quinta-feira, 27 de abril de 2023

A Inquisição


    Questionamentos e difamações dirigidas à Igreja Católica são simplesmente uma constante através dos séculos, e entre eles a Inquisição tornou-se peça de retórica, através da qual os mais raivosos, mentirosos e absurdos comentários são tagarelados como 'verdades históricas'. Não por acaso, esses ataques sempre partiram e ainda partem de pessoas que, de alguma forma, sentiram-se contrariadas, ou mesmo acusadas pelos ensinamentos do Catolicismo. O que há, de fato, são fartos e consistentes registros, associados a meras e racionais deduções, que de modo cabal desmentem essas falácias.
    Para começar, a Igreja, à época, era sim uma poderosa instituição, especificamente sob o aspecto moral, e, em alguns momentos, mentora de campanhas militares, como as Cruzadas. Não por outra razão, porém, senão porque não havia na Europa, nem em nenhum lugar do mundo, uma organização tão vastamente conhecida e respeitada, pois era mesmo a legítima representante de pensamentos, comportamentos e valores de uma imensa maioria de pessoas. E, diga-se de passagem, por mera questão de , pois o povo era católico praticante. Nenhuma religião, ou mesmo ideologia político-social, jamais havia cativado tão grande percentual da população. Como comparação, as igrejas ditas ortodoxas alcançavam cifras meramente residuais, e as diretrizes da fé islâmica nunca foram uniformes, centralizadas ou minimamente coordenadas em unanimidade. Aliás, desde os primeiros anos já fazia-se evidente a radical e abrupta divisão entre sunitas e xiitas.


    No fim século XII, diante das ruidosas e turbulentas heresias dos cátaros e valdenses que convulsionavam a França, a Igreja viu-se obrigada a instituir o Tribunal do Santo Ofício, atual correspondente da Congregação para a Doutrina da Fé, como meio de atestar o que realmente se tratava de heresia ou não, e assim oferecer justos julgamentos a supostos sectários, pois até então findavam caindo ou nas mãos do povo, em revolta, ou eram julgados por seculares tribunais de exceção, nos quais não havia nem procedimentos preestabelecidos nem direito de defesa. A Igreja, portanto, tão somente seguia com sua missão de salvar almas, de toda forma tentando convencer os acusados de seus pecados, quando os tinham, e estimulá-los à conversão.
    Vale dizer, a Igreja cuidava de questões internas, que diziam respeito à cristandade, e quase nada interferia em assuntos de outras confissões, como judaísmo e islamismo, embora séculos mais tarde, especificamente na Espanha e em Portugal, viesse a banir estas religiões e inquerir ditos convertidos por continuarem em oculta prática de sua fé de origem, enquanto tentavam perverter pessoas à sua volta, conspirando contra a Igreja e o Estado.
    Ademais, há elementares informações que nunca são veiculadas com o devido amor à verdade, ou sequer divulgadas. Na Itália, como referência, a Inquisição Romana, que durando de 1542 a 1965 foi a mais longeva, só se debruçou sobre assuntos morais, como o incesto e abuso sexual de menores, entre outros que diziam respeito à família. Na Espanha, onde vigorou de 1478 a 1834, iniciou como parte da Reconquista da Península Ibérica, que parcialmente estava nas mãos dos muçulmanos, e majoritariamente tratou de assuntos políticos, refreando líderes que se insurgiam contra o Estado e evitando verdadeiros banhos de sangue como os que se deram em nome da 'Reforma Protestante' na França, na Alemanha, na Inglaterra e em vários outros países da Europa. Aliás, nesses últimos dois países, além de tantos outros que se tornaram avessos ao Catolicismo, também houve a 'Inquisição Protestante', mas desta, por muitos e inconfessos motivos, pouco se fala.
    Tampouco se fala da abjeta Guerra Civil Espanhola, uma retardada onda do mesmo movimento da 'Reforma Protestante', certamente muito mais diabólica, que de 1936 a 1939 só entre religiosos matou 6832, fossem bispos, padres, frades ou freiras, e destruiu cerca de 20.000 igrejas. Movida por ateístas, anarquistas e comunistas, jamais se verificou tamanho ódio à Igreja. Em comparação, a Inquisição Espanhola, considerada a mais cruel e violenta, instalada pelo rei Fernando II e contra a vontade do Papa Sixto IV, condenou à morte pouco mais de 2 mil pessoas em 356 anos. E dos processos inquisitoriais, que eram individuais e detalhadamente registrados, quase 80% dos que terminaram em punição apenas determinavam penitência por vergonha pública, como vestir trapos. Contra os judeus, alegadamente os grandes vitimados, em todo período resultaram em 464 autos-de-fé, dados entre 1481 e 1826, enquanto mais de 13 mil dos chamados 'conversos', judeus e muçulmanos suspeitos de camuflarem-se, foram julgados entre 1480 e 1492. Ou seja, só houve punição em 3,5% dos casos.
    Maliciosamente esquecida, sob estes aspectos, também é a tão celebrada, mas igualmente demoníaca, 'Revolução Francesa', que criou o 'Terrorismo de Estado' e tentou substituir as religiões pela 'religião de Estado', a 'Igreja Constitucional', a 'Igreja laica', onde Deus seria a lei. A Igreja, que sim detinha alguns privilégios, e até extravagâncias, seria a grande culpada pelo caos econômico e social, pois sempre estaria ao lado do rei, ajudando a manipular o povo. Nossos sacerdotes foram forçados a jurar fidelidade às normas estatais e a desobedecer ao seu bispo e ao papa. Pio VI e quase a totalidade dos bispos franceses resistiram, só quatro cederam, mas muitos padres da região central do país aderiram, tornando-se 'comissários políticos'. Resultado: cerca de 40 mil mortos na guilhotina em apenas 1 anos. Era o 'iluminismo' dos 'intelectuais', espécie de reedição do 'humanismo', junto ao 'liberalismo' da alta burguesia, em sanguinária rebelião contra o rei, a nobreza, os clérigos e os fiéis. Só na região da Bretanha, onde se viu a maior resistência por parte dos sacerdotes, 120 mil católicos foram assassinados, ou seja, mais de 15% da população.
    O surgimento da igreja anglicana, pelas mãos de Henrique VIII, também foi um banho de sangue: mais de 70 mil civis foram assassinados como traidores, justamente por rejeitar essa nova religião na qual o rei se dizia o papa. Diferentemente da confusão doutrinária atual sob essa denominação, aí à época nenhum ponto da doutrina católica foi alterado, exceto esse: o papa seria o próprio rei.
    Ainda cabe saber que a dita reforma de Lutero, além de teologicamente insuflada por judeus e islâmicos sob o pretexto de combater a veneração às imagens, contrária a seus credos, só prosperou por interesses da nascente burguesia capitalista, já usurária, e de ambiciosos ex-senhores feudais, governantes, príncipes e reis. Como os países ainda estavam em formação, enquanto povo, território e unidade política, esses grandes proprietários de terra tentavam sobressair-se para conquistar o poder sobre toda nação. Era o surgimento das monarquias nacionais, e o mais fácil modo de atingir esse objetivo era tomando terras e bens da Igreja, para aumentar suas posses e influências.
    A Igreja era sim dona de muitas terras, mas não por dominação militar ou política, senão por doações de devotos, muitos deles reis e nobres, aos seus Santos de estima, e por legítimos interesses de divulgação da fé entre o povo, evitando fragmentação social, estagnação cultural e propagação de heresias. A dita 'Reforma Protestante', portanto, nada mais foi que a implementação dos ideais religiosos de 'humanistas', dos quais se apossaram Lutero e outros, e foram adotados como bandeira por burgueses, ex-senhores feudais, nobres, autoridades, príncipes e reis, cujos verdadeiros interesses eram políticos e financeiros, e que só foram alcançados à custa de ferro e fogo, diga-se assassinatos, pois, verdadeiramente católica, a maioria da população valorosamente resistiu a essas 'novidades'.


    Muita gente morreu em batalha ou em sacrifício por ser obrigada a aceitar uma 'religião' herética, estranha, sectária e incipiente. Era a mesma gente que, ao contrário do que muitos tentam divulgar, largamente apoiava a Igreja durante a Inquisição e tinha verdadeira aversão às bruxas e ciganos, bem como a segmentos de judeus e muçulmanos que chegavam ou já dominavam a Europa, rapidamente apossando-se de áreas vitais do dia-a-dia urbano, como serviços de banco, comércio, transporte, e produções têxteis, de artesanato, metalurgia, medicina, alimentos etc.
    Claro, essas autoridades foram apoiadas ou mesmo cooptadas pela nascente burguesia, cujos interesses não eram lá muito humanitários, mas apenas afastar a influência da Igreja. Despontava o comércio interurbano, sustentado pelo intercontinental, bem como o mercado financeiro com grandes lucros sobre empréstimo a juros, que a Igreja proibia. Junto ao natural surgimento do capitalismo, para financiar grandes obras sem o trabalho escravo, que na Europa foi abolido pelo Catolicismo, com vigor eclodia sua mais perniciosa vertente: o capitalismo selvagem. E nesses tempos de corrida pela acumulação de moedas, o bulionismo, muitos condenaram a Igreja por usar da prática de indulgências, isto é, concessão de perdão dos pecados, também em contrapartida de ofertas em dinheiro. Na lógica destes, só a Igreja não podia usá-lo.
    Ela arrecadava impostos, é verdade, pois sua estrutura espalhava-se por todos países da Europa, entretanto prestava grandes serviços à população carente, à civilidade e à ordem pública. Ela realmente era rica, dado sua dimensão, mas sempre foi uma instituição, nunca uma propriedade particular, em nome de alguma pessoa. E nem todos membros do clero, resta evidente, principalmente naqueles anos de fartura e desenvolvimento social, adotavam uma vida de humildade. A Igreja teve e tem membros que pecaminosamente vivem como abastados. Contudo, em sentido oposto, seus princípios e estrutura sempre serviram aos interesses da fé e da mais necessitada gente, e ainda hoje é a instituição que mais faz caridade em todo mundo.
    As acusações de tortura, que em geral são exclusivamente atribuídas à Igreja, eram práticas disseminadas em muitos feudos e reinos europeus, e por quase todo mundo de então, como forma de manutenção da ordem social e da submissão às autoridades. E o clero, em sua maioria, ao longo dos séculos sempre opôs-se a esses procedimentos. As cidades voltavam a atingir proporções de metrópoles, e questões de justiça civil e criminal começavam a ser um complexo problema. Aliás, raríssimas vezes a tortura foi empregada pelo Tribunal do Santo Ofício, o que notadamente se dava por abuso de autoridade, não ratificada pela Igreja, pois as punições, em caso de resistência à conversão e à expulsão do país, não era levada a cabo pelo clero, mas pelo poder secular, em autos-de-fé realizados uma vez por ano. E note-se, na quase totalidade dos países europeu, só nos anos de 1800 a tortura foi definitivamente proibida por lei civil. No Brasil durou até 1900. Mas todo instrumento de tortura que se vê hoje em dia são estúpida e levianamente identificados como exclusivos pertences da Igreja.
    Assim como na atualidade, até parece que os verdadeiros Santos de então, ou, que seja, os arautos da compaixão e da moral, eram os monarcas, a nobreza, a burguesia, os artistas e os intelectuais. A verdade é que os exércitos europeus eram compostos por violentos mercenários para defender os domínios dos poderosos, que em nada eram obrigados, senão pela moral cristã, a oferecer escola, hospital ou segurança a seus dominados.
    A própria escravidão, como dito, havia sido abolida em terras da Europa por força da efetiva prática da Comunhão, união de comuns, cultuada pela Igreja durante a Santa Missa. E na maioria dos casos os interesses destes 'humanistas' eram essencialmente financeiros ou, em melhor hipótese, ideológicos, enquanto a Igreja havia muito já possuía orfanatos, escolas, universidades, hospitais e asilos absolutamente caritativos. A ideia da obrigação do Estado oferecer serviços públicos gratuitos, por sinal, veio exatamente da atividade de Santos católicos e de suas ordens religiosas, que já os punham em prática desde os primeiros séculos e em exclusivo movidos pela caridade e pela fé. Para ilustrar, quase não se diz que a escola que veio a tornar-se a grande Universidade de Sorbonne, entre tantas outras, foi inicialmente uma instituição católica, criada para atender alunos pobres, e mais tarde 'assumida' pelos reis da França.
    Ora, muitos dos gênios da humanidade na idade média estudaram em escolas ou universidades católicas. E suas teorias não teriam sido possíveis sem o conhecimento organizado e sistematizado ao longo dos séculos por estudiosos padres e frades, verdadeiros investigadores de boa parte das matérias que mais tarde foram consideradas suas descobertas. A lista de religiosos católicos que contribuíram para a ciência com suas pesquisas e estudos é imensa. Na verdade, apesar da corriqueira difamação de que combatia o conhecimento científico para alienar as pessoas, a Igreja é, muito longe de qualquer outra, a instituição mundial que mais colaborou para que se alcançasse o estágio científico e tecnológico do início do século passado.


    O tão comentado julgamento de Galileu, como exemplo, não se deu apenas por causa de sua Teoria do Heliocentrismo, na qual defendia o sol com centro do Universo e não a Terra, como se pensava à época e a Igreja também acreditava. Galileu tinha mais de trinta teses, a maioria delas versando sobre assuntos estritamente religiosos e de privativa disposição do clero. Eram teses que tratavam senão de Teologia, para as quais não lhe era dado o direito de especular ou divulgar, posto que simplesmente não tinha conhecimento de causa. Católico praticante, Galileu pretendia fazer uma imensa 'reforma' na Igreja, em vários pontos muito parecida com a grande confusão, e de rasteiras teses, propalada por Lutero.
    Mais um importante detalhe: os processos inquisitórios, hoje ditos judiciais, conduzidos pela Igreja eram incomparavelmente os mais justos que se faziam à época, a todos garantindo direito de defesa ou mesmo de absolvição em caso de admissão de culpa e conversão. Sim, fora a Igreja não havia nenhuma forma de poder a não ser senhores feudais, príncipes, reis e imperadores, os quais não usavam nem de constituição nem de processos legais previamente estabelecidos em seus 'tribunais', isto é, até havia lei, mas não claros procedimentos, leia-se isenção, para aplicá-la.
    Com isso, os julgamentos levados a termo pela Igreja eram de longe mais humanos que qualquer outro. Por fim, e apesar do estardalhaço que se faz do tema, menos de 2% de seus processos resultavam em punição. E, vale repetir, a execução da pena, como a fogueira, estritamente usada em caso de resistência de 'cristãos' em renegar os pecados ou à devida conversão, não era levada a cabo pela Igreja, mas pelos poderes seculares.
    É certo dizer, portanto, que o atual Direito 'caiu do Céu', pois todos ordenamentos jurídicos dos países modernos tem a maior e mais importante parte de suas leis baseada no Direito Canônico. Sem dúvida, a Igreja adotou um extenso material que foi produzido na Roma Imperial, mas seu trabalho de rebuscar, compilar, complementar, ampliar e aperfeiçoar esses institutos é vastamente reconhecido em todo mundo inteligente. Quer dizer, os hoje mal-falados julgamentos da Inquisição são a base, a estrutura e até a semelhança de muitos processos que acontecem nas nações mais justas da atualidade, onde os direitos realmente são respeitados.

    Reza a segunda parte do Credo: "Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na Comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na Vida Eterna. Amém."