segunda-feira, 14 de julho de 2025

São Camilo


    Seu pai, Giovanni de Lellis, era oficial militar a serviço de Espanha e carregava a fama de pertencer a uma família de cruzados, mas era viciado na jogatina e aí perdia quase todo seu soldo. Sua mãe, Camilla Campellio, exemplo de vida cristã, teve São Camilo quando já contava 60 anos. Era uma grande consolação de Deus pelas décadas de virtuosa paciência com seu esposo.
    Nosso Santo nasceu em 25 de maio de 1550, no povoado de Bucchianico, província de Chieti, na região de Abruzzo, centro leste de Itália. Foi criado pela mãe, pois o pai passava os dias no ócio dos quarteis. Perdeu-a, porém, ainda aos 13 anos, e teve que morar com o pai na caserna. De irriquieta adolescência, era preguiçoso e briguento, não gostava de estudar. Trabalhou ajudando os soldados até os 17 anos, quando se inscreveu como voluntário no exército de Veneza e foi enviado ao fronte de batalha. Admirado por seu grande porte e muita força, era requisitado para todos serviços, fazia tudo com muita presteza, mas ao ajudar a cuidar dos feridos, e talvez neles vendo o silencioso e impotente sofrer de sua mãe, foi profundamente tocado pela dor alheia.
    Porém, por total desvelo de si, surgiu nesses anos uma úlcera em seu pé direito, que o fazia mancar e iria acompanhá-lo até o fim da vida. Ainda tinha 19 anos quando morreu seu pai, não lhe deixando nada além de um punhal e uma espada. Revoltado com sua orfandade, também se entregou à jogatina e à vida das tabernas, onde gastava os poucos trocados que angariava na caserna. Não pôde, no entanto, assim continuar por muito tempo. Como se agravava a enfermidade no pé, e não tinha recursos, teve que ir a Roma para tratar-se.


    
Buscou o Hospital São Tiago, também chamado 'dos Incuráveis', a 7 de março de 1571, e ofereceu-se para trabalhar como enfermeiro ou servente para pagar o tratamento. Mas sua impetuosidade era realmente desmedida, e antes mesmo de uma efetiva cicatrização alistou-se nas forças italianas para lutar contras os muçulmanos, embora, por conta do agravamento da enfermidade, não tenha chegado a tomar parte na decisiva Batalha de Lepanto, que salvou Europa por contar com um grande auxílio de Nossa Senhora do Rosário. Inteligente e bom combatente, ganhou fama e dinheiro servindo em Veneza e Espanha, mas logo que se encerraram as batalhas, aos seus 23 anos, já estava mais uma vez entregue à vida de devassidão. Por esses tempos, ignorado até mesmo pelas mais próximas pessoas, São Camilo conheceu a miséria.
    Mendigando passou por Nápoles, onde conheceu os franciscanos, pediu para entrar na Ordem e prometeu a si mesmo que se tornaria um frade, porém os vícios do jogo e da bebida com frequência arrastavam-no para a mundana vida. Em seguida foi a Foggia, onde foi acolhido pelos capuchinhos, porque estavam com o convento de Manfredônia em construção e lhe deram emprego de pedreiro. Também trabalhou no convento de San Giovanni Rotondo, onde no século XIX iria viver o memorável São Padre Pio. E em 2 de fevereiro de 1575, depois que voltou a trabalhar em Manfredônia, lembrando-se da religiosidade e do catecismo que aprendera com sua mãe, teve uma celestial visão e definitivamente abraçou a conversão, sendo aceito na Ordem dos Frades Menores Capuchinhos para servir no convento de Trivento, na região de Molise.


    Mas a 23 de outubro do mesmo ano teve que retornar a Roma para tratar-se no Hospital dos Incuráveis, e aí, apesar da enfermidade que carregava, quase 4 anos depois seria nomeado mestre da casa, encargo que exerceu por 5 anos. Sua dedicação aos enfermos e o senso de organização sobremaneira afloraram. Muitas vezes usou da própria força e da estatura para carregar enfermos nos braços, nos ombros ou às costas. Deles cuidava com tanto amor que se revoltou contra a ambição de médicos e enfermeiros, e decidiu fundar uma congregação de piedosos homens, a Companhia dos Servidores dos Enfermos, dedicados a tratar gratuitamente dos mais pobres, pois já havia cativado 5 voluntariosos cristãos. Sua devoção, de fato, fazia jus a generosas doações, dentre as quais as do Cardeal Salviati, que muito ajudou a melhorar a estrutura do hospital
    Tempos depois, mudou-se para o convento anexo à Igreja de Santa Maria Madalena para servir mais ao Hospital do Santo Espírito, em Sassia, no bairro de Borgo, que era maior que o Hospital dos Incuráveis, o qual, porém, não abandonaria, e aí permaneceu até sua morte.


    Estava à época com 32 anos e, mesmo sob intenso trabalho, voltou a estudar, sendo ordenado Sacerdote aos 34 anos. Contava, por esses tempos, com a direção espiritual de um célebre amigo, São Felipe Neri, com quem teve profundas experiências de . Em 1586, constatando a grande devoção e o heroísmo em seu trabalho, o Papa Sixto V aprovou a fundação da congregação, que usava hábito negro com uma grande cruz vermelha do lado direito do peito. Em 1591, o Papa Gregório XIV reconheceu-a como a Ordem dos Clérigos Regulares Ministros dos Enfermos, e após a morte de São Camilo iria tornar-se conhecida como Congregação dos Ministros Camilianos ou Padres Camilos.
    Entre eles, além dos tradicionais votos de pobreza, castidade e obediência, São Camilo instituiu um quarto de ajudar os doentes mesmo que os padres e irmão pusessem suas vidas em risco. A Ordem rapidamente expandiu-se e ele fundou comunidades em muitas cidades, todas para servir aos grandes hospitais. As primeiras foram em Nápoles, Milão, Gênova, Palermo, Bolonha e Mântua.
    Quando Itália entrou em guerra contra Hungria, ele também seguiu para o fronte com seus companheiros, mas agora com bem diferente intuito: formaram a primeira unidade médica de socorro aos combatentes em campo de batalha, ideia que séculos mais tarde seria adotada pela Cruz Vermelha, inclusive o símbolo. Aliás, também foi adotada pelo Crescente Vermelho, ainda que de instituição muçulmana, apenas mudando o símbolo. Porém, estes religiosos não prestavam apenas socorros médicos e de enfermagem: todos eles, São Camilo em especial, era muito requisitados por sua assistência espiritual, o que faziam com muito ardor e fé ministrando os Sacramentos da Santa Igreja Católica.
    Em 1607, após os primeiros 20 anos da Ordem, renunciou ao encargo de superior, porque sua saúde estava bastante fragilizada e impedia as atividades de líder, do modo como ele as concebia. A partir de então, passou a ensinar noções de medicina e enfermagem, e, principalmente, como os doentes deveriam ser tratados. Um companheiro relatou seu proceder: "Contemplava nos doentes, com tão sentida emoção, a pessoa de Cristo que, muitas vezes, quando lhes dava de comer, pensando serem outros cristos, chegava a pedir-lhes a Graça e o perdão dos pecados. Mantinha-se diante deles com tanto respeito como se realmente estivesse na presença do Senhor."
    Tinha o dom de curar através de palavras e orações. Suas Santas Missas eram concorridas tanto por adoentados como por pobres e ricos de toda região. É o Santo Padroeiro dos Enfermos, dos profissionais de saúde, dos hospitais. Foi intitulado o 'Apóstolo' da Solidariedade e o 'Mártir' da Caridade.
    Ele dizia:

    "Ó Senhor, quanto vos devo! Quanto vos agradeço!"
    "Que cegueira a minha, a de não Vos ter conhecido antes e mais cedo, Senhor! Porque não empreguei toda minha vida em servir-Vos? Perdoai, Senhor, a este pecador!"
    "Ainda, ó Meu Deus, que por meus horrendos pecados seja merecer de mil infernos, espero salvar-me pelas promessas de Cristo!"
    "Senhor, eu confesso, nada fiz de bom e sou um miserável pecador. Só me resta a esperança em Vossa Divina Misericórdia e em Vosso preciosíssimo Sangue!"
    "Quando estamos doentes, capacitai-nos a transformar nosso sofrimento em cura, nosso medo em confiança, nosso desencorajamento em oração, e a valorizar cada dom e momento que Vós nos dais."
    "Em vossas mãos, ó Mãe, entrego todos pedidos de Graças a Deus Nosso Senhor e tudo espero de vós. Ai de nós pecadores, se não tivéssemos esta grande advogada no Céu."
    "A morte virá, virá talvez esta noite ou amanhã, quando Nosso Senhor quiser! Bem-aventurados aqueles que vigiam. Façamos o bem enquanto é tempo."
    "Lembra a meus ouvidos (à hora da morte) do Sangue de Jesus derramado por nossa Salvação, porque n'Ele pus toda minha esperança."
    "Rezai por mim! Sou um pobre pecador! Se eu me salvar, rezarei por vós no Céu."
    "Já que Deus não me quis naquele convento, naquele estado de penitência onde tanto desejei viver e morrer, é sinal de que me quer aqui no serviço desses pobres enfermos."
    "O pobre e o doente são o Coração de Deus. Servindo-os, nós servimos Jesus Cristo."
    "O pobre é Jesus Cristo! Somos servos e escravos dos enfermos."
    "O doente – Cristo – é meu senhor e patrão."
    "Servir ao doente é servir a Jesus Cristo, e não merecemos tanta honra."
    "O hospital é a casa de Deus, um jardim onde as vozes dos enfermos são música dos Céus."
    "Assistam os enfermos com carinho de uma mãe para com seu único filho doente."
    "A mais segura maneira de ter certeza da eterna Salvação está em praticar a caridade com os pobres enfermos."
    "Que ninguém pretenda entrar no Céu sem a recomendação dos doentes e dos pobres."
    "Mais coração nessas mãos, irmão."
    "Tudo veio-me com a caridade e pela caridade."
    "Não façam oração que corta as asas da caridade."
    "Nada nos une mais a Deus que a caridade."
    "Obras de caridade é o que o mundo pede... Tu gostarias, meu caro irmão, de estar um dia sentado numa das bem-aventuradas cadeiras do Céu? Por que, então, te aborrece o trabalho? Por que não lutas e não trabalhas agora? Por que te poupas e não expõe esse miserável corpo, que amanhã pode ser um saco de vermes?"
    "Meus irmãos, desapegai vosso coração da Terra e pensai que ides receber dentro de vós Aquele Senhor que criou o Céu, a Terra e todo mundo. Aquele que vos deu a existência, e Se encarnou e morreu por nós, Aquele que nos preparou o Céu se formos bons, e o inferno se formos maus. Tomai cuidado para não O receberdes em pecado."
    "As perseguições que nossa obra sofreu, vieram do ódio que o Demônio tem ao ver quantas almas lhe escaparam das garras."
    "Observai bem as regras. Haja entre vós uma grande união e muito amor. Amai, e muito, nossa Ordem, e dedicai-vos ao apostolado dos enfermos. Trabalhai com muita alegria nesta vinha do Senhor."
    "Meus padres e queridos irmãos: eu peço Misericórdia a Deus e perdão ao Padre Geral aqui presente e a todos vós, de todo mau exemplo que eu possa ter dado..."
    "O mundo é uma morada de aluguel, onde se passa a noite e uma parte da manhã. A vida está nas mãos do Senhor, Feliz de quem pratica o bem neste mundo…"
    "A felicidade à qual eu aspiro é maior que qualquer coisa na Terra. Por isso, com alegria eu suporto qualquer dor ou sofrimento que aqui eu possa sofrer."
    "Eu não coloco o valor de um centavo nesta vida, se Nosso Senhor me der apenas um pequeno cantinho no Paraíso."
    "Compromisso é fazer o que tu disseste que farias, depois de passar o sentimento no qual tu o disseste."
    "Pensa bem. Fala bem. Faze bem. Estas três coisas, pela Misericórdia de Deus, farão um homem ir para o Céu."
    "Para aprender a falar bem, é preciso, antes, aprender a calar."
    "O homem não consegue perseverar na prática do bem, se não praticar a oração."

    Faleceu em 1614 no cubículo que era a sede da Ordem, no convento de Santa Maria madalena. E para a surpresa de todos, a ferida que tinha no pé não deixou nenhum sinal.
    Viu-se muita comoção em seu funeral, e foi acompanhado por uma multidão.
    Santo romano também por adoção, tem uma grande estátua na nave central da Basílica de São Pedro, no Vaticano.


    Pelo grande amor que lhe tinham, para eternizar sua cândida feição fizeram-lhe uma máscara mortuária.



    Foi sepultado na Igreja de Santa Maria Madalena, onde tem altar próprio com uma expressiva imagem para a veneração de seus devotos. Em comemoração aos 400 anos de seu falecimento, suas relíquias foram exumadas e expostas. Seu coração, que miraculosamente ainda resiste ao tempo, é guardado no quarto em que morreu, que se tornou capela interna da Casa Geral da Ordem.


    São Camilo, rogai por nós!