domingo, 25 de agosto de 2024

São Luís


    Um rei de França, tão sincera e humildemente serviu a Deus, que se tornou Santo. Luís IX foi coroado com apenas 12 anos, pois seu irmão mais velho, Felipe, o príncipe herdeiro, havia morrido bem antes de seu pai, o rei Luís VIII. Ele contava, porém, com o firme e inteligente apoio de sua religiosa mãe, a rainha Branca de Castela, e do velho camareiro da corte, chamado Bartolomeu do rei. Com ironia, dizia-se que a França estava nas mãos de uma criança, uma mulher e um velho.
    Mas por capricho de seu pai e de sua mãe, esse jovem já havia tido contato com as mais brilhantes mentes de seu país: teve os melhores professores. Tanto que o jogo de interesses, que moviam os casamentos entre príncipes e princesas da Europa, não enganaram sua mãe nem seduziram o jovem rei, que a ela era muito obediente.
    E, de fato, eles conduziram o reino promovendo não apenas a justiça, mas a dignidade humana. Eram tempos de grande aclamação das ordens mendicantes: dominicanos, mercedários e franciscanos tocavam o coração do povo e também de Luís IX. Ele diariamente assistia à Santa Missa; a humildade, a prudência, a oração e a caridade eram suas virtudes. Deus estava com ele.
    Em 1234 sua mãe arranjou-lhe um bom casamento, logo após os completar 20 anos, com Margarida da Provença, filha do Conde de Provence e de Forcalquier, Raimundo Béranger IV, e de Beatriz de Sabóia, que realmente foi religiosa e dedicada esposa.
    Durante seu reinado, São Luís teve que resistir a rebeliões e invasões, demonstrando habilidades de grande estrategista e mesmo de guerreiro. Lúcido governante, estruturou a administração da nação e resolveu divergências com reinos vizinhos. Organizou o sistema judiciário, levando o povo a notável período de paz e ordem pública, suprimindo os desmandos dos juízes, instituindo juízes extraordinários para recursos de apelação e colocando-se ele mesmo no posto de juiz supremo, para decidir casos mais importantes que demorassem em litígio.


    Em caso de erro de seus oficiais, primeiro penitenciava severamente a si mesmo, depois a eles, e só promovia os que agiam com correção. Proibiu, em definitivo, os duelos como forma de resolver disputas e de estabelecer direitos.
    Era religiosamente zeloso, mas também muito tolerante. Velando pela Salvação das almas, construiu várias catedrais, combateu heresias e proibiu a jogatina e a prostituição. Por conta das invasões árabes, trouxe de Constantinopla a Santa Coroa de Espinhos, adquiriu relíquias da Santa Cruz, encontrada por Santa Helena, e em 1246 mandou construir a Santa Capela, em estilo gótico, no centro de Paris, exclusivamente para abrigá-las.


    A Santa Coroa de Espinhos é hoje guardada na Catedral de Notre Dame, também em Paris.


    Seu reino viveu a bonança e a prosperidade, tempo que foi chamado de 'Século de Ouro de São Luís': a França era o centro intelectual e artístico da Europa, Paris era a maior cidade, sua arquitetura atingia um inegável esplendor, nascia a Universidade de Sorbonne e o rei era reconhecido como um Santo em vida.
    Mas um rei católico de seu tempo, principalmente por sua capacidade de arregimentação e poderio, não poderia deixar de tentar libertar os sagrados lugares da Terra Santa, que estavam sendo saqueados, profanados e invadidos por muçulmanos, que fugiam dos avanços territoriais do Império Mongol, de Gengis Khan. Em 1244 esteve muito doente, e prometeu que se sobrevivesse partiria o mais rápido para a Palestina. Miraculosamente curado, organizou a VII Cruzada e partiu com a benção do Papa Inocêncio IV. Viajando em navios rumo ao Egito, teve que se abrigar de um forte inverno no Chipre, onde uma peste exterminou um sexto de seu exército.


    Fez acordo com os governantes mongóis, que de suas terras expulsavam os guerreiros muçulmanos, para atacar Bagdá, ponto de partida dos invasores da Terra Santa, e convenceu o rei do Chipre a segui-lo. Mas por uma grande tempestade no Mar Mediterrâneo, parte da esquadra foi desviada para o Egito, que era seu primeiro destino, onde chegou com a tropa reduzida a apenas um quarto da inicial. Realmente valente, atacou o Cairo mesmo assim, porém foi derrotado e preso por 5 anos. Aí teve notícia do nascimento de seu filho João Tristão, futuro Conde de Valois, e por sua autêntica fé e espiritualidade, conquistou o respeito dos emires, que propuseram proclamá-lo sultão. Entretanto, como ele rejeitou e sua principal meta era defender a Terra Santa, foi libertado pela paga de um caro resgate.
    Todavia, por sua real determinação, não quis retornar a França. Buscou acordos com líderes do Egito e da Síria, e consolidou importantes posições militares em várias cidades na Palestina. Ao receber notícia da morte de sua mãe, porém, decidiu retornar. Foi recebido em Paris como um vitorioso.


    Novos e destruidores ataques à Terra Santa, contudo, levaram São Luís a organizar a VIII Cruzada. Partiu em 1270 seguido por seus filhos, mas havia convencido e conquistado o apoio do rei Eduardo I da Inglaterra e de muitos príncipes e senhores feudais. No entanto, em ainda em Cartago, morre de enfermidade seu filho João Tristão, de apenas vinte anos de idade, e também ele, provavelmente por peste bubônica.
     São Francisco de Sales, também francês e piedoso bispo que viveu nos séculos XVI e XVII, deu este testemunho dele: "Frequentemente servia à mesa dos pobres que alimentava. e quase todos dias mandava assentarem-se dois ou três à sua própria; muitas vezes comia o que os pobres deixavam, com um incrível amor por eles e por sua condição. Visitava a miúdo os hospitais e de preferência servia aos enfermos que tinham uma mais asquerosa doença, como os leprosos, os ulcerosos e os que eram comidos de um cancro; e era de joelhos e com a fronte descoberta que lhes prestava estes serviços, respeitando neles a Pessoa de Nosso Senhor e amando-os com um tão terno amor como uma mãe a seus filhos." (Filoteia, Parte III, Capítulo XV)
    Disse mais: "São Luís, tão grande monarca na guerra e na paz, e tão empenhado em administrar a justiça e manejar os negócios do reino, ouvia todos dias duas Missas, recitava as Vésperas e Completas com seu capelão, fazia sua meditação, visitava os hospitais, confessava-se todas sextas-feiras e trazia um cilício. Muitas vezes ele assistia aos sermões, além de mui frequentes conferências espirituais; e com tudo isso nunca faltou ele com a necessária aplicação e exatidão a um só negócio do bem público, e sua corte era muito mais bela e florescente que no tempo de seus antecessores." (Filoteia, Parte V, Capítulo VII)


    Excelente pai, criou seus onze filhos em estrita obediência à Igreja Católica. Não lhes permitia usar coroa ou qualquer adereço sobre a cabeça nas sexta-feiras, em respeito à Santa Coroa de Espinho de Jesus. E realmente movido pelo Espírito de Deus, em carta enviou estas recomendações a seu filho, que viria a ser o rei Felipe III, dignas da inspiração de um grande Santo:

    "Dileto filho, começo por querer ensinar-te a amar ao Senhor, Teu Deus, com todo teu coração, com todas tuas forças, pois de outra forma não há Salvação.
    Filho, deves evitar tudo quanto sabes desagradar a Deus, quer dizer, todo pecado mortal, de tal forma que prefiras ser atormentado por toda sorte de martírios a cometer um pecado mortal.
    Ademais, se o Senhor permitir que te advenha alguma tribulação, deves suportá-la com serenidade e Ação de Graças. Considera suceder tal coisa em teu proveito, e que talvez a tenhas merecido. Além disto, se o Senhor te conceder a prosperidade, tens de humildemente agradecer-Lhe, tomando cuidado para que nesta circunstância não te tornes pior, por vanglória ou outro modo qualquer, porque não deves ir contra Deus ou ofendê-Lo, valendo-te de Seus dons.
    De boa disposição e piedade ouve o Ofício da Igreja, e, enquanto estiveres no templo, cuides de não vagueares os olhos ao redor, de não falar sem necessidade, mas devotamente roga ao Senhor, quer pelos lábios, quer pela meditação do coração.
    Guarda o coração compassivo para com os pobres, infelizes e aflitos, e quando puderes, auxilia-os e consola-os. Por todos benefícios que te foram dados por Deus, rende-Lhe graças para tornar-te digno de receber maiores. Em relação a teus súditos, sê justo até o extremo da justiça, sem te desviares nem para a direita nem para a esquerda; poê-te sempre de preferência da parte do pobre mais do que do rico, até estares bem certo da verdade. Procura com empenho que todos teus súditos sejam protegidos pela justiça e pela paz, principalmente as pessoas eclesiásticas e religiosas.
    Sê dedicado e obediente à Nossa Mãe, a Igreja Romana, ao Sumo Pontífice como pai espiritual. Esforça-te por remover de teu país todo pecado, sobretudo o de blasfêmia e a heresia.
    Ó amado filho, dou-te enfim toda benção que um pai pode dar ao filho e toda Trindade e todos os Santos te guardem do Mal. Que o Senhor te conceda a Graça de fazer Sua vontade, de forma a ser servido e honrado por ti. E assim, depois desta vida, iremos juntos vê-Lo, amá-Lo e louvá-Lo sem fim. Amém."

    Após sua morte, sua esposa Margarida entrou para o convento de Santa Clara.
    Por espontânea veneração, parte de suas vísceras foram enterradas lá mesmo, na Tunísia, e outra parte na Sicília, onde morava seu irmão, o rei Carlos I. Seu corpo foi levado a Itália, à cidade de Bolonha, para homenagens, a Lion, onde foi igualmente reverenciado, e por fim a Paris, onde foi enterrado na importante Abadia de São Dionísio.
    No século XVI, porém, com as bestiais batalhas provocadas pela Reforma Protestante, seu sepulcro foi profanado, ficando de seus restos nessa abadia apenas o osso de um dedo. E terminado o período de influência francesa na Sicília, as relíquias que lá estavam foram levadas a Tunísia, à cidade de Cartago, reunidas às que lá haviam ficado, e tempos depois todas transportadas para Paris, quando as sepultaram na Santa Capela, que ele havia construído para o madeiro da Santa Cruz e para a Santa Coroa de Espinhos. Aí elas permanecem zelosamente guardadas, mas quase esquecidas pela população bastante secularizada.
     Surgiram relatos, entretanto, das relíquias que estavam na Abadia de São Dionísio. Elas teriam sido resgatadas antes da profanação pelos protestantes, e na atualidade acredita-se mesmo que seu fêmur e parte do crânio estejam na modesta igreja da comuna de Écuelles, departamento de Saône-et-Loire, região de Borgonha, centro-leste da França, onde estiveram muito bem escondidas.


    São Luís, rogai por nós!