sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Santo Urbano V


    Um bom e simples homem, mesmo sem ser cardeal, foi eleito papa. Nem bispo era.
    De nobre família da Occitânia, região ao sul de França, Guillaume Grimoard nasceu no Castelo de Grizac, da comuna de Le Pont-de-Montvert, no ano de 1310. Mais velho filho de Guillaume II Grimoard e Anfélise de Montferrand, durante a infância estudou no mosteiro beneditino cluniacense de Saint-Pierre, em Clunezet, e depois no mosteiro de Saint-Sauveurem Chirac, da mesma ordem, anos que para sempre marcariam sua vida.
    Apesar de obter imediato reconhecimento como eminente professor, não gostou nem se demorou na vida das grandes cidades: preferiu ser monge, vestindo o hábito de São Bento no mosteiro de Saint-Sauveur, em Chirac, onde seu tio materno, Anglic de Montferrand, era prior. Foi ordenado Sacerdote em 1334.
    Não podia, porém, esconder seus talentos (cf. Mt 25,15s). Realmente inteligente, em 1342 doutorou-se em ciências jurídicas após estudar e defender suas teses nas universidades de Montpellier, Toulouse, Avignon e Paris, e depois se tornou professor de Direito Canônico em todas elas.
    Ocupou várias e importantes funções até 1352, quando foi eleito abade no mosteiro de Notre Dame du Pré, depois no de Saint-Germain de Auxerre por indicação do próprio Papa Clemente VI e, por fim, no de Saint-Victor de Marselha por indicação do Papa Inocêncio VI, todos lugares onde conduziu seus pares a uma vivência de profunda espiritualidade e revelou inconfundíveis marcas de sua santidade.
    Conselheiro pessoal destes papas, desde 1352 prestava serviços como diplomata para Clemente VI em Itália. E em 1362 foi enviado por Inocêncio IV em várias e complicadas missões diplomáticas, pois eram anos de violentas disputas entre vários reinos de Europa. Por questões de segurança, desde 1309 a sede da Igreja Católica Apostólica Romana já não estava mais em Roma: havia sido transferida para a cidade de Avignon, no sudeste de França, sob a proteção de Carlos I, rei de Nápoles e de Sicília, terras que lhe foram doadas por seu irmão São Luís, quando era rei de França.
    Em meio a desmandos de reis e senhores feudais por tão materialistas interesses, a santidade de Santo Urbano V tornava-se cada vez mais evidente. E quando Inocêncio IV veio a falecer, ao fim de 1362, foi surpreendido com sua eleição para o suceder mesmo sem ter participado do conclave. Recebeu a notícia quando estava numa missão em Nápoles, tentando apaziguar os Estados Pontifícios, que eram grandes extensões de terra doadas à Santa Igreja Católica por sucessivos imperadores ao longo dos séculos, a maioria delas em Itália, embora nem sempre respeitadas por nobres locais, que entre si chegavam a guerrear.
    Solicitamente, nosso Santo encaminhou-se para Avignon, onde primeiro foi consagrado bispo, e logo em seguida proclamado papa. Era o sexto a assumir a Sé de São Pedro nesta cidade. Ao adotar o nome de Urbano, 'da cidade', explicou: "Todos papas que tiveram esse nome foram santos."
    Em sua patente vida de piedade, sabia que a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo deveria ser referência de espiritualidade para o mundo, além de fonte de Paz. Assim corrigiu inadequados comportamentos do clero e reconduziu-o à disciplina, estimulando uma sincera prática de conversão.


    Entre tantas outras igrejas, mandou edificar a Catedral de Mende, no sul de França, e por sua universalista visão ativamente trabalhou para a evangelização de Bulgária, de Romênia e de Ásia, região hoje chamada de Oriente Médio. Também enviou missionários a Dalmácia, Moldávia, Valáquia, Creta, Armênia, Cítia, Rússia, Escandinávia e Norte da África, em especial às Ilhas Canárias, onde em poucas décadas se daria a aparição de Nossa Senhora das Candeias.
    Como autêntico humanista, ou seja, sem jamais abandonar a transcendência cristã, era preocupado com a formação dos leigos: ajudou a sustentar as Universidades de Orleans e de Orange, ambas em França, e fundou a de Cracóvia, em Polônia, a de Viena, em Áustria, além da faculdade de medicina na Universidade de Montpellier, em França. Na de Bolonha, Itália, ajudava a pagar os estudos de alunos pobres, como fazia em vários outros colégios de Europa. Verdadeiramente erudito, reformou os estatutos das universidades de Toulouse e Paris, e expressivamente enriqueceu a biblioteca papal com importantes obras sobre vários assuntos. A faculdade de teologia de Pádua, em Itália, também foi fundada por ele.
    Também trabalhou de exemplar modo para a pacificação de França e de Itália, dispersando bandos de mercenários que nesses países ofereciam seus 'trabalhos', quando os estimulou a combater ao lado do rei de Hungria contra a invasão dos islamistas otomanos. Zeloso das coisas de Deus, excomungou capitães 'cruzados', mercenários, quem os contratava ou ajudava, e saqueadores, agindo sobre pretexto de fome. E não vacilava quando ameaçou excomungar abade e rei, recusou indicações de cardeais e afastou interferências políticas em assuntos da Igreja Católica.
    Desejoso de restaurar o Pontificado em Roma, como muito antes de ser papa acreditava que deveria ser feito, mas tendo dificuldade de organizar a resistência aos turcos trabalhando em Avignon, Santo Urbano V resolveu voltar à Cidade Eterna mesmo sob grandes riscos e contra a vontade do rei de França e de alguns cardeais franceses. Era 1367. Depois de pela última vez visitar a Universidade de Montpellier, embarcou com a corte papal e o arquivo do Vaticano em Marselha. Ele ia numa galera veneziana escoltado por galeras de Nápoles, Rodes, Gênova, Ancona e Pisa, e viajou pela costa de porto em porto, como que anunciando sua chegada. Mas viu que não seria fácil entrar em Roma. Primeiro foi à comuna de Viterbo, hospedou-se numa fortaleza por alguns dias enquanto reunia um considerável exército e era escoltado por vários príncipes.
    Foi à comuna de Orvieto e enfim retornou, quando foi calorosamente acolhido pelos romanos em 16 de outubro numa procissão que à frente tinha mil cavaleiros. Foi o primeiro papa a estabelecer-se no Palácio Apostólico, próximo a Basílica de São Pedro, que desde então se tornou a residência oficial dos papas. A cidade, de fato, estava em ruínas, mas ele ofereceu trabalho aos desempregados, plantou milho painço nos jardins do Vaticano, restaurou as igrejas da cidade e incentivou a população a retornar aos Sacramentos.
    Em 1368, o sacro imperador romano-germânico Carlos IV, que havia recebido suborno para renegar a autoridade da Igreja, arrependeu-se e como penitência ofereceu-se para andar pelas ruas de Roma guiando a mula que levava o papa em seus trabalhos. Estes líderes, papa e imperador, não eram vistos juntos havia mais de cem anos.
    Em 1369, o imperador de Constantinopla, João V, o paleólogo, publicamente renunciou ao Cisma do Oriente, converteu-se ao Catolicismo com todo seu império, e pediu ajuda ao papa contra as invasões muçulmanas.
    A permanência de Santo Urbano V em Roma, porém, durou pouco. Ainda em 1367 havia morrido o Cardeal Albornoz, legado papal em Itália que ajudou a criar as condições de paz para seu retorno. Para piorar, França iniciava a Guerra dos Cem Anos contra Inglaterra, e Perúgia, comuna de Itália, apoiada por milaneses, florentinos, venezianos e até romanos, inesperadamente insurgiu-se contra Roma, sendo reprimida só após violenta batalha vencida pelos napolitanos.
    Assim, realmente exausto, em 1370 Santo Urbano se viu obrigado a retornar a Avignon, pois, pressentindo sua morte, sabia que o conclave que escolheria seu sucessor sofreria fortes pressões políticas se fosse realizado em Roma, o que colocava em risco a Unidade da Igreja. Ele também levava em consideração a segurança do clero, além de acreditar que pessoalmente poderia ajudar a restabelecer a paz entre França e Inglaterra.
    Santa Brígida, que foi grande mística e muito o incentivou a retornar à Cidade Eterna, também havia previsto sua morte logo que chegasse a Avignon, e, zelosa pela divina guia de todos cristãos a partir de Roma, em vão tentou evitar sua partida. A Ordem do São Salvador, fundada por ela, havia sido autorizada por nosso Santo depois de retornar ao Vaticano.
    E de fato, poucos meses depois de retornar escoltado por 34 galeras, a 19 de dezembro de 1370 acabou mesmo morrendo em Avignon sob fortes dores de cálculos renais. Tendo feito todos preparativos para visitar e tentar reconciliar o Carlos V e Eduardo III, respectivamente reis de França e de Inglaterra, preferiu passar para eternidade enquanto cumpria sua missão de pacificador (cf. Mt 5,9), como o Espírito Santo lhe havia inspirado. Por pedido seu, foi sepultado ao modo dos pobres, diretamente na terra.
    Antes de partir, Gregório XI, último papa de Avignon, ordenou que notários fizessem um levantamento de testemunhos detalhados de curas e milagres alcançados por intercessão de Santo Urbano V, e o número chegou a milhares. Seu irmão Anglic de Grimoard, foi monge agostiniano da Abadia de Saint-Ruf, na comuna de Valence, sudeste de França, e cardeal.
    Absolutamente convicto de sua monástica espiritualidade, seus restos mortais foram transferidos à Abadia de São Vitor, em Marselha, como era seu desejo. Aí chegaram a 4 de junho de 1372.


    Localizado próximo ao altar da igreja da abadia, seu maravilhoso túmulo encomendado pelo Papa  Gregório XI, como foi registrado na antiga gravura abaixo, infelizmente foi destruído durante a delirante e abjeta Revolução Francesa. Seu próprio caixão, que era reforçado com ferro, foi totalmente destruído, a não deixar vestígio.


   Mesmo eleito papa, ele continuou a usar o hábito beneditino, exceto nas mais importantes ocasiões.


    Santo Urbano V, rogai por nós!