Índia, um país marcado pela pobreza e, àqueles tempos, também por violentas conflagrações religiosas, étnicas e políticas. Adotou, então, o nome com o qual se tornou mundialmente conhecida, em homenagem a Santa Teresinha do Menino Jesus.
    Foi a Irlanda, onde fica a sede da congregação, para estudar, e de lá foi enviada a Índia, como desejava. Voluntariosamente serviu por 19 anos, dando aulas às crianças, como é do carisma desta ordem, porém quase que apenas às das mais ricas famílias do país.
    Então, durante uma adoração ao Santíssimo Sacramento, ouviu Jesus dizer-lhe: "Tenho sede." Era a frase que Ele havia dito na Santa Cruz, pouco antes de morrer (cf. Jo 19,28), mas ela claramente entendeu que Ele dizia ter sede de almas. Através dela, Jesus queria demonstrar Seu amor pela humanidade, e ser amado.


    Teresa tinha 47 anos, e decisivamente partiu para trabalhar pelos mais pobres entre os pobres. A inspiração que recebera era muito simples: se vivendo como uma freira europeia podia ajudar o povo indiano, vivendo como uma pobre indiana poderia ajudar muitos mais. E assim deixou a congregação, depois de um complicado processo, e adotou um padrão de vida material igual ao dos mais pobres da Índia.
    De posse de uma pequena maleta, começou atendendo leprosos, idosos e enfermos que moravam nas ruas, com simples cuidados de enfermagem, e visitando doentes e moribundos em seus miseráveis casebres improvisados em madeira, mas tudo com autêntica caridade. Também ajudava nos mais pobres orfanatos, acolhendo e dando aula a crianças rejeitadas. Depois conseguiu uma pequena casa, para dar morte digna a indigentes com graves enfermidades, abandonados nas ruas. Esforçava-se para realizar seus últimos desejos.
    Um dia, passando pelas ruas enquanto pedia esmolas para manter sua obra, um indiano entregou-lhe um maço de cigarro de muito cara marca. Como recebia toda sorte de doações, apesar de não ter compreendido aquele gesto, apenas olhou-lhe detidamente nos olhos, agradeceu e seguiu. Não sabia se era uma doação, se alguém querendo oração para parar de fumar, ou mesmo uma provocação, como se ela fosse tabagista ou gostasse de caros produtos. Nesse dia recolheu da rua um muito doente idoso, em lastimáveis condições de higiene, prestes a morrer. Após tratá-lo com todo cuidado, banhá-lo, trocar-lhe as roupas, dar-lhe alimentação e deitar-lhe num limpo leito, perguntou-lhe o que mais poderia fazer por ele, se tinha algum desejo. Ele, porém, constrangido após receber tamanha demonstração de carinho, hesitou em pedir. Mas ela insistiu. Um pouco envergonhado, humildemente ele pediu um cigarro, pois era fumante. Foi quando ela lembrou-se dos cigarros que recebera pela manhã. Ali, mais uma vez viu que tudo é obra da Divina Providência. Aquele pobre senhor que morreria na rua, agora estava limpo, bem vestido, alimentado e fumando dos mais caros cigarros.


    Não demorou e começou a ser seguida por jovens indianas, que admiravam seu trabalho, e até por freiras de sua antiga congregação, o que lhe rendeu muitas e impiedosas críticas. Estariam loucas! Frente à multidão de miseráveis que havia no país, aquilo não daria o menor fruto, não tinha a menor razão de ser, seria trabalho dos hospitais. Mas a verdade é que, fora sua congregação e outras poucas com o mesmo carisma, não havia nem hospitais nem sequer cuidados, como ainda hoje não há, para um imenso contingente de moradores de rua espalhados por toda Índia. Quem quiser candidatar-se para fazer 'algo melhor'...


    Entretanto, Santa Madre Teresa não enfrentava dificuldades apenas no mundo material. Logo após fundar a Congregação das Irmãs da Caridade, e conseguir o primeiro estabelecimento e doações para trabalhar, pareceu estar vivendo um fenômeno chamado por São João da Cruz de 'A Noite Escura da Alma': não sentia mais a devocional felicidade ao rezar ou ao participar da Santa Missa, nem o ardor da . Mesmo que muitos não percebessem, pois tentava não demonstrar, trazia um imenso vazio na alma, uma angustiante aridez. Era como se tivesse em meio a uma interminável escuridão. Ela, que sempre sentiu tão fortemente a presença de Deus, que viveu meses de frequentes locuções interiores, agora sentia-se dolorosamente só, no vazio.


    Seus diretores espirituais logo trataram de confortá-la: seria um passageiro fenômeno, algo 'comum' para pessoas de sua grandeza. Talvez fossem apenas sinais de cansaço. Mas os anos passavam-se e ela continuava vivendo aquela torturante sede espiritual. Para as pessoas em volta, seria um escândalo se ela ao menos comentasse tal sensação. Em 1956, com seu caraterístico estilo, quase telegráfico, escreveu a seu diretor: "Tão profunda ânsia por Deus - e ... repulsa - vazio - sem fé - sem amor - sem fervor. Almas não atraí - O Céu não significa nada - reze por mim, para que eu continue sorrindo para Ele apesar de tudo."
    Ao completarem-se 10 anos da fundação de sua nova congregação, ela encarecidamente rezou a Jesus, pedindo que lhe desse um simples sinal para saber se de fato estava no caminho certo. E por um mês, ela voltou a sentir religioso fervor, a presença de Deus e Seu amor. Sentia-se rediviva! Era como se tivesse saído de uma masmorra espiritual. Mas, para sua surpresa, logo tornou à "escuridão". Sua dedicação ao serviço dos carentes, entretanto, continuava firme. E se ela não sentia a presença de Deus, as pessoas à sua volta testemunhavam uma inexplicável Paz. Suas irmãs de congregação emocionavam-se simplesmente ao vê-la. Falava muito pouco!
    Escrevendo a seu confessor, registrou um suspiro: "Pela primeira vez, ao longo de 11 anos - cheguei a amar a escuridão. - Pois agora acredito que é parte, uma muito, muito pequena parte da escuridão e da dor de Jesus neste mundo. O Senhor ensinou-me a aceitá-la [como] um "lado espiritual de 'Sua obra'"... - Abandono-me a Ele mais que nunca. - Sim - mais que nunca estarei à disposição."
    E assim enfrentou 40 anos de escuridão. Às vezes suplicava: "Que estás fazendo, Meu Deus, a alguém tão pequeno?" Também escreveu: "Meu Deus, quão dolorosa é essa desconhecida dor." Mas, quase que instantaneamente, resignava-se: "Não Te importes com meus sentimentos." Só seus diretores espirituais e confessores sabiam do vazio e da escuridão que ela sentia. O mundo nem desconfiava. Ela não queria que ninguém soubesse. Mas, após sua morte, a Igreja resolveu publicar em livro suas cartas para mostrar ao mundo sua santa perseverança, e assim a espiritual realidade de uma verdadeira seguidora de Cristo.
    Entre muitos outros prêmios, em 1979 ganhou o prêmio Nobel da Paz. O Papa São João Paulo II considerava-a a melhor 'embaixadora' da Igreja pelo mundo. Na sua congregação, aos já tradicionais votos de Castidade, Obediência e Pobreza, ela acrescentou o de Caridade.
    Não gostava de participar de eventos em sua homenagem, nem de proferir palestras. Achava que eram desnecessários gastos e que servia muito mais a Deus se usasse este dinheiro e passasse seu tempo cuidando dos pobres. Teve, porém, que viajar várias vezes para pedir doações pelo mundo, ou para participar da fundação de casas de sua congregação em muitos países. Numa dessas viagens, atendeu a um convite de uma sociedade beneficente na Europa. Em seu discurso de agradecimento, pediu aos ouvintes que tivessem compaixão dos que sofrem, quando alguém lhe perguntou se ela havia visto sofrimento naquela cidade. E ela respondeu: "Vão aos asilos. Visitem seus pais e avós. Eles passam os dias olhando para a porta, esperando uma visita."


    Aqui, algumas de suas palavras:

     "A pobreza no Ocidente é um tipo diferente de pobreza. Não é só uma pobreza de solidão, mas também de espiritualidade. Há uma fome de amor e uma fome de Deus."
    "A maior doença do Ocidente hoje não é a lepra nem a tuberculose; é ser indesejado, não ser amado e ser abandonado."
    "Nós podemos curar as doenças físicas com a medicina. Mas a única cura para a solidão, para o desespero e para a desesperança é o amor."
    "Há muitas pessoas no mundo que estão morrendo por falta de um pedaço de pão, mas há muito mais gente morrendo por falta de um pouco de amor."

    "Quando um pobre morre de fome, não é porque Deus não cuidou dele. É porque nem tu nem eu quisemos dar a ele o que ele precisava."
    "Qual é meu pensamento? Eu vejo Jesus em cada ser humano. Eu digo para mim mesma: este é Jesus com fome, eu tenho que alimentá-Lo. Este é Jesus doente. Este tem lepra ou gangrena, eu tenho que lavá-Lo e cuidar d'Ele. Eu sirvo porque eu amo Jesus."
    "Nós temos que transformar nosso amor a Deus em viva ação."
    "Sejam gentis uns com os outros na sua casa. Sejam gentis com as pessoas. Eu acho que é melhor tu errares na bondade que fazer milagres com falta de bondade."
    "Se tu julgas as pessoas, não tens tempo para amá-las."
    "Muitas vezes, uma só palavra, um olhar, um rápido gesto, e as trevas enchem o coração da pessoa que amamos."

    "Eu rezo para que vós entendais as palavras de Jesus: “Amai-vos como Eu vos amei”. Perguntai a vós mesmos: 'Como foi que Ele me amou? Será que eu realmente amo os outros da mesma forma?' Sem esse amor, nós podemos matar-nos de trabalhar, mas isso vai ser só trabalho, não amor. Trabalho sem amor é escravidão."
    "Jesus quer que eu vos diga, de novo, qual o tamanho de Seu amor por cada um de vós: um amor que vai além de tudo que vós puderdes imaginar. Ele não só ama a ti. É ainda mais. Ele anseia por ti. Ele sente tua falta quando tu não te chegas para perto. Ele tem sede de ti. Ele sempre ama-te, mesmo quando tu não te sentes digno."
    "A mais potente força do universo é a fé."

    "O fruto do silêncio é a oração, o fruto da oração é a fé, o fruto da fé é o amor, o fruto do amor é o serviço, o fruto do serviço é a Paz."
    "Um sacrifício, para ser real, tem que custar, tem que doer, tem que nos esvaziar."
    
"O dever é uma coisa muito pessoal. Decorre da necessidade de entrar em ação, e não da necessidade de insistir com os outros para que façam qualquer coisa."
    "Temos de ir à procura das pessoas, porque podem ter fome de pão ou de amizade."
    "Qual é o lugar do homem? Onde seus irmãos dele precisarem."
    "O que eu faço, é simples: ponho pão nas mesas e compartilho-o."
    "A todos que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporcioneis apenas vossos cuidados, mas também vosso coração."
    "Não devemos permitir que alguém saia de nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz."
    "Todas nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração. As palavras que não dão luz, aumentam a escuridão."
    "As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas seu eco é infindável."
    "Buscar a face de Deus em tudo, em todos, o tempo todo, e a mão d'Ele em tudo que acontece. É isso o que significa ser contemplativo no coração do mundo. Ver e adorar a presença de Jesus, especialmente na humilde aparência do Pão e no angustiante disfarce de pobre."
    "O que tu estás fazendo, eu não posso fazer. O que eu estou fazendo, tu não podes fazer. Mas juntos nós estamos fazendo uma coisa bonita para Deus, e esta é a grandeza do amor de Deus por nós: dar-nos a oportunidade de sermos Santos pelas obras de amor que fazemos, porque a santidade não é um luxo de poucos. É um muito simples dever para ti, para mim. Tu em tua posição, em teu trabalho, e eu e os outros, cada um de nós, no trabalho, na vida em que demos nossa palavra de honra para Deus."


    Aos movimentos feministas que defendem o aborto, ela dizia: "Dai-me vossas crianças. Eu as crio! Mas, por favor, não as mateis."
    Aos 87 anos, teve uma parada cardíaca. Faltava energia em Calcutá, e o hospital da congregação não pôde reanimá-la, pois, extraordinariamente naquela noite, o gerador também não estava funcionando. Morreu na escuridão. Logo ela, a quem Jesus chamou, dizendo: "Venha, seja minha luz."
    Este, aliás, é o nome do livro que contém seus escritos, primorosamente organizado pelo Padre Brian Kolodiejchuk, seu principal diretor espiritual.


    Santa Teresa de Calcutá, rogai por nós!