domingo, 13 de abril de 2025

São Martinho I


    Eleito em 649, nosso Santo não admitia a submissão do Papa aos poderes do imperador, e fez questão de tomar posse antes que sua eleição fosse referendada por Constante II. Com isso, abertamente declarou a independência da Igreja Católica diante de toda e qualquer autoridade humana.
    Natural de Itália, de Todi, em Toscana, nasceu em 590. São Martinho foi padre em Roma e Núncio Apostólico em Constantinopla, então capital do Império Romano do Oriente.
    Em 648, o imperador Constante II havia publicado o documento 'Tipo', no qual se juntava aos monotelistas, uma herética corrente que afirmava apenas a natureza divina de Jesus, renegando Sua natureza humana.
    Flagrante e grosseiro erro, esta tese colide com os ensinamentos dos seguidores da tradição de São Paulo na Carta aos Hebreus. Está escrito: "Porquanto os filhos participam da mesma natureza, da mesma carne e do sangue, Ele também participou, a fim de pela morte destruir aquele que tinha o império da morte, isto é, o Demônio, e libertar aqueles que, pelo medo da morte, estavam toda vida sujeitos a uma verdadeira escravidão. Veio em socorro, não dos anjos, e sim da raça de Abraão, e por isso convinha que Ele em tudo se tornasse semelhante a Seus irmãos, para ser um compassivo e fiel Pontífice no serviço de Deus, capaz de expiar os pecados do povo." Hb 2,14-17
    E também colide com os ensinamentos da própria Carta de São Paulo aos Romanos: "Enviando, por causa do pecado, Seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado, condenou o pecado na carne, a fim de que a justiça prescrita na Lei fosse realizada em nós que vivemos não segundo a carne, mas segundo o Espírito." Rm 8,3b-4
    Ora, o Evangelho segundo São João registrou logo em primeiras linhas: "E o Verbo fez-Se Carne e habitou entre nós, e vimos Sua Glória, a Glória que o Único Filho recebe de Seu Pai, cheio de Graça e de Verdade." Jo 1,14
    São Martinho, pois, foi fidelíssimo defensor da Unidade da Igreja e da Sã Doutrina, a qual vem sendo expressamente confirmada ao longo dos séculos pelos concílios. Era essa reverência às decisões da cúpula da Santa Igreja que São Paulo e São Timóteo defendiam e divulgavam após o Concílio de Jerusalém, e por isso a Igreja estabeleceu-se. Está no Livro de Atos dos Apóstolos: "Nas cidades pelas quais passavam, ensinavam que observassem as decisões que haviam sido tomadas pelos Apóstolos e Anciãos em Jerusalém. Assim as igrejas eram confirmadas na , e dia a dia cresciam em número." At 16,4-5
    Logo após eleito, ainda em 649 São Martinho convocou o que seria o Primeiro Concílio de Latrão, na verdade apenas um Sínodo, onde foi totalmente dispensada a palavra do imperador em quaisquer dos assuntos da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Realizado na Basílica de São João de Latrão, esse foi um dos maiores sínodos de todos tempos, pois foi aberto a todos bispos do Ocidente. Como o Patriarca, ou Bispo, de Constantinopla era monotelista, e muitos bispos do Oriente apoiavam-no, não foram convocados porque o intuito de São Martinho era justamente abolir por completo essa heresia. E foi isso que o sínodo resolveu por absoluta maioria. Poucas décadas mais tarde. essa decisão também seria ratificada pelo Terceiro Concílio de Constantinopla, terminado em 681.
    Ele sabia, no entanto, qual seria a consequência de sua postura. Defendia a Doutrina, e assim a Igreja de Cristo, mas também atraía para si todo ódio do imperador. E, de fato, sua resposta foi imediata: ele ordenou que o exarca Olímpio, seu representante em Ravena, prendesse o Papa. Olímpio, porém, foi mais longe: prontificou-se a matá-lo.
    Foi à Santa Missa na Basílica de Santa Maria Maior na companhia de um escudeiro e, durante a Liturgia Eucarística, mandou que ele se aproximasse de São Martinho e o executasse com um punhal. Mas ao aproximar-se, a Hóstia Santa cegou-o, e ele fugiu desesperado. Realmente assustado, Olímpio tomou o lado de São Martinho, ainda que de modo não declarado, e prometeu defender-lhe do imperador, que, por castigo de Deus, foi acometido de várias enfermidades.
    Contudo, Olímpio logo morreu, contagiado por uma peste, e o imperador conseguiu prender nosso Papa, levando-o para Constantinopla. A viagem foi bastante sofrida e muito debilitou sua saúde. Durante três meses e meio não lhe foi permitido tomar banho, pois, para que não fosse reconhecido pela população, não podia deixar o barco aportado. Ao chegar, já estava preso em isolamento havia 93 dias, num imundo calabouço. Assim aguardou o julgamento, que se revelou uma grande farsa, feito de falsos testemunhos e às pressas.
    Depois de condenado à morte, foi destituído de suas vestes eclesiásticas e surrado, e depois, quase sem poder andar, conduzido exausto e ensanguentado pelas ruas até o pretório, para ser hostilizado e humilhado pela população local, que, por influência da corrente do patriarca, passou a mostrar-se avessa à Sede da Igreja em Roma. No mesmo dia, porém, obteve a comutação de sua pena em prisão perpétua pela intercessão do próprio patriarca de Constantinopla, Paulo II, que estava muito doente e, vendo aproximar-se a hora da morte, arrependeu-se e fez o que ele mesmo chamou de seu último pedido ao imperador.
    Diante de sua patente santidade, fácil de reconhecer em uma simples visita, parte do clero local tentava amenizar, na verdade distorcer, sua forte opinião contra o monotelismo, para conseguir um novo julgamento, mas ele não aceitava tal defesa: corajosamente resistia, condenando essa heresia. E assim esteve preso por mais 85 dias. E para evitar novos apelos em seu favor, pois a população já estava comovida com sua história, oito dias depois de ser enviado secretamente para cidade de Cherson, às margens do Mar Negro, hoje chamada de Sebastopol, em terras de atual Crimeia, em Ucrânia, o imperador emitiu o veredito: exílio. Ou seja, outra arbitrariedade: primeiro foi exilado, e só depois saiu a sentença. E era mais um ardil: aí havia uma grande fome e assim vai faltar-lhe o essencial da alimentação à época: pão, cereais, vinho e azeite. Nosso Santo vai morrer de inanição em 655.


    Foi o último Papa a ser martirizado.
    Verdadeiro devoto da Santíssima Mãe, durante seu papado foi celebrada pela primeira vez a festa da Virgem Imaculada, num dia 25 de março.
    Cristãos que sabiam de sua desventura sepultaram-no diante das muralhas da cidade, mas, com os relatos de milagres que aconteciam junto a sua tumba, tempos mais tarde seus restos mortais foram levados para a igreja de Santa Maria de Blachernas, um distrito de Constantinopla que logo se tornou um santuário, lastimavelmente destruído por muçulmanos de origem otomana, em 1434.
    Suas relíquias, porém, aí já não mais estavam: por precaução, semanas antes foram levadas para Roma e depositadas na Basílica de São Silvestre, que em acréscimo recebeu o nome 'e de São Martinho aos Montes', uma construção localizada no centro histórico e que remonta o século IV. A cripta foi dedicada a ele.


    São Martinho, rogai por nós!