sábado, 30 de novembro de 2024

Santo André Apóstolo


    O irmão de São Pedro é considerado o 'protocletos', que em grego significa 'primeiro convocado', uma referência ao chamado que recebeu de Jesus, que no Evangelho segundo São João nominalmente foi o primeiro. Religioso e sensível, já era discípulo de São João Batista quando Jesus Se apresentou para ser batizado: "No seguinte dia, lá estava João outra vez com dois de seus discípulos. E ao avistar Jesus, que ia passando, disse: 'Eis o Cordeiro de Deus.' Os dois discípulos ouviram-no falar e seguiram Jesus. Voltando-Se Jesus, e vendo que O seguiam, perguntou-lhes: 'Que procurais?' Disseram-Lhe: 'Rabi (que quer dizer Mestre), onde moras?' 'Vinde e vede', respondeu-lhes Ele. Foram aonde Ele morava e com Ele ficaram aquele dia. Era cerca da décima hora. André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido João e que O tinham seguido." Jo 1,35-40
    Entre os Apóstolos, também é o primeiro a afirmar e a anunciar Jesus como o Messias, além de convocar um novo discípulo, o próprio São Pedro. São João Evangelista, em sequência, também narrou esse episódio: "Logo foi ele, então, à procura de seu irmão e disse-lhe: 'Achamos o Messias (que quer dizer o Cristo).' Levou-o a Jesus, e Jesus, nele fixando o olhar, disse: 'Tu és Simão, filho de João. Serás chamado Cefas (que quer dizer pedra)!'" Jo 1,35-42
    Por essa frase, vemos que Jesus demonstra conhecer São Pedro e também seu pai, portanto, também pai de Santo André. E assim, desde o primeiro encontro, segundo São João, Jesus já teria dado o novo nome de São Pedro. Quanto à Sua Onisciência, Ele vai dar idêntica mostra ao encontrar São Bartolomeu: "Jesus vê Natanael, que Lhe vem ao encontro, e diz: 'Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade.' Natanael pergunta-Lhe: 'De onde me conheces?' Respondeu Jesus: 'Antes que Filipe te chamasse, Eu vi-te quando estavas debaixo da figueira.' Falou-Lhe Natanael: 'Mestre, Tu és o Filho de Deus, Tu és o Rei de Israel.'" Jo 1,47,49
    Como São Filipe Apóstolo, Santo André e São Pedro eram de Betsaida, nome que significa 'casa da pesca', lugar próximo a Cafarnaum e ao Mar da Galileia: "Filipe era natural de Betsaida, cidade de André e Pedro." Jo 1,44
    Sabemos que, junto ao irmão, Santo André fazia parte de uma colônia de pescadores, mas, após retirar-Se para o deserto por 40 dias, Nosso Senhor retornou e convidou-os para que pescassem almas, no texto do Evangelho segundo São Mateus: "Desde então, Jesus começou a pregar: 'Fazei penitência, pois o Reino dos Céus está próximo!' Caminhando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão (chamado Pedro) e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. E disse-lhes: 'Vinde após Mim, e fá-vos-ei pescadores de homens.' Na mesma hora, abandonaram suas redes e seguiram-nO." Mt 4,17-20
    Dessa cooperativa de pesca de Cafarnaum também faziam parte São Tiago Maior e São João Evangelistas, como o Evangelho segundo São Lucas aponta: "Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão..." Lc 5,10a
    Santo André era solteiro e morava com São Pedro, cuja casa foi dote de casamento, pois morava com a sogra, conforme a narrativa do Evangelho segundo São Marcos: "Dirigiram-se para Cafarnaum. E já no dia de sábado, Jesus entrou na sinagoga e pôs-Se a ensinar. Assim que saíram da sinagoga, dirigiram-se com Tiago e João à casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama, com febre, e sem tardar falaram-Lhe a respeito dela. Aproximando-Se Ele, tomou-a pela mão e levantou-a. Imediatamente a febre deixou-a e ela pôs-se a servi-los." Mc 1,21.29-31
    Mas São Lucas, que era médico, deu outro 'diagnóstico' para esta febre: "Saindo Jesus da sinagoga, entrou na casa de Simão. A sogra de Simão estava com febre alta, e pediram-lhe por ela. Inclinando-Se sobre ela, ordenou Ele à febre, e a febre deixou-a. Ela imediatamente levantou-se e pôs-se a servi-Los." Lc 4,38-39
    Na lista dos Apóstolos, Santo André aparece em segundo lugar nos Evangelhos segundo São Mateus e segundo São Lucas, atrás apenas do irmão, o Príncipe dos Apóstolos: "Naqueles dias, Jesus retirou-Se a uma montanha para rezar, e aí passou toda noite orando a Deus. Ao amanhecer, chamou Seus discípulos e escolheu Doze dentre eles, que chamou de Apóstolos: Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro; André, seu irmão; Tiago, João, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Simão, chamado Zelote; Judas, irmão de Tiago; e Judas Iscariotes, aquele que foi o traidor." Lc 6,12-16
    Ou na quarta posição em São Marcos e nos Atos dos Apóstolos (At 1,13), dando devido lugar a São Tiago Maior e São João, que com São Pedro eram os três mais íntimos de Jesus. Ou seja, nosso Santo sempre estava entre os quatro, do primeiro dos três grupos de quatro: "Designou Doze, dentre eles, para ficar em Sua companhia. Ele enviá-los-ia a pregar, com o poder de expulsar os demônios. Escolheu estes Doze: Simão, a quem pôs o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais pôs o nome de Boanerges, que quer dizer Filhos do Trovão. Ele também escolheu André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Tadeu, Simão, o Zelote; e Judas Iscariotes, que O entregaria." Mc 2,14-19
    No dia em que multiplicou pães e peixes, Jesus provocou São Filipe, mas foi Santo André quem dispôs do que os Apóstolos tinham para que o milagre da 'partilha' acontecesse: "Jesus subiu a um monte e ali Se sentou com Seus discípulos. Aproximava-se a Páscoa, festa dos judeus. Jesus levantou os olhos sobre aquela grande multidão, que vinha ter com Ele, e disse a Filipe: 'Onde compraremos pão para que todos estes tenham o que comer?' Um de Seus discípulos, chamado André, irmão de Simão Pedro, disse-Lhe: 'Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes... mas o que é isto para tanta gente?'" Jo 6,3-9
    E é através de Santo André que São Filipe leva um importantíssimo recado a Jesus, quando Nosso Salvador percebe que Seu Nome já havia chegado a países vizinhos, e por isso anuncia a chegada de Sua hora: "Havia alguns gregos entre os que subiram para adorar durante a festa. Estes aproximaram-se de Filipe (aquele de Betsaida da Galileia) e rogaram-lhe: 'Senhor, quiséramos ver Jesus.' Filipe foi e falou com André. Então André e Filipe disseram-no ao Senhor. Respondeu-lhes Jesus: 'É chegada a hora para o Filho do Homem ser glorificado. Em Verdade, em Verdade, digo-vos: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só. Se morrer, produz muito fruto.'" Jo 12,20-24
    Por essas passagens e pela seguinte, notamos que São Marcos torna a indicar que Santo André fazia parte de um grupo mais íntimo de Cristo, ainda que não tão íntimo como eram São Pedro, São Tiago Maior e São João Evangelista: "Saindo Jesus do Templo, disse-Lhe um de Seus discípulos: 'Mestre, olha que pedras e que construções!' Jesus replicou-lhe: 'Vês este grande edifício? Não se deixará pedra sobre pedra que não seja demolida.' E estando sentado no Monte das Oliveiras, defronte ao Templo, perguntaram-Lhe à parte Pedro, Tiago, João e André: 'Dize-nos, quando hão de suceder essas coisas? E por qual sinal se saberá que tudo isso vai realizar-se?' Jesus pôs-Se, então, a dizer-lhes: 'Cuidai que ninguém vos engane. A respeito, porém, daquele dia ou daquela hora, ninguém o sabe, nem os anjos do Céu nem mesmo o Filho, mas somente o Pai.'" Mc 13,1-7.32
    No Livro dos Atos dos Apóstolos, Santo André só é mencionado, como a grande maioria dos demais Apóstolos, na lista dos Onze, nos dias que antecede ao Pentecostes, o que explica sua intensa atividade fora de Jerusalém desde os primeiros anos da Igreja, como sustenta a Sagrada Tradição: "Tendo entrado no cenáculo, subiram ao quarto de cima, onde costumavam permanecer. Eram eles: Pedro e João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, irmão de Tiago. Todos eles unanimemente perseveravam na oração, e com eles as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos d'Ele. Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar." Ap 1,13-14;2,1
    Segundo Santo Hipólito, após a Ascensão de Jesus, Santo André pregou na Trácia, hoje região da Bulgária. O apócrifo livro 'Atos de André' aponta-o como o fundador da igreja na importantíssima cidade de Bizâncio, que no século IV iria ser chamada de Constantinopla, e, no século XX, Istambul. Este fato teria acontecido no remoto ano de 38, poucos anos, portanto, após a Paixão do Senhor. Estácio teria sido ordenado bispo por ele, e substituiu-o após nova partida sua em peregrinação. Sinal de veracidade destas informações, ainda hoje ele é tratado como o Padroeiro de Istambul, a mais importante cidade da Turquia e ponto de conexão da Ásia com a Europa.
    Baseando-se em Orígenes, Eusébio de Cesareia diz que Santo André teria pregado na Ásia Menor, atual Turquia, especificamente na região da Cítia, que fica na costa do Mar Negro, peregrinado por algumas cidades ao longo do Rio Volga, e por isso é também o Padroeiro da Rússia, além de ter evangelizado Kiev, capital da atual Ucrânia. É igualmente Padroeiro da Romênia, onde igualmente exerceu seu apostolado. Parece mesmo ter tomado todo entorno do Mar Negro como área de atuação.
    De volta a Grécia, radicou-se em Patras, na região da Acaia, terras do sudeste, onde fundou a igreja local, que viria a ser modelo para todas demais. Por sua incendiária fama, pois realizava milagres e convertia a muitos, o governador e juiz romano Egeas quis impor-lhe sua autoridade, mas nosso Apóstolo recusou-a e recomendou-lhe que ele é deveria submeter-se à autoridade de Cristo. E como mensageiro da Verdade, ainda lhe revelou que, pela patente impostura de muitos sacerdotes locais e pelos maus costumes do povo, os deuses pagãos haviam-se tornado anteparos de demônios, que a todos seduziam, enganavam e molestavam.
    Informados desta denúncia, e enfurecidos, os principais sacerdotes pagãos passaram a assediar Egeas, e por ilações conseguiram que ele ordenasse a crucificação de Santo André. Todos ficaram espantados, porém, quando ele, com insuspeita alegria, recebeu sua condenação. Numa atitude que vai lembrar a do próprio São Pedro, pois foi executado antes dele, Santo André apenas lhe pediu que fosse crucificado numa cruz diferente da de Jesus, porque não era digno de morrer como Seu Mestre.


    Durante dois dias ficou dependurado numa cruz em forma de X, e por não ser assistidos por nenhum cristão, pois todos foram ameaçados de morte, indicou onde estavam e doou seus pertences aos carrascos, que estavam visivelmente constrangidos em cumprir aquela ordem. Agia sob inspiração, pois eles viriam a converter-se e seus parcos bens, a maior parte deles sagrados, usados para celebrar a Eucaristia, seriam devolvidos à igreja local, que sobreviveria na clandestinidade.
    Assim sua santidade, como seu especial carisma, de expressiva amabilidade, foram amplamente reconhecidos. Seu testemunho pelo sacrifício, de fato, foi marcante: não demonstrou vacilação alguma quanto à Divina Providência ou à Vida Eterna.
    Seus restos mortais ficaram em Patras até 357, quando Constantino os levou a Constantinopla, o que é mais um indício de que ele realmente fundou a igreja local. Mas no período da Quarta Cruzada, início do século XII, os cruzados decidiram-se por levará-los a Roma, por temerem as recorrentes profanações dos invasores turcos, seguidores do islamismo.
    Conforme a Sagrada Tradição, ao serem levadas a Europa, suas relíquias primeiro estiveram na Escócia, de onde saíram os cruzados, e aí ainda ficaram por bom tempo antes de serem levadas a Roma, numa cidade que passou a levar seu nome, Saint Andrews. Fato revigorante do Catolicismo entre esse povo, não por acaso a bandeira do país traz sua cruz.


    Após a união entre a Escócia e a Inglaterra, cuja bandeira já ostentava a Cruz de Cristo, a do Reino Unido incorporou a cruz de Santo André.


    Ainda durante as cruzadas, fragmentos dos ossos de seu pé foram levados a Donetsk, capital de uma região da Ucrânia.


    Em 1964, o grande mariano Papa São Paulo VI devolveu suas relíquias a Patras, quando já eram apenas os ossos de um dedo, parte do crânio e pedaços de sua cruz.


    Seu crânio, em peregrinação a Amalfi, na Itália, foi venerado pelo saudoso Papa Bento XVI, ainda enquanto Sumo Pontífice.


    Santo André, rogai por nós!

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Jesus desmistificou


 MATERIALIZADA NO AMOR

     Dentre tantos outros aperfeiçoamentos de vida espiritual promovidos por Jesus, quantidade e qualidade de ensinamentos que só podem ser explicadas por Sua divina natureza, reconhece-se que Ele também aprimorou a por trazê-la para o campo de concretas atitudes. Para começar, Ele mesmo, sendo Deus, viveu, anunciou o amor e morreu como mero ser humano. O Evangelho segundo São João testemunhou logo nas primeiras linhas: "E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós." Jo 1,14
    E ainda mais forte demonstração foi aceitar a pura e crua realidade, não importa quão difícil, como desígnio de Deus, que se viu em Sua Paixão. Ele rezou no Horto das Oliveiras, na noite em que seria preso, no texto do Evangelho segundo São Mateus: "Meu Pai, se é possível, afasta de Mim este cálice! Todavia, não se faça o que Eu quero, mas sim o que Tu queres." Mt 26,39b
     Não Lhe bastava, pois, que seguíssemos os Mandamentos! Pedia mesmo que nos entregássemos à evangélica pobreza e tudo confiássemos à Divina Providência, como recomendou ao rico jovem que se julgava Santo"Disse-Lhe o jovem: 'Tenho observado tudo isto desde minha infância. Que ainda me falta?' Respondeu Jesus: 'Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me!'" Mt 19,20-21
    E fê-lo mesmo em ligeira relativização de Sua própria manifestação, pois, para além de crer em Sua Pessoa, Ele determinou que nós nos amássemos. Foi logo após a Santa Ceia: "Este é Meu Mandamento: amai-vos uns aos outros..." Jo 15,12
    Contudo, deixou Seu amor como parâmetro: "... como Eu vos amei." Idem
    E em seguida Ele especialmente exalta os que doam suas vidas em nome do Reino de Deus, exemplo que Ele mesmo daria de inesquecível modo por Sua Paixão: "Ninguém tem maior amor que Aquele que dá Sua vida por Seus amigos." Jo 15,13
    A Primeira Carta de São João mostra que ele bem entendeu esse ensinamento: "Nisto temos conhecido o amor: (Jesus) deu Sua vida por nós. Nós também devemos dar nossa vida por nossos irmãos." 1 Jo 3,16
    Nosso Salvador chegava a evocar tão somente Suas obras como prova de Sua Comunhão com o Pai, como pediu aos judeus no Templo de Jerusalém durante a Festa da Dedicação: "Se Eu não faço as obras de Meu Pai, não Me creiais. Mas se as faço, e se não quiserdes crer em Mim, crede em Minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai está em Mim e Eu no Pai." Jo 10,37-38
    Enquanto mero ser humano, desde sempre Ele afirmava-Se completamente dependente do Pai, como aqui, diante dos judeus, depois de curar um paralítico num sábado: "Jesus tomou a Palavra e disse-lhes: Em Verdade, em Verdade, digo-vos: de Si mesmo, o Filho não pode fazer coisa alguma." Jo 5,19
    Até admitia incompreensão quanto à Sua Encarnação, mas não contra a Graça do Espírito de Deus, como se lê no Evangelho segundo São Lucas. Referia-Se, porém, a pecados não confessados: "Todo aquele que tiver falado contra o Filho do Homem, obterá perdão. Mas aquele que tiver blasfemado contra o Espírito Santo, não alcançará perdão." Lc 12,10
    Como visto, também nos fez crer que somos capazes de amar tanto quanto Ele mesmo, isto é, quanto o próprio Deus: "Como Eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros." Jo 13,34
     E numa inusitada e grandiosa reapreciação do amor humano, Ele coloca o 'amar ao próximo' como Mandamento semelhante ao 'amar a Deus'. Aliás, Mandamento esse que, mais que fé em Deus, pede que nós O amemos: "'Amarás o Senhor Teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu entendimento (Dt 6,5).' Este é o maior e o primeiro Mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: 'Amarás a teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18).'" Mt 22,37-39
    São João Apóstolo assim o explicou: "Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê." 1 Jo 4,20b
    Ainda falando sobre esses Mandamentos de amor, Jesus apontou-os como a essência de todo Antigo Testamento: "Nesses dois Mandamentos resumem-se toda Lei e os Profetas." Mt 22,40
    Noutra passagem, em mais uma magistral síntese do que representavam as Escrituras até então, Ele anunciou a chamada 'lei de ouro', e de novo falava apenas de atitudes, não de fé: "Tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a Lei e os Profetas." Mt 7,12
    Pois toda caridade, seja material ou espiritual, que fazemos aos mais necessitados, fazemos a Ele mesmo. Foi um de Seus últimos ensinamentos: "Responderá o Rei: 'Em Verdade, Eu declaro-vos: toda vez que fizestes isto a um destes Meus pequeninos irmãos, foi a Mim mesmo que o fizestes.'" Mt 25,40
    E ainda no início de Sua Missão, na leitura do Evangelho segundo São Marcos, fez perceber que o perdão dos pecados, ou seja, a Salvação da alma, é muito mais importante que obter a Graça de um milagre. Com efeito, de que nos valeria uma cura nessa vida se perdêssemos a Vida Eterna? "Jesus disse ao paralítico: 'Filho, teus pecados são-te perdoados.'" Mc 2,5
    Por isso, deixou claro que o perdão de Deus está condicionado ao perdão que oferecemos ao próximo, como pregou em Jerusalém após o Domingo de Ramos: "Mas se não perdoardes, tampouco Vosso Pai que está nos Céus vos perdoará vossos pecados." Mc 11,26
    E que esta mesma atitude deve preceder todas nossas orações pessoais, que, aliás, nunca foram mais importantes que a Santa Missa : "E quando vos puserdes de pé para orar, perdoai, se tiverdes algum ressentimento contra alguém, para que também Vosso Pai, que está nos Céus, perdoe vossos pecados." Mc 11,25
    Ora, é isso que rezamos no Pai Nosso. Ou estaríamos mentindo justamente quando falamos com Deus? "... perdoai nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido..." Mt 6,12
    Por fim, vemos que Jesus estabelecia uma relação material com o pecado, chegando a falar em mutilação, ainda que, claro, apenas figurativamente: "Por isso, se tua mão ou teu pé te fazem cair em pecado, corta-os e lança-os longe de ti: é melhor entrares na Vida coxo ou manco que, tendo dois pés e duas mãos, seres lançado no fogo eterno. Se teu olho te leva ao pecado, arranca-o e lança-o longe de ti: é melhor entrares na Vida cego de um olho, que seres jogado com teus dois olhos no fogo da geena." Mt 18,8-9
    Pois o pecado acontece no coração, como exortou ainda no Sermão da Montanha: "Eu, porém, digo-vos: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, com ela já adulterou em seu coração." Mt 5,28
    E nessa mesma ocasião, como forma de evidenciar a banalidade do mal, e assim a necessidade de vencê-lo, Ele propôs uma radical mudança de comportamento, de modo que não mais nos deixássemos possuir nem nem pelo ódio nem pela violência: "Eu, porém, digo-vos: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem te pede, e não te desvies daquele que quer pedir-te emprestado." Mt 5,39-42
   

COMPAIXÃO E CARIDADE

    Na parábola do bom samaritano, quando atribuiu um bom exemplo justamente ao povo mais menosprezado pelos judeus, Jesus questionou um doutor da Lei, levando-o a deduzir a excelência da compaixão, e recomendou sua prática: "'Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?' Respondeu o doutor: 'Aquele que usou de Misericórdia para com ele.' Então Jesus lhe disse: 'Vai, e faze o mesmo.'" Lc 10,36-37
    E noutra grande inovação litúrgica, revogando a exarcebação de uma lei que mantinha os deficientes físicos afastados do altar, Jesus convidou um deles, antes de curá-lo, para o meio da assembleia, demostrando que para autênticos religiosos o ser humano deve ser o foco de todos esforços: "Ele disse ao homem da mão atrofiada: 'Vem para o meio.'" Mc 3,3
    A despeito de qualquer possibilidade de servir diretamente a Deus, portanto, Nosso Senhor ensina que os pobres sempre estarão à espera de nossos cuidados. Certamente é Sua mais triste profecia, que desafiará toda forma de caridade e organização social até o Dia de Sua Volta. Deu-se quando Ele foi 'ungido' por uma mulher com um caro perfume, pois dias mais tarde seria sepultado às pressas: "Vós sempre tendes convosco os pobres e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem. Mas a Mim não Me tendes sempre." Mc 14,7
    Ele não aceitava, por óbvio, a caridade feita por exibicionismo. Quem a pratica não terá nenhuma recompensa, conforme Seus primeiros ensinamentos: "Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em Verdade, digo-vos: já receberam sua recompensa. Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita." Mt 6,2-3
    Mas não Se referia só aos pobres. Há muitos à nossa volta, carentes de quem lhes sirva. É a lição do episódio do Lava-Pés: "Em seguida, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido. Depois de lavar-lhes os pés e tomar Suas vestes, novamente sentou-Se à mesa e perguntou-lhes: 'Sabeis o que vos fiz? Vós chamai-Me Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque Eu o sou. Logo, se Eu, Vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós também deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como Eu vos fiz, assim vós também façais. Em Verdade, em Verdade, digo-vos: o servo não é maior que Seu Senhor, nem o enviado é maior que Aquele que o enviou. Se compreenderdes estas coisas, sereis felizes, sob condição de praticá-las.'" Jo 13,5.12-17
     Ressaltando o autêntico amor ao próximo, na parábola do Juízo Final Ele concede a Salvação apenas aos que usam de concretos gestos. Vale notar, mesmo falando sobre tão importante tema, que Ele nada disse sobre fé ou prática religiosa: "Vinde, benditos de Meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e Me deste de comer; tive sede e Me deste de beber; era peregrino e Me acolheste; nu e Me vestiste; enfermo e Me visitaste; estava na prisão e viestes a Mim. Em Verdade, Eu declaro-vos: todas vezes que fizestes isso a um destes Meus pequeninos irmãos, foi a Mim mesmo que o fizestes.’" Mt 25,34-36.40b


CULTUAR O AMOR A DEUS

    Com efeito, mais que suntuosas celebrações, o Mestre tem por Missão, e assim Sua Igreja, o resgate dos desencaminhados: "Pois o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido." Lc 19,10
    E ao tratar de leis religiosas, Ele coloca o cuidar do ser humano em primeiro lugar, como quando defendeu os Apóstolos que debulhavam espigas de trigo pelo caminho, por não terem o que comer: "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado..." Mc 2,27
    A Santa Missa, portanto, não é um encontro de 'puritanos', mas de arrependidos pecadores que em mútuo acolhimento revivem e atualizam o Sacrifício Pascal. Ele disse: "Os sãos não precisam de médico, mas os enfermos. Não vim chamar os justos, mas os pecadores." Mc 2,17
    Assim, com essas exortações, Jesus trouxe a adoração e as manifestações de fé para o íntimo do ser humano, pois, sem tal interiorização, as celebrações públicas ou mesmo a caridade não têm sentido: "... os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e Verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja." Jo 4,23
    A Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios falou desta 'arrogante caridade': "Ainda que distribuísse todos meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!" 1 Cor 13,3
    E Nosso Salvador, em oposto sentido, exaltou a total confiança em Deus. Eaa Sua última Páscoa em Jerusalém: "Levantando os olhos, viu Jesus os ricos que deitavam suas ofertas no cofre do Templo. Também viu uma pobre viúva deitar duas pequeninas moedas, e disse: 'Em Verdade, digo-vos: esta pobre viúva pôs mais que os outros. Pois todos aqueles lançaram nas ofertas de Deus o que lhes sobra. Esta, porém, deu, de sua penúria, tudo que lhe restava para o sustento.'" Lc 21,1-4
    Porque mesmo com o pouco que sabemos de Deus, mas que sem dúvida é o bastante, Ele desautorizou qualquer reverência a divinas manifestações que se pretendam secretas ou ocultistas: "Pois não há segredo que não venha a ser revelado, e nada há de escondido que não venha às claras. O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia. O que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados!" Mt 10,26b-27
    Ele mesmo, perante os líderes judeus no Sinédrio, quando foi 'julgado', vai dizer em Sua defesa: "Jesus respondeu-lhe: 'Falei publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no Templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas.'" Jo 18,20
    São Paulo usou idêntico argumento perante os anciãos da cidade de Éfeso, ao despedir-se deles, como lemos no Livro dos Atos dos Apóstolos: "Portanto, diante de vós eu hoje protesto que sou inocente do sangue de todos, porque nada omiti no anúncio que vos fiz dos desígnios de Deus." At 20,26-27
     E mais que imolações, como faziam os judeus, Jesus pedia verdadeira compaixão pelos que sofrem, citando palavras de Deus constantes no Livro do Profeta Oseias: "Ide e aprendei o que significam estas palavras: 'Eu quero a Misericórdia, e não o sacrifício (Os 6,6).'" Mt 9,13
    Para com líderes religiosos, a despeito das obras de Deus às quais casualmente eles possam servir como intermediários, Ele foi bem contundente: "Muitos di-Me-ão naquele Dia: 'Senhor, Senhor, não pregamos em Vosso Nome, e não foi em Vosso Nome que expulsamos demônios e fizemos muitos milagres?' E, no entanto, Eu di-lhes-ei: 'Nunca vos conheci. Retirai-vos de Mim, maus operários!'" Mt 7,22-23
    De fato, ainda que abominando as práticas de falsos religiosos, Nosso Senhor não deixa de reconhecer o valor de suas palavras: "Observai e fazei tudo que eles dizem, mas não façais como eles, pois dizem e não fazem." Mt 23,3
    Exigia, porém, e desde o início de Sua vida pública, absoluta fidelidade às Escrituras, acenando para o risco do mais longo período no Purgatório: "Pois, em Verdade, vos digo: passará o céu e a Terra antes que desapareça um jota, um traço da Lei. Aquele que violar um destes Mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será declarado o menor no Reino dos Céus. Mas aquele que os guardar e ensinar, será declarado grande no Reino dos Céus." Mt 5,18-19
    Literalmente disse em Sua última noite entre os Apóstolos: "Se alguém Me ama, guardará Minha Palavra e Meu Pai amá-lo-á. E Nós viremos a ele e nele faremos Nossa morada." Jo 14,23b
    Ele assim os encarregou antes de partirem para o Horto das Oliveiras, onde iniciaria Sua Paixão: "O mundo, porém, deve saber que amo o Pai e procedo como o Pai Me ordenou." Jo 14,31a
    Em Sua relação com o Pai, de fato, Ele mesmo dava exemplo: "Se guardardes Meus Mandamentos, sereis constantes em Meu amor, como Eu também guardei os Mandamentos de Meu Pai e persisto em Seu amor." Jo 15,10
    E asseverou que, pela imperiosa necessidade da purificação dos pecados, até corruptos e prostitutas, que tenham praticado autêntica penitência, entrarão nos Céus antes de alguns religiosos. Ou seja, mais uma vez temos palavras que indicam diferentes períodos no Purgatório, a despeito da data de falecimento: "Em Verdade, digo-vos: os cobradores de impostos e as meretrizes precedem-vos no Reino de Deus!" Mt 21,31
    No entanto, alguns religiosos já não tinham mesmo a menor chance. É o que se depreende do que Ele dizia ao povo quando anunciou as Bem-Aventuranças: "Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus." Mt 5,20
    Ora, a verdadeira autoridade da Igreja está em fazer-se serva de todos, como Ele ensinou aos Doze enquanto Se despedia: "Os reis dos pagãos dominam como senhores, e os que sobre eles exercem autoridade chamam-se benfeitores. Que não seja assim entre vós. Mas o que entre vós é o maior, torne-se como o último. E o que governa, seja como o servo." Lc 22,25-26
    E se é Deus que nos purifica, bastando que O obedeçamos, que grande mérito teríamos? Nosso Senhor advertia: "E se o servo tiver feito tudo o que lhe ordenara, porventura o Senhor fica devendo-lhe alguma obrigação? Assim vós, depois de terdes feito tudo que vos foi ordenado, também dizei: 'Somos inúteis servos. Fizemos apenas o que devíamos fazer.'" Lc 17,9-10
    Ele apontava na obediência à Sua Palavra uma questão de prudência: "Aquele, pois, que ouve estas Minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um prudente homem, que edificou sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa. Ela, porém, não caiu, porque estava edificada na rocha. Mas aquele que ouve Minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um insensato, que construiu sua casa na areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa. Ela caiu e grande foi sua ruína." Mt 7,24-27
    E questionava a insensatez, dirigindo-Se às primeiras multidões a segui-Lo: "Por que Me chamais: 'Senhor, Senhor...' e não fazeis o que digo?" Lc 6,46
    Pois Ele 'tirava' Deus das alturas, dos mais alto dos Céus, e colocava-O entre os nós: "Ora, Ele não é Deus de mortos, mas de vivos!" Mc 12,27
    Dizia o mesmo a respeito do Céu, a quem guardava e meditava a Palavra: "Não estás longe do Reino de Deus." Mc 12,34
    Ele mesmo prometeu estar presente, quando invocado por verdadeiros membros da Igreja, pois se reunir em Seu Nome significa obedecer ao que Ele realmente ensinou: "Digo-vos ainda isto: se dois de vós se unirem sobre a Terra para pedir, seja o que for, consegui-lo-ão de Meu Pai que está nos Céus. Porque onde dois ou três estão reunidos em Meu Nome, aí estou Eu no meio deles." Mt 18,19-20
    E ao invés de uma profusão de nomes que se atribui a Deus, Ele chamava-O de Pai, como disse a Santa Maria Madalena após ressuscitar, mandando um recado aos Apóstolos: "Subo para Meu Pai e Vosso Pai..." Jo 20,17


MATERIALIZANDO A PARTILHA E O REINO DE DEUS

    Até mesmo Seus milagres partiam de coisas concretas, como o vinho das bodas de Caná, que foi obtido através da transformação da água. De fato, primeiro foi necessário encher as talhas: "Jesus ordena-lhes: 'Enchei as talhas de água.' Eles encheram-nas até em cima. 'Tirai agora', disse-lhes Jesus, 'e levai ao chefe dos serventes.'" Jo 2,7-8
    O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, que serviu milhares de pessoas, foi igualmente feito a partir de uma provisão que os Apóstolos guardavam para si: "'Quantos pães tendes? Ide ver.' Depois de se terem informado, disseram-Lhe: 'Cinco, e dois peixes.'" Mc 6,38
    Jesus também usou do barro para fazer milagre, lembrando a matéria da qual Deus nos fez: "Dito isso, cuspiu no chão, fez um pouco de lodo com a saliva e com o lodo ungiu os olhos do cego." Jo 9,6
    E uma de Suas mais belas promessas diz respeito às benesses previstas para o Reino de Deus, mas que alguns já recebem ainda aqui na Terra: "... ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de Mim e por causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras..." Mc 10,29-30

    "Todas vezes que comemos deste Pão e bebemos deste Cálice, anunciamos, Senhor, Vossa Morte, enquanto esperamos Vossa Vinda!"

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

A Aparição de Kibeho


    No dia 28 de novembro de 1981, na cidade de Kibeho, na província do Sul em Ruanda, país africano, às 12:35 no refeitório de uma secundária escola católica, Alphonsine Mumureke, de 17 anos, ao dia encarregada de conduzir as orações, ouviu uma voz:
    - Minha filha!
    Ela dirigiu-se ao corredor do edifício, de onde vinha a voz, e encontrou uma Linda Senhora toda de branco, com um véu em torno do pescoço, e as mãos postas e ao peito em oração. Maravilhada, Alphonsine perguntou-lhe:
    - Quem é a Senhora?
    - Sou a Mãe do Verbo, respondeu ela na língua nativa.
    Em seguida, a Santíssima Virgem perguntou a Alphonsine:
    - O que tu procuras na religião?
    Alphonsine respondeu com sinceridade e simplicidade, mas em memorável testemunho:
    - Amo a Deus e Sua Mãe, que nos deu um Filho que nos salva!
    - É por isso, disse Nossa Senhora, que venho tranquilizar-te, pois ouvi tuas preces. Eu gostaria que tuas colegas tivessem mais , pois elas não creem o bastante.
    - Mãe do Salvador!, exclamou Alphonsine, que só então reconheceu que se tratava de Maria Santíssima. Se verdadeiramente é a Senhora, e a Senhora que vem dizer que em nossa escola temos pouca fé, é porque nos ama!


    E assim várias outras aparições ocorreram na escola, despertando diversas reações, favoráveis e contrárias. Muitas pessoas zombavam de Alphonsine, mas ela manteve-se firme. E com o tempo, manifestou e realizou o desejo de tornar-se freira, vendo numerosas aparições até 1989.


    Em 12 de Janeiro de 1982, Nathalie Mukamazinpaka também teve a Graça de ver a primeira, de várias aparições. E delas participou até 3 de dezembro de 1983. Mas através desta vidente as mensagens da Rainha do Céu já eram uma queixa à comunidade católica, que apenas se mostrava curiosa para com as visões: "Eu falo convosco, mas vós não Me ouvis. Eu quero levantar-vos, mas vós permaneceis caídos. Eu chamo-vos, mas vós fazeis moucos ouvidos. Quando vós ireis fazer o que vos peço? Vós ficais indiferente a todos meus apelos. Quando ireis entender? Quando ireis vos interessar pelo o que eu quero dizer-vos? Eu dou-vos sinais, mas vós permaneceis incrédulos. Quanto tempo vós ireis fazer moucos ouvidos aos meus apelos?"


    Em 2 de março de 1982, Marie-Claire Mukangango, uma auxiliar do Bispo de Butare, ela que perseguia as duas videntes, foi igualmente favorecida com as aparições da Mãe do Céu, e viu várias até 15 de setembro de 1982. Numa destas, Nossa Senhora disse-lhe: "Quando falo contigo, não estou dirigindo-me só a ti. Mas estou fazendo um apelo a todo mundo." Ela narrou que Maria descrevia o mundo como estando 'em revolta' contra Deus, e ouviu essa recomendação: "O que Eu vos peço é arrependimento. Se vós recitardes este Terço, meditando-o, então tereis a força para arrependerdes-vos. Hoje, muitas pessoas não mais sabem como pedir perdão. Novamente pregam o Filho de Deus na Cruz. Por isso, eu queria vir e relembrar-vos, especialmente em Ruanda, porque aqui ainda encontrei humilde gente, que não está ligada à riqueza e ao dinheiro."


    Em 4 de agosto de 1982, Agnès Kamagaju, mais jovem de oito irmãos, à época aos 22 anos de idade, do mesmo modo passou a ver as aparições, privilégio que teve até 29 de agosto de 1983, incluindo aparições do próprio Senhor Jesus.
    E assim, com tantos testemunhos, tantas conversões e tantas Graças alcançadas, a aceitação do fato sobrenatural era quase total na região.


    Ao final, em Kibeho, vinte pessoas disseram ter visto a Mãe de Jesus, e ao menos mais dez em outras partes do país. Os principais videntes, porém, foram: Alphonsine, Nathalie, Marie-Claire, Agnès, Emmanuel Segatashaya, Vestine Salima, Stéphanie Mukamurenzi, Valentine Nyiramukiza, Bernadette Mukantabana e Elisabeth Yankurije.
    A capital de Ruanda, Kigali, fica a 50 quilômetros de Butare, que é a segunda maior cidade e sede da arquidiocese católica da cidade de Kibeho, onde as Irmãs de Caridade Ruandesas Benebekira têm vários prédios escolares.
    Mais densamente povoado país da África em 1978, metade dos ruandeses era fiel às suas antigas e animistas crenças. Na outra metade, a maioria era de cristãos, 52% católicos, e os demais dividiam-se entre protestantes, boa parte adventista, e muçulmanos.
    Não era uma nação pacificada antes das aparições, nem mesmo em questões religiosas. Pouco antes, houve uma onda de destruições de imagens, insuflada por protestantes e muçulmanos. Por isso, Nossa Senhora pedia orações, renúncia ao pecado, arrependimento e Confissão. E entre as revelações que fazia, em terríveis visões mostrou as consequências do pecado.
    Na aparição ocorrida em 15 de agosto de 1982, que durou oito horas, Nossa Senhora estava chorando, o que muito comoveu as videntes. E por tão assombrosas revelações que fez, por mais de uma vez as videntes desmaiaram. Segundo as jovens, entre vários assuntos que tratou, a Santíssima Virgem também se mostrou triste, contrariada, e até verdadeiramente encolerizada.


    Particularmente, Alphonsine contou que a Nossa Senhora chorava pela iminência de um terrível castigo, àquela data quase impossível evitar. Com ela, Agnès e Nathalie, além de caírem por terra como mortas, foram vistas tremendo e batendo os dentes de pavor. Disseram ter visto 'um rio de sangue, pessoas que se matavam umas às outras, cadáveres abandonados sem alguém que os enterrasse, uma árvore toda em fogo, um abismo escancarado, um monstro, cabeças decapitadas.' E contaram ter ouvido dos lábios da Mãe de Deus: "Os pecados são mais numerosos que as gotas do mar. O mundo corre em direção à ruína. O mundo está cada vez pior."
    Nesse dia, aproximadamente 15 mil de pessoas estavam no local da aparição. Todos viram um sinal que se movia no céu: estrelas ao meio-dia no céu africano, como se fosse noite, quando estava plenamente iluminado pelo sol. E todos daí saíram com uma grande sensação de medo e tristeza.


    Emmanuel Segatashaya, em resumo, disse que Nossa Senhora falava de arrependimento e preparação para a Definitiva Volta de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não era nem mesmo cristão quando, num campo de feijão, teve uma visão de Jesus, que em várias aparições lhe ensinou o Pai Nosso, como rezar o Santo Rosário e muitos outros detalhes sobre a Sã Doutrina, ou seja, uma completa e privilegiadíssima catequese. Ele testemunhou: "O Senhor ensinou-me o valor do sofrimento, unido à Sua dor, para oferecer pela Salvação do mundo. Jesus disse-me que devemos mudar nossas vidas e não pecar. Orar, preparando-nos para nossa própria morte e para o fim do mundo. Todos nós devemos purificar nossos corações do ódio e do pecado, rezando sinceramente o Ato de Contrição. Confessar nossos pecados é um bom caminho para começar a limpar nossas almas, e prepararmo-nos para o encontro com Cristo."
    A última aparição de Kibeho, em 28 de novembro de 1989, ocorreu exatamente oito anos após a primeira. E como os desentendimentos políticos não diminuíam, Nossa Senhora mandou um recado aos líderes da nação através de Marie-Claire: "Eu falo a vós que sois os detentores do poder, e que representais a nação: salvem o povo, em vez de serem seus algozes. Não roubem o povo; compartilhai com os outros. Tende cuidado para não perseguirdes, para não amordaçardes aqueles que querem denunciar vossos erros. Eu digo-vos, eu repito, façais o que fizerdes, mesmo que vós tenteis de tudo para prejudicar alguém, vós nada podeis fazer contra Jesus. Porque Ele ama seus semelhantes, defende os direitos humanos, luta pelo respeito da vida dos outros, pela Verdade e por tudo que é bom, e também porque Ele luta para que Deus possa ser amado e respeitado."
    Providente, o Bispo de Butare, sede da diocese, constituiu duas comissões para monitorar os acontecimentos que envolviam as aparições: médica, para acompanhar os videntes, e teológica, para analisar as mensagens. Uma igreja maior até foi construída no local das aparições, tornando-se ponto de peregrinações. Preocupado com os avisos e com as visões que Nossa Senhora manifestou, o próprio Papa São João Paulo II visitou Ruanda em 1990, quando exortou o país a voltar-se à Virgem Maria como uma "simples e segura Guia", bem como a orar com maior empenho e penitenciar-se contra divisões locais, políticas e étnicas.
    Mas infelizmente não se deu a conversão que Nossa Senhora pedia, e menos de cinco anos depois, entre abril e junho de 1994, veio o castigo: uma onda de massacres varreu o país. Explodiu o ódio que era cultivado entre as principais tribos: os hutus e os tutsis. Com a morte do presidente em um atentado, 30 mil membros de seu partido iniciaram uma brutal perseguição. A meta, na prática, era o extermínio dos tutsis: cada hutu deveria matar pelo menos um tutsi do sexo masculino de 6 a 90 anos, e depois exibir a cabeça como prova.
    Aldeias inteiras foram massacradas, a maioria das vítimas mortas a golpes de machado. O rio Kagera, onde os corpos eram lançados, ficou conhecido como o rio de sangue. Tão grande era a poluição de cadáveres de tutsis, mas também de hutus, que veio a dizimar os peixes na margem ruandense do Grande Lago de Kivu. Centenas de milhares de refugiados buscaram países vizinhos.
    Cidades, povoados e aldeias viraram terra arrasada, pois suas casas, plantações e árvores eram queimadas. Muitas dezenas de milhares de corpos restaram insepultos. Todos principais rios ficaram fétidos com a absurda quantidade de cadáveres jogados ao leito. Quem, sem opção, bebia da água, morria de febre. Estes fatos bem lembram as revelações do Livro do Apocalipse de São João, quando o anjo derrama a terceira taça da ira de Deus: "O terceiro derramou sua taça sobre os rios e as fontes das águas, e transformaram-se em sangue. Ouvi, então, o anjo das águas dizer: 'Tu és justo, Tu que és e que eras o Santo, que assim julgas. Porque eles derramaram o sangue dos Santos e dos Profetas, Tu também lhes deste sangue para beber. Eles merecem-no!'"Ap 16,4-6
    O maior acampamento de refugiados estava na própria Kibeho, pois numa terra já traumatizada por muitas matanças, as igrejas eram consideradas seguros abrigos, onde as pessoas se protegiam das carnificinas. Mas a ira que se viu nada tinha de apenas natural: no dia 14 de abril de 1994, 4 mil tutsis, que se abrigavam na igreja dedicada à aparição Nossa Senhora, foram cercados por milicianos hutus e assassinados por explosões de granadas, jogadas às dezenas. Os que não morreram, e até mesmo agonizantes, acabaram trucidados a machadadas no interior do templo, cujos escombros em seguida foram incendiados. Como consolação, os videntes que sobreviveram à matança que assolou toda nação evocaram as palavras de ouviram da Mãe do Céu: "Aqueles que me procuram, encontrá-me-ão! Eu venho não somente para Kibeho, nem apenas para o diocese de Butare ou somente para Ruanda... mas para o mundo inteiro."
    Ao decorrer de três meses, porém, centenas de milhares de pessoas foram brutalmente assassinadas. O exato número ainda é controverso. Fala-se em pelo menos 250 mil, mas há levantamentos que chegam a 1 milhão, o que seria quase um quarto da população do país. A mais provável cifra está em torno de 800 mil mortos, ou seja 70% da população tutsi. Uma abjeta carnificina, de longe classificada como o maior genocídio africano de todos tempos.
    Muitos países e as Nações Unidas enviaram socorro e grande quantidade de alimentos e remédios, embora sempre insuficientes para um hecatombe daquelas proporções. Milhares de feridos viriam a morrer nos próprios campos de refugiados, principalmente crianças que aí já chegavam em avançado quadro de desnutrição ou desidratação.
    Mas, como visto, os avisos de Maria Santíssima não se encerraram nos acontecimentos que se deram em Ruanda, ou particularmente em Kibeho. A Grande Tribulação, por incrível que pareça, certamente ainda está por vir: "Venho ao mundo para preparar o caminho de Meu Filho, pelo bem de vós, mas vós não quereis entender. Pois o tempo que temos é muito curto e vós estais distraídos com coisas desse mundo, que são passageiras. Tenho visto extraviarem-se muitos de meus filhos, e por isso vim para ensinar-lhes o verdadeiro caminho!"
    De fato, a pergunta que fica é: só em Ruanda se cometia pecados? Lá estavam os mais graves de então? Que dizer da pedofilia, da cultura e da máfia gay dentro da própria Igreja? Que dizer das legislações abortistas, do 'casamento' homossexual e das 'igrejas e sacerdotes gays' por todo mundo? Até quando poderemos contar com a Divina Misericórdia? Até quando será aplacada a ira de Deus? Com que rigor essas abominações serão punidas? Sabemos apenas que Sua mão começará a pesar sobre a Igreja, como a Primeira Carta de São Pedro diz: "Porque vem o momento em que se começará o Julgamento pela Casa de Deus." 1 Pd 4,17a
    Ainda em Kibeho, a Imaculada Virgem advertiu de outro calamitoso desastre: a promiscuidade sexual! Sem dúvida, em 1994 a África possuía 70% das vítimas de AIDS de todo mundo, com 25 milhões de infectados. Vilas inteiras desapareceriam! Nossa Senhora pedia a Marie-Claire: "Arrependei-vos! Arrependei-vos! Arrependei-vos! Os homens dessa época esvaziaram cada coisa de seu verdadeiro sentido. Pecam, porém não mais reconhecem que agem injustamente."


    A Virgem Santíssima aconselhou Alphonsine e demais videntes a saírem de Ruanda antes do início dos massacres. Mas Emmanuel morreu, mesmo longe de Kigali, e Marie-Claire foi morta com o marido no povoado de Byumba. Em aparição de fevereiro de 1994, Nossa Senhora preparou Agnès, em particular, para os dolorosos eventos que estavam por vir: seus pais seriam assassinados em Kibeho, como posteriormente ocorreu. Alphonsine, Nathalie e Agnès sobreviveram.
    Em Medjugorje, outra vidente de Maria Santíssima, Ivanka, nas visões do dia 25 de junho de 1993 relatou os horríveis eventos que aconteceriam em Ruanda. Nossa Senhora havia-lhe dito que logo começariam, mas ainda então poderiam ser evitados ou ao menos amenizados com as orações de pessoas de todo mundo. Não foi o que se viu, porém.
    Absolutamente chocadas, uma das razões que fizeram as autoridades eclesiásticas reconhecerem as aparições de Kibeho foi a antecipação, em visões, deste genocídio em Ruanda, dadas em 19 de agosto de 1982.


    Como em todas aparições, em Kibeho mostrou Nossa Senhora sobrenaturais eventos:
    - Os milagres solares, como vistos na Aparição de Fátima, aconteceram algumas vezes: o sol deslocava-se para os lados e também na vertical; listras vermelhas e brancas surgiam em sua superfície; ficava azulado e era possível fitá-la por longos minutos, a olho nu.
    - O céu do então povoado pintava-se de coloridos raios. À noite, as estrelas também se moviam com rapidez, como se dançassem, desapareciam, e no lugar delas viam-se luminosas cruzes.
    - A região de Kibeho não possuía farta ou sequer mínima vegetação, o solo era quase deserto, rochoso, muito quente e seco, contava com pouquíssima chuva. Em uma das aparições de agosto de 1982, Nossa Senhora perguntou:
    - Porque não me pediram chuva?
    Nathalie respondeu:
    - A senhora disse que daria conforme sua vontade e quando quisesse.
    Nossa Mãe concluiu:
    - E agora vou dar-lhes uma chuva de consagração!
    Algum tempo depois, torrencialmente choveu, e as milhares de pessoas presente caíam de joelhos agradecendo e louvando a Deus por tão grande Graça.
    Em agosto dificilmente chovia. A água de tão inesperada chuva foi prontamente armazenada em todo tipo de vasilhame e depósitos disponíveis. Com o passar do tempo, essa água foi sendo utilizada e realizou muitas curas.
    De Nossa Senhora, conta-se mais de 400 aparições no século passado, mas apenas 12 delas foram reconhecidas pelo Vaticano ou por locais bispos. O reconhecimento de Kibeho deu-se em 29 de junho de 2001 pelo Bispo Augustine Misago, em missa na Catedral de Gikongoro, onde estavam os demais bispos do país e o Núncio Apostólico em Kigali, Mons. Salvatore Pennacchio. No mesmo dia, o Vaticano publicou a notícia da aprovação.
    Em 2006, doze anos após o genocídio que se deu no país, 56,5% da população diziam-se católicos, 37,1% protestantes, 11,3% deles adventista, e 4,6% muçulmanos.
    A igreja de Kibeho em que aconteceu o massacre foi reconstruída.


    E em honra às aparições e às vítimas, foi erguido o Santuário de Nossa Senhora das Dores.



    "Nossa Senhora de Kibeho, rogai por nós!"