sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Nossa Senhora Rainha


    Em 1954, o Papa Pio XII instituiu a celebração da Memória de Nossa Senhora Rainha. Foi mais que devida decisão, pois pelos séculos vários Santos já a proclamavam Rainha. O próprio Livro de Apocalipse de São João, Apóstolo que foi incumbido por Jesus da guarda de Sua Mãe e Nossa Mãe (cf. Jo 19,27), registrou uma visão na qual ela se apresentou coroada: "Em seguida, apareceu no Céu um grande sinal: uma Mulher revestida do sol, tendo a lua debaixo de seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. " Ap 12,1
    Ora, é claro que esta Mulher é Maria porque se lê versículos adiante: "Ela deu à luz um Filho, um Menino, Aquele que deve reger todas pagãs nações com cetro de ferro. Mas Seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e de Seu trono." Ap 12,5
    E nós proclamamos a Santíssima Virgem como Rainha para mais exaltar o Reino de Seu Filho, do qual ela é a primeiríssima integrante. Sem dúvida, foi primeiramente a Nossa Senhora que o Arcanjo São Gabriel anunciou o início do eterno reinado de Cristo, cujo sinal neste mundo é a Santa Igreja Católica (cf. Jo 17,22-23). O Evangelho Segundo São Lucas anotou suas palavras: "Eis que conceberás e darás à luz um Filho, e Lhe porás o Nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus dá-Lhe-á o trono de Seu pai Davi. Ele reinará eternamente na Casa de Jacó, e Seu Reino não terá fim." Lc 1,31-33
    Afirmativamente, no Evangelho Segundo São João, Nosso Senhor mesmo declarou a divina natureza de Seu Reino, quando interrogado por Pilatos: "Meu Reino não é deste mundo." Jo 18,36a
    Este Reino foi instaurado desde o início de Sua vida pública, como Ele declarou aos fariseus no Evangelho Segundo São Mateus: "Mas se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso os demônios, então chegou para vós o Reino de Deus." Mt 12,28
    Isso significou a ostensiva presença de Deus entre nós, segundo o Apóstolo São João: "E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós, e vimos Sua Glória..." Jo 1,14a
    Além do muito especial reinado de Maria, a Mãe do Rei, iniciado desde sua Assunção aos Céus, o que se pode depreender de sua coroação, vista acima. Ora, o que significaria, senão poder, a coroa da Vida prometida por Jesus a todos nós? Só Maria Santíssima não a receberia? "Sê fiel até a morte, e dá-te-ei a coroa da Vida." Ap 2,10
    Pois o Livro de Apocalipse igualmente fala de tronos e do poder de julgar que são dados aos Santos, cujas almas já estão no Céu, assim como do reinado deles, sempre pela espiritual Comunhão promovida pelo Filho de Deus: "Também vi tronos, sobre os quais se sentaram aqueles que receberam o poder de julgar: eram as almas daqueles que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus... Feliz e Santo é aquele que toma parte na Primeira Ressurreição! Sobre eles a segunda morte não tem poder, mas serão Sacerdotes de Deus e de Cristo. Com Ele reinarão durante os mil anos." Ap 20,4.6
    Com efeito, por sua total fidelidade até à morte, os Santos já exercem pleno reinado sobre este mundo, porque depois da ostensiva Vinda do Reino dos Céus não haverá mais pagãos, e Jesus prometeu: "Então, ao vencedor, ao que praticar Minhas obras até o fim, dá-lhe-ei poder sobre as pagãs nações." Ap 2,26
    Esse é o Reino de Sacerdotes de que falam as Sagradas Escrituras, é a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, já em vigência neste mundo, que nos Céus é cantada pelos quatro seres e vinte e quatro anciãos em agradecimento ao Cordeiro: "Cantavam um novo cântico, dizendo: 'Tu és digno de receber o Livro e de abri-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de Teu Sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça. E para Nosso Deus deles fizestes um Reino de Sacerdotes, que reinam sobre a Terra.'" Ap 5,9-10
    De fato, era uma promessa de Deus feita no Monte Sinai, quando mandou dizer ao povo através de Moisés no Livro de Êxodo: "Agora, pois, se obedecerdes a Minha voz e guardardes Minha Aliança, sereis Meu povo particular entre todos povos. A Terra toda é Minha, mas vós sê-Me-eis um Reino de Sacerdotes e uma consagrada nação." Êx 19,5-6a
    Essa revelação já era reafirmada na Segunda Carta de São Paulo a São Timóteo, demonstrando toda convicção: "Se soubermos perseverar, com Ele reinaremos." 2 Tm 2,12
    E pedindo perfeita obediência às paróquias de Ásia de então, revelando a inspiração do Espírito Santo que fala através de Seus Sacerdotes pela Igreja Católica, Jesus promete algo inimaginável: Seu próprio trono para que nele nos sentemos: "Ao vencedor, concederei sentar-se Comigo em Meu trono, assim como Eu venci e Me sentei com Meu Pai em Seu trono. Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas." Ap 3,21
    Ele também havia prometido aos Apóstolos que eles julgariam Consigo no Juízo Final, o que se dá pela Graça da Comunhão dos Santos: "Em Verdade, declaro-vos: no dia da renovação do mundo, quando o Filho do Homem estiver sentado no trono da Glória, vós, que Me haveis seguido, estareis sentados em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel." Mt 19,28
    Igualmente falou de pessoas comuns, mas certamente Santa, que de ativa forma participarão dessas divinas deliberações: "No Dia do Juízo, os ninivitas levantar-se-ão com esta raça e condená-la-ão, porque à voz de Jonas fizeram penitência." Mt 12,41


    Nos Céus, portanto, onde de especial modo reina Nossa Mãe e Rainha, os Santos recebem, além de um trono, a coroa da Vida, como vimos. No entanto, Nosso Senhor avisou-nos das maquinações de Satanás, que quer tomar-nos essa coroa, e também da brevidade dos tempos, seja para Sua Volta, seja para a "hora de nossa morte". Quer dizer, seja para o Juízo Final, seja para o Juízo Particular: "Venho em breve. Conserva o que tens, para que ninguém tome tua coroa." Ap 3,11
    Em mesmo tom de advertência, a Carta de São Tiago falou sobre a celestial coroa: "Feliz o homem que suporta a tentação. Porque depois de sofrer a provação, receberá a coroa da Vida que Deus prometeu àqueles que O amam." Tg 1,12
    A Primeira Carta de São Pedro chamou-a de coroa da Glória: "E quando aparecer o Supremo Pastor, recebereis a imperecível coroa da Glória." 1 Pd 5,4
    Ora, se a meros pecadores está prometida tamanha Glória, de serem coroados, de sentarem em tronos no Reino de Deus, de reinar e até de julgar, como poderíamos negar a coroação e o reinado à Imaculada Virgem que nos trouxe a Salvação? Por inspiração do Espírito Santo, e tão somente ao receber a saudação de Nossa Mãe Celeste, Santa Isabel respondeu-lhe: "Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o Fruto de teu ventre. De onde me vem esta honra: de vir a mim a Mãe de Meu Senhor?" Lc 1,42b-43


    Também não deve prosperar, senão simbolicamente, a interpretação que vê a Igreja na Mulher citada por São João Evangelista no Livro de Apocalipse. De fato, Jesus foi gerado por Maria e não pela Igreja, que só seria instituída depois de Sua Ascensão, quando da vinda do Espírito Santo no Pentecostes. Seria um completo despropósito, portanto, dar azo a uma argumentação que acaba por atentar contra a própria Igreja, pois obscurece ou mesmo sonega à Mãe de Deus, sua mais representativa pessoa humana, tão caro registro bíblico. Aliás, assim como Maria só é Rainha porque Jesus é Rei, a Igreja só é mãe porque Maria é Mãe de Deus. Ora, nessa pessoa mencionada na aparição pelo Amado Discípulo  cristalinamente temos uma parturiente: "Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz." Ap 12,2
    E ela, vale ressaltar, gerou Jesus: "Ela deu à luz um Filho, um Menino, Aquele que deve reger todas pagãs nações com cetro de ferro. Mas Seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e de Seu trono." Ap 12,5
    A imagem da Igreja como mãe está na Carta de São Paulo aos Gálatas, quando falou da Jerusalém Celestial, embora ele invocasse a pessoa de Sara, que, ao final, como Matriarca de Israel também é pré-figura da Maria: "Mas a Jerusalém lá do alto é livre, e esta é nossa mãe..." Gl 4,26
    Ela, a Jerusalém Celestial, é mais propriamente a Esposa do Cordeiro, como São João Evangelista viu: "Então veio um dos sete anjos que tinham as sete taças, cheias dos sete últimos flagelos, e disse-me: 'Vem, e mostrá-te-ei a Noiva, a Esposa do Cordeiro. Levou-me em espírito a um grande e alto monte, e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do Céu, de junto de Deus, revestida da Glória de Deus.'" Ap 21,9-11a
    Nos demais textos bíblicos, temos a pré-figura de Maria Mãe Rainha na pessoa da rainha Betsabé, que era a mãe do rei Salomão, a quem ele tratou com especial deferência, fazendo-a sentar a sua direita como era do hábito dos reis de Israel, dado que tinham muitas esposas. É leitura do Primeiro Livro de Reis: "Betsabé foi, pois, ter com o rei... O rei levantou-se para ir-lhe ao encontro, fez-lhe uma profunda reverência e sentou-se no trono. Mandou colocar um trono para sua mãe, e ela sentou-se a sua direita..." 1 Rs 2,19
    A mãe do rei Jeconias, seguindo essa tradição, também era tratada com tal deferência, como se lê no Livro do Profeta Jeremias: "Eis o teor da carta que o Profeta Jeremias endereçou de Jerusalém aos demais anciãos cativos, aos sacerdotes e Profetas, e a todo povo deportado por Nabucodonosor para Babilônia, depois que o rei Jeconias, a rainha-mãe, os eunucos, os chefes de Judá e Jerusalém e os carpinteiros e serralheiros deixaram Jerusalém." Jr 29,1-2
    Outra pré-figura de Maria Mãe Rainha e grande intercessora aparece no Livro de Ester, quando esta rainha, que era judia, pede por seu povo a seu esposo, o rei de Pérsia, cujo aliado de outro país, Amã, havia assinado um decreto condenando à morte todos judeus: "Se achei graça a teus olhos, ó rei, e se ao rei lhe parecer bem, concede-me a vida, eis meu pedido! Salva meu povo, eis meu desejo!" Est 7,3
    O Livro de Cânticos dos Cânticos também fala da especialíssima Rainha, e Rainha dos anjos, aí chamados de Exército, como o próprio Deus é chamado de Senhor dos Exércitos (ex. 1 Sm 1,11). De fato, nesses divinos reflexos de poder e Glória é impossível não ver Maria, a predileta de Deus, conforme Palavra d'Ele, e a bem-aventurada por profecia dela mesma (cf. Lc 1,48): "Há sessenta rainhas, oitenta concubinas, e inumeráveis jovens mulheres. Uma, porém, é Minha pomba, uma só Minha perfeita. Ela é a única de sua mãe, a predileta daquela que a deu à luz. Ao vê-la, as donzelas proclamam-na bem-aventurada, rainhas e concubinas louvam-na. Quem é esta que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol, temível como um Exército em ordem de batalha?" Ct 6,8-10
    De fato, Nossa Mãe vai cantar no Magnificat: "Por isso, desde agora, todas gerações proclamá-me-ão bem-aventurada..." Lc 1,48b
    E no Livro de Salmos, os sagrados autores haviam visto uma finamente vestida Rainha, cujos prediletos filhos, os Santos e os Sacerdotes, reinariam sobre a Terra e cujo nome seria eternamente celebrado por todos povos: "Vosso trono, ó Deus, é eterno, de equidade é Vosso cetro real. ... posta-se a Vossa direita a Rainha, ornada de ouro de Ofir. Ouve, filha, vê e presta atenção: esquece teu povo e a casa de teu pai. De tua beleza encantar-Se-á o Rei. Ele é Teu Senhor, rende-Lhe homenagens. Tomarão teus filhos o lugar de teus pais, tu estabelecê-lo-ás príncipes sobre toda Terra. Celebrarei teu nome através das gerações. E os povos eternamente louvar-te-ão." Sl 44,7.10b-12.17-18
    Santa Brígida, que viveu no século XIV, por revelações testemunhou o reinado de Nossa Mãe sobre os anjos e os Santos, segundo palavras do próprio Jesus: "Tu és a Glória e a Rainha dos anjos e de todos Santos, porque Deus foi consolado por ti e a todos Santos deleitas." (Livro I, capítulo V)
    Esta Santa, pois, enquanto mística esposa de Cristo, também atestou: "A esposa viu a Rainha dos Céus, a Mãe de Deus, usando uma preciosa e radiante coroa sobre sua cabeça, com seu cabelo extraordinariamente belo e solto sobre seus ombros, uma dourada túnica com lampejos de um indescritível brilho e um manto azul de um claro e calmo Céu. Estando a esposa tomada de amor ante esta maravilhosa visão, e mantendo-se em seu encantamento como sobressaltada de gozo interior, apareceu-lhe o bendito São João Batista e disse-lhe: 'Preste muita atenção ao que tudo isso significa. A coroa representa que ela é a Rainha, Senhora e Mãe do Reino dos anjos. Seu cabelo solto indica que é uma Pura e Imaculada Virgem. O manto da cor do céu quer dizer que ela está morta a tudo o que é temporal. A dourada túnica significa que ela esteve ardente e inflamada no amor de Deus, tanto internamente como em seu exterior.'" (Livro I, Capítulo XXXI)
    E o Batista deu mais estes reveladores detalhes: "Seu Filho colocou sete lírios em sua coroa e, entre eles, sete preciosas pedras. O primeiro lírio é sua humildade; o segundo, o temor; o terceiro, a obediência; o quarto, a paciência; o quinto, a firmeza; o sexto, a mansidão, pois ela amavelmente dá a todos o que lhe pedem; o sétimo é sua misericórdia nas necessidades, pois, em qualquer contrariedade em que se encontre um ser humano, se a invocar com todo seu coração, será resgatado.
    Entre estes resplandecentes lírios, Seu Filho colocou sete preciosas pedras. A primeira é sua extraordinária virtude, pois não existe virtude em nenhum outro espírito nem em nenhum outro corpo que ela não possua com maior excelência. A segunda preciosa pedra é sua perfeita pureza, pois a Rainha dos Céus é tão pura que nem uma só mancha de pecado nunca foi encontrada nela, desde o princípio quando veio ao mundo pela primeira vez até o dia de sua morte. Todos demônios juntos não poderiam encontrar nela nem a mínima impureza que coubesse na cabeça de um alfinete. Ela foi verdadeiramente pura, pois o Rei da Glória não poderia ter estado senão na mais pura e limpa, no mais seleto vaso entre os seres humanos. A terceira preciosa pedra foi sua beleza, para que Deus seja constantemente louvado pela beleza de Sua Mãe. Sua beleza enche de gozo os santos anjos e todas santas almas. A quarta preciosa pedra da coroa da Virgem Mãe é sua Sabedoria, pois ela foi agraciada com toda Divina Sabedoria em Deus e, graças a ela, toda Sabedoria completa-se e aperfeiçoa-se. A quinta pedra é o poder, pois ela é tão poderosa diante de Deus que pode esmagar qualquer coisa que foi feita ou criada. A sexta preciosa pedra é sua radiante claridade, pois ela resplandece tão clara que projeta luz sobre os anjos, cujos olhos brilham mais claros que a luz e os demônios não se atrevem nem a olhar o brilho de sua claridade. A sétima preciosa pedra é a plenitude de todo espiritual deleite e doçura, porque sua plenitude é tal que não há gozo que nela não seja incrementado, nem deleite que não se faça mais pleno e perfeito por ela e pela bendita visão que alguém possa ter dela, pois está cheia e repleta de Graças, mais que todos Santos. Ela é o puro vaso onde descansa o pão dos anjos, e é nele que se encontra toda doçura e beleza.
    Estas são as sete pedras preciosas que Seu Filho colocou entre os sete lírios de sua coroa. Por isso, como esposa de Seu Filho, dá-lhe honra e louvores com todo teu coração, pois ela é verdadeiramente digna de toda honra e louvor!" (Idem)
    Não esqueçamos, ademais, que antes mesmo da inigualável Graça de gerar Nosso Salvador, Maria já havia sido agraciada por Deus, bem como permanentemente usufruía de Sua presença, como vemos nas palavras do Arcanjo São Gabriel. E, acertadamente, vê-se incluso nesse prévio agraciamento Sua Imaculada Conceição: "Ave, agraciada, o Senhor é Contigo." Lc 1,28

    "Salve, Rainha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, Salve. A vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, Advogada nossa! Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro mostrai-nos Jesus, Bendito Fruto de vosso ventre. Ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amem."