quinta-feira, 31 de outubro de 2024

A Coroa da Vida


    Desde o Livro do Profeta Isaías, sete séculos antes de Jesus, foi revelado que Deus tem uma especial coroa para oferecer-nos na eternidade, quando trata da Salvação e da Jerusalém Celestial: "Eles chegarão a Sião com cânticos de triunfo, e uma eterna alegria coroará suas cabeças. A alegria e o gozo possuí-los-ão..." Is 35,10
    O Livro da Sabedoria, ao referir-se a essa grande dádiva, fala de uma coroa de rei, numa alusão ao poder que ela confere, e remete à Divina Glória: "Mas os justos viverão eternamente. Sua recompensa está no Senhor, e o Altíssimo cuidará deles. Por isso, receberão a régia coroa de Glória..." Sb 5,15-16a
    O Livro dos Provérbios, porém, menciona uma coroa que se faz perceber já nessa vida, que é concedida pela divina Sabedoria: "... adquire a Sabedoria. ... ela colocará sobre tua fronte uma graciosa coroa..." Pr 4,7.9
    O Livro do Eclesiástico igualmente diz de uma coroa que se alcança pela Sabedoria, cujos frutos são a Paz e a Salvação: "O temor do Senhor é a coroa da sabedoria: dá uma plenitude de Paz e de frutos de Salvação." Eclo 1,22
    E, em outro momento, os Provérbios falam da Glória que também já se experimenta nessa vida, pela longevidade dos justos: "Os brancos cabelos são uma coroa de glória para quem se encontra no caminho da justiça." Pr 16,31
    Para o Livro da Sabedoria, de fato, tal coroa é a Glória de que os Santos usufruem nesse mundo: "Moisés foi amado por Deus e pelos homens: sua memória é abençoada. O Senhor deu-lhe uma glória semelhante à dos Santos... Sobre sua tiara colocou uma coroa de ouro, onde estava gravado o cunho da santidade, da Glória e da honra..." Sb 45,1-2.14
    Pois a Divina Glória é o sinal da união da verdadeira Igreja de Cristo, que espelha a Comunhão da Santíssima Trindade, além de prova da passagem do Salvador entre nós e do amor de Deus. Jesus rezou ao Pai pelos Apóstolos, em últimos momentos entre eles, como narrou o Evangelho segundo São João: "Dei-lhes a Glória que Me deste, para que sejam Um como Nós somos Um: Eu neles e Tu em Mim. Para que sejam perfeitos na Unidade e o mundo reconheça que Me enviaste e os amaste, como amaste a Mim." Jo 17,22-23
    Essa mesma Glória é oferecida a todos nós, segundo a Carta de São Paulo aos Colossenses. Ele diz em primeiras exortações: "Sede contentes e agradecidos ao Pai, que vos fez dignos de participar da herança dos Santos na Luz." Cl 1,12
    Pois por Jesus somos convidados a assumir a herança da santidade, como os seguidores da tradição deste Apóstolo afirmam na Carta aos Hebreus: "Portanto, santos irmãos, participantes da vocação que vos destina à herança do Céu, considerai o Mensageiro e Pontífice da que professamos, Jesus." Hb 3,1
     A Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses diz que ele essa Glória nos irmãos que ajudou a evangelizar: "De fato, quem, senão vós, será nossa esperança, nossa alegria e nossa coroa diante de Nosso Senhor Jesus, no Dia da Sua vinda? Sim, nossa Glória e alegria sois vós!" 1 Ts 2,19-20
    E para que ela se concretize na eternidade, a Carta de São Paulo aos Filipenses pede perseverança, quando ele começa a despedir-se deles: "Assim, meus queridos e saudosos irmãos, minha alegria e minha coroa, continuai firmes no Senhor, ó amados." Fl 4,1
    Pois tal Glória não nos vem facilmente. Jesus bem avisou aos Apóstolos São Tiago Maior e São João do Seu e do nosso 'Batismo', ou seja, nossa cruz, nosso sacrifício. Isso deu-se pouco antes do Domingo de Ramos, enquanto subiam a Jerusalém, conforme o Evangelho segundo São Marcos: "Vós bebereis o cálice que Eu devo beber e sereis batizados no batismo em que Eu devo ser batizado." Mc 10,39
    Ora, a glorificação de Jesus veio por Sua Crucificação, como Ele mesmo afirmou logo após a Santa Ceia, quando Judas Iscariotes saiu para executar seu plano de traí-Lo. Está no Evangelho segundo São Lucas: "Logo que Judas saiu, Jesus disse: 'Agora é glorificado o Filho do Homem, e Deus é glorificado n'Ele.'" Lc 13,31
    E corroborou-a numa aparição aos dois que partiram para Emaús na tarde do Domingo da Ressurreição, dizendo-lhes em terceira pessoa: "Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse em Sua Glória?" Lc 24,26
     Apesar de todos contratempos, porém, o amor a Deus é regiamente recompensado, como a Carta de São Tiago nos diz: "Feliz o homem que suporta a tentação. Porque, depois de sofrer a provação, receberá a coroa da Vida que Deus prometeu àqueles que O amam." Tg 1,12
    Contudo, tal coroa nada tem de ostentação. Muito pelo contrário, trata-se de outra glória, a Glória da eternidade. É versículo da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios: "Os atletas abstêm-se de tudo. Eles, para ganhar uma perecível coroa. Nós, para ganharmos uma imperecível." 1 Cor 9,25
    Por isso, Jesus questionou os religiosos de Sua época, ainda na segunda festa em Jerusalém após iniciada Sua vida pública, quando eles já faziam planos de matá-Lo: "Como podeis crer, vós que recebeis a glória uns dos outros, e não buscais a Glória que é só de Deus?" Jo 5,44
    Entretanto, se essa coroa nos é tão cara, o Ultimo Apóstolo reafirma que ela representa a própria Glória de Deus: "... nós temo-vos exortado, estimulado, conjurado a comportardes de maneira digna de Deus, que vos chama ao Seu Reino e à Sua Glória." 1 Ts 2,12


    A Primeira Carta de São Pedro, porém, só faz menção à Glória da Vida Eterna, e dos presbíteros cobra total responsabilidade sobre o rebanho: "Eis a exortação que dirijo aos Anciãos que estão entre vós, porque sou Ancião como eles, fui testemunha dos sofrimentos de Cristo e com eles serei participante daquela Glória que há de manifestar-se. Velai sobre o rebanho de Deus, que vos é confiado. E quando aparecer o Supremo Pastor, recebereis a imperecível coroa de Glória." 1 Pd 5,1-2.4
    Pelo mesmo motivo, portanto, a Segunda Carta de São Paulo aos Tessalonicenses ressalta a importância da total obediência a Cristo nessa vida: "Nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras." 2 Ts 2,5
    E sentindo aproximar-se o fim de sua vida terrena, na Segunda Carta de São Paulo a São Timóteo, ele suspira: "Resta-me, agora, receber a coroa da justiça, que o Senhor, Justo Juiz, me dará naquele dia. E não somente a mim, mas a todos aqueles que com amor aguardam Sua Aparição" 2 Tm 4,8


NOS CÉUS, A GLÓRIA DOS SANTOS

     A coroa é um sinal de poder, assim como o cetro, o trono e o reino. E é isso que Deus nos promete, porém na forma de leigo ou ordenado Sacerdócio, ou seja, de sagrado ofício, que é plenamente vivido em nome das coisas santas por aqueles que alcançam a santidade. É o que foi revelado pelas visões do Livro do Apocalipse de São João: "Também vi tronos, sobre os quais se assentaram aqueles que receberam o poder de julgar: eram as almas dos que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus... Feliz e Santo é aquele que toma parte na primeira ressurreição! Sobre eles a segunda morte não tem poder, mas serão Sacerdotes de Deus e de Cristo: com Ele reinarão durante os mil anos." Ap 20,4-6
    Estas coroas já estavam antecipadamente distribuídas a inominados 'Anciãos' (anjos!), que representam este Sacerdócio, desde que Deus Pai enseja entregar o domínio da Terra ao Cordeiro: "Ao redor havia vinte e quatro tronos, e neles, sentados, vinte e quatro Anciãos vestidos de brancas vestes e com coroas de ouro na cabeça." Ap 4,4
    E em solene reverência, eles depõem-nas diante de Deus, junto a anjos das mais altas hierarquias: "E cada vez que aqueles Seres rendiam Glória, honra e ação de graças Àquele que vive pelos séculos dos séculos, os vinte e quatro Anciãos profundamente inclinavam-se diante d'Aquele que estava no trono, prostravam-se diante d'Aquele que vive pelos séculos dos séculos, e depunham suas coroas diante do trono, dizendo: 'Tu és digno Senhor, Nosso Deus, de receber a honra, a Glória e a majestade, porque criaste todas coisas, e por Tua vontade é que existem e foram criadas.'" Ap 4,9-11
    Depois, Jesus, de porte da mais letal arma daqueles tempos, é coroado, e encaminha-Se para a Grande e Final Batalha: "Vi aparecer, então, um branco cavalo. Seu Cavaleiro tinha um arco. Foi-Lhe dada uma coroa, e como vencedor Ele partiu para tornar a vencer." Ap 6,2
    Pois contra poderosos anjos caídos, isto é, os demônios, tem-se em perspectiva uma terrível guerra, e, como demonstração de poder, eles também se apresentam coroados: "O aspecto desses gafanhotos era o de cavalos aparelhados para a guerra. Em suas cabeças havia uma espécie de coroa com dourados reflexos. Seus rostos eram como rostos de homem, seus cabelos como os de mulher, e seus dentes como os dentes de leão. Seus tórax pareciam envoltos em ferro, e o ruído de suas asas era como o ruído de carros de muitos cavalos, correndo para a guerra. Tinham caudas semelhantes à do escorpião, com ferrões e o poder de afligir os homens por cinco meses. Por rei, eles têm o anjo do abismo: em hebraico chama-se Abadon, e em grego, Apolion." Ap 9,7-11
    Assim também se apresenta o próprio Satanás, logo após a aparição, nos Céus, de Maria Santíssima coroada: "Depois apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas." Ap 12,3
    Ora, no início destas revelações ao Amado Discípulo, Jesus avisou de uma tribulação a tentar uma específica diocese: a de Esmirna. Contudo, Ele segue prometendo a coroa da Vida, pois Ele é o Senhor da Vida! O maior presente, portanto, sinal de Seu amor, só poderia ser o total poder sobre a própria vida, ou seja, a Vida Plena, a eternidade, como Ele a vive: "Nada temas ante o que hás de sofrer. Por estes dias, o Demônio vai lançar alguns de vós na prisão, para pôr-vos à prova. Tereis tribulações durante dez dias. Sê fiel até a morte e dá-te-ei a coroa da Vida." Ap 2,10
    Outra Graça que Ele nos promete, por meio da diocese de Éfeso e que também é sinal de Seu amor, é que comeremos do fruto da árvore da Vida, que havia sido desautorizado a Adão e Eva. Desse fruto, porém, sabemos pouco, mas é certamente outro grande dom. É quando Ele exorta a que jamais deixemos de ouvir nossas dioceses, pois o Divino Paráclito por elas nos fala: "Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: 'Ao vencedor darei de comer do fruto da árvore da Vida, que se acha no paraíso de Deus.'" Ap 2,7
    Ele ainda promete, como vimos acima e agora também através da diocese de Esmirna, que o Juízo Final não trará nenhuma ameaça aos Seus legítimos fiéis, pois a santificação já terá sido alcançada. E mais uma vez diz da obrigação do cristão de ouvir sua diocese: "Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: 'O vencedor não sofrerá dano algum da segunda morte.'" Ap 2,11
    E aquele que perseverar no 'bom combate', como São Paulo dizia (cf. 2 Tm 4,7), comerá de mais um especial manjar, do qual sabemos apenas que existe, e receberá uma nova identidade, plenamente espiritual e divina. Está na promessa à diocese de Pérgamo: "Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: 'Ao vencedor darei o maná escondido e entregá-lhe-ei uma branca pedra, na qual está escrito um novo nome que ninguém conhece, senão aquele que o receber.'" Ap 2,17
    Os Santos de Deus então recebem um poder que lhes fazem visivelmente superior, ainda nesse mundo, e que é perceptível mesmo àqueles que não acreditam. É a promessa à diocese de Tiatira: "Então ao vencedor, ao que praticar Minhas obras até o fim, lhe darei poder sobre as pagãs nações." Ap 2,26
    Também lhes é concedido vestir-se de branco, como Jesus, e acompanhá-Lo aonde quer que Ele vá, agora em promessa à diocese de Sardes: "Todavia, tens em Sardes algumas pessoas que não contaminaram suas vestes. Comigo andarão vestidas de branco, porque o merecem. O vencedor assim será revestido de brancas vestes. Jamais apagarei seu nome do livro da Vida, e proclamá-lo-ei diante de Meu Pai e de Seus anjos." Ap 3,4-5
    Ele promete-nos, ademais, Sua proteção durante as tribulações aqui na Terra, através da diocese de Filadélfia. E assim como São Pedro já era em vida, o vencedor também se tornará coluna em Sua Igreja: "Porque guardaste a Palavra de Minha paciência, também te guardarei da hora da provação, que está para sobrevir ao mundo inteiro, para provar os habitantes da Terra. Venho em breve. Conserva o que tens, para que ninguém tome tua coroa. Farei do vencedor uma coluna no Templo de Meu Deus, de onde jamais sairá..." Ap 3,10-12
    E assegura que nos sentaremos até mesmo em Seu trono, gesto que significa uma inimaginável intimidade com Deus, falando à diocese de Laodiceia: "Ao vencedor concederei assentar-se Comigo em Meu trono, assim como Eu venci e Me assentei com Meu Pai em Seu trono." Ap 3,21
    Por fim, antes de punir a 'Grande Babilônia', Jesus garante manter-nos protegidos dos eternos castigos: "Também vi como que um transparente mar, irisado de fogo, e os vencedores, que haviam escapado à Fera, à sua imagem e ao número do seu nome, conservavam-se de pé sobre esse mar com as cítaras de Deus." Ap 15,2
    Todas estas promessas são inquestionavelmente belas. Todavia, Ele faz-nos outra ainda mais encantadora, quase ao fim destas revelações: "O vencedor herdará tudo isso. E Eu serei Seu Deus, e ele será Meu filho." Ap 21,7
    Ao fim da Primeira Carta de São João, pois, este Apóstolo pergunta-se: "Quem é o vencedor do mundo senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?" 1 Jo 5,5
    Temos um vencedor, portanto, ao Qual devemos imitar. É Jesus, que havia dito aos Apóstolos pouco antes de partir para o Horto das Oliveiras, onde iniciaria Seu Calvário: "No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo." Jo 16,33
    De fato: seja para a Grande e Final Batalha, como vimos, seja momentos antes do Juízo Final, nas aparições do Livro do Apocalipse Jesus aparece coroado: "Eu ainda vi uma branca nuvem, sobre a qual Se sentava como que um Filho do Homem, com a cabeça cingida de coroa de ouro e na mão uma afiada foice." Ap 14,14
    Coroa essa bem diferente da que lhe demos aqui na Terra, quando foi surrado pelos soldados romanos depois de ser julgado por Pilatos: "Depois, trançaram uma coroa de espinhos, meteram-Lha na cabeça e puseram-Lhe na mão uma vara. Dobrando os joelhos diante d'Ele, diziam com escárnio: 'Salve, Rei dos judeus!'" Mt 27,29
    Como dissemos, Maria, Nossa Mãe, também foi coroada. E de tão especial forma que o Ministério dos Apóstolos, que representam as 12 tribos de Israel, é apenas estrelas em Sua coroa. No Novo Testamento, Ela é a primeira e única pessoa que foi nomeadamente coroada por Deus. Nela, portanto. cumpriu-se esta promessa feita havia vários séculos: "Em seguida, no Céu apareceu um grande sinal: uma Mulher revestida do sol, tendo a lua debaixo de seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Ela deu à luz um Filho, um Menino, Aquele que deve reger todas pagãs nações com cetro de ferro. Mas seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e de Seu trono." Ap 12,1.5

    "Concedei-nos o convívio dos eleitos!"

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O Ser Humano e a Perfeição


    Seria o perfeccionismo apenas um capricho humano? Ou nossa natureza realmente tende para a excelência do ser? Fazendo-nos lembrar nossa origem e divina filiação, Jesus exortou durante o Sermão da Montanha, narrado no Evangelho segundo São Mateus: "Portanto, sede perfeitos, assim como Vosso Pai Celeste é perfeito." Mt 5,48
    Segundo Ele, o ser humano diminui-se e rejeita sua vocação quando se conforma com qualquer condição que não seja o projeto da Criação, como alegou na discussão com os fariseus sobre o divórcio, depois de anunciar Sua Paixão pela segunda vez aos discípulos, em passagem pela Galileia: "Mas não foi assim desde o princípio..." Mt 19,8b
    Devemos, pois, perceber que nada do que Deus fez é para a degradação, mas para a santificação, como a Primeira Carta de São Paulo a São Timóteo ensina: "Pois tudo que Deus criou é bom, e nada há de reprovável quando se usa com ação de graças. Porque tudo se torna santificado pela Palavra de Deus e pela oração." 1 Tm 4,4-5
    E sobre o meramente mundano comportamento, a Carta de São Paulo ao Romanos diz: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação de vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe agrada e o que é perfeito." Rm 12,2
    Porque Deus quer fazer-nos participantes de Sua santidade, e assim da eternidade. É o que os seguidores da tradição de São Paulo pregam na Carta aos Hebreus: "Aliás, temos na Terra nossos pais que nos corrigem e, no entanto, olhamo-los com respeito. Com quanto mais razão havemos de submeter-nos ao Pai de nossas almas, o Qual nos dará a Vida? Os primeiros educaram-nos para pouco tempo, segundo sua própria conveniência, ao passo que Este o faz para nosso bem, para comunicar-nos Sua santidade." Hb 12,9-10
    A Segunda Carta de São Pedro revela mais: que somos chamados a participar da própria natureza divina: "O divino poder deu-nos tudo que contribui para a Vida e a piedade, fazendo-nos conhecer Aquele que nos chamou por Sua Glória e Sua virtude. Por elas, temos entrado na posse das maiores e mais preciosas promessas, a fim de tornar-vos por este meio participantes da natureza divina, subtraindo-vos à corrupção que a concupiscência gerou no mundo." 2 Pd 1,3-4
    Sem dúvida, só os autênticos seguidores de Jesus recebem Sua Glória, que Ele mesmo derramou sobre os Apóstolos, pois ela é o sinal de Sua passagem entre nós assim como de Sua verdadeira Igreja, preservada na Santa Unidade. No Evangelho segundo São João, em preparação para despedir-Se deles, Ele rezou ao Pai: "Dei-lhes a Glória que Me deste, para que sejam Um como Nós somos Um: Eu neles e Tu em Mim. Para que sejam perfeitos na Unidade, e o mundo reconheça que Me enviaste e os amaste, como amaste a Mim." Jo 17,22-23
    Glória que reflete o amor de Cristo e é a distintiva marca de Seus seguidores, que formam Seu Corpo Místico. Ele havia-lhes dito depois do Lava-Pés: "Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros." Jo 13,35
    Com efeito, os discípulos de São Paulo atestavam que muitos já usufruíram dos divinos dons: "Porque aqueles que uma vez foram iluminados, saborearam o celestial dom, participaram dos dons do Espírito Santo..." Hb 6,4
    E Deus chama todos ao Reino da perfeição, como a Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses admoesta: "... nós temo-vos exortado, estimulado, conjurado a comportarde-vos de maneira digna de Deus, que vos chama ao Seu Reino e à Sua Glória." 1 Ts 2,12
    Por isso, ele reza para que, pela Sabedoria, alcancemos à perfeição e assim sejamos consolados, enquanto nessa vida, pelas celestes dádivas. Está na Carta de São Paulo aos Colossenses: "... não cessamos de orar por vós e pedir a Deus para que vos conceda pleno conhecimento de Sua vontade, perfeita Sabedoria e percepção espiritual, para que vos comporteis de maneira digna do Senhor, em tudo procurando agradar-Lhe, frutificando em toda boa obra e crescendo no conhecimento de Deus. Para que, em tudo confortados por Seu glorioso poder, tenhais a paciência de tudo suportar com longanimidade." Cl 1,9-11
    Mais: ele exorta-nos a restaurar nossa divina imagem através da intimidade com Deus: "Vós despiste-vos do velho homem com seus vícios, e revestiste-vos do novo, que constantemente vai restaurando-se à imagem d'Aquele que o criou, até atingir o perfeito conhecimento." Cl 3,9-10
    São Pedro pregava o mesmo: "... crescei na Graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo." 2 Pd 3,18
    Pois Cristo é nossa medida, nossa perfeita reconciliação com o Pai. Consta na Carta de São Paulo aos Efésios: "... até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo." Ef 4,13
    E ele realmente não pedia pouco: "Sede, pois, imitadores de Deus, como muito amados filhos. Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós Se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor." Ef 5,1-2
    Vemos este mesmo clamor na Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios: "Tornai-vos meus imitadores, como eu o sou de Cristo." 1 Cor 11,1
    Na Carta de São Paulo aos Filipenses: "Irmãos, sede meus imitadores, e atentamente olhai para os que vivem segundo o exemplo que nós vos damos." Fl 3,17
    E ainda aos tessalonicenses: "E vós fizeste-vos imitadores nossos e do Senhor ao receberdes a Palavra, apesar das muitas tribulações, com a alegria do Espírito Santo, de sorte que vos tornastes modelo para todos fiéis da Macedônia e da Acaia." 1 Ts 1,6-7
    Mas ele seguia pedindo: "No mais, irmãos, aprendestes de nós a maneira como deveis proceder para agradar a Deus, e já o fazeis! Rogamo-vos, pois, e exortamo-vos no Senhor Jesus a que progridais sempre mais." 1 Ts 4,1
    Seus seguidores, sobre esse tema, parecem aludir aos Apóstolos então já martirizados, atestando a perenidade da Palavra de Deus: "Lembrai-vos de vossos guias que vos pregaram a Palavra de Deus. Considerai como souberam encerrar a carreira. E imitai-lhes a . Jesus Cristo é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda eternidade." Hb 13,7-8
    De fato, Jesus prometeu que, se O tomarmos como Mestre, alcançaremos Sua maturidade. Foi ainda antes de convocar os Doze Apóstolos, na narrativa do Evangelho segundo São Lucas: "O discípulo não é superior ao Mestre, mas todo perfeito discípulo será como Seu Mestre." Lc 6,40
    Por isso, os Apóstolos anunciaram-nO, para que cheguemos à Sua estatura, como fez o Apóstolo dos Gentios: "A Ele é que anunciamos, admoestando todos homens e instruindo-os em toda Sabedoria, para tornar todo homem perfeito em Cristo." Cl 1,28
    E é pela obediência à Palavra de Deus que chegamos à santidade, conforme a Segunda Carta de São Paulo a São Timóteo: "Toda Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus torna-se perfeito, capacitado para toda boa obra." 2 Tm 3,16-17
    Assim ele nos assegura participar da própria Onisciência, dizendo a este seu maior colaborador: "Tu, portanto, meu filho, procura progredir na Graça de Jesus Cristo. Nenhum soldado pode implicar-se em negócios da vida civil, se quer agradar Àquele que o alistou. Nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras. Antes é preciso que o lavrador trabalhe com afinco, se quer boa colheita. Entende bem o que eu quero dizer: o Senhor há de dar-te inteligência em tudo." 2 Tm 2,1.4-7
    Ele tinha escrito aos da cidade de Corinto: "Pregamos a Sabedoria de Deus, misteriosa e secreta, que Deus predeterminou antes de existir o tempo, para nossa glória. É como está escrito: 'Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4)', tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que O amam. Todavia, Deus revelou-nos por Seu Espírito, porque o Espírito tudo penetra, mesmo as profundezas de Deus. Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que devem ser ponderadas. O homem espiritual, ao contrário, julga todas coisas e por ninguém é julgado. 'Quem conheceu o pensamento do Senhor, para poder instruí-lo? (Is 40,13)' Nós, porém, temos o pensamento de Cristo." 1 Cor 2,7.9-10.14-16


A CARIDADE

    E a Sabedoria tem mostrado que a perfeição vem pela prática da caridade, seja material seja espiritual: "Mas, acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição." Cl 3,14
    Por isso, para que ela esteja em nós de modo cada vez mais vivo, ainda segundo São Paulo: "Peço, em minha oração, que vossa caridade se enriqueça cada vez mais de compreensão e critério, com que possais discernir o que é mais perfeito, e vos torneis puros e irrepreensíveis para o Dia de Cristo..." Fl 1,9-10
    Pois o verdadeiro amor nos faz iguais a Cristo, como a Primeira Carta de São João afirma: "Nisto é perfeito em nós o amor: que tenhamos confiança no Dia do Julgamento, pois, como Jesus é, assim também nós o somos neste mundo." 1 Jo 4,17
    Amar com sinceridade, portanto, é guardar a Palavra de Jesus, é viver como Ele viveu: "Aquele, porém, que guarda Sua Palavra, nele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito. É assim que conhecemos se estamos n'Ele: aquele que afirma n'Ele permanecer, também deve viver como Ele viveu." 1 Jo 2,5-6
    E o pleno amor é o maior sinal da perfeição: "No amor não há temor. Antes, o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor envolve castigo, e quem teme não é perfeito no amor." 1 Jo 4,18
    A Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios, no mesmo sentido, associa a perfeição à presença de Deus de amor em nós: "Tendei à perfeição, animai-vos, tende um só coração, vivei em Paz, e o Deus de amor e Paz estará convosco." 2 Cor 13,11
    Sem dúvida, ainda no Livro do Gênesis, Deus havia dito a Abraão quando mudou seu nome e lhe propôs a Aliança: "O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: 'Eu sou o Deus Todo-poderoso. Anda em Minha presença e sê perfeito.'" Gn 17,17b
    E a Segunda Carta de São Paulo aos Tessalonicenses pedia essencialmente amor ao próximo com familiar zelo, mas acompanhado de profunda serenidade e profícuo trabalho como sinal para o mundo: "A respeito da fraterna caridade, não temos necessidade de escrever-vos, porquanto vós mesmos aprendestes de Deus (Jesus) a amar-vos uns aos outros. E é o que estais praticando para com todos irmãos em toda Macedônia. Mas ainda vos rogamos, irmãos, que vos aperfeiçoeis mais e mais. Procurai viver com serenidade, ocupando-vos de vossas próprias coisas e trabalhando com vossas mãos, como temos recomendado. É assim que honrosamente vivereis em presença dos de fora, e a ninguém sereis pesados." 2 Ts 4,9-12
    Sim, pois devemos ser sinal de Salvação para o mundo, dizia ele na primeira carta: "Que o Senhor vos faça crescer e avantajar na mútua caridade e para com todos homens, como é nosso amor para convosco. Que Ele confirme vossos corações e os torne irrepreensíveis e santos na presença de Deus, Nosso Pai..." 1 Ts 3,12-13a
    Pois assim como o Cristo, é nas tribulações do mundo que devemos viver nossa fé. Ele exortou os filipenses: "Fazei todas coisas sem murmurações nem críticas, a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, íntegros filhos de Deus no meio de uma depravada e maliciosa sociedade, onde brilhais como luzeiros no mundo a ostentar a Palavra da Vida." Fl 2,14-16
    Ora, essa é nossa condição de batizados e crismados pelo Divino Paráclito, como a Carta de São Paulo a São Tito explica: "Ele (Deus) salvou-nos mediante o Batismo da regeneração e renovação, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido em profusão, por meio de Cristo, Nosso Salvador, para que a justificação obtida por Sua Graça nos torne, em esperança, herdeiros da Vida Eterna. Certa é esta Doutrina, e quero que a ensines com constância e firmeza, para que os que abraçaram a fé em Deus se esforcem por aperfeiçoarem-se na prática do bem. Isto é bom e útil aos homens." Tt 3,5b-8


A SANTIDADE

    A conclusão, portanto, é que o projeto de Deus consiste em levar-nos à perfeição pela santificação, cujo modelo claramente é Jesus. Este Apóstolo escreveu a São Timóteo: "Deus salvou-nos e chamou para a santidade, não em atenção às nossas obras, mas em virtude de Seu desígnio, da Graça que desde a eternidade nos destinou em Cristo Jesus..." 2 Tm 1,9
    Aliás, como nos lembrou Jesus ao citar a Criação, o fato de sermos feitos à imagem e semelhança de Deus já subentende que devamos viver a santidade. O Último Apóstolo falava aos da cidade de Éfeso: "Renunciai à vida passada, despojai-vos do velho homem, corrompido pelas enganadoras concupiscências. Renovai sem cessar o sentimento de vossa alma, e revesti-vos do novo homem, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade." Ef 4,22-24
    Ele faz esse paralelo entre Adão e Jesus: "O primeiro homem, tirado da terra, é terreno. O Segundo veio do Céu. Qual o homem terreno, tais os homens terrenos; e qual o Homem Celestial, tais os homens celestiais. Assim como reproduzimos em nós as feições do homem terreno, precisamos reproduzir as feições do Homem Celestial." 1 Cor 15,47-49
    De fato, como a Primeira Carta de São Pedro invocou o Livro do Levítico, Deus pronunciou-Se sobre nossa vocação para a santidade desde os primórdios, falando a Moisés e a Aarão: "A exemplo da santidade d'Aquele que vos chamou, sede também vós santos em todas vossas ações, pois está escrito: 'Sede Santos, porque Eu sou santo' (Lv 11,44)." 1 Pd 1,15-16
    E por tão expressiva dádiva, só poderíamos estar gratos e manifestar esta gratidão. O Apóstolo dos Gentios reconhece perante os de Tessalônica: "Nós, porém, sentimo-nos na obrigação de incessantemente dar graças a Deus a respeito de vós, irmãos queridos de Deus, porque desde o princípio Deus vos escolheu para dar-vos a Salvação, pela santificação do Espírito e pela fé na Verdade." 2 Ts 2,13
    Em defesa da unção do Espírito Santo, e assim do Magistério da Igreja, ele expressamente disse ainda na primeira carta: "Esta é a vontade de Deus: vossa santificação! Que eviteis a impureza; que cada um de vós saiba santa e honestamente possuir seu corpo, sem se deixar levar por desregradas paixões como os pagãos que não conhecem a Deus... Pois Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade. Por conseguinte, desprezar estes preceitos é desprezar não a um homem, mas a Deus, que nos deu Seu Espírito Santo." 1 Ts 4,5.7-8
    E com delicadeza pede aos efésios: "Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o Qual estais selados para o Dia da Redenção." Ef 4,30
    Insiste nessa questão, agora rogando aos tessalonicenses: "Não extingais o Espírito." 1 Ts 5,19
    Faz-lhes, ademais, um grave alerta sobre a condição de santidade, quando diretamente aponta para os dissimulados e extorquidores que ocupam posições de liderança entre fiéis: "E que, nesta matéria, ninguém oprima nem defraude a seu irmão, porque o Senhor faz justiça de todas estas coisas, como já antes temos dito e asseverado." 1 Ts 4,6
    E atesta esta Graça, evocando o testemunho do Celeste Pai, sem a qual não somos capazes de alcançar tão grande benção: "... temos agido com santidade e sinceridade diante de Deus, não pelo espírito de sabedoria do mundo, mas pelo socorro da Graça de Deus." 2 Cor 1,12
    Por isso, implora Àquele que nos pode concedê-la: "O Deus da Paz conceda-vos perfeita santidade. Que todo vosso ser, espírito, alma e corpo, seja conservado irrepreensível para a Vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo!" 1 Ts 5,23
    Ora, a Carta de São Tiago diz: "Toda boa dádiva e todo perfeito dom vêm de cima: descem do Pai das luzes..." Tg 1,17
    Tal Graça, contudo, não nos seria concedida sem o Sacrifício de Jesus, que nos purifica por Seu Sangue através de Sua Igreja, ao conceder-nos o perdão dos pecados: "Por uma só oblação, Ele realizou a definitiva perfeição daqueles que recebem a santificação." Hb 10,14
    Assim, ao entrarmos em Comunhão com a Santíssima Trindade, somos efetivamente santificados: "Mas fostes lavados, mas fostes santificados, mas fostes justificados, em Nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de Nosso Deus." 1 Cor 6,11
    Precisa-se ter presente, entretanto, que os eleitos recebem tal santificação para ainda maior obediência, pois o Príncipe dos Apóstolos ensina ainda em sua saudação aos fiéis de todo mundo: "... santificados pelo Espírito, para obedecer a Jesus Cristo e receber sua parte da aspersão de Seu Sangue." 1 Pd 1,2
    Ora, como São Paulo diz aos coríntios, "... quem se une ao Senhor, com Ele torna-se um só Espírito." 1 Cor 6,17
    Também diz aos romanos, referindo-se à Paixão de Nosso Senhor: "Se com Ele fomos feitos o mesmo Ser..." Rm 6,5a
    Explica, nestes termos, a razão das bençãos que recebemos de Cristo: "... para sermos santos e irrepreensíveis diante de Seus olhos." Ef 1,4b
    Vemos-nos, então, moralmente compelidos a buscar e preservar a santidade, que nos assegurará a eterna bem-aventurança. Ele diz: "Mas agora, libertados do pecado e feitos servos de Deus, tendes por fruto a santidade. E o termo é a Vida Eterna." Rm 6,22
    Com razão, não podemos mais permitir-nos viver em dissolução. Temos uma meta: "Pois como pusestes vossos membros a serviço da impureza e do mal para cometer a iniquidade, assim ponde agora vossos membros a serviço da justiça para chegar à santidade." Rm 6,19
    Pois imbuídos da devida prudência, devemos estar cientes que viver a perfeição nesse mundo é um grande privilégio: "Vós, ao contrário, aproximaste-vos da montanha de Sião, da cidade do Deus Vivo, da Jerusalém Celestial, das miríades de anjos, da festiva assembleia dos primeiros inscritos no Livro dos Céus, e de Deus, Universal Juiz, e das almas dos justos, que chegaram à perfeição..." Hb 12,22-23
    E a santidade é total domínio das palavras e de si, segundo São Tiago Menor: "... porque todos nós caímos em muitos pontos. Se alguém não cair por palavra, este é um homem perfeito, capaz de refrear todo seu corpo." Tg 3,2
    É paciência: "Mas é preciso que a paciência efetue sua obra, a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem fraqueza alguma." Tg 1,4
    Ela é-nos concedida pela imersão no Evangelho, na Verdade, como Jesus rezou ao Pai antes de seguir para o Horto das Oliveiras, onde seria preso: "Santifica-os pela Verdade. Tua Palavra é a Verdade." Jo 17,17
    E sem ela não poderemos eternamente contemplar a face de Deus: "Procurai a Paz com todos e ao mesmo tempo a santidade, sem a qual ninguém pode ver o Senhor." Hb 12,14


JESUS, A VERDADEIRA PERFEIÇÃO

    O rico jovem que se julgava perfeito, numa arrogância, aliás, característica da juventude, foi convidado à verdadeira perfeição por Jesus, que Se encaminhava a Jerusalém para Sua última Páscoa: "Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois vem, e segue-Me!" Mt 19,21
    E a todos jovens, quase sempre tão exigentes, São Pedro dedica algumas esclarecedoras palavras: "Semelhantemente, vós que sois mais jovens, sede submissos aos Anciãos. Todos vós, em vosso mútuo tratamento, revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá Sua Graça aos humildes (Pr 3,34). Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus para que Ele vos exalte no oportuno tempo. Confiai-Lhe todas vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o Demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe fortes na fé. Vós sabeis que vossos irmãos, que estão espalhados pelo mundo, sofrem os mesmos padecimentos que vós. O Deus de toda Graça, que vos chamou em Cristo à Sua Eterna Glória, depois que tiverdes padecido um pouco, aperfeiçoá-vos-á, torná-vos-á inabaláveis, fortificá-vos-á." 1 Pd 5,5-10
    Sem dúvida, São Paulo, apesar de todas preciosas Graças por ele alcançadas, ainda dizia: "Não pretendo dizer que já alcancei esta meta e que cheguei à perfeição. Não. Mas empenho-me em conquistá-la, uma vez que eu também fui conquistado por Jesus Cristo. Consciente de não tê-la ainda conquistado, só procuro isto: prescindindo do passado e atirando-me ao que resta para a frente, persigo o alvo, rumo ao celeste prêmio ao qual Deus nos chama em Jesus Cristo. Nós, mais aperfeiçoados que somos, ponhamos nisto nosso afeto; e se tendes outro sentir, sobre isto Deus há de esclarecer-vos. Contudo, seja qual for o grau a que chegamos, o que importa é decididamente prosseguir." Fl 3,12-16
    Na verdade, dada sua luminosa inspiração, ele estava apenas sendo sensato. Com efeito, a própria vida em Cristo ensina: "Ademais, para que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para esbofetear-me e livrar-me do perigo da vaidade. Três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim, mas Ele disse-me: 'Basta-te Minha Graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente Minha força.' Portanto, prefiro gloriar-me de minhas fraquezas, para que em mim habite a força de Cristo. Eis porque sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor a Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte." 2 Cor 12,7-10
    E assim ele rezava: "Por isso, rogo-vos que não esmoreçais por minhas tribulações, que sofro por vós: elas são vossa glória. Por esta causa dobro os joelhos em presença do Pai, ao Qual deve sua existência toda família no Céu e na Terra, para que vos conceda, segundo Seu glorioso tesouro, que sejais poderosamente robustecidos por Seu Espírito em vista do crescimento de vosso homem interior." Ef 3,13-16
    Pois mesmo os Profetas não puderam chegar à perfeição antes da manifestação do Cristo, como os da tradição de São Paulo afirmam: "E, no entanto, todos estes mártires da fé não conheceram a realização das promessas! Porque Deus, que tinha para nós uma melhor sorte, não quis que eles chegassem sem nós à perfeição." Hb 11,39-40
    E só em Cristo teríamos o Sacerdote da Eternidade, que nos traria a Eterna Aliança: "Se a perfeição tivesse sido realizada pelo sacerdócio levítico (porque é sobre este que se funda a legislação dada ao povo), que necessidade ainda havia de que surgisse outro Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, e não segundo a ordem de Aarão? Pois transferido o sacerdócio, forçoso é que também se faça a mudança da Lei. De fato, Aquele ao Qual se aplicam estas palavras é de outra tribo, da qual ninguém foi encarregado do serviço do altar. E é notório que Nosso Senhor nasceu da tribo de Judá, tribo à qual Moisés nada encarregou ao falar do sacerdócio. Isto torna-se ainda mais evidente se se tem em conta que Este outro Sacerdote, que surge à semelhança de Melquisedec, foi constituído não por prescrição de uma lei humana, mas por Sua imortalidade. Porque está escrito: 'Tu és eternamente sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec.' Com isso, está abolida a antiga legislação, por causa de sua ineficácia e inutilidade. Pois a Lei nada levou à perfeição. Apenas foi portadora de uma melhor esperança que nos leva a Deus." Hb 7,11-19
    Contudo, apesar do termo 'abolir' usado nesta carta, não foi exatamente esse o tratamento dado por Jesus à Antiga Aliança. Na verdade, enquanto Deus Ele é a própria perfeição, e assim elevou o Antigo Testamento à perfeição com Seus ensinamentos, abrindo para nós o caminho da perfeição. Ele advertiu logo no Sermão da Montanha, ou seja, no início de Seu Ministério: "Não julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim para aboli-los, mas sim para levá-los à perfeição." Mt 5,17
    São João Evangelista até fez essa leitura, que escreveu como apresentação nos primeiros versículos de seu Evangelho: "Pois a Lei foi dada por meio de Moisés, mas a Graça e a Verdade vieram por Jesus Cristo." Jo 1,17
    Já São Pedro assim explica o ápice da Revelação, que se deu na Cruz do Calvário, dizendo em carta aos cristãos: "Esta Salvação tem sido o objeto das investigações e das meditações dos Profetas que proferiram oráculos sobre a Graça que vos era destinada. Eles investigaram a época e as circunstâncias indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava e profetizava os sofrimentos do mesmo Cristo e as Glórias que deviam segui-los." 1 Pd 1,10-11
    Ora, o próprio Jesus declarou em Jerusalém, após o Domingo de Ramos: "Agora é o Juízo deste mundo! Agora será lançado fora o príncipe deste mundo! E quando Eu for levantado da terra, a Mim atrairei todos homens." Jo 12,31-32
    São Paulo, pois, discorre, escrevendo aos cristãos da cidade de Colossos: "Porque aprouve a Deus fazer n'Ele habitar toda plenitude, e por Seu intermédio, ao preço do próprio Sangue na Cruz, Consigo reconciliar todas criaturas, restabelecendo a Paz a tudo quanto existe na Terra e nos Céus. Sendo vós alheios a Deus, e inimigos por vossos pensamentos e más obras há bem pouco tempo, eis que agora Ele vos reconciliou pela morte de Seu Corpo humano, para que possais apresentar-vos santos, imaculados, irrepreensíveis aos olhos do Pai." Cl 1,19-22
    Porque, por Sua Paixão, Nosso Salvador Se tornou o modelo da perfeição: "Aquele para Quem e por Quem todas coisas existem, desejando conduzir à Glória numerosos filhos, deliberou elevar à perfeição, pelo sofrimento, o Autor da Salvação deles, para que Santificador e santificados formem um só todo. Por isso, Jesus não hesita em chamá-los Seus irmãos..." Hb 2,10-11
    São Pedro, portanto, pede nossa santidade para resistir às turbulências até o fim dos tempos: "Uma vez que todas estas coisas hão de desagregar-se, considerai qual deve ser a santidade de vossa vida e de vossa piedade..." 2 Pd 3,11
    Pois essa espera deve ser marcada por um sincero esforço no Caminho da Redenção: "Portanto, caríssimos, esperando estas coisas, esforçai-vos em ser por Ele achados sem mácula e irrepreensíveis na Paz." 2 Pd 3,14
    Mas o Amado Discípulo garante: "Todo aquele que é nascido de Deus não peca, porque o divino germe nele reside; e não pode pecar, porque nasceu de Deus. ... o que é gerado de Deus acautela-se, e o Maligno não o toca." 1 Jo 3,9;5,18b
    E como São Paulo diz, essa é nossa verdadeira condição como criaturas de Deus: "Porque é gratuitamente que fostes salvos, mediante a fé. Isto não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus. Não provém das obras, para que ninguém se glorie. Somos obra Sua, criados em Jesus Cristo para as boas ações, que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos." Ef 2,8-10
    Ele garante, com estas palavras, o correto proceder daqueles realmente obedientes: "Porque é Deus, segundo Seu beneplácito, Quem realiza em vós o querer e o executar." Fl 2,13
    Seus seguidores usam de idêntico argumento: "E o Deus da Paz... queira dispor-vos ao bem e conceder-vos que cumprais Sua vontade, em vós realizando Ele próprio o que é agradável a Seus olhos, por Jesus Cristo..." Hb 13,20a.21a
    Ora, o próprio Jesus, enquanto Se despedia dos Apóstolos, confirmou esse constante aperfeiçoamento conduzido pelo Pai, na parábola da videira e dos ramos: "... e todo ramo que dá fruto, Ele limpa-o, para que dê ainda mais frutos." Jo 15,2b
    O Apóstolo dos Gentios, portanto, estimula-nos a persistir e resistir, confiante no conhecimento que nos é dado pelo Pai: "Estou pessoalmente convencido, meus irmãos, de que estais cheios de bondade, cheios de um perfeito conhecimento, capazes de admoestar-vos uns aos outros." Rm 15,14
    E dizia-o visando que viéssemos a fazer parte da Comunhão dos Santos, como Jesus lhe disse ao enviá-lo em missão entre os pagãos, nos registros do Livro dos Atos dos Apóstolos: "... para abrir-lhes os olhos, a fim de que se convertam das trevas à Luz, e do poder de Satanás a Deus, para que, pela fé em Mim, recebam o perdão dos pecados e a herança entre aqueles que foram santificados." At 26,18
     Por fim, fala alto esta frase inspiradamente cunhada por São Luis Maria de Montfort: "É, portanto, de grande importância, para adquirir a perfeição, que só se consegue pela união com Jesus Cristo, despojar-nos de tudo que de mau existe em nós. Do contrário, Nosso Senhor, que é infinitamente puro e infinitamente odeia a menor mancha na alma, repeli-nos-á e de modo algum unir-Se-á a nós."

    "Mandai Vosso Espírito Santo!"

terça-feira, 29 de outubro de 2024

A Ira de Deus


    Embora muito mais se fale do amor de Deus, os sinais da divina ira também já se faziam notar desde os primeiros dias da Criação, como na expulsão de Adão e Eva do paraíso, no 'retorno ao pó', e na própria condenação da Serpente. Também aconteceu na punição de Caim, pelo assassinato de seu irmão, e no flagelo que se deu com quase toda humanidade que vivia a devassidão nos tempos de Noé.
    Ora, na Lei que Deus ditou a Moisés havia horrendas maldições em caso de desobediência. Está na conclusão do Livro do Levítico: "Farei cair sobre vós a espada para vingar Minha Aliança. Se vos ajuntardes em vossas cidades, lançarei a peste no meio de vós e sereis entregues nas mãos de vossos inimigos. Tirá-vos-ei o pão, vosso sustentáculo, de tal sorte que dez mulheres o cozerão em um só forno e o entregarão por peso: comereis e não ficareis saciados. Se, apesar disso, não Me ouvirdes, e ainda Me resistirdes, em Meu furor marcharei contra vós e sete vezes mais castigá-vos-ei por causa dos vossos pecados. Comereis a carne de vossos filhos e de vossas filhas." Lv 26,23-29
    Pôs, de fato, uma simples escolha ao povo através de Moisés, ante perspectivas de guerra e exílio, exortando a uma verdadeira conversão: "Hoje tomo por testemunhas o Céu e a Terra contra vós: ponho diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a Vida, para que vivas com tua posteridade." Dt 30,19
    A verdade é que, seja o momento da explosão de Sua ira ou uma violência por Ele permitida, muitos de Seus desígnios continuam sendo mistérios para nós, como a própria Paixão de Cristo, e tudo que nos cabe é resignadamente aceitá-los. Contudo, cientes da engenhosidade de Seu salvífico projeto, devemos confiar no bem maior que Ele sempre realiza, mesmo a partir dos piores acontecimentos. A Carta de São Paulo aos Romanos ensina: "Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a futura Glória, que deve ser-nos manifestada." Rm 8,18
     Esse aparente paradoxo, entre a ira e a Misericórdia de Deus, pertence aos domínios de Sua onisciência, como este Apóstolo explicou, invocando uma passagem do Livro do Profeta Isaías que trata da consolação de israel, já prevendo o que viria a ser o fim do exílio na Babilônia: "Ó abismo de riqueza, de Sabedoria e de ciência em Deus! Quão impenetráveis são Seus juízos e inexploráveis Seus caminhos! Quem pode compreender o pensamento do Senhor? Quem jamais foi Seu conselheiro? (Is 40,13-14)" Rm 11,33-34
    Com efeito, falando por este Profeta, Deus mesmo acusou Seus rompantes para com Israel: "Num acesso de cólera, de ti volvi Minha face. Mas em Meu eterno amor tenho compaixão de ti." Is 54,8
    O Livro dos Salmos até aponta-a como apenas um breve lapso: "Porque Sua ira dura apenas um momento, enquanto Sua benevolência é para toda vida. Pela tarde, vem o pranto, mas de manhã volta a alegria." Sl 29,6
    Seguindo os flagrantes de Sua ira, no entanto, também vemos que Ele não Se servia só de catástrofes naturais para aplicar Suas punições, como aconteceu no episódio das pragas do Egito. Numa delas, o Pai Celeste pessoalmente fulminou todos primogênitos egípcios, de homens a animais, fato que depois foi atribuído ar um anjo vingador. É da leitura do Livro do Êxodo: "Naquela noite, passarei através e ferirei os primogênitos no Egito, tanto os dos homens como os dos animais, e exercerei Minha justiça contra todos deuses do Egito. Eu sou o Senhor." Ex 12,12
    Ele também Se mostrou iracundo nos tempos do próprio Êxodo, quando o povo de Israel, no deserto, fez um bezerro de ouro para adorar, com a anuência de Aarão, irmão mais velho de Moisés, pois ele se demora na montanha onde foi ter com Deus: "O Senhor disse a Moisés: 'Vai, desce, porque se corrompeu o povo que tiraste do Egito. Depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi. Para si fizeram um bezerro de metal fundido, prostraram-se diante dele e ofereceram-lhe sacrifícios, dizendo: 'Eis, ó Israel, teu Deus que te tirou do Egito.' 'Vejo', continuou o Senhor, 'que esse povo tem dura cabeça. Deixa, pois, que se acenda Minha cólera contra eles, e reduzi-los-ei a nada. Mas de ti farei uma grande nação.'" Ex 32,7-10
    Mas mesmo com todas frequentes intervenções de Moisés, nem todos israelitas entraram na Terra Santa. Mais tarde, através do salmista Ele justificou: "Por isso, em Minha ira, jurei que não haveriam de entrar no lugar de descanso que lhes prometera!" Sl 94,11
    Pelo pecado da idolatria, aliás, a fúria de Deus alcança até mesmo os já falecidos, como Ele mesmo diz no cântico de Moisés, que estava em seus últimos anos, visto no Livro do Deuteronômio: "Eles provocaram Meu ciúme com um falso deus, e irritaram-Me com seus vazios ídolos. O fogo da Minha ira está a arder e vai queimar até à mansão dos mortos, vai devorar a Terra e seus produtos, e abrasar o alicerce das montanhas." Dt 32,21-22
    E como afirma o Livro da Sabedoria, para o espanto de muitos, Suas punições não recaiam somente sobre os ímpios: "Verdade é que a prova da morte também feriu os justos, e numerosos foram aqueles que ela abateu no deserto, mas a ira de Deus não durou muito tempo..." Sb 18,20
    De fato, o profético Livro das Lamentações registra o flagelo de Jerusalém que atingiu até as crianças, quando se daria a destruição do Templo e o exílio da Babilônia: "O Senhor destruiu sem piedade todos campos de Jacó; em Sua ira deitou abaixo as fortificações da cidade de Judá; lançou por terra, aviltou a realeza e seus príncipes. Sentados no chão, em silêncio, os anciãos da cidade de Sião espalharam cinza na cabeça, vestiram-se de saco; as jovens de Jerusalém inclinaram a cabeça para o chão. Meus olhos estão inchados de lágrimas, fervem minhas entranhas; derrama-se por terra meu fel diante da arruinada cidade de meu povo, vendo desfalecerem tantas crianças pelas ruas da cidade. Elas pedem às mães: 'O trigo e o vinho, onde estão?' E vão caindo como derrubadas pela morte nas ruas da cidade, até expirarem no colo das mães." Lm 2,2.10-12
    De fato, como os chefes dos sacerdotes e o povo de Israel não acolhiam Seus Profetas, Ele usou da brutalidade dos inimigos exércitos para corrigir Seu povo. São registros do Segundo Livro de Crônicas: "Em vão o Senhor, Deus de seus pais, havia-lhes enviado avisos sobre avisos por meio de Seus mensageiros, pois tinha compaixão de Seu povo e de Sua própria habitação. Eles zombavam de Seus enviados, desprezavam Seus conselhos e riam de Seus Profetas, até que a ira de Deus se desencadeou sobre Seu povo e não houve mais remédio. Então Deus suscitou contra eles o rei dos caldeus, que, no próprio edifício do Santuário, mandou matar Seus jovens, e não poupou nem o adolescente, nem a donzela, nem o ancião, nem a mulher de cabelos brancos. O Senhor entregou-lhe tudo." 2 Cr 36,15-17
    Tanto que no Livro do Profeta Jeremias, este renomado homem de Deus vai clamar: "Derramai esse furor sobre as nações que Vos desconhecem, sobre os povos que não invocam Vosso Nome, pois eles devoraram Jacó e o consumiram, transformando-lhe as casas em deserto." Jr 10,25
    Mas Deus realmente mostrou-Se indiferente às graves agressões contra Israel, como reclamava o Livro do Profeta Habacuc, que apesar das perversões seguia chamando Judá de 'o justo': "Até quando, Senhor, implorarei sem que escuteis? Até quando Vos clamarei: 'Violência!', sem que venhais em socorro? Por que me mostrais o espetáculo da iniquidade, e contemplais Vós mesmo essa desgraça? Só vejo opressão e violência diante de mim, nada mais que discórdias e contendas, porque a Lei se acha desacreditada e não se vê mais a justiça. Porque o ímpio cerca o justo, e a equidade encontra-se falseada." Hab 1,2-4
    Ademais, como visto, os Profetas de Deus também eram encarregados de anunciar Seus castigos. Foi o que fez Isaías, cem anos antes, ao falar do símbolo máximo da ira de Deus: Seu Dia: "Lamentai-vos, porque o Dia do Senhor está próximo como uma devastação provocada pelo Todo-poderoso. Eis que virá o Dia do Senhor, implacável Dia, de furor e de ardente cólera, para reduzir a Terra a um deserto e dela exterminar os pecadores." Is 13,6.9
    No Livro do Profeta Ezequiel, no mesmo sentido, sem distinguir temporalidade de eternidade, este que também era sacerdote via para breve o Julgamento das nações de então. De fato, assim como o permanente Juízo Particular, o Julgamento iniciou-se desde o mero proferimento da Palavra pelo Cristo: "Porque está próximo o Dia, está próximo o Dia do Senhor, dia carregado de nuvens, dia marcado para as nações." Ez 30,3
    Ora, o Livro do Profeta Joel, de um século depois do rei Salomão, já atestava que ele havia sido testemunha de pesarosas visões da assembleia do Juízo Final, quando ocorrerá assombrosos e celestiais fenômenos: "O sol converter-se-á em trevas e a lua em sangue, ao aproximar-se o grandioso e temível Dia do Senhor. Que multidão, que multidão no vale do Julgamento, porque chegou o Dia do Senhor no vale do Julgamento!" Jl 3,4; 4,14
    O Livro do Profeta Amós, seu subsequente, lamenta por aqueles que tratam o Dia do Juízo com insolência: "Ai daqueles que desejam ver o Dia do Senhor! Que será para vós o Dia do Senhor? Trevas, e não luz!" Am 5,18
    E o Livro do Profeta Sofonias, de século e meio mais tarde, exercitava o povo no temor ao Senhor pedindo penitência: "Curvai-vos, curvai-vos, gente sem pudor, antes que nasça a sentença e o dia passe como a palha. Antes que caia sobre vós o ardor da ira do Senhor; antes que caia sobre vós o Dia da indignação do Senhor! Buscai o Senhor, vós todos, humildes da Terra, que observais Sua Lei. Buscai a justiça e a humildade: talvez assim estareis ao abrigo no Dia da cólera do Senhor." Sf 2,1-3
    Na verdade, hoje sabemos, são dois Juízos: primeiro o Particular, pessoal, da alma, que é imediato e se dá logo após a morte, como previsto pelo seguidores da tradição de São Paulo na Cartas aos Hebreus: "Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o Juízo..."Hb 9,27
    E ao fim dos tempos haverá o Juízo Final, quando todos ressuscitarão como Jesus explicou no Evangelho segundo São João, referindo-Se à Sua própria voz. Foi logo em Sua segunda festa em Jerusalém, depois que começou Sua vida pública, quando os líderes judeus começaram a tramar Sua morte: "Não vos maravilheis disso, porque vem a hora em que todos que se acham nos sepulcros sairão deles ao som de Sua voz: os que praticaram o bem irão para a Ressurreição da Vida, e aqueles que praticaram o mal, ressuscitarão para serem condenados." Jo 5,29
    O atual inferno, para onde seguem as más almas, ainda não é a definitiva condenação. E a ira de Deus, de tão real e efetiva, tem-se manifestado de tal forma que os maus anjos, Satanás entre eles, já foram punidos. Diz a Segunda Carta de São Pedro: "Pois se Deus não poupou os anjos que pecaram, mas precipitou-os nos tenebrosos abismos do inferno onde os reserva para o Julgamento..." 2 Pd 2,24
    Mas só no Juízo Final é que, em definitivo, o Senhor fará valer Seu anátema. Será a própria Palavra de Jesus, segundo Ele mesmo, que disse em Jerusalém após o Domingo de Ramos: "Se alguém ouve Minhas palavras e não as guarda, Eu não o condenarei, porque não vim para condenar o mundo, mas para salvá-lo. Quem Me despreza e não recebe Minhas palavras, tem quem o julgue: a Palavra que anunciei julgá-lo-á no Último Dia." Jo 12,47-48
    Na parábola das ovelhas e dos cabritos, que consta do Evangelho segundo São Mateus, Ele pronunciou-o, dias antes de Sua última Páscoa: "Retirai-vos de Mim, malditos! Ide para o eterno fogo destinado ao Demônio e aos seus anjos." Mt 25,41
    E ainda com mais violência na parábola das minas, agora no Evangelho segundo São Lucas, enquanto fazia Sua última subida a Jerusalém: "Quanto aos que Me odeiam, e que não Me quiseram por rei, trazei-os e massacrai-os em Minha presença." Lc 19,27
    O definitivo inferno, pois, é a chamada segunda morte, conforme as últimas revelações de Nosso Senhor a São João Apóstolo, que ele anotou quase ao fim do Livro do Apocalipse: "A morte e a morada subterrânea foram lançadas no lago de fogo. A segunda morte é esta: o lago de fogo." Ap 20,14
    De fato, noticiando expressamente a ira de Deus, Jesus também usou de contundência ao avisar sobre o eterno fogo. Ele disse a Seus discípulos após a Santa Ceia: "Se alguém não permanecer em Mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á." Jo 15,6
    Disse-o de várias formas, e magistralmente quando exortou a um verdadeiro distanciamento de pecaminosos hábitos, após anunciar Sua Paixão pela segunda vez, como se lê no Evangelho segundo São Marcos: "Se tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor é entrares na Vida aleijado que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o inextinguível fogo. Se teu pé for para ti ocasião de queda, corta-o fora; melhor é entrares coxo na Vida Eterna que, tendo dois pés, seres lançado à geena do inextinguível fogo. Se teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o; melhor é entrares com um olho de menos no Reino de Deus que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo, onde seu verme não morre e o fogo não se apaga." Mc 9,43.45.47-48
    Sem dúvida, falava de punições que não serão nem um pouco brandas: "Mas todo aquele que fizer cair em pecado a um destes pequeninos, que creem em Mim, melhor lhe fora que uma pedra de moinho lhe fosse posta ao pescoço e lançassem-no ao mar!" Mc 9,42
    Trair a Deus, então, como foi o caso de Judas, é submeter-se a um indizível castigo. Jesus mesmo sentenciou, à mesa da Santa Ceia, diante deste Seu infame Apóstolo: "O Filho do Homem vai, como d'Ele está escrito. Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Para esse homem melhor seria que jamais tivesse nascido!" Mt 26,24
    Enfim, Ele igualmente distinguiu entre a primeira e a segunda morte enquanto preparava os Apóstolos, após escolher os Doze. E aqui vemos d'Ele próprio uma advertência quanto à ira de Deus: "Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Antes temei Àquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena." Mt 10,28
    Assim como indicava duas ocasiões para o misericordioso perdão de Deus, para o qual não se requer o devido arrependimento, como numa das vezes em que induziu à questão do Purgatório, falando sobre o mistério do Reino dos Céus: "Todo aquele que tiver falado contra o Filho do Homem, será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no vindouro." Mt 12,32


CRISTO, NOSSO ADVOGADO

    Se a ira de Deus parece por demais pesada, e todos esses castigos causam algum pavor, convém que tenhamos sempre presente, como dissemos, a flagelação que foi a Paixão de Cristo, Seu ato máximo de amor para redimir-nos e livrar-nos da perdição. Os discípulos de São Paulo escreveram: "Por isso, Ele é o Mediador do Novo Testamento. Por Sua morte expiou os pecados cometidos no decorrer do Primeiro Testamento, para que os eleitos recebam a eterna herança que lhes foi prometida." Hb 9,15
    Devemos-Lhe, portanto, obediência: "E uma vez chegado ao fim de Sua vida terrena, tornou-Se Autor da Eterna Salvação para todos que Lhe obedecem..." Hb 5,9
    Pois depois de viver a condição humana, Ele sentou-Se à direita do Pai como Nosso Defensor: "Eis porque Cristo entrou, não em santuário feito por mãos de homens, que fosse apenas figura do verdadeiro Santuário, mas no próprio Céu, para agora Se apresentar em nosso favor ante a face de Deus." Hb 9,24
    Céu esse que foi aberto a nós por Seu Preciosíssimo Sangue: "Por esse motivo, irmãos, temos ampla confiança de poder entrar no Eterno Santuário, em virtude do Sangue de Jesus..." Hb 10,19
    De fato, Sua chegada aos Céus foi precedida da expulsão do inimigo, porque tendo vencido o pecado, e pelo Mandamento do amor, Ele abriu-nos o Caminho da Redenção. O Amado Discípulo, entre tantas revelações, ouviu uma forte voz no Céu: "Agora chegou a Salvação, o poder e a realeza de Nosso Deus, assim como a autoridade de Seu Cristo, porque foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que dia e noite os acusava diante do Nosso Deus." Ap 12,10
    Essa é a razão pela qual, na Primeira Carta de São João, ele nos diz com carinho e esperança: "Filhinhos meus, isto escrevo-vos para que não pequeis. Mas se alguém pecar, temos um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo." 1 Jo 2,1
    Diz mais, explicitando como Ele nos purifica: "Se, porém, andamos na Luz como Ele mesmo (Deus) está na Luz, temos recíproca Comunhão uns com os outros, e o Sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, purifica-nos de todo pecado." 1 Jo 1,7
    E a Primeira Carta de São Paulo a São Timóteo diz a Quem devemos gratidão: a Jesus, o Ser Humano. De fato, tal mediação já significou a própria Salvação, pois Jesus é Deus, e sendo Deus não precisaria interceder: "Porque há um só Deus e há um só Mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, um Homem que como resgate Se entregou por todos." 1 Tm 2,5-6a
    Pois mesmo entre nem sempre compreensíveis desígnios, essa é a essência do projeto do Pai, como atesta a Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses em últimas exortações: "Porquanto Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a Salvação por Nosso Senhor Jesus Cristo." 1 Ts 5,9
    Porque falando de Nosso Salvador, o Último Apóstolo havia iniciado: "É Ele que nos liberta da futura ira." 1 Ts 1,10
    São João Batista também se pronunciou sobre a ira de Deus, e, como única solução, apontava para a Redenção oferecida na Pessoa de Cristo. É seu discurso antes de ser preso, quando soube que Jesus já havia iniciado Seu Ministério: "Aquele que crê no Filho tem a Vida Eterna. Quem não crê no Filho não verá a Vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus." Jo 3,36


LIVRAR-SE DA IRA DE DEUS
    
    Com razão, o Batista não via sinceridade entre aqueles que vinham batizar-se com ele, mas apenas temor aos castigos de Deus. Por isso, fustigava-os com duras palavras: "Ao ver, porém, que muitos dos fariseus e dos saduceus vinham ao seu batismo, disse-lhes: 'Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da vindoura cólera? Dai, pois, frutos de verdadeira penitência.'" Mt 3,7
    São Lucas também registrou essa exigência feita pelo Último Profeta (cf. Mt 11,13): "Fazei, pois, uma realmente frutuosa conversão..." Lc 3,8
    Apontando os desmandos dos religiosos da época, Jesus dizia algo parecido, prometendo ajuste de contas como que contra um único e comum inimigo, e que remontará o sangue de Abel. Ele acusou os escribas e fariseus, em Sua última semana em Jerusalém: "Serpentes! Raça de víboras! Como escapareis ao castigo do inferno? Vede! Eu envio-vos Profetas, sábios, doutores! Matareis e crucificareis uns, e açoitareis outros em vossas sinagogas. Persegui-los-eis de cidade em cidade, para que sobre vós todos caia o inocente sangue derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o Templo e o Altar." Mt 23,33-35
    Era o desfecho dos oito retumbantes 'Ai de vós', dois quais aqui citamos os três primeiros: "Ai de vós, hipócritas escribas e fariseus! Vós fechais aos homens o Reino dos Céus. Vós mesmos não entrais e nem deixais que entrem os que querem entrar. Ai de vós, hipócritas escribas e fariseus! Devorais as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso, sereis castigados com muito maior rigor. Ai de vós, hipócritas escribas e fariseus! Percorreis mares e terras para fazer um prosélito e, quando o conseguis, dele fazeis um filho do inferno duas vezes pior que vós mesmos." Mt 23,13-15
    Também profetizou a destruição de cidades onde operou Seus milagres, nos primeiros feitos de Sua Missão, ainda na Galileia: "Depois Jesus começou a censurar as cidades, onde tinha feito grande número de Seus milagres, por terem recusado arrepender-se: 'Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidônia tivessem sido feitos os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam-se arrependido sob o cilício e a cinza. Por isso, digo-vos: no dia do Juízo haverá menor rigor para Tiro e para Sidônia que para vós! E tu, Cafarnaum, serás elevada até o Céu? Não! Serás atirada até o inferno! Porque se Sodoma tivesse visto os milagres que foram feitos dentro de teus muros, subsistiria até este dia. Por isso, digo-te: no Dia do Juízo haverá menor rigor para Sodoma que para ti!'" Mt 11,20-24
    Assim como a destruição de Jerusalém, que ocorreria no ano 70 de nossa era. Ele proferiu estas palavras antes da Páscoa de Seu Sacrifício: "Aproximando-Se ainda mais, Jesus contemplou Jerusalém e por ela chorou, dizendo: 'Oh! Se tu, ao menos neste dia que te é dado, também conhecesses Aquele que pode trazer-te a Paz!... Mas não... Isso está oculto a teus olhos. Sobre ti virão dias em que teus inimigos te cercarão de trincheiras, te sitiarão e te atacarão por todos lados. Destruí-te-ão a ti e a teus filhos que estiverem dentro de ti, e em ti não deixarão pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada.'" Lc 19,41-44
    Falando sobre a gravidade dos recorrentes pecados em Israel, e suas respectivas punições, Ele havia tomado como exemplo dois fatos que haviam impressionado o povo, mostrando o quanto a mão de Deus pode ser pesada: "Neste mesmo tempo, contavam alguns o que tinha acontecido a certos galileus, cujo sangue Pilatos misturara a seus sacrifícios. Jesus toma a palavra e pergunta-lhes: 'Pensais vós que estes galileus foram maiores pecadores que todos outros galileus, por terem sido tratados desse modo? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos de mesmo modo. Ou cuidais que aqueles dezoito homens, sobre os quais a torre de Siloé caiu e matou-os, foram mais culpados que todos demais habitantes de Jerusalém? Não, digo-vos. Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos de mesmo modo.'" Lc 13,1-5
    No mesmo sentido, a Carta de São Paulo aos Gálatas, chamando-os de insensatos por desvios já dentro do cristianismo, prega a purificação do corpo e da alma para que não mais ofendêssemos o Pai Celeste: "Mortificai vossos membros, pois, no que têm de terreno: a devassidão, a impureza, as paixões, os maus desejos, a cobiça, que é uma idolatria. Dessas coisas provém a ira de Deus sobre os descrentes." Cl 3,5-6
    Também condenava a insana hipocrisia de alguns, que profanam a própria Eucaristia, como a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios questiona: "Não podeis beber ao mesmo tempo o Cálice do Senhor e o cálice dos demônios. Ou queremos provocar a ira do Senhor? Acaso somos mais fortes que Ele?" 1 Cor 10,21-22
    Aliás, o simples fato de negarmo-nos a testemunhar a Verdade sobre as frequentes Graças que nos são concedidas por Deus, já nos faz merecedores de Seus castigos. O Apóstolo dos Gentios recomenda: "A ira de Deus manifesta-se do alto do Céu contra toda impiedade e perversidade dos homens, que pela injustiça aprisionam a Verdade." Rm 1,18
    E se a ira de Deus é santa, na grande maioria dos casos estamos desautorizados a recorrer-nos à violência. Nem mesmo para vingar-nos, dela poderíamos lançar mão: "Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: 'A Mim a vingança! A Mim exercer a justiça', diz o Senhor (Dt 32,35)." Rm 12,19
    E ainda que o ódio tome conta de nosso coração, não devemos esboçar nenhuma reação de raiva nem guardar rancor através de uma noite sequer, como leciona a Carta de São Paulo aos Efésios: "Mesmo em cólera, não pequeis. Não se ponha o sol sobre vosso ressentimento." Ef 4,26
    O próprio Arcanjo São Miguel, chefe dos Celestes Exércitos, em um belo exemplo de estrita obediência, não se manifestou contra o Maligno sem a expressa ordem de Deus. A Carta de São Judas relata: "No entanto, o Arcanjo Miguel, quando com o Diabo disputava o corpo de Moisés, não se atreveu a lançar-lhe em rosto uma injuriosa invectiva. Mas apenas disse-lhe: 'O Senhor te repreenda!'" Jd 9
    A Carta de São Tiago, por sinal, faz questão de desfazer o errôneo argumento de que nós poderíamos ser, por nossa livre escolha, instrumentos da divina ira: "... a ira do homem não cumpre a justiça de Deus." Tg 1,20
    O próprio Jesus dela não lançava mão, mas, como numa ocasião de passagem pela Samaria, aproveitava para revelar Sua Missão: "Enviou diante de Si mensageiros que, tendo partido, entraram em uma povoação dos samaritanos para arranjar-Lhe pousada. Mas não O receberam, por Ele dar mostras que ia para Jerusalém. Vendo isto, Tiago e João disseram: 'Senhor, queres que mandemos que desça fogo do Céu e os consuma?' Jesus voltou-Se e severamente repreendeu-os: 'Não sabeis de que espírito sois animados. O Filho do Homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las.' Foram, então, para outra povoação." Lc 9,52-56
    Mas Ele poderia mesmo dispor de forças sobrenaturais como o Celestial Exército, como disse a São Pedro quando estava para ser preso pelos guardas dos sacerdotes no Horto das Oliveiras: "Jesus, no entanto, disse-lhe: 'Embainha tua espada, porque todos aqueles que usarem da espada, pela espada morrerão. Crês tu que não posso invocar Meu Pai e Ele não Me enviaria imediatamente mais de doze legiões de anjos?'" Mt 26,52-53
    Contudo, tomando como principal exemplo a paciência do próprio Pai, Ele abertamente praticava e pregava tolerância, como se vê no Sermão da Montanha, nas proximidades de Cafarnaum, ainda no começo de Seu ministério: "Tendes ouvido o que foi dito: 'Olho por olho, dente por dente.' Eu, porém, digo-vos: não resistais ao mau! Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem te pede e não te desvies daquele que quer pedir-te emprestado. Tendes ouvido o que foi dito: 'Amarás teu próximo e poderás odiar teu inimigo.' Eu, porém, digo-vos: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. Deste modo, sereis filhos de Vosso Pai do Céu, pois Ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos? Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Também não fazem isto os pagãos? Portanto, sede perfeitos, assim como Vosso Pai Celeste é perfeito." Mt 5,38-48
    Deixava mesmo o grande acerto de contas para o Juízo Final, como pregou antes de voltar a Nazaré em despedida: "Jesus propôs-lhes outra parábola: 'O Reino dos Céus é semelhante a um Homem que tinha semeado boa semente em Seu campo. Na hora, porém, em que os homens repousavam, veio Seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu. O trigo cresceu e deu fruto, mas também apareceu o joio. Os servidores do Pai de Família vieram e disseram-Lhe: Senhor, não semeaste bom trigo em Teu campo? De onde vem, pois, o joio? Disse-lhes Ele: Foi um inimigo que fez isto! Replicaram-Lhe: Queres que vamos e arranquemo-lo? Não, disse Ele, arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo. Deixai-os crescer juntos até a colheita. No tempo da colheita, direi aos ceifadores: arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para queimá-lo. Depois recolhei o trigo em Meu celeiro.'" Mt 13,24-30
    A não ser no caso dos vendilhões do Templo! Mas ai era o Santo Lugar por excelência, um pedaço do Céu, a Casa de Deus, que Ele identificaria como Seu próprio Corpo. São João Evangelista narra este episódio como dado logo em Sua primeira visita a Jerusalém em vida pública: "Encontrou no Templo negociantes de bois, ovelhas e pombas, e mesas dos trocadores de moedas. Fez Ele um chicote de cordas, expulsou todos do Templo, como também as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos trocadores e derrubou as mesas. Disse aos que vendiam as pombas: 'Tirai isto daqui e não façais da Casa de Meu Pai uma casa de negociantes!' Lembraram-se, então, Seus discípulos do que está escrito: 'O zelo de Tua Casa consome-Me (Sl 68,10).' Perguntaram-Lhe os judeus: 'Que sinal nos apresentas Tu, para procederes deste modo?' Respondeu-lhes Jesus: 'Destruí vós este Templo, e em três dias Eu reerguer-lo-ei.'" Jo 2,14-19
     E São Paulo, confirmando nossa obrigação de promotores da Paz, recomenda nossa submissão a todas autoridades e instituições, ainda que mundanas: "Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus. As que existem foram instituídas por Deus. Assim, aquele que resiste à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus e os que a ela se opõem, atraem sobre si a condenação. Queres não ter o que temer a autoridade? Faze o bem e terás seu louvor. Porque ela é instrumento de Deus para teu bem. Mas se fizeres o mal, teme, porque não é sem razão que leva a espada: é ministro de Deus, para fazer justiça e exercer a ira contra aquele que pratica o mal." Rm 13,1-4
    Por inspiração, ele constatou que os religiosos responsáveis pela morte de Jesus já estão sob o peso da mão de Deus: "... aqueles judeus que mataram o Senhor Jesus, que nos perseguiram, que não são do agrado de Deus, que são inimigos de todos homens, visto que nos proíbem pregar aos não judeus para que se salvem. E com isto vão enchendo sempre mais a medida de seus pecados. Mas a ira de Deus acabou por atingi-los." 1 Ts 2,15-16
    Aliás, relembrava aos não-judeus, em advertência, os castigos que recaíram sobre todo Israel: "Declaro-o a vós, homens de pagã origem: como Apóstolo dos pagãos, eu procuro honrar meu Ministério com o intuito de, eventualmente, excitar à imitação os homens de minha raça e salvar alguns deles. Se alguns dos ramos foram cortados, e se tu, selvagem oliveira, foste enxertada em seu lugar e agora recebes seiva da raiz da oliveira, não te envaideças nem menosprezes os ramos. Pois, se te gloriares, sabe que não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti. Não te ensoberbeças, antes teme. Se Deus não poupou os ramos naturais, bem poderá não poupar a ti." Rm 11,13-14.17-18.20a-21
    E via no lento vagar dos tempos a paciência de Deus, à espera de nossa sincera conversão: "Ou desprezas as riquezas de Sua bondade, tolerância e longanimidade, desconhecendo que a bondade de Deus te convida ao arrependimento? Mas pela tua obstinação e impenitente coração, vais acumulando ira contra ti, para o Dia da Cólera e da revelação do justo Juízo de Deus..." Rm 2,4-5
    Santo de grandes revelações, ele claramente percebia como é grande nossa infidelidade, mas também a serena paciência e as devidas correções de Deus: "Se nossa injustiça realça a justiça de Deus, o que podemos dizer? Que Deus é injusto quando sobre nós descarrega Sua ira?" Rm 3,5
    Entretanto, atestando a veracidade da divina ira, o Livro do Apocalipse fala dos flagelos previstos para assolar a humanidade no fim dos tempos. O Amado Discípulo registrou: "No Céu, ainda vi outro grande e maravilhoso sinal: sete Anjos que tinham os últimos sete flagelos, porque por eles é que se deve consumar a ira de Deus." Ap 15,1
    Também diz que estes anjos de Deus, em geral sempre tão dóceis criaturas, serão incumbidos de espalhar essas punições: "Ouvi, então, uma forte voz saindo do Templo, que dizia aos sete Anjos: 'Ide, e derramai sobre a Terra as sete taças da ira de Deus.'" Ap 16,1
    E já nos havia sido revelado um específico lugar, onde por completo se manifestarão os castigos da divina ira, pois de lá Deus Se ausentará. É o definitivo inferno, como vimos, o chamado lago de fogo: "O anjo lançou sua foice à Terra e vindimou a vinha da Terra, e atirou os cachos no grande lagar da ira de Deus." Ap 14,19
    Pois o próprio Jesus não via conserto para o mundo, como disse a poucos dias de Sua Crucificação: "E ante o crescente progresso da iniquidade, a caridade de muitos resfriará." Mt 24,12
    Chegou mesmo a perguntar-Se enquanto preparava os Apóstolos, depois que mais uma vez anunciou Sua Paixão: "Mas quando vier o Filho do Homem, acaso achará sobre a Terra?" Mt 18,8b
    Por fim, prometido grandioso, como visto, além de assustador, no Dia da ira de Deus dar-se-á a completa renovação do Universo, como foi profetizado pelo Príncipe dos Apóstolos: "Entretanto, o Dia do Senhor virá como o ladrão. Naquele dia, os céus passarão com ruído, os elementos abrasados dissolver-se-ão, e a Terra será consumida com todas obras que ela contém." 2 Pd 3,10
    Quanto ao dia e à hora em que essas coisas ocorrerão, porém, assim como a muitas vezes insuspeita ira de Deus, Jesus fez questão de notificar aos Onze da permanência dos mistérios até o último instante. O Livro dos Atos dos Apóstolos põe em primeiros versículos: "Não pertence a vós saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou por Seu poder..." At 1,7

    "Esperamos, ó Cristo, Vossa gloriosa Vinda!"