quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Santa Mônica


    Se Santo Agostinho sobremaneira colaborou para a formulação da Teologia, muito se deve a sua Santa mãe. Ele mesmo reconheceu em seu livro 'Felicidade' (I,6): "Devo a ela tudo que sou."
    Nascida no ano de 332 de cristã família berbere e romana, em Tagaste, hoje Souk Ahras, a noroeste de atual Argélia, país do norte de Árica e à margem do Mar Mediterrâneo. Era uma pequena cidade na província romana de Numídia, localizada numa das estradas que ligavam Hipona a Cartago. Desde a infância confiada a uma idosa criada cristã, de forte formação piedosa e moral, ela pôde estudar, gostava de filosofia, de ler a Bíblia e de meditá-la. Em casa, era estimulada a não falar a língua púnica, mas o latim. Fez-se culta, portanto, ainda que não propriamente acadêmica, mas manteve tradições que os cristãos dos grande centros de sua época já consideravam primitivas.
    Casou-se com um pagão, pequeno proprietário de terras, por nome de Patrício, que também era decurião, um subalterno oficial da cavalaria romana ou subalterno magistrado do conselho municipal das cidade do Império Romano. Ele revelou-se rude, por vezes agressivo, irritado com suas esmolas e orações, mas ela não fazia nenhum mau comentário a seu respeito nem permitia que alguém o fizesse. De verdadeira , simplesmente cuidava de criar os filhos para Cristo e muito rezava por sua conversão.


    As vizinhas logo perceberam sua santidade. Como era possível viver em tamanha serenidade diante da embriaguez, da violência e da declarada infidelidade do marido? Assim se tornou conselheira e referência espiritual em sua comunidade. E tão humilde e tolerante, terminou por profundamente tocar o coração do marido, que abandonou a mundana vida e converteu-se. Exatamente como a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios previa, inclusive quanto à condição de seu filho: "Se uma mulher desposou um pagão marido, e este consente em coabitar com ela, não repudie o marido. Porque o marido que não tem a fé é santificado por sua mulher, assim como a mulher que não tem a fé é santificada pelo marido que recebeu a fé. Do contrário, vossos filhos seriam impuros quando, na realidade, são santos." 1 Cor 7,13-14
    Tal Graça, no entanto, especificamente destinava-se a salvar-lhe a alma, pois pouco depois a saúde iria faltar-lhe, vindo a falecer. Mas ainda maior angústia já lhe apertava o coração. Se seus mais novos filhos já estavam encaminhados à luz do Catolicismo, sofreu muitas tribulações com Santo Agostinho desde os 17 anos, apesar de revelar notória inteligência, quando começou a estudar Retórica e Artes em Cartago, sede administrativa da província romana de África, em atual Tunísia, também no norte do Continente Africano. Era preguiçoso, rebelde e tinha tomado o mesmo caminho de vícios e promiscuidade do pai, embora não fosse violento. Teve um filho, chamado Adeodato, de uma fortuita união, tornou-se maniqueísta, a grande heresia de seu tempo, uma seita filosófico-religiosa, e como professor de Gramática voltou à terra natal, Tagaste.


    Inicialmente, Santa Mônica renegou-se a aceitá-lo em casa, mas, tempos depois, cedeu. De fato, ela ainda tinha mais um filho, Navígio, e uma filha, Perpétua, por educar, e zelava pela mesma formação religiosa e moral que dera a Santo Agostinho: não podia pactuar com sua cínica devassidão, além da apostasia. E mais uma prova da verdadeira e contagiante devoção dessa senhora foi a opção religiosa que a filha fez desde cedo: foi das primeira mulheres a ir viver num mosteiro feminino, onde veio a ser líder.
    Contudo, do mesmo modo como agiu com o esposo, Santa Mônica não desistiu de seu mais velho filho. Ao encarecida e sentidamente pedir preces ao bispo por sua Salvação, ouviu essa alentadora resposta: "Vai e continua a rezar! É impossível que se perca um filho de tantas lágrimas."
    E noites depois, em sonho, ela recebeu mais uma grande consolação de Deus: estava num bosque, chorando a perdição de seu filho, e dela aproximou-se um resplandecente ser, seu Anjo da Guarda, dizendo: "Teu filho voltará a ti." E ela, muito agradecida por essa revelação, redobrou suas orações por sua conversão.
    Em paralelo, o brilhante professor tornava-se cada vez mais importante entre os estudiosos do Império Romano. Aos 29 anos, foi estabelecer-se em Roma como catedrático em Retórica, com o título de doutor. No dia da partida, Santa Monica estava com ele: queria acompanhá-lo, crendo poder ajudar-lhe a perceber a Verdade pela intercessão e constante presença, ainda que muitas vezes silenciosa, a seu lado. Mas no porto, enquanto esperavam o navio, sua mãe foi rezar na Igreja de São Cipriano e ele aproveitou-se, disse que ia visitar um amigo e embarcou sem ela. Sobre essa vergonhosa atitude, Santo Agostinho fez questão de reconhecer em sua mais famosa obra: "Nessa noite, ocultamente parti, enquanto ela ficou orando e derramando lágrimas por mim." (Confissões, V, 8)


    E da Cidade Eterna, onde abraçou o neoplatonismo, uma corrente filosófica, ele acabou indo a Milão, atraído pela Sabedoria de Santo Ambrósio. Homem de singular inspiração, com absoluta naturalidade este bispo mostrou-lhe o Caminho da Verdade, e Santo Agostinho adotou a vida ascética, pedindo-lhe o Batismo, assim como para seu filho. Santa Mônica, que não desistia dele e já estava em Milão, pedia constantes conselhos a este inspirado e Santo bispo, sentindo que ele logo se converteria. E Santo Agostinho mesmo, dirigindo-se a Deus, anotou a reação que ela teve quando lhe contou de sua conversão: "Ela rejubila. Contamo-lhe como o caso se passou. Exulta e triunfa, bendizendo-Vos, Senhor, 'que sois poderoso para fazer todas coisas mais superabundantemente que pedimos ou entendemos.' Bendizia-Vos porque via que, em mim, lhe tínheis concedido muito mais que ela costumava pedir, com tristes e lastimosos gemidos." (Confissões, VIII, 12)
    Viveram tempos de recolhimento e discussões filosóficas numa vila chamada Rus Cassiciacum, atual Cassago Brianza, comuna da província de Lecco, região de Lombardia, para onde ele havia convidado alguns amigos e discípulos. Aí Santa Mônica assegurava a manutenção do animado grupo, orientando debates sobre assuntos cristãos e concluindo-os com orações e hinos. Alguns meses depois, em 387, ciente de sua missão que haveria de cumprir perante a cristandade, Santo Agostinho resolve adotar o celibato e voltar a sua terra. Mas na viagem de volta, aos 56 anos, Santa Mônica morre em Óstia, uma cidade costeira que funcionava como porto de Roma, e foi sepultada na Basílica de Santa Áurea.


    Antes de morrer, porém, deu-se um sobrenatural momento: na casa que haviam alugada enquanto esperavam embarcação, mãe e filho entregaram-se a profundas reflexões sobre a Verdade e a Vida Eterna dos Santos, e assim entraram em êxtase. Ele narrou: "Pouco tempo antes do dia em que minha mãe deveria partir desta vida, um dia que Vós sabíeis mas que nós desconhecíamos, aconteceu, por efeito de Vossas secretas visões, como eu acredito, que ela e eu nos encontramos sozinhos, encostados em uma janela com vista para o jardim da casa que era nosso lar em Óstia, na foz do Tibre (...) Vós sabeis, Senhor, que naquele dia, durante esta conversa, o mundo e todos seus prazeres nos pareceram muito vis."
    Verdadeiramente Santa, ela concluiu: "Meu filho, quanto a mim, já nenhuma coisa me dá gosto nesta vida. Não sei o que ainda faço aqui, nem por que ainda cá esteja, já esvanecidas as esperanças deste mundo. Por um só motivo desejava prolongar um pouco mais a vida: ver-te católico antes de morrer. Deus concedeu-me esta superabundante Graça, pois vejo que já desprezas a terrena felicidade para servires ao Senhor. Que faço eu, pois, aqui?" (Confissões, IX, 10)


    Segundo o próprio Santo Agostinho, cinco dias depois ela foi acometida de uma febre, e, vendo toda família como membros da Santa Igreja Católica, com autêntico desapego disse-lhe: "Enterra este corpo em qualquer parte e não te preocupes com ele. Só te peço que te lembres de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejas." (Confissões, IX, 11)


    Numa das belas obras do Catolicismo, o livro 'Confissões', Santo Agostinho faz um tocante registro da cristandade de sua Santa mãe, que nos faz lembrar, pelo segundo feito, exatamente o papel de Nossa Mãe Celestial, com a ligeira ressalva de que Maria nos gera para Deus em seu ventre espiritual, que é a própria Igreja Católica (cf. Ap 12,17). Ele diz: "Ela gerou-me. Seja em sua carne, para que eu viesse à luz do tempo, seja com seu coração para que eu nascesse à Luz da eternidade." (Confissões, IX, 8)
    É, além de modelo de mulher e viúva cristã, a Padroeira das mulheres casadas e dos alcoólatras. Historicamente, numerosas Graças tem alcançado para mães e esposas que rezam pela conversão de suas famílias. Também é venerada como Santa pelas igrejas ortodoxa, luterana e anglicana.


    Em 1430, seu corpo foi transferido para uma linda capela na Basílica de Santo Agostinho em Roma, especialmente construída em homenagem a seu filho. O sarcófago original foi preservado.


    Santa Mônica, rogai por nós!