terça-feira, 25 de abril de 2023

São Marcos Evangelista


    A primeira menção bíblica a São Marcos é quando São Pedro, libertado por seu Anjo da Guarda da prisão imposta por Herodes, vai deixar um recado numa casa em Jerusalém: "Refletiu um momento e dirigiu-se para a casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde muitos se tinham reunido e faziam oração." At 12,12


    Segundo antiga tradição da Igreja Ortodoxa Síria, essa casa foi reerguida, após a destruição de Jerusalém, para ser um monastério, pois aí também teria sido o Cenáculo, onde Jesus instituiu a Eucaristia entre os Apóstolos, momentos antes de ser entregue por Judas. Assim, embora esta última informação seja carente de boas provas, São Marcos conheceria todos Apóstolos, inclusive Jesus, embora não tivesse idade nem discernimento bastantes. Em sentido contrário, porém, há importantes registros sustentando que ele não conheceu Jesus.
    É certo, de toda forma, que São Barnabé e São Paulo já o levavam consigo desde suas primeiras missões: "Tendo Barnabé e Saulo concluído sua missão, voltaram de Jerusalém (para Antioquia), consigo levando João, que tem por sobrenome Marcos." At 12,25
    São Marcos, pois, estava com eles quando partiram de Antioquia para o Chipre, sob as diretrizes do Divino Paráclito: "Enquanto celebravam o Culto do Senhor, depois de terem jejuado, disse-lhes o Espírito Santo: 'Separai-Me Barnabé e Saulo para obra a que os tenho destinado.' Chegados a Salamina, pregavam a Palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Com eles tinham João, para auxiliá-los." At 13,2.5
    E foi na região da Panfília que São Marcos, por injustificável motivo segundo São Paulo, abandonou-os: "Paulo e seus companheiros navegaram de Pafos e chegaram a Perge, na Panfília, de onde João, apartando-se deles, voltou a Jerusalém." At 13,13
    Logo após o Concílio de Jerusalém, e a apresentação de sua resolução na cidade de Antioquia, que diz não ser necessário circuncidar os cristãos, São Paulo queixou-se a São Barnabé desta atitude de São Marcos e não mais o queria consigo em missão. Tal fato causou uma momentânea ruptura entre os 'Apóstolos', mas, como desígnio de Deus, em muito acabou aumentando a área em que eles serviam, e São Paulo passou a acompanhar-se de São Silas, ou São Silvano: "Ao termo de alguns dias, disse Paulo a Barnabé: 'Tornemos a visitar os irmãos por todas cidades onde temos pregado a Palavra do Senhor, para ver como estão passando.' Barnabé queria levar consigo João, que tinha por sobrenome Marcos. Paulo, porém, achava que não devia ser admitido quem se tinha separado deles na Panfília, e não os havia acompanhado no Ministério. Houve tal discussão que se separaram um do outro, e Barnabé, consigo levando Marcos, navegou para Chipre. Paulo, porém, tendo escolhido Silas, e depois de ter sido recomendado pelos irmãos à Graça do Senhor, partiu. Ele percorreu a Síria, a Cilícia, confirmando as comunidades." At 15,36-40
    São Marcos era primo de São Barnabé, um discípulo tão querido e tão cheio do Espírito Santo que São Paulo e São Lucas o chamavam de Apóstolo. E não foi à toa que estes primos seguiram para o Chipre. Segundo São Jerônimo, eles eram judeus cipriotas e também levitas, ou seja, sacerdotes por descendência, e moravam numa colônia cipriota em Jerusalém.
    Ficou claro, entretanto, que a desavença entre São Paulo e São Marcos foi resolvida, pois na Carta aos Colossenses o Último Apóstolo recomenda-o, deixando um registro de que nosso Santo lhe servia enquanto esteve preso pela primeira vez. Certamente, cabia-lhe a função de divulgar suas prédicas e manter seu contato com os cristãos de Roma, que viviam a na clandestinidade mas ajudavam a suprir suas necessidades: "Saúda-vos Aristarco, meu companheiro de prisão, e Marcos, primo de Barnabé, a respeito do qual já recebestes instruções. Se este for ter convosco, acolhei-o bem." Cl 4,10
    Na Segunda Carta a São Timóteo, São Paulo, talvez já bem próximo à sua morte, dá um bom testemunho de São Marcos e pede que o traga para os serviços da Igreja, seguramente da Palavra: "Só Lucas está comigo. Toma contigo Marcos e traze-o, porque me é bem útil para o Ministério." 2 Tm 4,11
    Na Carta a Filemon, provavelmente quando de sua segunda prisão em Roma, pois nela são apresentados os mesmos colaboradores da Carta aos Colossenses, São Paulo põe São Marcos como primeiro da lista: "Enviam-te saudações Epafras, meu companheiro de prisão em Cristo Jesus, assim como Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores." Fm 1,23-24
    Contudo, o mais importante registro sobre São Marcos, por ajudar a identificá-lo como o escritor do 'Evangelho Segundo São Pedro', está na Primeira Carta do Príncipe dos Apóstolos. Ele fala de Roma, seu bispado, e a São Marcos refere-se com especial carinho: "A igreja escolhida de Babilônia saúda-vos, assim como também Marcos, meu filho." 1 Pd 5,13
    Há ainda dois outros importantes testemunhos a favor dessa tradição. Primeiro, São Justino, teólogo, que viveu do ano 100 a 165 e registrou que o Evangelho de São Marcos eram as "Memórias de Pedro". Depois, Santo Irineu, que foi Padre Grego, teólogo e escritor cristão, viveu do ano de 130 a 202, e deixou escrito: "Depois da morte de Pedro e Paulo, Marcos, discípulo e intérprete de Pedro, transmitiu-nos por escrito o que ele havia pregado."
    Alguns pretendem que São Marcos já teria idade bastante durante a instituição da Eucaristia, e estaria entre os 72 discípulos enviados por Jesus, conforme apontamento de São Lucas, logo após o episódio da Transfiguração: "Depois disso, ainda designou o Senhor setenta e dois outros discípulos e mandou-os, dois a dois, adiante de Si, por todas cidades e lugares para onde Ele tinha que ir." Lc 10,1
    Também afirmam que mais tarde ele teria abandonado Jesus, após ouvi-Lo anunciar que Sua Carne é o Pão do Céu, e que deve ser comida por aqueles que desejam a Salvação, como São João Evangelista registrou: "Desde então, muitos de Seus discípulos retiraram-se e já não andavam com Ele." Jo 6,66
    Ainda dizem os defensores dessa tese que São Pedro o teria reconvertido tempos depois, consigo levando-o em suas viagens e até Roma. Mas não há nenhum sério registro a favor desses relatos, a não ser uma lista dos '70 discípulos' de Santo Hipólito, obra pouco consistente, escrita entre os séculos II e III, segunda a qual, talvez por falta de nomes para completar o rol, haveria três Marcos: o Evangelista, o João Marcos e o Marcos, primo de Barnabé.
    Ademais, a mesma tradição, que aponta a casa de Maria como o Cenáculo, indica o Jardim das Oliveiras como sua propriedade, e identifica o jovem, que fugiu nu quando Jesus foi preso, como São Marcos, o que o coloca bem próximo aos Apóstolos e explicaria sua familiaridade com São Pedro. Está em seu Evangelho: "Seguia-o um jovem coberto somente de um pano de linho, e prenderam-no. Mas lançando ele de si o pano de linho, escapou-lhes despido." Mc 14,51-52


    O Evangelho de São Marcos é pontual, truncado e, dada a autoridade de São Pedro, foi usado para complementar ou mesmo embasar os Evangelhos de São Mateus, a priori, e de São Lucas. Este último chega a usar inteiras frases de São Marcos, inclusive copiando seus vários erros na língua grega, quando nosso Amado Médico tão bem a dominava. Nisso deve ser vista uma profunda reverência ao Príncipe dos Apóstolos, além da extrema fidelidade de São Lucas à Palavra.
     É o mais usado pela Igreja depois do de São Mateus. De fato, seu vocabulário é pobre, tem erros gramaticais e apresenta apenas dois discursos de Jesus, mas é prático e realista, e dá detalhes bem verossímeis, como duas frases de Jesus em aramaico, que, além dele, só São Mateus usou. São Marcos, enfim, é o único que apresenta Jesus como: '... o filho de Maria...' Mc 6,3
     Fiel espelho da humildade de São Pedro, ele não menciona as honras nem o destaque que lhe foi dado por Jesus, mas dá pormenores das três negações como nenhum Evangelho, o que comprova o Príncipe dos Apóstolos como sua fonte de informação e dá indícios do quanto que este fato pesou na consciência do grande pescador de almas.
    Batizado e ordenado bispo por São Pedro, suas missões encheram de orgulho o Bispo de Roma, que, confiante em sua inspiração, mandou-o ao Egito, especificamente Alexandria, onde vivia o maior e mais culto segmento de judeus de então. Aí ele obteve grande sucesso e foi homenageado, pela Igreja Ortodoxa Copta, com uma catedral no Cairo, a maior de toda África, cujas fundações são do primeiro século.


    Após o martírio de São Pedro, nosso evangelista tratou de erigir-lhe uma igreja na cidade de Alexandria, onde foi o primeiro bispo segundo registros de São Jerônimo e Eusébio. Nesses termos, pode-se dizer que São Marcos foi o fundador do cristianismo na África. Por sinal, vários aspectos da liturgia da Igreja Ortodoxa Copta são atribuídos a ele, sem que jamais tenha havido controvérsia.
    Em Alexandria, então a segunda maior cidade do Império Romano, menor apenas para a própria Roma, na Páscoa do ano de 68 São Marcos foi martirizado por pagãos que cultuavam deuses gregos, pois aí a cultura helenística ainda predominava, além de em várias regiões do Oriente Médio. Uma tradição diz que lhe amarram um corda ao pescoço e arrastaram-no pelas ruas. Outra, que ele foi morto no altar, enquanto celebrava a Eucaristia.
    Em 828, seus restos mortais foram roubados de Alexandria por mercadores venezianos, pois temiam que fossem violados pelos já corriqueiros atos de vandalismo no repentino 'crescimento' do Islamismo, na verdade imposto à força de espada. Eles esconderam suas relíquias entre a carne de porco, para que os muçulmanos não inspecionassem a carga. Em Veneza, por fim, foi-lhes construída a Basílica de São Marcos, onde seus restos se encontram sob o altar.


    São Marcos, rogai por nós!