sábado, 21 de setembro de 2024

São Mateus, Apóstolo e Evangelista


    O próprio São Mateus, em seu Evangelho, registrou seu chamado por Jesus. Foi logo após a cura de um paralítico em Cafarnaum, descido pelo telhado da casa de São Pedro:

    "Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, que estava sentado no posto de pagamento de impostos. Disse-lhe:
    - Segue-Me.
    O homem levantou-se e seguiu-O.
    Como estivesse Jesus à mesa na casa desse homem, numerosos publicanos e pecadores vieram e sentaram-se com Ele e Seus discípulos. Vendo isto, os fariseus disseram aos discípulos:
    - Por que Vosso Mestre come com os publicanos e com os pecadores?
    Jesus, ouvindo isto, respondeu-lhes:
    - Não são os que estão sãos que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide e aprendei o que significam estas palavras: 'Eu quero a Misericórdia, não o sacrifício (Os 6,6).' Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.
    Então os discípulos de João, dirigindo-se a Ele, perguntaram:
    - Por que nós e os fariseus jejuamos, e Teus discípulos não?
    Jesus respondeu:
    - Podem os amigos do Esposo afligir-se enquanto o Esposo está com eles? Dias virão em que lhes será tirado o Esposo, então eles jejuarão. Ninguém põe um remendo de novo pano em velha veste, porque arrancaria uma parte da veste e o rasgo ficaria pior. Tampouco se coloca novo vinho em velhos odres. Do contrário, os odres rompem-se, o vinho derrama-se e os odres perdem-se. Coloca-se, porém, novo vinho em novos odres, e assim tanto um como outro se conservam."
                                                 Mt 9,9-18

    São Marcos conta a mesma passagem, identifica a cidade e seu pai, mas, assim como São Lucas, chama São Mateus por outro nome, provavelmente para assinalar sua condição de levita, isto é, membro da classe de sacerdotes de Israel, por critério de descendência, os filhos de Levi, instituída por Deus desde os tempos Moisés:

    "Alguns dias depois, Jesus novamente entrou em Cafarnaum... Quando ia passando, viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de arrecadação, e disse-lhe:
    - Segue-Me.
    E Levi, levantando-se, seguiu-O."
                                                 Mc 2,1a.13

    São Lucas mais explicitamente menciona o banquete que São Mateus ofereceu a Jesus, ao qual também acorreram seus amigos de profissão, fato que gerou a crítica dos hipócritas religiosos:

    "Levi deu-Lhe um grande banquete em sua casa. Vários desses fiscais e outras pessoas estavam sentados à mesa com eles. Os fariseus e seus escribas puseram-se a criticar..."
                                                 Lc 5,29-30

    De fato, São Mateus era cobrador de impostos, quer dizer, recolhia parte das riquezas de seu povo para o Império Romano, àquela época representado na Galileia por Herodes Antipas. No entanto, embora vivesse um drama de consciência, pois bem sabia da desumana exploração, ele exercia sua profissão com perfeita lisura.
    E por certo já havia ouvido Jesus falar, em Quem sua alma encontrou a Paz que todos buscamos. Ora, como São João Evangelista narrou, os próprios guardas enviados para prender Jesus percebiam que havia 'algo diferente' no Mestre:

    "Voltaram os guardas para junto dos príncipes dos sacerdotes e fariseus, que lhes perguntaram:
    - Por que não O trouxestes?
    Os guardas responderam:
    - Ninguém jamais falou como este homem!... "
                                                     Jo 7,46

     Ademais, Jesus conhece os corações das pessoas e não iria destratar um cobrador de impostos só por causa de sua profissão. Não foi à toa que Se sentou à mesa com eles, e não o fez porque fossem 'doentes'. Com esse gesto, Ele alerta àqueles que já se julgam 'sadios', 'limpos'. Aliás, os cobradores de impostos seriam apenas tão pecadores quanto os saduceus, mancomunados com os romanos até em assuntos de (cf. At 23,8), ou quanto os fariseus, que contra Jesus maquinavam com os herodianos (cf. Mt 22,16 e Mc 3,6). Por isso, Nosso Salvador vai desmascarar a falta de humildade dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos do povo perante a fulgurosa manifestação de São João Batista, e defender conhecidos pecadores por serem conscientes de seus erros:

    "Em Verdade, digo-vos: os cobradores de impostos e as prostitutas entrarão antes de vós no Reino de Deus! João veio a vós no caminho da justiça e não crestes nele. Porém, os coletores e as prostitutas nele creram. E vós, vendo isto, nem fostes tocados de arrependimento para nele crerdes."
                                                Mt 21,31-32
    
    Noutra parábola, Jesus vai colocar lado a lado um cobrador de impostos e um fariseu, e mais uma vez o bom exemplo virá do fiscal:

    "Subiram dois homens ao Templo para orar. Um era fariseu, o outro, cobrador de impostos. O fariseu, em pé, orava em seu íntimo desta forma: 'Graças dou-Te, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros. Nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos meus lucros.'
    O cobrador, porém, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: 'Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!'
    Digo-vos: este voltou para casa justificado, e não o outro. Pois todo aquele que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado."
                                               Lc 18,10-14

    Na lista dos Doze, São Mateus sempre é citado no segundo grupo de quatro Apóstolos, não por acaso junto aos estudiosos São Filipe, São Bartolomeu e São Tomé, e sempre à frente deste último, exceto em seu próprio Evangelho. Aqui temos a lista de São Marcos: "Depois, subiu ao monte e chamou os que Ele quis. E foram a Ele. Designou Doze dentre eles para ficar em Sua companhia. Ele enviá-los-ia a pregar, com o poder de expulsar os demônios. Escolheu estes Doze: Simão, a quem pôs o nome de Pedro, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais pôs o nome de Boanerges, que quer dizer Filhos do Trovão. Ele também escolheu André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu Tadeu, Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que O entregou." Mc 3,13-19


    São Mateus era um nobre galileu de Cafarnaum, homem de leitura e contemplação. Não há registro algum de palavra sua nos Evangelhos, nem mesmo no seu. Sua atenção era tão centrada em Jesus, em Seus gestos e Suas Palavras, que os demais Apóstolos e as pessoas que seguiam o Salvador quase nem percebiam sua distinta presença. Jesus, enquanto a própria Palavra de Deus que é, o Verbo Encarnado, significa para ele, judeu culto e de , a absoluta realização da alma. Todas Escrituras estavam ali, diante dele, na forma de uma Pessoa. E os Evangelhos só registram uma Palavra de Jesus dirigida a ele: 'Segue-Me'. Foi o bastante.
    Profundo conhecedor dos Sagrados Livros, ele sabia que a Vinda do Messias estava próxima. Em especial conhecia as profecias, e estava muito bem atento ao cumprimento delas. Quando Jesus as explicava, então, ele sentia-se nos Céus, com o peito em flama, exatamente como disseram os discípulos que foram acompanhados, sem que soubessem, por Jesus ressuscitado, no caminho de Emaús durante o Domingo da Ressurreição"Não se nos abrasava o coração, quando Ele falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?" Lc 24,32
    São Mateus escreveu seu Evangelho, o primeiro dos quatro, em aramaico, língua que Jesus falava, caso único entre todos escritos do Novo Testamento. Mas logo foi traduzido para o grego nas seguintes compilações. Em cinco discursos de Jesus, ele deixou-nos a melhor síntese de Sua Doutrina, entre eles o Sermão da Montanha, além da versão mais conhecida e apreciada do Pai Nosso. Seu Evangelho traz a essência da Catequese Cristã, e por isso, ao viajar a Índia, São Bartolomeu Apóstolo teria levado uma cópia.
    Seu Evangelho era dirigido aos judeus e helenistas, ou seja, os descendentes de judeus espalhados pelas cidades que haviam sido dominadas pelo então destituído Império Grego, sempre mostrando por frequentes citações das Escrituras que Jesus era o Messias. E os judeus que se convertiam, pois só depois vieram os de origem pagã, antes de começarem a ser chamados de cristãos eram conhecidos como nazarenos, em alusão ao lugar onde Jesus viveu. Vemos esse termo na acusação que os judeus fizeram contra São Paulo a Felix, que foi governador da Judeia e morava em Cesareia: "É um dos líderes da seita dos nazarenos." At 24,5
    Após a Ascensão de Jesus, São Mateus teria pregado discretamente, bem a seu modo, entre os judeus da própria Judeia, mesmo em meio às perseguições. Assim viveu por 15 anos, mas com o passar do tempo viu-se obrigado a escrever seu Evangelho, que era a tradição oral da interpretação das Escrituras, tomando como base a Vida de Cristo e Suas pregações no anúncio da Boa Nova. Certamente, foi uma inspirada decisão: as tensões sociais em Israel iriam explodir no ano de 70 de nossa era, e uma nova dispersão iria demandar que Suas revelações e ensinamentos estivessem escritos.
    A primeira redação teria sido arrematada por volta do ano 50, em Antioquia, na atual Turquia, que era a terceira maior cidade do Império Romano, menor apenas que Roma e Alexandria. Providencialmente, apesar de seus escritos que ligam o cristianismo ao judaísmo, pois queriam reformá-lo, foi aí que os cristãos vindos do judaísmo perderam a ascendência sobre os cristãos vindos do paganismo. Aliás, foi aí onde os seguidores de Cristo pela primeira vez foram chamados de cristãos, como resultado da passagem de São Pedro, que foi seu primeiro bispo após deixar Jerusalém nas mãos de São Tiago Menor (cf. At 12,17), e também por força da pregação de São Paulo e São Barnabé: "Durante um ano inteiro, eles tomaram parte nas reuniões da comunidade e instruíram grande multidão, de maneira que em Antioquia é que os discípulos, pela primeira vez, foram chamados pelo nome de cristãos." At 11,26
    Daí São Mateus quis ir a Roma. Talvez para auxiliar São Pedro na formação da sede da Igreja e do Colegiado Romano (cf. 1 Pd 5,13), que serviu de esboço para o atual Colégio de Cardeais. Mas aparentemente não o conseguiu, e a razão pode ter sido a expulsão de judeus e cristãos da capital pelo imperador Cláudio, no ano de 49 (cf. At 18,2). Registros, entretanto, dão conta de sua passagem pela Macedônia, pelo Império Parto, pela Pérsia e, por fim, pela Etiópia, o que em muito amplia sua área de atuação após deixar a Judeia.
    Na Etiópia, centro de grande atividade e movimentação de judeus, ele teria vivido seus últimos anos. Curou de lepra Santa Efigênia, filha do rei, e por esse milagre ela ter-se-ia recusado a casar com o sucessor de seu pai, Hitarco, pois preferiu consagrar-se a Deus e ajudar São Mateus na divulgação da Boa Nova. Muito contrariado, Hitarco culpou São Mateus por essa decisão: ele tê-la-ia enfeitiçado. E para vingar-se, e também dispersar a pujante comunidade que se formava a seu redor, mandou matá-lo no altar, enquanto celebrava a Santa Missa.
    Em 930, suas relíquias foram redescobertas nesse país e levadas para Salerno, ao sul da Itália, onde é o padroeiro da cidade e sua procissão, de secular tradição, é ampla e fervorosamente aclamada.


    Aí ele tem seu nome junto ao de Nossa Senhora dos Anjos na dedicação da Catedral, cuja cripta lhe é dedicada.


      São Mateus, rogai por nós!