segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Nossa Senhora do Rosário


    Um monge inglês do século VII já rezava usando grãos perpassados por um barbante, para não errar a contagem das orações que ele mesmo se impunha. Era São Beda, um inspirado beneditino, Doutor da Igreja e Pai da História da Inglaterra. Mas foi em 1207 que Nossa Senhora apareceu a São Domingos e ensinou-lhe o Rosário: 150 Ave Marias em substituição aos 150 Salmos, como recitam os religiosos no Ofício das Horas, pois a pobre gente ou não sabia ler ou não tinha a Bíblia para acompanhá-los. Tornou-se, assim, o Saltério da Mãe de Deus, ou os Salmos dos pobres.
    Naqueles tempos, São Domingos tentava achar maneiras de manter os franceses longe de uma heresia que cativava muita gente. Ele havia terminado a construção do primeiro convento dominicano feminino na cidade de Prouille, quando a Santíssima Virgem lhe apareceu na capela, com o Menino Jesus ao colo, e disse: "Quero que se saiba que a principal peça de combate tem sido sempre o Saltério Angélico (Rosário), que é a pedra fundamental do Novo Testamento. Assim quero que alcances estas almas endurecidas e conquiste-as para Deus, com a oração de meu Saltério."
    Sem dúvida, não há como negar que a Nova Aliança se inicia quando o São Gabriel Arcanjo diz a Maria: "Ave, cheia de Graça!" Lc 1,28


    O sucesso foi absoluto: seguida de alguns sinais dos Céus, a pregação deste Santo na Catedral de Toulouse fez a cidade adotar essa devoção, a França foi libertada dessa heresia, a Ordem Dominicana tornou-se guardiã do Rosário e seu uso rapidamente difundiu-se entre os religiosos e o povo fiel.
    Ora, as próprias Graças que abundantemente se derramavam sobre os devotos abriam caminho para maior amor à Santíssima Virgem. E logo São Domingos estaria em Paris, na Catedral de Notre Dame, entre renomados sábios da Igreja pregando... a Ave Maria.
    Tempos depois, vieram funestos anos para o Continente Europeu, com a Peste Negra, a Guerra dos Cem Anos, o humanismo que já pretendia substituir o Catolicismo, e em 1460, enquanto o Beato dominicano Alano de la Roche perguntava a Jesus, durante uma Santa Missa, o porque de tantos castigos, Ele respondeu-lhe: "Por que tu Me crucificas de novo? E crucifica-Me não só por teus pecados, mas ainda porque sabes o quanto é necessário pregar o Rosário e assim desviar muitas almas do pecado. Se não o fazes, és culpado dos pecados que elas cometem."
    E para ainda maior Glória de Deus, no século XVI, o Papa Pio V pediu a todas cristãs nações que rezassem o Rosário como forma de obter os auxílios da Mãe Celeste para vencer os muçulmanos, que em grande vantagem lutavam contra a cidade de Veneza visando invadir a Europa, pois já haviam tomado Constantinopla. Com a miraculosa vitória na decisiva Batalha de Lepanto, em 1571, no mar da Grécia, o Papa atribuiu a Maria essa Graça alcançada e por isso instituiu uma festa de celebração à 'Nossa Senhora da Vitória'.
    Em 1573, porém, para ainda mais estimular a prática da oração do Rosário, o Papa Gregório XIII mudou o nome da festa para Nossa Senhora do Rosário. No século XVIII, enfim, o Papa Clemente XI instituiu a celebração universal, mas, como aconteciam em diferentes datas pelo mundo, por sua vital importância, em 1913 o Papa São Pio X fixou o dia 7 de outubro como a data oficial da Igreja.


A AVE MARIA

    Nesta celeste oração, a segunda mais importante da Igreja, quando dizemos "Ave Maria...", repetindo a palavra do Arcanjo São Gabriel, usamos uma saudação em latim, 'Ave', a mais comum no Império Romano, com a qual se reverenciava o próprio imperador, dizendo 'Ave César'. Ela equivale ao nosso 'Salve', aliás, empregado por nós na oração 'Salve Rainha' e no cumprimento católico 'Salve Maria'.
    Reverenciá-la "... cheia de Graça...", como o Arcanjo declarou, é referir-se a pelo menos duas grandes Graças que ela já havia recebido, além daquela grandiosíssima que estava para ser anunciada: de ser a Mãe do Messias. Estas seriam o Santo Casal que ela teve como pai e mãe, São Joaquim e Santa'Ana, e sua Imaculada Conceição, obra realizada pelo próprio Deus no primeiríssimo instante em que foi concebida. De fato, ao cantar o 'Magnificat' perante Santa Isabel, ela vai dizer que o "Todo-Poderoso fez em mim maravilhas (Lc 1,49)", assim mesmo no plural, ou seja, certamente mais de uma Graça. Ora, Jesus, Cujo Corpo e Sangue nos purifica do pecado, não poderia, como não foi (cf. Hb 4,15)!, gerado no pecado. No livro de Jó, este lendário personagem já argumentava: "O homem nascido de mulher vive pouco tempo e é cheio de muitas misérias. Quem fará sair o Puro do impuro?" (Jó 14,1.4a)
    Quando afirmou "... o Senhor é convosco.", São Gabriel Arcanjo atestava mais um privilégio de Maria: que Deus já estava com ela antes mesmo da concepção ou do Nascimento do Emanuel, que é "Deus conosco (Is 7,14)", previsto havia 700 anos pelo Profeta Isaías. Aferia mesmo, para além da onipresença de Deus, a companhia que Ele antecipadamente já lhe fazia.
    Ao reconhecer, e em alta voz, "Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o Fruto de vosso ventre." Santa Isabel, que ficou cheia do Espírito Santo tão somente por ouvir a saudação de Nossa Senhora (cf. Lc 1,41), percebia sua Bem Aventurança frente toda e qualquer mulher na face da Terra, uma bendição tão grande quanto a do próprio Cristo, o Fruto de seu ventre, que a Igreja tratou de nomear, para assim oportunamente mencionar Seu Santíssimo Nome: "Jesus."
    Invocá-la como "Santa Maria...", faz lembrar passagens exclusivamente dirigidas a Deus como: "Só Vós sois Santo... (Ap 15,4b)" e "Ninguém é Santo como o Senhor (1 Sm 2,2)." Ora, é evidente que só Deus é Santo por excelência. Mas Jesus mesmo, que veio fundar Sua Santa Igreja, rezou ao Pai pelos Apóstolos, pedindo: "Santifica-os pela Verdade (Jo 17,17a)." Ou ainda podemos citar uma longínqua ordem do Próprio Deus aos israelitas, ainda nos tempos de Moisés: "Vós santificá-vos-eis e sereis Santos, porque Eu sou Santo (Lv 11,44b)." Ora, se a Verdade de Deus, que é o próprio Jesus (cf. Jo 14,6), não santificou Seu povo, ou o Pai não atendeu o pedido de Seu Filho, em que mais poderíamos crer? Como não acreditar, portanto, que Sua própria Mãe não foi santificada?
    Chamá-la de "... Mãe de Deus... é uma óbvia dedução das palavras da pergunta que fez Santa Isabel, por ocasião desta mesma visita de Nossa Senhora: "De onde me vem esta honra de vir a mim a Mãe de Meu Senhor (Lc 1,43)?" Ora, negar que Maria é Mãe de Deus é negar que Jesus, por algum instante sequer, deixou de ser Deus! Isto é um absurdo! E se Santa Isabel estava inspirada pelo Divino Paráclito para afirmar esta Verdade (cf. Lc 1,41), quem pode estar inspirando àqueles que sustentam essa negação? Sem meias palavras, São João Evangelista diz: "Muitos sedutores têm saído pelo mundo afora, os quais não proclamam Jesus Cristo que Se encarnou. Quem assim proclama é o Sedutor e o Anticristo (2 Jo 1,17)."
    Ao pedir-lhe "... rogai por nós pecadores...", nós reconhecemo-nos pobres pecadores, absolutamente carentes da Graça, e recorremos à Piedosíssima Mãe, à Medianeira de todas Graças, sempre pronta para interceder pelos necessitados como se viu nas Bodas de Caná, quando ela pediu a Jesus: "Eles já não têm vinho (Jo 2,3)." Ora, se nos Céus as almas dos Santos podem interceder a Deus, como vemos no Livro do Apocalipse: "Até quando Vós, que sois o Senhor, o Santo... (Ap 6,10)?", como não o poderia a Mãe de Nosso Salvador?
    E instando-a "... agora e na hora de nossa morte." com humildade admitimos nossas prementes misérias e seu indispensável auxílio no seriíssimo momento em que seguiremos para o Juízo Particular. Com efeito, os seguidores da tradição de São Paulo apontaram: "Como está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o Juízo... (Hb 9,27)"
    Enfim, pronunciando "Amém.", confiante e preferencialmente colocamo-nos nas mãos da única que gerou em seu ventre, vestiu, amamentou, asseou, alimentou, ensinou a andar e a falar o Todo-Poderoso feito carne.

MAIS SOBRE O ROSÁRIO

    São Luís Maria Grignion de Montfort, insigne mariólogo que viveu entre 1673 e 1716, autor do renomado Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria, além de O Segredo de Maria e O Segredo do Rosário, deixou essa marcante exortação: "Ainda que te encontres à beira do abismo ou já com um pé no inferno, ainda que estejas endurecido e obstinado como um demônio, cedo ou tarde converter-te-ás e salvar-te-ás, contanto que devotamente reze todos dias o Santo Rosário, para conhecer a Verdade e obter a contrição e o perdão de teus pecados."
    Ele advertia: "Peço que estejam atentos, a fim de não pensarem que o Rosário é de pouca importância, como dizem os ignorantes e alguns grandes e orgulhosos intelectuais. Longe de insignificante, o Rosário é um tesouro de incalculável valor e inspirado por DEUS."
    E foi ainda mais contundente: "O Rosário é mais valioso que os Salmos, pois, assim como a realidade é mais importante que a prefiguração, e o corpo mais importante que a sombra, da mesma forma o Rosário é mais grandioso que o Saltério de Davi, que nada mais fez que o prefigurar."
    Em suas aparições, enfim, Nossa Senhora sempre faz referência ao Rosário. NAparição de Salette, em 1846, ele está nas bordas de seu lenço. Em 1858, na Aparição de Lourdes, ele está dependurado em seu braço direito. E na Aparição de Fátima, em 1917, ela voltou a pronunciar-se: seja como se apresentou pela última vez, na de outubro, dizendo "Sou a Senhora do Rosário!", seja quando recomendou, por conta de Primeira Guerra Mundial, "... Continuem a recitar o Rosário todos dias em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz no mundo e o fim da guerra..."
    São João Paulo II, que escreveu a Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariæ, diz: "O Rosário misticamente transporta-nos para junto de Maria... para que ela nos eduque e nos plasme até que Cristo esteja plenamente formado em nós." Mais: "Nunca, como no Rosário, o caminho de Cristo e o de Maria aparecem tão profundamente unidos. Maria só vive em Cristo e em função de Cristo."

    "Oh Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!"