terça-feira, 4 de novembro de 2025

São Carlos


    Era Cardeal, Arcebispo de Milão, e morreu em 1584, aos 46 anos, da peste que flagelava a cidade desde 1576, pois, em sua intensa vida pastoral, não deixava de visitar os enfermos (cf. Mt 25,36), consolando-os e ministrando-lhes os Sacramentos.
    Homem de profunda espiritualidade e devoção, quis renunciar à arquidiocese e abraçar a vida contemplativa, mas foi aconselhado a continuar na vida secular pelo venerável Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, Bispo de Braga, Portugal, pois a Santa Igreja Católica muito carecia de seu Sacerdócio.
    Seu amigo estava certo: em pleno início do protestantismo, ele fundou os 6 primeiros seminários de Europa, além de 740 escolas de Catecismo com 3 mil catequistas e mais 40 mil alunos; também construiu igrejas e hospitais para socorro dos doentes e dos mais necessitados, o que lhe valeu o apelido de 'pai dos pobres'. Nascido a 2 de outubro de 1538 na comuna de Arona, província de Novara, noroeste de Itália, era filho do conde Gilberto Borromeo e de Margherita Medici di Marignano, poderosa família de Milão, cujo irmão mais tarde se tornaria o Papa Pio IV. Carlo Borromeo, durante a juventude, até tomou gosto pela pompa da nobreza, pelas festas, pela caça e pelo xadrez, mas após a morte de mais velho seu irmão viu-se diante da realidade da vida e, abraçando a evangélica pobreza, passou a aproveitar todos recursos de que dispunha para ajudar aos carentes.


    Conforme sua vontade desde criança, pois sempre brincava de celebrar a Santa Missa, fazer altares e imitar padres com irmãos e amigos, aos 12 anos sua família entregou-o para ser consagrado a Deus numa abadia beneditina. Era um costume àquele tempo, mas ele não mais se afastou da vida religiosa. De notável inteligência, estudou na Universidade de Pávia e tornou-se Doutor em Direito Canônico e Civil, in utroque iure, com apenas 21 anos. E um ano mais tarde fundou a primeira Academia, uma espécie de universidade de assuntos religiosos para a formação de Sacerdotes, que serviu de modelo para os seminários.
    Aos 25 anos São Carlos obteve ordenação presbiteral, após rejeitar casar-se para dar continuidade à dinastia familiar, e, profundamente vivendo sob a Luz do Espírito Santo, ainda aos 27 anos tomou posse como Arcebispo da Diocese de Milão. Assim motivou seu tio, então já eleito papa, a colocar em prática as resoluções do Concílio de Trento, do qual nosso Santo havia participado na fase final como bispo e se tornou protagonista, pois eram excelentes decretos dogmáticos e disciplinares, o que sobremaneira revigorou a instituição da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para tanto, rapidamente conquistou o apoio de jesuítas e capuchinhos, entre outros, e empreendeu uma profunda reforma administrativa nas dioceses de Europa, apesar de enfrentar forte oposição de 'conservadores' de várias ordens. Até chegou a sofrer um traiçoeiro atentado enquanto rezava: os chamados "Humilhados", ordem religiosa que estava em muitos desvios doutrinários, dispararam um tiro de mosquete às costas. Mas nem sequer se feriu, e logo tratou de perdoar seus agressores.


    Quanto à adoção das resoluções do referido Concílio, ele simplesmente fazia o mesmo que São Paulo e São Timóteo em relação ao Concílio de Jerusalém (cf. At 15,6), que foi o primeiro da Igreja Católica: "Nas cidades pelas quais passavam, ensinavam que observassem as decisões que haviam sido tomadas pelos Apóstolos e anciãos em Jerusalém. Assim as igrejas eram confirmadas na , e dia a dia cresciam em número." At 16,4-5
    Com grande fervor, portanto, rebateu a deletéria visão protestante da Santa Eucaristia como uma simples memória da Santa Ceia, exaltando a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e assim Seu Corpo e Seu Sangue transubstanciados no Pão e no Vinho (cf. Lc 22,19-20), que são imprescindíveis para a Vida Eterna (cf. Jo 6,53). Também teve que sair em forte defesa do Sacramento do Matrimônio (cf. Mt 19,6) e do celibato sacerdotal (cf. Mt 19,12).
    Nosso Santo foi abade comendatário das abadias de São Leonardo, na comuna de Manfredônia, de São Felino e São Graziano, na comuna de Arona, de São Silvano, na comuna de Romagnano Sesia, de San Gallo di Moggio, na comuna de Nonantola, de Santo Estêvão, na comuna de Follina, de uma abadia em Portugal e de outra na região de Flandres, em atual Bélgica, além de comendatário da Igreja de Santa Maria, na comuna de Calvenzano. Em todos estes encargos, destinava a renda para caridade aos pobres. Também foi Secretário de Estado, um dos mais altos postos na administração dos Estados Pontifícios, territórios onde a Santa Igreja igualmente exercia o poder temporal, quando quase toda Europa era governada por monarquias católicas.


    Também foi Bispo da Capela Sistina e presidente da comissão de teólogos nomeada pelo Papa para redigir o Catecismo Romano, chamado Tridentino, à frente de grandes Santos da Contra-Reforma como o insigne São Pedro Canísio, São Turíbio de Mogrovejo e São Roberto Belarmino. Diligentemente trabalhou na revisão do Missal e do Breviário, assim como no aperfeiçoamento da música litúrgica.
    Ainda foi Arcipreste da Basílica Romana de Santa Maria Maior, recebeu o título de Conde Palatino do Papa e o encargo de Prefeito da Sagrada Congregação para o Concílio de Trento. No conclave após a morte de seu tio, pediu que o Papa Eleito, Cardeal Ghislieri, assumisse o nome pontifício de Pio V, e foi atendido.
    Para fortalecer a Doutrina da Igreja, promoveu 6 Sínodos Provinciais e 11 Diocesanos, foi orientador de muitas ordens, escreveu muitos documentos catequéticos e, para os seminários e as instituições que fundou, redigiu tão inspirados regulamentos que foram copiados por bispos do mundo inteiro. Também fundou uma nova congregação de Sacerdotes seculares, os Oblatos de Santo Ambrósio, que se compunha de padres diocesanos para dirigir os seminários e pregar ao povo em missões, hoje divida em quatro carismas: missionários, vigários, diocesanos e leigos. Por sua grande estima pelo Santo Sudário, São Carlos Borromeu foi a Turim a pé em quatro dias de peregrinação, jejum e oração, quando os duques de Saboia, em 1578, trasladaram esta inestimável relíquia que estava no Castelo de Chambéry, no sudeste de França.
    E tão bem aceito era pela sociedade e por largos segmentos do Corpo Místico de Cristo (cf. Ef 1,22), que várias vezes foi chamado para tratar de importantes assuntos com chefes de nações. Contudo, vendo o sofrimento dos mais pobres, atingidos pela peste, fez duros discursos contra a insensibilidade dos nobres, o que lhe rendeu fortes protestos até mesmo do clero. Num gesto de desagravo, em 1579 o Papa Gregório XIII calorosamente acolheu-o em Roma.
    Mas, ao retornar, o governador de Milão organizou um carnaval para perturbar a Santa Missa que ele celebrava do primeiro domingo de Quaresma, e não mais cessou de oferecer-lhe oposição. Em seu leito de morte, porém, arrependeu-se e pediu a presença de São Carlos, que o perdoou e lhe ministrou os Sacramentos.


    A peste, no entanto, continuava assolando Milão e mais de 100 padres já haviam falecido por prestar socorro material e espiritual aos enfermos, tocados pelo exemplo do nosso humilde Cardeal nascido em berço de ouro, que era um dos mais ativos nesse gesto de caridade. De fato, São Carlos Borromeu fazia longos e frequentes jejuns e penitenciava-se com rigor, inclusive autoflagelando-se em nome do povo durante procissões, implorando a Deus por clemência


    Em seus últimos anos, fazia apenas uma refeição por dia, após as vésperas.
    Da profundidade de suas reflexões, nós temos:

    "Eis Jesus Cristo crucificado, que é o único fundamento de nossa esperança; Ele é Nosso Mediador e Advogado, a vítima e o sacrifício por nossos pecados. Ele é a própria bondade e paciência, Sua Misericórdia é movida pelas lágrimas dos pecadores, e Ele nunca recusa o perdão e a Graça a quem Lho pede com um coração verdadeiramente contrito e humilhado."
    "Jesus ensinou que sobretudo o amor deve ser o mestre de nosso apostolado, o amor que Ele quer exprimir, por nosso meio, aos fiéis a nós confiados, com a frequente pregação, com a salutar administração dos Sacramentos, com os exemplos de uma santa vida... e com o incessante zelo."
    
"O Pai enviou Seu Único Filho a fim de libertar-nos da tirania e do poder do Demônio, convidar-nos para o Céu, revelar-nos os mistérios de Seu Celeste Reino, mostrar-nos a Luz da Verdade, ensinar-nos a honestidade dos costumes, comunicar-nos os germes das virtudes, enriquecer-nos com os tesouros de Sua Graça e, enfim, adotar-nos como Seus filhos e herdeiros da Vida Eterna."
    "A Vinda de Cristo não aproveitou apenas àqueles que viviam na época do Salvador, mas que Sua força deveria ser igualmente comunicada a todos nós, contanto que, por meio da fé e dos Sacramentos, queiramos acolher a Graça que Ele nos concedeu e conduzir a vida segundo essa Graça, obedecendo-Lhe."
    "A Igreja ainda ardentemente deseja fazer-nos compreender que Cristo, assim como veio uma só vez a este mundo, revestido de nossa carne, também está disposto a vir de novo, a qualquer momento, para espiritualmente habitar em nossos corações com a profusão de Suas Graças, se não opusermos resistência."
    "São estas as almas, para cuja Salvação mandou Deus Seu Único Filho Jesus Cristo… Também indicou, a cada um de nós Bispos, que somos chamados a participar na obra de Salvação, o mais sublime motivo de nosso Ministério."
    "Se administras os Sacramentos, ó irmão, medita no que fazes. Se celebras a Missa, medita no que ofereces. Se salmodias no coro, medita a quem e no que falas. Se diriges as almas, medita no Sangue que as lavou e, assim, 'tudo que é vosso se faça na caridade (1 Cor 16,14).'"
    "Quem se queixa de que ao entrar no coro para a salmodia, ao ir celebrar a Missa, imediatamente mil pensamentos assaltam sua mente e distraem-no de Deus, deve perguntar-se: Antes de ir ao coro ou à Missa, o que fazias na sacristia? Como tu te preparaste? Que meios tu escolheste e empregaste para chamar tua atenção?"
    "Devemos meditar antes, durante e depois de tudo que fazemos. O Profeta diz: 'Vou orar e então entenderei.' É assim que conseguimos superar facilmente as inúmeras dificuldades que temos que enfrentar dia após dia, e que, afinal, fazem parte de nosso trabalho. Na meditação encontramos a força para fazer nascer Cristo em nós e nos outros."
    "Exerces cura de almas? Não negligencies por isso o cuidado de ti mesmo, nem com tanta liberalidade dês aos outros que nada sobre para ti. Com efeito, é preciso lembrar-te das almas que diriges, sem que isto te faça esquecer da tua."
    "Nada agrada mais a Deus que sermos auxiliares de Seu Filho na missão de salvar almas."
    "Almas devem ser conquistadas de joelhos."
    "Tua missão é pregar e ensinar? Estuda e entrega-te ao necessário para bem exerceres este encargo. Faze, primeiro, por pregar com a vida e o comportamento. Não aconteça que, vendo-te dizer uma coisa e fazer outra, zombem de tuas palavras, abanando a cabeça."
    "Se quisermos fazer algum progresso no serviço de Deus, devemos começar cada dia de nossa vida com novo entusiasmo. Devemos manter-nos na presença de Deus tanto quanto possível, e não ter outra visão ou fim em todas nossas ações além da honra divina."
    "É impossível que te conserves casto se continuamente não vigiares sobre ti mesmo, pois a negligência traz mui facilmente consigo a perda da castidade."
    "Somos todos fracos, confesso, mas o Senhor Deus entregou-nos meios com que, se quisermos, com facilidade poderemos ser fortalecidos."
    "Se ao menos uma fagulha do divino amor se acendeu em ti, não a mostres logo, não a exponhas ao vento! Mantém encoberta a lâmpada para não se esfriar nem perder o calor. Isto é, foge tanto quanto possível das distrações. Fica recolhido junto a Deus, evita as vãs conversas."
    "Quanto mais o governo temporal se coordena com o espiritual, e mais o favorece e promove, tanto mais concorre para a conservação do Estado. Pois que, enquanto o superior eclesiástico procura formar um bom cristão com a autoridade e os meios espirituais, segundo seu fim, procura ao mesmo tempo e por necessária consequência formar um bom cidadão, como ele deve ser sob o governo político."
    "A caridade é algo com o qual nenhum homem se perde, e sem o qual nenhum homem se salva."
    "O Rosário é a mais divina das devoções."
    "A oração é o princípio, o progresso e o complemento de todas virtudes."
    "Sua Misericórdia é movida pelas lágrimas dos pecadores"
    "Meu bom anjo: não sei quando ou como morrerei. É possível que eu seja repentinamente levado e que, antes de meu último suspiro, seja privado de toda inteligência. No entanto, há muitas coisas que eu gostaria de dizer a Deus no limiar da eternidade. Hoje, na plena liberdade de minha vontade, venho encarregar-te para que fales por mim naquele terrível momento."
    "Ó Santa Mãe de Deus, rogai pelos Sacerdotes que Vosso Filho escolheu para servir a Igreja. Ajudai-os, por Vossa intercessão, a serem santos, zelosos e castos. Fazei deles modelos de virtude no serviço ao povo de Deus. Ajudai-os a serem orantes nas meditações, eficazes na pregação e entusiasmados na oferta diária do Santo Sacrifício da Missa. Ajudai-os a administrar os Sacramentos com alegria. Amém."
    "Deus Todo-Poderoso, Vós generosamente revelastes aos seres humanos os Mistérios de Vossa Vida por meio de Jesus Cristo, Vosso Filho, no Espírito Santo. Iluminai minha mente para conhecer esses Mistérios que Vossa Igreja guarda e ensina. Movei meu coração para os amar e minha vontade para viver em conformidade com eles. Dai-me a capacidade de ensinar esta Fé aos outros, sem orgulho, sem ostentação e sem ganho pessoal. Que eu compreenda que sou simplesmente Vosso instrumento para levar outros ao conhecimento das maravilhas que realizastes por todas Vossas criaturas. Ajudai-me a ser fiel a esta tarefa que me confiastes. Amém."

    Em constante contato com os enfermos, não demorou até que ele também fosse contagiado, mas mostrava-se muito feliz por ter sido considerado digno de servir a Deus nas pessoas dos mais pobres. Pouco antes de morrer, disse: "Eis Senhor, eu venho. Vou já."
    Essa epidemia ficou conhecida como "A Peste de São Carlos". 
    Tão inspirador e cativante, na lista de seus pessoais amigos estão o próprio Pio V, que foi canonizado, São Felipe Neri, São Félix de Cantalício, São Francisco de Borja e São André Avelino, entre outros Santos. Tinha a devoção de ninguém menos que o Papa São João Paulo II. São João Batista Scalabrini, Bispo de Placência, noroeste de Itália, fundou em 1887 uma ordem religiosa para cuidar dos migrantes, e entregou-a à proteção de São Carlos, de quem era profundamente devoto. Por isso, os Scalabrinianos também são chamados de Carlistas. Da mesma forma, várias ordens têm-no como Patrono.
    É o Padroeiro dos bispos, catequistas, seminaristas, diretores espirituais e invocado contra úlceras. Recebeu o título de "Castíssimo" por suas notáveis virtudes na castidade e na virgindade consagrada. Em Milão, é tratado como o segundo Santo Ambrósio, que foi muito inspirado bispo local. Para celebrar o terceiro centenário de sua canonização, o amado Papa São Pio X escreveu a encíclica Editae Saepe, enaltecendo a memória e a obra, apostólica e doutrinal, de Carlos Borromeu. O saudoso Papa Bento XVI disse sobre ele: "Seu lema consistia em uma só palavra: 'Humilitas'. A humildade impulsionou-o, como ao Senhor Jesus, a renunciar a si mesmo para se fazer servo de todos."
    Notoriamente Santo, teve rápido processo canônico: foi beatificado em 1602 por Clemente VIII, e canonizado em 1610 por Paulo V. Foi sepultado na Basílica de Santa Maria Nascente, em Milão, que data de 1386, onde suas relíquias são veneradas.


    São Carlos, rogai por nós!