sábado, 23 de agosto de 2025

Santa Rosa de Lima


    Isabel Flores de Oliva praticamente levou toda vida em contemplação. Tamanha era sua disposição, mesmo fazendo os mais humildes trabalhos, que parecia estar em permanente contato com o Reino de Deus. Era mística 'por natureza', desde tenra idade, e tinha o dom de profetizar.
    Nascida a 20 de abril de 1586 em Lima, capital do então Vice-Reino de Peru, décima de onze filhos de Gaspar Flores, arcabuzeiro do exército espanhol, e María de Oliva y Herrera, nativa de Lima, era menina quando fez voto de virgindade, pois tinha profunda devoção a Santa Catarina de Sena, cujos os escritos lia desde alfabetizada. E já adolescente, crismada em 1597 por aquele que viria a ser São Toríbio de Mongrovejo, decidiu entregar toda sua vida a Cristo enquanto rezava diante da imagem da Virgem Maria. Desde estes tempos manteve a diária recitação do Santo Rosário.


     Ainda muita jovem, viu o pai, que era de nobre origem, perder tudo que tinha. Mas ela não demonstrava abalar-se, a não ser com o sofrimento alheio. Para ajudar a família, intensa e resignadamente trabalhava como costureira e florista. Aproveitava o jardim de sua casa para plantar flores, que vendia no mercado. Durante a infância, um servo da família viu seu rosto transformar-se numa rosa, e assim, e também por sua beleza, sua mãe começou a chamar-lhe de Rosa.
    Fazia muito bem todo trabalho de casa, tocava com perfeição viola e harpa, e tinha encantadora voz. Foi pretendida por muitos ricos jovens, mas rejeitava a todos. Dizia: "O prazer e a felicidade que o mundo pode oferecer-me são simplesmente uma sombra em comparação ao que sinto."
    Por esses anos, nossa Santa já realizava ativos serviços de caridade, socorrendo pobres, doentes, órfãos, idosos, índios e negros em suas enfermidades, e dizia a sua mãe: "Não tenha medo de que meus vestidos se manchem com as chagas dos pobres, porque mais horrivelmente mancharam o rosto de Cristo. Quando servimos aos enfermos, é a Jesus que servimos."
    Em 1606, aos 20 anos, ingressou na Ordem Terceira de São Domingos, ramo da Ordem dos Pregadores, chamados de dominicanos, cujo carisma é anunciar Jesus e viver em mendicância. Assim fez porque seu pai não a permitiu tornar-se freira. Seguia, portanto, mais um passo do exemplo de vida de Santa Catarina de Sena. Ao vestir o hábito, adotou o nome Rosa de Santa Maria, por sua grande devoção à Mãe de Deus. Quando não estava trabalhando, passava horas adorando o Santíssimo Sacramento. Ia à Santa Missa e comungava todos dias. E tão exemplar era sua vida que conseguiu permissão para proferir seus votos em casa, não no Convento de São Domingos, onde se reuniam aqueles de sua ordem em Lima.
    Ora, nos fundos do quintal, já havia construído uma rústica cela, onde vivia como penitente e de ainda mais pobre modo, entre jejuns e vigílias. Dormia poucas horas, para ter  tempo para rezar, comia muito pouco, absteve-se definitivamente de carne e quase não bebia água, tudo oferecendo pela Salvação dos pecadores e pela conversão das populações indígenas. Alcançava grandes Graças, e são reportados profecias, êxtases, milagres, bilocações e as núpcias místicas com Cristo. Porém, para ajudar a família, não parou de trabalhar: fazia rendas e bordados. Também obteve de seu diretor espiritual e confessor que daí não mais saísse, a não ser para receber a Santa Eucaristia.
    Com grande fervor, bordava roupas litúrgicas. Viveu profundas experiências místicas. Sempre tinha consigo um sacramental da Santa Cruz, com o qual pedia a Cristo que com ela partilhasse Seus sofrimentos.


    Dormia sobre duas tábuas e com frequência usava um aro com farpas, imitando uma coroa de espinhos, para sofrer com Jesus em Suas dores e humilhações. Sobre os tormentos que veio a sentir, disse: "Eu não acreditava que uma criatura pudesse ser acometida de tão grandes sofrimentos." E completou: "Só posso explicá-los com o silêncio." Contudo, da contemplação da Santa Cruz concluiu: "Senhor, Vossa Cruz é muito mais cruel que a minha!"
    Além da constante presença de seu Anjo da Guarda, com quem muito conversava, recebia frequentes visitas de Nossa Senhora e do Menino Jesus, que chegou a tomar nos braços. Um dia, em lugar do aro de farpas, Ele ofereceu-lhe uma grinalda de rosas, que se tornou um de seus símbolos. Tinha visões com regularidade, todas semanas, de quinta a sábado, mas, além de por vezes passar pelo fenômeno que São João da Cruz chamou de 'Noite Escura da Alma', tão marcante na vida de Santa Teresa de Calcutá, também foi atormentada em demoníacos assédios.


    De suas reflexões, ela deixou:

    "O amor é difícil, mas é nossa essência. É isso que nos eleva acima das demais criaturas."
    "Se não posso fazer as grandes coisas, então farei as pequenas, mas bem feitas."
    "Quando servimos aos pobres e aos doentes, servimos a Jesus. Não devemos deixar de ajudar nossos próximos, porque neles servimos a Jesus."
    "Não quero, Esposo Meu, mais riquezas que Te adorar, nem outro desejo senão Te servir! Mas como o farei sem Teu amparo?"
    "O Rosário contém todo mérito da oração vocal e toda virtude da oração mental."
    "Se os homens soubessem o que é viver a Graça, não se assustariam com nenhum sofrimento e de bom grado padeceriam qualquer pena, porque a Graça é fruto da paciência."
    "Se vós soubésseis a beleza que é uma alma sem pecado, estaríeis dispostos a sofrer qualquer martírio para manter a alma na Graça de Deus!"
    "Olha a cruz que hoje tu tens nos ombros, seja qual for. Busca nela a vontade de Deus, não para atormentar, senão para elevar-te acima de tuas debilidades e quedas. Pensa se não é esta a Graça que Deus pôs hoje em ti."
    "Oh, que daria eu por anunciar o Evangelho! Atravessaria cidades pregando a penitência, com os pés descalços, o crucifixo na mão e o corpo envolvido num espantoso cilício. Caminharia durante a noite gritando: 'Deixai vossas iniquidades! Até quando sereis como aturdidos rebanhos diante dos demônios? Fugi dos eternos castigos! Pensai que há um só instante entre a vida e o inferno!'"
    "Senhor Salvador levantou a voz e com incomparável majestade disse: 'Saibam todos que depois da tribulação se seguirá a Graça, reconheçam que sem o peso das aflições não se pode chegar ao cimo da Graça, entendam que a medida dos carismas aumenta em proporção da intensificação dos trabalhos. Acautelem-se os homens contra o erro e o engano; é esta a única e verdadeira escada do paraíso, e sem a cruz não há caminho que leve ao Céu.'
    Ouvindo estas palavras, penetrou-me um forte ímpeto de colocar-me no meio da praça e bradar a todos, de qualquer idade, sexo e condição: 'Ouvi, povos! Ouvi, gentes! A mandado de Cristo, repetindo as palavras saídas de Seus lábios, quero exortar-vos: Não podemos obter a Graça, se não sofrermos aflições. Cumpre acumular trabalhos sobre trabalhos, para alcançar a íntima participação da divina natureza, a Glória dos filhos de Deus e a perfeita felicidade da alma.'
    O mesmo aguilhão impelia-me a publicar a beleza da Divina Graça. Isto oprimia-me de angústia e fazia-me transpirar e ansiar. Parecia-me não poder mais conter a alma na prisão do corpo, sem que, quebradas as cadeias, livre, só e com a maior agilidade fosse pelo mundo, dizendo: 'Quem dera que os mortais conhecessem o valor da Divina Graça, como é bela, nobre, preciosa. Quantas riquezas esconde em si, quantos tesouros, quanto júbilo e delícia!' Sem dúvida, eles então empregariam todo empenho e cuidado para encontrar penas e aflições! Iriam todos pela Terra a procurar, em vez de fortunas, os embaraços, moléstias e tormentos, a fim de possuir o inestimável tesouro da Graça. É esta a compra e o lucro final da paciência. Ninguém se queixaria da cruz nem dos sofrimentos que talvez lhe adviriam, se conhecessem a balança, onde são pesados para serem distribuídos aos homens."

    Acometida de grave enfermidade aos 31 anos, foi recolhida à casa de sua benfeitora, Maria de Uzátegui, que mais tarde se tornaria o Mosteiro de Santa Rosa, e aí se cumpriu a profecia que ela mesma fez de sua morte. De fato, todos anos passava em oração o dia de São Bartolomeu, pois dizia: "Este é o dia de minhas eternas núpcias." E assim perseverou até falecer, exatamente no dia 24 de agosto, dia deste Santo, no ano de 1617. Mas como deferência a sua vida de notória santidade, a Igreja estabeleceu sua festa liturgia no dia anterior.
    Foi incompreendida e até perseguida pela mais importante gente da sociedade, mas, na inabalável fé que viveu, deu testemunho até o último momento, quando disse: "Jesus está comigo!"


    A começar pelos mais pobres, seu funeral foi muito concorrido, uma grande comoção popular em todo Vice-Reino do Peru, inclusive de todas autoridades de Lima, e por isso demorou dias. Foi privadamente sepultada no claustro da Igreja de São Domingos, como era sua vontade, mas, por conveniência das constantes visitações que recebia, seu corpo acabou transladado para a nave da Igreja.
    A sua intercessão, logo em seguida, foram atribuídos muitos milagres, curas e conversões. Aliás, como já aconteciam em vida, e profusamente, inclusive propiciação de chuvas, a pedido de pobres agricultores. Relata-se que os protestantes holandeses não dominaram Lima em 1615 graças a sua intercessão, pois esteve em intensas orações abraçada ao sacrário. Era grande amiga de São Martinho de Porres, humilde frade dominicano que cuidava da enfermaria do convento.
    Pares de anos antes de sua beatificação, e também da canonização, dadas em 1667 e 1671, já eram escritos os primeiros livros sobre sua vida. E chegariam a centenas deles.


    Foi a primeira Santa das Américas, e por isso recebeu bela e expressiva homenagem: um altar na Catedral de São Patrício, em Nova Iorque.


    É a Padroeira de América Latina, de Índias Ocidentais, atuais Ilhas de Caribe, e de Filipinas, bem como das irmãs dominicanas, dos costureiros, bordadores, jardineiros e floristas.
    A partir do crânio, seu rosto foi reconstituído por recentes técnicas forenses.


    Em 1986, o Cardeal Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, de venturosa memória, disse sobre ela: "De certa forma, essa mulher é uma personificação da Igreja de América Latina: imersa em sofrimentos, desprovida de significativos meios materiais e de um poder, mas tomada pelo íntimo ardor causado pela proximidade de Jesus Cristo."
    Suas relíquias são veneradas na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Lima, que pelos séculos recebe as procissões em sua homenagem.


    Santa Rosa, rogai por nós!