quinta-feira, 13 de novembro de 2025

São Nicolau Magno


    Para que se tenha ideia de sua importância para a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, depois dele, que viveu no século IX, nenhum Papa recebeu o título de Magno.
    Nascido em Roma em 815, de nobre e influente família, seu pai era defensor romano. Foi educado no mosteiro beneditino de Latrão, no centro de Roma, e é tido pela Santa Igreja Católica e pela História como um personagem de irretocável conduta. Era um intransigente defensor da Sã Doutrina, da primazia do Bispado de Roma, fundado por São Pedro, e da autonomia da Igreja Católica Apostólica Romana, que jamais pode submeter-se a qualquer mundano poder.
    Dedicadamente serviu à Cúria Romana por 15 anos, sendo indicado subdiácono pelo Papa Sérgio II, e diácono, pelo Papa Leão IV. Nesse encargo, destacou-se no sínodo que excomungou aquele que viria a ser o antipapa Anastácio III, no ano de 853. Foi conselheiro do Papa Bento III e, após sua morte em 858, aclamado seu sucessor, apesar de ter-se escondido, por sua grande modéstia, na Basília na São Pedro para não ser eleito, o que acabou aceitando após muita relutância. Já então era muito estimado pelo francês Luís II, sacro imperador romano-germânico, que foi coroado pelas mãos do Papa Sérgio II.


    Mas desde a total derrocada de Roma como capital do Império, em 476, em oposição à ascensão de Constantinopla, vez e outra foi fragilizada a unidade da Igreja, pois, entre líderes políticos e heresiarcas, muitos questionaram e até puseram em cheque a autoridade do Papa.
    Em 860, no Sínodo de Milão, São Nicolau I viu-se na obrigação de convencer algumas autoridades eclesiásticas a reconhecer a supremacia do Bispado Roma. João, o Arcebispo de Ravena, centro-norte de Itália, que se portava como um tirano frente às dioceses sufragâneas, chegando a proibi-las de comunicar-se diretamente com o Papa, resistiu, e São Nicolau Magno teve que o excomungar. Depois, como se arrependeu, teve a excomunhão retirada, mas foi obrigado a submeter todas suas decisões como arcebispo à revisão do Papa.
    Em 861, também fez Incmar, o Arcebispo de Reims, no nordeste de França, desistir de suas ideias de que a Igreja naquele país tinha total poder sobre seus fiéis, ou seja, independente das diretrizes de Roma.
    O Bispo de Soissons, no norte de França, aliado de Incmar, igualmente foi persuadido a reconhecer a autoridade de nosso Santo, enquanto Papa, como absoluto superior da Igreja Católica. Em 865, no entanto, em mais uma rigorosa medida disciplinar, São Nicolau resolveu depô-lo, levando de volta a este posto o Bispo Rothad II, que havia sido afastado por conspiração de Incmar.
    A influência de nosso Papa era da mesma forma luminosa entre nobres e reis. Em 863, por exemplo, com a ajuda de São Cirilo e São Metódio, missionários gregos, São Nicolau I converteu Bóris, rei de Bulgária, que mais tarde abandonaria o poder para se tornar monge e adotaria outro nome, Miguel. Décadas depois, seria reconhecido como São Miguel de Bulgária. Ao abdicar, tinha enviado seu filho a Roma para maior aproximação diplomática, onde acabou recebendo de São Nicolau um valioso tesouro em Sabedoria, conselhos e sugestões de leis para bem governar, e por muitos anos promoveu boas relações internacionais e a prosperidade de seu povo. Por influência de nosso Santo, a constituição desta nação foi dotada de grandes marcos católicos.


CONTRA REIS E IMPERADORES

    Não bastantes os frequentes problemas no seio da Santa Igreja, São Nicolau teve que enfrentar o próprio imperador romano do oriente Miguel III, o ébrio, que num convento queria internar suas filhas e sua mãe Teodora, mesmo contra suas vontades.
    Em 858, este imperador havia desposto Inácio, do patriarcado de Constantinopla, encargo equivalente ao bispado, apesar deste patriarca ter a estima de sua mãe, Teodora, uma autêntica devota cristã. Inácio entrara em conflito com o clero de Constantinopla, pois corajosamente se posicionou contra vários religiosos que haviam apoiado uma massiva destruição de imagens perpetrada por políticos e principalmente hereges, em específico monofisistas, que impunham elementos do judaísmo e do islamismo. Para seu posto foi indicado Fócio, um leigo que, graças às inspiradas missões de São Cirilo e São Metódio, havia ajudado o imperador a suplantar o crescimento do judaísmo em regiões hoje correspondentes a partes de Rússia e de Chéquia.
    Fócio, sem a devida formação sacerdotal, em pouco tempo foi elevado ao patriarcado desobedecendo às normas do direito canônico, principalmente pelas manipulações de Bardas, irmão de Teodora, portanto tio do imperador Miguel III. Bardas estava enfurecido e envergonhado porque o Patriarca Inácio lhe havia repreendido e proibido de entrar na Catedral de Santa Sofia, em Constantinopla, por viver em incestuoso relacionamento com sua nora, Eudóxia, após ela ter enviuvado.
    Aí começava um lamentável capítulo que em 1054 culminaria no Cisma do Oriente, ou seja, a igreja local vai afastar-se de Roma e intitular-se 'ortodoxa'. E apesar de toda habilidade de São Nicolau, desses movimentos políticos que acintosamente afrontavam a Sã Doutrina, e assim o próprio Papa, surgiria a primeira das grandes rupturas da Igreja Católica: o Cisma de Fócio.
    São Nicolau Magno inicialmente enviou dois legados papais para convencer Fócio a renunciar, e reconduzir Inácio ao Patriarcado, mas esses emissários, seduzidos pela riqueza e pelo poder de Constantinopla, aceitaram suborno e terminaram aderindo às tresloucadas ideias do usurpador, verdadeiras heresias. Primeiro, nosso Santo escreveu cartas, ao todo três, porque uma após outra não recebia resposta: a Fócio, ao imperador e por fim aos patriarcas da região, nas quais respectivamente contestou a ordenação do dito patriarca, pediu a reintegração de Inácio e informou a posição da Santa Sé. Deixou claro que só ele tinha autoridade para decidir questões eclesiásticas, tanto na Igreja do ocidente quanto na do oriente.
    Foi quando, após um ano de espera por respostas, teve que convocar o Sínodo de Latrão, em 863, e após vários debates e unânime decisão, mais uma vez São Nicolau mostrou a virtude da fortaleza ao abertamente enfrentar o ébrio, mas poderoso imperador, e proclamou Inácio como o legítimo Patriarca de Constantinopla, declarando a excomunhão de Fócio e dos legados papais que haviam abraçado suas heresias. Na ocasião, determinou aos Sacerdotes o celibato (cf. Mt 19,12), que não vinha sendo observado em todo Império Romano do Oriente, proibiu padres de celebrarem a Crisma, reservando-a a bispos, decretou jejum para todo clero no sábado, como preparação para a Santa Missa dominical, e o início da Quaresma na Quarta-feira de Cinzas. Realmente santas, todas essas disposições, ao fim, acabariam adotadas pela igreja de Constantinopla, como já se fazia no ocidente.
    Noutra questão, ainda em 855, Lotário II, rei da região que equivale a atual Lorena, no nordeste de França, havia abandonado a esposa para se casar com a amante. Quando assumiu o papado, em 858, São Nicolau não reconheceu seu Matrimônio. Entretanto, em 862, bispos reunidos no Sínodo de Aachem, no centro-oeste de Alemanha, sob comando de dois arcebispos, o de Colônia e o do Trier, validaram o 'novo' casamento do rei.
    Descontente, porém prudenteem julho 863 São Nicolau I vai convocar o Sínodo de Metz, no nordeste de França, para tratar do assunto. Lotário II, de fato, sabendo que sua situação era insustentável, havia subvertido os legados papais com subornos e ameaças e conseguiu a confirmação de sua adúltera união, já reconhecida no Sínodo de Aachem. Com muitas razões para desconfiar, São Nicolau habilidosamente convocou um novo Sínodo de Metz, em outubro do mesmo ano, e nele o Sínodo de Aachem foi dissolvido, excomungando os dois arcebispos e depondo os demais bispos que participaram dele e do de julho, em Metz, aos quais ordenou penitência sob pena de excomunhão.
    Revoltado, o rei Lotário II pediu os auxílios de seu irmão Luís II, sacro imperador romano-germânico, e eles saíram em defesa dos arcebispos excomungados e bispos destituídos, diretamente desafiando São Nicolau, usando seus exércitos para sitiar Roma e confinando o Papa na sede do pontificado. São Nicolau Magno, porém, corajosamente resistiu e não cedeu em nada, nem resposta lhes enviou. Ao fim de dois dias, sem nenhum apoio do povo cristão, o imperador e seu irmão caíram em si, suspenderam o cerco e retiraram suas tropas. Lotário II, sem saída e ameaçado de excomunhão pelo adultério, acabou reconhecendo a esposa que havia abandonado como legítima rainha. E os arcebispos reconheceram seus erros, pediram revogação da excomunhão e foram atendidos, mediante juramento público de incondicional obediência ao Papa.
    Mas, por essa vitória, restou a São Nicolau um preço a pagar: teve que resistir aos provocativos e sistemáticos levantes de insatisfação dos membros da corte carolíngia, ou seja, francesa, que por espúrios interesses manifestamente tentavam minar seu prestígio. Ao final de algum tempo, com serenidade e imbatíveis argumentos de fé e razão, São Nicolau Magno soube conquistar o apoio dos bispos de França e desarticular a querela. Prova disso é que pouco mais tarde nosso Papa organizaria a defesa de Roma contra a invasão dos sarracenos, propriamente muçulmanos, e para tanto conseguiria ajuda dos exércitos do próprio sacro imperador Luís II.


A QUESTÃO TEOLOGAL DO CISMA DO ORIENTE

    Contudo, apoiado pelo imperador Miguel III e ignorando a ordem papal, Fócio manteve-se no Patriarcado de Constantinopla e em 867 'excomungou' São Nicolau, acusando-o de defender que o Espírito Santo procedia do Pai e do Filho, como professava a grande maioria dos teólogos e bispos da Igreja. Para Fócio e alguns 'teólogos' orientais, o Espírito Santo não procederia do Filho, mas apenas do Pai. Eles baseavam-se numa fala de Jesus, no Evangelho Segundo São João, que diz: "... o Espírito da Verdade, que procede do Pai..." Jo 15,26
    Mas insensatamente não observavam palavras que antecediam estas, ou seja, também de Jesus, neste mesmo versículo, que dizem: "Quando vier o Paráclito, que Eu vos enviarei da parte do Pai..." Idem
    E momentos depois, novamente Ele disse aos Apóstolos: "Porque, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se Eu for, enviá-vo-Lo-ei." Jo 16,7
    Ademais, o Espírito Santo é Deus, quer dizer, tem absoluta autonomia, e assim, em verdade, não precisa ser enviado nem procede senão de Si mesmo. O que temos nestes versículos, portanto, são apenas termos para nossa mais fácil compreensão da Revelação, e não uma literal representação da realidade da Santíssima Trindade.
    De toda forma, essa era a subjacente, e que viria a ser ruinosa, Questão 'Filioque', termo adotado pela Igreja Católica Apostólica Romana que em latim significa 'e (do) Filho', que nosso Santo havia mandado, ainda no citado Sínodo de Latrão, acrescentar ao Credo que se rezava em Constantinopla. Ora, os argumentos do oriente iriam radicalizar-se, causando acirrado afastamento entre seus ministros e a Igreja Católica, e, pouco mais de um século depois, consolidariam o Cisma do Oriente, dando origem à igreja ortodoxa.
    Para ainda mais agravar a situação, cedendo às seduções da corte local e arrogando-se maiores poderes por intenções notoriamente políticas, Fócio também declarou a independência do Patriarcado de Constantinopla frente à Santa Igreja, com malícia atacando o ponto central de todo trabalho de São Nicolau Magno: a Comunhão. De fato, Fócio nunca a buscou. Apenas perniciosamente arrancava para si, valendo-se de apoio político, uma considerável parte do rebanho do Cristo.
    Contudo, Basílio I, o Macedônio, que em 866 assassinaria Miguel III, assumiu o poder do Império Romano do Oriente e definitivamente afastou Fócio e todos seus sacerdotes adeptos em 867, devolvendo a Inácio a sede do Patriarcado. Tal decisão foi ratificada no IV Concílio Ecumênico de Constantinopla, em 869, convocado por São Nicolau I, ao qual, porém, ele não chegou a estar presente, pois extenuado pelo zelo da Igreja e por práticas de rigoroso ascetismo, veio a falecer, com pouco mais de 54 anos.
    Uma frase sua, entretanto, repercute pelos séculos: "Desde o momento em que a religião cristã começou a espalhar-se, ela manteve-se imutável e incorruptamente ensinou em todo mundo as doutrinas que recebeu de uma vez por todas de seu patrono e fundador, São Pedro."
    Entre os Papas, São Nicolau Magno é considerado um dos mais vigorosos guardiões da Igreja Una na Idade Média. Com destemor e desvelo de si, defendeu a moralidadeas leis e as tradições da Santa Igreja Católica. Exemplo de vigilância também pela oração, de todo clero exigia séria, íntegra e inatacável conduta. Era muito amado pelas pessoas que o cercavam, que o conheciam e muito estimado por todos cidadãos de Roma.
    Pessoalmente era um asceta, vivia para a devoção e para os rigores do auto-abandono. Grande administrador, entre tantos desafios doutrinais sempre reformava igrejas e fundava mosteiros e conventos. Era um grande incentivador da vida religiosa.
    Depois do Papa São Gelásio I, que, da mesma forma, fervorosamente havia defendido a superioridade da Sé de Roma sobre os demais bispados pelo mundo, bem como sua autonomia frente a todos mundanos poderes, São Nicolau foi o principal articulador dessa causa, consolidando a autoridade da Cátedra de São Pedro e vedando por completo qualquer ingerência de imperadores, reis e qualquer temporal poder na Igreja Católica. Graças a Papas com ele, a Santa Igreja só deve obediência a Deus.
    A bela e milenar igreja da comuna de Salve, na província de Lecce, no sudeste de Itália, é dedicada a este nosso grande Santo, que foi sepultado na Basílica de São Pedro, o refúgio que tentou para não ser Papa.


    São Nicolau Magno, rogai por nós!