domingo, 30 de abril de 2023

Jesus Submisso


    É comum ver pessoas formulando ideias sobre Jesus. Na verdade, são muitas especulações e a imaginação vai longe. Mas é preciso ater-se a uma confiável base, e as fontes realmente sérias são a Sagrada Tradição e as Escrituras. Apócrifos existem vários, e muito mais são as interpretações que dão aos fatos. Por isso, a Igreja, desde os primórdios, guiada pelo Espírito Santo e representada pelos Apóstolos e seus Bispos, tudo estudou e decidiu-se em favor do que havia de mais fiel. E o que ficou da Vida de Jesus foram os 4 Evangelhos que conhecemos, como bem relatou Santo Irineu que viveu no século II, ou, ainda antes dele, São Policarpo, que foi discípulo de São João Evangelista.
    O próprio São Lucas, e em primeiras palavras, registrou essa variedade de escritos dos que tentaram apossar-se da História: "Muitos empreenderam compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre nós..." Lc 1,1
    Com isso, entre fantasiosas interpretações e os realmente inspirados livros, muitos detalhes de suma importância foram e são perniciosamente deturpados. A imagem de um Jesus dado a liberalidades espirituais, ou 'revolucionário' sob aspectos sociológicos, por exemplo, não passam de devaneio, pois o que se tem é que Ele foi fidelíssimo à religião judaica até o último suspiro. Como São Mateus escreveu, Ele mesmo afirmou: "Não julgueis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para aboli-los, mas sim para levá-los à perfeição." Mt 5,17
    Isso claramente mostra que Ele nada tinha de radical reformador, mas é, por excelência, o aperfeiçoador. Numa palavra, Ele é o Salvador anunciado no Antigo Testamento, que decisivamente veio cumprir as profecias como disse aos religiosos de Jerusalém: "Vós perscrutais as Escrituras julgando nelas encontrar a Vida Eterna. Pois bem! São elas mesmas que dão testemunho de Mim." Jo 5,39
    Referindo-Se ao grande líder do judaísmo, Ele disse: "Pois se crêsseis em Moisés, certamente creríeis em Mim, porque ele escreveu a Meu respeito." Jo 5,46
    Ou ainda sobre o grande patriarca dos judeus: "Respondeu Jesus: 'Se glorifico a Mim mesmo, Minha Glória não é nada. Meu Pai é Quem Me glorifica, Aquele que dizeis ser Vosso Deus e, no entanto, não O conheceis. Eu, porém, conheço-O e, se dissesse que não O conheço seria mentiroso como vós. Mas conheço-O e guardo Sua Palavra. Abraão, vosso pai, exultou com o pensamento de ver Meu Dia. Viu-o e ficou cheio de alegria." Jo 8,54-56


VIDA HUMILDE

    Enquanto mero ser humano, porém, Jesus viveu a total submissão aos desígnios de Deus, e entre eles, claro, os preceitos do próprio Antigo Testamento. São Paulo diz o motivo: "... a fim de que Ele seja o Primogênito entre uma multidão de irmãos." Rm 8,29b
    E assim o foi desde o Nascimento, que se deu na mais humilde pobreza como São Lucas relatou: "E deu à luz Seu Primogênito Filho, e, envolvendo-O em faixas, reclinou-O numa manjedoura, porque para eles não havia lugar na hospedaria." Lc 2,7
    Na Carta aos Gálatas, São Paulo anotou Sua estrita condição de judeu: "... Deus enviou Seu Filho, que nasceu de uma mulher e submetido a uma lei..." Gl 4,4
    E São José e Nossa Senhora, não obstante a perseguição perpetrada por Herodes, com Ele cumpriram todas obrigações da Lei, desde a circuncisão: "Completados que foram os oito dias para ser circuncidado o Menino, foi-Lhe posto o Nome de Jesus, como o anjo Lhe tinha chamado, antes de ser concebido no materno seio." Lc 2,21
    São Lucas também narrou o rito de purificação de Nossa Santíssima Mãe, bem como a Apresentação do Menino Jesus no Templo, tudo feito conforme a Lei: "Concluídos os dias de sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-nO a Jerusalém para apresentá-Lo ao Senhor..." Lc 2,22
    E a julgar pela da Santíssima Virgem, muito bem expressa no Magnificat, podemos imaginar a criação que Santa Ana, sua mãe, havia-lhe dado. Apesar de muito jovem, com perfeito conhecimento da Graça e inspirada pelo Divino Paráclito, ela canta a Deus proclamando Sua justiça para com os humildes, que se curvam à Sua vontade: "Manifestou o poder de Seu braço, desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos." Lc 1,51-53
    Ela mesma havia dado mostra de submissão a Deus, quando respondeu ao Arcanjo Gabriel no dia da Anunciação: "Então disse Maria: 'Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo tua palavra.'" Lc 1,38a
    A Sagrada Família, portanto, era perfeitamente religiosa e fiel cumpridora dos judaicos preceitos, como a Páscoa: "Tendo Ele atingido 12 anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da festa." Lc 2,42
    Nesse episódio, porém, quando foi reencontrado no Templo em Jerusalém, Jesus já sinalizava, desde o início de Sua adolescência, para uma obediência que iria muito além da maternidade de Santa Maria e da paternidade legal de São José: "Por que Me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na Casa de Meu Pai?" Lc 2,49
    Mas retornou com eles, e em tudo obedecia-lhes: "Em seguida, desceu com eles a Nazaré e era-lhes submisso." Lc 2,51
    Algumas correntes de pensamento aventam-se a atribuir outras histórias aos chamados 'anos ocultos da vida de Jesus'. Mas isso é tão somente malícia, ranço de mentirosos. Com efeito, ainda no início de Sua vida pública, o próprio povo de Nazaré reconhece-O e com transparente clareza revela qual era Sua ocupação, ou seja, a vida que Ele sempre levou, principalmente após a morte de São José. São Marcos registrou o espanto de Seus conterrâneos com Sua Sabedoria e Seus milagres, quando Ele começou a pregar: "Não é Ele o carpinteiro?" Mc 6,3
    De fato, Maria, que enviuvou cedo, não tinha quem a sustentasse senão Jesus, pois não tinha outros filhos. E Ele, amoroso Filho e perfeitamente obediente à Lei judaica, assumiu o trabalho na carpintaria, pois assim manda o quarto Mandamento: "Honra teu pai e tua mãe..." Ex 20,12
    E a relação de Jesus com Seu pai terreno também era permeada de amor e respeito. Tanto que, ao começar a pregar, Ele foi amplamente reconhecido pelo povo da Galileia por Sua intimidade com São José, como apontou São Mateus: "Não é este o filho do carpinteiro?" Mt 13,55
    Assim foi que os primeiros Apóstolos O identificaram, logo após ser batizado por São João Batista: "Filipe encontra Natanael e diz-lhe: 'Achamos Aquele de Quem Moisés escreveu na Lei e que os Profetas anunciaram: é Jesus de Nazaré, filho de José.'" Jo 1,45


    Antes de iniciar Sua Missão, Jesus também submeteu-Se ao Batismo feito pelo Último Profeta do Antigo Testamento, fato que Ele mesmo vai atestar: "A Lei e os Profetas duraram até João." Lc 16,16
    Tanto que São João Batista estranhou Seu gesto, mas logo o acatou porque Jesus alegou que assim se estava cumprindo a Lei: "João recusava-se: 'Eu devo ser batizado por Ti e Tu vens a mim?' Mas Jesus respondeu-lhe: 'Deixa por agora, pois convém que cumpramos a completa justiça.' Então João cedeu." Mt 3,14-15
    Sem dúvida, o sacerdote Zacarias havia profetizado nestes termos a missão de seu filho, São João Batista: "E tu, menino, serás chamado Profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor e prepará-Lhe-ás o caminho, para dar a Seu povo conhecer a Salvação pelo perdão dos pecados." Lc 1,76-77
    E foi exatamente isso que fez o Batista, tomando Confissão e pregando a penitência: "Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia. Dizia ele: 'Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus.' Pessoas de Jerusalém, de toda Judeia e de toda vizinhança do Jordão vinham a ele. E confessavam seus pecados, e por ele eram batizados nas águas do Jordão." Mt 3,1-2.5-6
    Aliás, foi isso que pregou o próprio Cristo desde o início de Sua vida pública: "Desde então, Jesus começou a pregar: 'Fazei penitência, pois o Reino dos Céus está próximo.'" Mt 4,17
    E enquanto fazia Suas pregações, os Apóstolos também ministravam o batismo instituído por São João Batista, isto é, demandando prévia confissão de pecados: "Em seguida, foi Jesus com Seus discípulos para os campos da Judeia e ali deteve-Se com eles, e batizava. ... se bem que não era Jesus quem batizava, mas Seus discípulos..." Jo 3,22;4,2
    Igualmente assim Ele ordenou aos Apóstolos, após instituí-los: "Então chamou os Doze e começou a enviá-los, dois a dois, e deu-lhes poder sobre os espíritos imundos. Eles partiram e pregaram a penitência." Mc 6,7.12
    E depois de ressuscitar, explicou-lhes o sentido de Sua Missão, pedindo que eles mantivessem essa prática depois de Sua Ascensão aos Céus: "Assim é que está escrito, e assim era necessário que Cristo padecesse, mas que ressurgisse dos mortos ao terceiro dia. E que em Seu Nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas nações, começando por Jerusalém." Lc 24,46-47
    Em Seu Batismo, no entanto, Jesus não demonstrou apenas reverência à vocação de São João Batista, mas principalmente condescendência com a condição humana de todo povo, juntando-Se a reconhecidos pecadores que iam até ele. E foi essa humildade que Ele cobrou dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos: "João veio a vós no caminho da justiça e não crestes nele. Os publicanos e as prostitutas, porém, creram nele. E vós, vendo isto, nem fostes tocados de arrependimento para nele crerdes." Mt 21,32
    Com efeito, o Profeta Isaías havia previsto a humildade com que o Salvador Se manifestaria: "Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas." Is 42,1
    E Jesus mesmo confirmou-o: "Pois desci do Céu não para fazer Minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou." Jo 6,38
    Ele tinha como nada Sua condição humana: "Jesus tomou a palavra e disse-lhes: 'Em Verdade, em Verdade, digo-vos: de Si mesmo o Filho não pode fazer coisa alguma. Mas o Pai, que em Mim permanece, é que realiza Suas próprias obras.'"Jo 5,19a;14,10b
    Também disse da Palavra de Deus que anunciava: "Em Verdade, não falei por Mim mesmo, mas o Pai, que Me enviou, Ele mesmo prescreveu-Me o que devo dizer e o que devo ensinar. E sei que Seu Mandamento é Vida Eterna. Portanto, o que digo, digo-o segundo falou-Me o Pai." Jo 12,49-50
    Eis como São João Evangelista apresentou Jesus: "E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós, e vimos Sua Glória, a Glória que o Único Filho recebe de Seu Pai, cheio de Graça e de Verdade." Jo 1,14
    Jesus falava, contudo, de uma relação de amor: "O mundo, porém, deve saber que amo o Pai, e procedo como Ele Me ordenou." Jo 14,31a
    Relação essa que se dá em função da Revelação, como explicou: "... Eu também guardei os Mandamentos de Meu Pai, e persisto em Seu amor." Jo 15,10b
    Ele ensinou-nos a agir do mesmo modo: "E se o servo tiver feito tudo que lhe ordenara, porventura fica o Senhor devendo-lhe alguma obrigação? Assim também vós, depois de terdes feito tudo que vos foi ordenado, dizei: 'Somos inúteis servos. Apenas fizemos o que devíamos fazer.'" Lc 17,9-10
    Abertamente pregava: "Em seguida, dirigiu-se a todos: 'Se alguém quer vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia sua Cruz e siga-Me. Porque, quem quiser salvar sua vida, perdê-la-á. Mas quem sacrificar sua vida por amor a Mim, salvá-la-á.'" Lc 9,23-24
    E no Pai Nosso, instou-nos a aceitar: "... seja feita Vossa vontade, assim na terra como no Céu." Mt 6,10b
    Pois como São Paulo escreve aos romanos, nós sequer sabemos pedir: "Outrossim, o Espírito vem em auxílio à nossa fraqueza. Porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com inefáveis gemidos." Rm 8,26
    E era exatamente por obedecer à Lei com absoluta fidelidade que Jesus era respeitado pelo povo: "Maravilhavam-se de Sua Doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas." Mc 1,22
    Atento às religiosas práticas, Ele frequentava as casas de oração desde criança, e durante Suas pregações manteve esse hábito enquanto pôde, por causa das multidões, a começar por Seu lugar de origem: "Dirigiu-se a Nazaré, onde Se criara. Entrou na sinagoga em dia de sábado, segundo Seu costume, e levantou-Se para ler." Lc 4,16
    Porque Seus milagres logo despertaria toda nossa carência de Deus, como quando curou um leproso ainda na Galileia: "Este homem, porém, logo que se foi, começou a propagar e divulgar o acontecido, de modo que Jesus não podia entrar publicamente numa cidade. Conservava-Se fora, nos despovoados lugares, e de toda parte vinham ter com Ele." Mc 1,45
    São Mateus também anota, desde Sua região natal, Sua preferência pelos lugares apropriados para o culto: "Jesus percorria toda Galileia, ensinando em suas sinagogas..." Mt 4,23
    E assim também em todo Israel: "Jesus percorria todas cidades e aldeias. Ensinava nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo mal e toda enfermidade." Mt 9,35
    Desde a infância em companhia de Sua família, como vimos, Jesus anualmente ia ao Templo de Jerusalém por ocasião da Páscoa. Ele mesmo deu testemunho dessa religiosa prática, ao ser julgado por Pilatos: "Jesus respondeu-lhe: 'Falei publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no Templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas.'" Jo 18,20
    Ora, Ele respeitava e atendia aos pedidos dos chefes das sinagogas, como no caso da ressurreição da filha de Jairo: "Chegando à casa do chefe da sinagoga, viu Jesus os tocadores de flauta e uma multidão alvoroçada." Mt 9,23
    Pedia que os agraciados com Seus milagres se apresentassem aos sacerdotes judeus de então, para que cumprissem a Lei e as obras de Deus fossem glorificadas: "Jesus então disse-lhe: 'Vê que não o digas a ninguém. Vai, porém, mostrar-te ao sacerdote e oferece o dom prescrito por Moisés em testemunho de tua cura.'" Mt 8,4
    E guardava os sábados: "Dirigiram-se para Cafarnaum. E já no dia de sábado, Jesus entrou na sinagoga e pôs-Se a ensinar." Mc 1,21
    O cumprimento do projeto da Salvação, porém, fá-Lhe-á justiça, como vemos numa antiga promessa de Deus feita através dos Salmos: "Eis o Oráculo do Senhor que Se dirige a Meu Senhor: 'Assenta-Te à Minha direita, até que Eu faça de Teus inimigos um banquinho para Teus pés.'" Sl 109,1
    E a Igreja já espelha Seu Reino, como São Paulo diz: "Vós despiste-vos do velho homem com seus vícios, e revestiste-vos do novo, que constantemente vai restaurando-se à imagem d'Aquele que o criou, até atingir o perfeito conhecimento. Aí não haverá mais grego nem judeu, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas somente Cristo, que será tudo em todos." Cl 3,9b-11
    Ele fala do poder que ela possui: "Não são carnais as armas com que lutamos. São poderosas, em Deus, capazes de arrasar fortificações. Nós aniquilamos todo raciocínio e todo orgulho que se levanta contra o conhecimento de Deus, e cativamos todo pensamento e reduzimo-lo à obediência a Cristo. Também estamos prontos para castigar todos desobedientes, desde que vossa obediência seja perfeita." 2 Cor 10,4-6
    Até faz o devido contraponto, mas, sob todos percalços, não arrefece a fé: "Porém, temos este tesouro em vasos de barro, para que claramente transpareça que este extraordinário poder provém de Deus e não de nós. Em tudo somos oprimidos, mas não sucumbimos. Vivemos em completa penúria, mas não desesperamos. Somos perseguidos, mas não ficamos desamparados. Somos abatidos, mas não somos destruídos." 2 Cor 4,7-9
    E diz em exortação aos filipenses: "Quer eu vá ter convosco quer permaneça ausente, desejo ouvir que estais firmes em um só espírito, unanimemente lutando pela fé do Evangelho, sem em nada vos deixardes intimidar por vossos adversários. Isto para eles é motivo de perdição. Para vós, de Salvação. E é a vontade de Deus, porque a vós é dado não somente crer em Cristo, mas também sofrer por Ele." Fl 1,27b-29
    Afinal, assegura que Deus será tudo nos fiéis: "E quando tudo Lhe estiver sujeito, então o próprio Filho também renderá homenagem Àquele que todas coisas Lhe sujeitou, a fim de que Deus seja tudo em todos." 1 Cor 15,28


DE SEU SAGRADO CORAÇÃO PARA NOSSA ALMA

    Era por piamente corresponder aos preceitos do Pai, portanto, que Jesus Se apresentava como exemplo a ser seguido: "De Mim mesmo não posso fazer coisa alguma. Julgo como ouço, e Meu julgamento é justo porque não busco Minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou." Jo 5,30
    Ele corajosamente vai afirmar diante de Pilatos: "É para dar testemunho da Verdade que nasci e vim ao mundo. Todo aquele que é da Verdade ouve Minha voz." Jo 18,37b
    E morreu por dizer a Verdade, como os religiosos de Jerusalém O acusavam: "Responderam-lhe os judeus: 'Nós temos uma lei, e segundo essa lei Ele deve morrer porque Se declarou Filho de Deus.'" Jo 19,7
    O próprio Deus Pai atestou Sua fidelidade, como São Mateus registrou no dia de Sua Transfiguração: "E daquela nuvem fez-se ouvir uma voz que dizia: 'Eis Meu amado Filho, em Quem pus toda Minha afeição. Ouvi-O!'" Mt 17,5b
    Por isso, Jesus recomenda: "Tomai Meu jugo sobre vós e recebei Minha Doutrina, porque Eu sou manso e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas." Mt 11,29
    O Eclesiástico já havia percebido esse dom: "Filho, realiza teus trabalhos com mansidão, e serás mais amado que um generoso homem." Eclo 3,19
    E Nosso Salvador ensinou no Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!" Mt 5,5.9
    Pois mesmo sendo o Messias, Ele entrou em Jerusalém montado num jumentinho: "Conduziram a Jesus o jumentinho, cobriram-no com seus mantos, e Jesus montou nele. Muitos estendiam seus mantos pelo caminho, outros cortavam ramos das árvores e espalhavam-nos pelo chão. Tanto os que precediam como os que iam atrás clamavam: 'Hosana! Bendito Aquele que vem em Nome do Senhor!'" Mc 11,7-9
    E nessa condição Ele instruiu os Apóstolos, que iriam liderar a Igreja, para o estado de total servidão: "Sabeis que os chefes das nações as subjugam, e que os grandes com autoridade as governam. Não seja assim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, faça-se vosso servo. E o que quiser tornar-se entre vós o primeiro, faça-se vosso escravo. Assim como o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar Sua Vida em resgate por uma multidão." Mt 20,25-28
    Deu, por fim, um prático exemplo de caridade: "Logo, se Eu, Vosso Senhor e Mestre, lavei vossos pés, também deveis lavar-vos os pés uns aos outros." Jo 13,14
    Como exemplo de prática de piedade, ou seja, de caridade espiritual, Jesus sempre rezava intensa e frequentemente: "Naqueles dias, Jesus retirou-Se a uma montanha para rezar, e aí passou toda noite orando a Deus." Lc 6,12
    E chegando a hora de Sua Paixão, Ele também rezou por nós. Para que, através de Sua Palavra confiada aos Apóstolos, nós abraçássemos com igual humildade, sem dissoluções nem intrigas, a Unidade da Igreja, que é o sustentáculo da Verdade: "Santifico-Me por eles para que também eles sejam santificados pela Verdade. Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em Mim. Para que todos sejam Um, assim como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, para que também eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu Me enviaste." Jo 17,19-21
    Ainda rezou mais uma vez antes de ser preso, pedindo ao Pai que Lhe afastasse tamanho sofrimento. Mas já mostrava-Se resignado, sempre submetendo-Se, não importando quão difíceis, aos projetos do Pai: "Pai, se é de Teu agrado, afasta de Mim este cálice! Não se faça, todavia, Minha vontade, mas sim a Tua." Lc 22,42
    Essa disposição em abraçar a Cruz havia sido predita pelo Profeta Isaías: "... porque Ele próprio deu Sua vida, e deixou-Se colocar entre os criminosos, tomando sobre Si os pecados de muitos homens e intercedendo pelos culpados." Is 53,12
    Enfim, além de perfeitamente obediente, Jesus nada fez às ocultas, como alguns delirantes pretendem. Ele havia escolhido 12 Apóstolos e deixou-Se seguir por muitos discípulos justamente para que fossem testemunhas de Suas palavras e obras, como afirmou pouco antes de Sua Ascensão: "Vós sois as testemunhas de tudo isso." Lc 24,48
    Ele nada ocultou de Sua Doutrina, nem mesmos os mais difíceis assuntos, que primeiro explicava aos Apóstolos: "O que vos digo na escuridão, dizei-o às claras. O que vos é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados!" Mt 10,27
    E assim, pedindo pela integridade da Boa Nova e garantindo Sua divina assistência, Ele ordenou aos Onze que fielmente retransmitissem Seus ensinamentos. Estas foram Sua últimas, segundo São Mateus: "Ide, pois, e ensinai a todas nações. Batizai-as em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo que vos prescrevi. Eis que convosco estou todos dias, até o fim do mundo." Mt 28,19-20
    Foi precisamente isso o que registrou São Lucas em seu Evangelho: "... contei toda sequência das ações e dos ensinamentos de Jesus..." At 1,1
    Aliás, também São João Evangelista: "... o que vimos e ouvimos, nós anunciamo-vos, para que vós também tenhais Comunhão conosco. Ora, nossa Comunhão é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo." 1 Jo 1,3
    E falando sobre humildade, Jesus antecipou-nos o critério que usará no Seu Dia: "Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado." Mt 23,12
    Para São Tiago Menor já não restava dúvida: "Sede submissos a Deus. Resisti ao demônio, e ele fugirá para longe de vós. Aproximai-vos de Deus, e Ele aproximar-Se-á de vós." Tg 4,7-8a
    E ao contrário de 'confessar só a Deus', como hereges ensinam, pedia o constante exercício da Confissão: "Confessai vossos pecados uns aos outros..." Tg 5,16a
    São Paulo dizia algo parecido: "Sujeitai-vos uns aos outros no temor de Cristo." Ef 5,21
    Ele advertia da necessária religiosidade: "A ira de Deus manifesta-se do alto do Céu contra toda impiedade e perversidade dos homens, que pela injustiça aprisionam a Verdade. Porque, conhecendo a Deus, não O glorificaram como Deus nem Lhe deram graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos e obscureceu-se-lhes o insensato coração. Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos." Rm 1,18.21-22
    Aliás, foi um colaborador seu, Epafras, que advogava a mais pura fé, como ele fez constar na Carta aos Colossenses: "Ele não cessa de lutar por vós em suas orações, para que, numa perfeita e plena convicção, permaneçais plenamente submissos à divina vontade." Cl 4,12b
    Regulando os cultos de então, rudimentos da nossa Santa Missa, nosso Santo pedia absoluta sobriedade aos Sacerdotes da Igreja, através da estrita observância da Doutrina: "Todos, um após outro, podeis profetizar, para todos aprenderem e serem todos exortados. O espírito dos profetas deve estar-lhes submisso, porquanto Deus não é Deus de confusão, mas de Paz." 1 Cor 14,31-33
    E faz lembrar: "Se, no entanto, alguém quiser contestar, nós não temos tal costume e nem as igrejas de Deus." 1 Cor 11,16
    Lamentava-se pelos judeus, seu povo, por não acolherem Jesus: "Pois dou-lhes testemunho de que têm zelo por Deus, mas um zelo sem discernimento. Desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque a finalidade da Lei é Cristo, para a justificação de todo aquele que crê." Rm 10,2-4
    Lembrando a humildade do Salvador, ele recomenda: "Não vos torneis causa de escândalo, nem para os judeus, nem para os gentios, nem para a Igreja de Deus. Fazei como eu: em todas circunstâncias procuro agradar a todos. Não busco meus próprios interesses, mas os interesses dos outros, para que todos sejam salvos. Tornai-vos meus imitadores, como eu o sou de Cristo." 1 Cor 10,32-33;11,1
    Pedia pelos Sacerdotes da Igreja: "Suplicamo-vos, irmãos, que reconheçais aqueles que arduamente trabalham entre vós para dirigir-vos e admoestar-vos no Senhor. Tende para com eles singular amor, em vista do cargo que exercem. Conservai a Paz entre vós." 1 Ts 5,12-13
    Também pedia respeito pelas autoridades desse mundo: "Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus. As que existem, foram instituídas por Deus. Portanto, é necessário submeter-se não somente por temor do castigo, mas também por dever de consciência." Rm 13,1.5
    E prega, recitando o Hino Cristológico: "Nada façais por espírito de partido ou vanglória, mas que a humildade vos ensine a considerar os outros superiores a vós mesmos. Cada qual tenha em vista não seus próprios interesses, e sim os dos outros. Mutuamente dedicai-vos a estima que se deve em Cristo Jesus. Sendo Ele de condição divina, não Se prevaleceu de Sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-Se aos homens. E exteriormente sendo reconhecido como homem, humilhou-Se ainda mais, tornando-Se obediente até a morte, e morte de Cruz. Por isso, Deus soberanamente exaltou-O e outorgou-Lhe o Nome que está acima de todos nomes, para que ao Nome de Jesus se dobre todo joelho no Céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a Glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é Senhor." Fl 2,3-11
    Os seguidores da tradição de São Paulo também atestaram a humildade de Jesus: "Nos dias de Sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, Àquele que podia salvá-Lo da morte, e foi atendido por Sua submissão. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve." Hb 5,7-8
    Lembraram as tentações no deserto e as concupiscências do mundo: "Em vez do gozo que se Lhe oferecera, Ele suportou a Cruz e está sentado à direita do trono de Deus. Atentamente considerai, pois, Aquele que tantas contrariedades sofreu dos pecadores..." Hb 12,2-3a
    Também pediram por nossos Sacerdotes: "Sede submissos e obedecei aos que vos guiam, pois eles velam por vossas almas e delas devem dar conta. Assim, eles fá-lo-ão com alegria, e não a gemer, que isto vos seria funesto." Hb 13,17
    E ensinaram: "Aliás, na terra temos nossos pais que nos corrigem e, no entanto, olhamo-os com respeito. Com quanto mais razão havemos de submeter-nos ao Pai de nossas almas, o Qual nos dará a Vida? Os primeiros educaram-nos para pouco tempo, segundo sua própria conveniência, ao passo que Este o faz para nosso bem, para comunicar-nos Sua santidade. É verdade que toda correção parece, de momento, antes motivo de pesar que de alegria. Mais tarde, porém, aos que por ela se exercitaram, granjeia o melhor fruto de justiça e de Paz." Hb 12,9-11
    Ficam, portanto, as palavras de São João Batista: "Dai frutos, pois, de verdadeira penitência." Mt 3,8
    E essa sensível mensagem de São Pedro a nossos Sacerdotes, com especial recado aos jovens: "Eis a exortação que dirijo aos Anciãos que estão entre vós, porque sou Ancião como eles, fui testemunha dos sofrimentos de Cristo e com eles serei participante daquela Glória que há de manifestar-se: velai sobre o rebanho de Deus que vos é confiado. Tende dele cuidado, não constrangidos, mas espontaneamente; não por amor de sórdido interesse, mas com dedicação; não como absolutos dominadores sobre as comunidades que vos são confiadas, mas como modelos de vosso rebanho. E quando o Supremo Pastor aparecer, recebereis a imperecível coroa da Glória. Semelhantemente, vós que sois mais jovens, sede submissos aos Anciãos. Todos vós, em vosso mútuo tratamento, revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá Sua Graça aos humildes. Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte em oportuno tempo. Confiai-Lhe todas vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós. Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe fortes na fé. Vós sabeis que vossos irmãos, que estão espalhados pelo mundo, sofrem os mesmos padecimentos que vós. O Deus de toda Graça, que em Cristo vos chamou à Sua Eterna Glória, depois que tiverdes padecido um pouco, aperfeiçoá-vos-á, torná-vos-á inabaláveis, fortificá-vos-á." 1 Pd 5,1-10
    Grande mística, de suas profundas experiências Santa Faustina escreveu: "A fiel submissão sempre e em tudo à vontade de Deus, em todos acontecimentos e circunstâncias da vida, dá grande glória a Deus. Uma tal submissão à vontade de Deus tem maior valor a Seus olhos que longos jejuns, mortificações e as mais severas penitências." (Diário, 724)

    "Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo! Como era no princípio, agora e sempre. Amém!"

sábado, 29 de abril de 2023

Santa Catarina de Sena


    Filha de religioso tintureiro da Toscana, de vinte e quatro filhos a caçula, aos 7 anos consagrou sua virgindade a Cristo e aos 15 entrou para a ordem terceira dos dominicanos. Ainda aos 6, teve sua primeira visão, que jamais esqueceria: no ar, pairando sobre a igreja de São Domingos, Jesus apareceu-lhe com as vestes do Papa, sentado num luminoso trono e ladeado por São Pedro, São Paulo e São João Evangelista.
    E desde muito nova começou a fazer penitências, entre elas frequentes votos de silêncio. O salmista cantou essa espiritualidade: "Confia ao Senhor tua sorte, n'Ele espera e Ele agirá. Em silêncio, abandona-te ao Senhor, n'Ele põe tua esperança." Sl 36,5.7a
    De 1362 a 1374, isto é, entre 15 e 27 anos, praticou rigoroso jejum de pão e água e viveu em clausura, período em que se manteve em perfeita "Comunhão com Deus", segundo suas próprias palavras. Foi contemplada com indizíveis Graças como o 'casamento místico' com Jesus, a 'morte mística', quando conheceu o inferno, o Purgatório e o Céu, e a 'troca mística de Coração' com Jesus, para experimentar Seu amor pela humanidade.
    Só deixou a clausura quando a Europa foi assolada pela peste negra, também chamada bubônica, para desveladamente ajudar centenas de enfermos. De modo miraculoso curou muitos deles, mas principalmente tratava de salvar-lhes as almas, convertendo-os através de penitências que ela mesma cumpria, convidando-os às orações e até exorcizando-os.


    Ainda em 1374, ao comungar, recebeu os estigmas de Cristo: suas mãos, seus pés e o lado direito foram perfurados por raios que saíam do crucifixo do altar da igreja de Santa Cristina, em Pisa. Jesus escolheu-a para trabalhar pela Igreja e pela Paz, e mostraria que "uma fraca mulher pode envergonhar o orgulho dos fortes." As dores eram tão intensas, porém, que muitas vezes ela não conseguia nem comer e nem falar, recebendo apenas a Comunhão Eucarística. E em preces, não pedia a Jesus que lhe tirasse os estigmas, mas que eles não fossem visíveis, para não causar mais intrigas com os religiosos que, por ignorância ou mesmo pecaminosidade, faziam-lhe forte oposição.
    Em várias ocasiões, enquanto rezava, foi vista levitando. E um dia, ao preparar-se para comungar, o padre viu a Hóstia Consagrada transformar-se em Carne, agitar-Se em sua mão e saltar de seus dedos para a boca de Santa Catarina.
    Desde de 1309, o Papa estava vivendo no sul da França, na cidade de Avignon, por questões de segurança, dadas as guerras entre cidades italianas, que também se insurgiam contra seu poder. Aí ele contava com a proteção da armada do rei francês. Mas em 1376 houve um novo levante contra a autoridade da Igreja nas cidades italianas de Perúgia, Florença, Pisa e na região da Toscana, e Santa Catarina ditou várias cartas ao Sumo Pontífice, exortando-o a voltar a Roma para pessoalmente tratar do assunto e pacificar o rebanho de Cristo, como em 1367 Santa Brígida da Suécia conseguiu convencer seu antecessor, Santo Urbano V, ainda que aí ele só tenha podido permanecer por menos de três anos.
    Vendo infrutífero esse esforço, pôs-se a caminho de Avignon e poucos dias após chegar, inteirando-se de tudo que ali passava, tratou de denunciar a impenitência de cardeais e bispos, assim como vícios burgueses que adquiriram e as interferências políticas do rei e dos nobres nos assuntos da Igreja. Tanto impressionou a todos por sua lucidez, coragem e conhecimento da vontade de Deus, que foi convidada pelo próprio Papa para pronunciar-se no Consistório dos Cardeais.
    Conseguiu, enfim, convencer o Papa a voltar a Roma. Mesmo contra a vontade do rei e de alguns dos membros da Cúria, em 1377 Gregório XI iniciou a viagem de volta. Chegou a hesitar durante o trajeto, mas acabou completando-a sob as exortações de Santa Catarina, que o acompanhava.
    Aí, porém, o Pontífice não teve fáceis dias. A república de Florença rebelou-se outra vez contra sua presença, chegando a obter apoio de muitas cidades italianas e até organizar uma milícia para combatê-lo. Ele, contudo, após resistir como pôde através de vários interditos, acolheu os apelos de Santa Catarina, que pedia paciência para com seus "rebeldes filhos". Mesmo sabendo da grande rejeição que enfrentaria, ela assumiu a frente das negociações e visitou várias dessas cidades, habilmente dialogando com as autoridades. Em Florença, quase foi martirizada.


    No seguinte ano, debilitado e envelhecido, Gregório XI veio a falecer. Eleito Urbano VI, desde o início teve a oposição de três intransigentes cardeais, que terminaram retornando a Avignon e aí elegeram dentre si um anti-papa. Era o Grande Cisma do Ocidente. Santa Catarina ativamente engajou-se em defesa do Papa, por toda parte viajando e exortando em favor da unidade da Igreja e da obediência ao Sumo Pontífice. Sobre esse e vários outros assuntos, religiosos e sociais, acabou sendo adotada como conselheira por nobres, príncipes, rainhas e reis, além de muitos bispos e do próprio Papa.
    Duramente falou à rainha de Nápoles e ao tirano de Milão. Perante o rei da França, recriminou-o pela guerra contra irmãos cristãos, enquanto tentava estimulá-lo às cruzadas, que era um antigo anseio, mesmo um popular clamor, além de sonho de muitos jovens da época, religiosos ou não, em todos países cristãos. Essa sim seria uma justa guerra, para o bem da cristandade, dos monumentos, dos lugares e da sagrada memória. Também denunciava os reis que contratavam brutais mercenários, e em matanças conflagravam a Europa com seus exércitos.
    Dadas as modestas condições de sua família, e tão severas foram suas práticas espirituais desde o início da idade adulta, não foi alfabetizada e assim manteve-se até os 30 anos, quando por milagre aprendeu sozinha a ler em italiano e latim e a escrever. Numa de suas cartas de próprio punho, relata ter recebido lições sobre os assuntos da Igreja diretamente de São João Evangelista e São Tomás de Aquino.


    Em algumas ocasiões, enquanto entrava em êxtase, pedia que anotassem suas palavras. Elas tornaram-se o livro 'Diálogo sobre a Divina Providência', obra que é considerada uma das maiores do misticismo cristão, onde se lê as revelações que recebia, as concepções teológicas e os argumentos sobre sua espiritualidade.
    Foi uma pacificadora da Igreja e da Itália em difíceis tempos, exatamente no início do decaimento da cristandade na Europa, solapado pelo 'humanismo' irresponsavelmente acalentado por supostos católicos e que se revelaria mera porta de perdição, levando ao protestantismo e, pouco mais tarde, ao próprio ateísmo e sua mais diabólica invenção: o comunismo.
    É a única leiga das quatro mulheres que receberam o título de Doutora da Igreja.


    Sua inspiração é evidente. Perfeitamente mistura-se com as locuções internas que tinha:

    "É obrigação de todos edificar os demais com uma boa, santa e honesta vida."
    "Não obrigues outras pessoas a viver como tu vives."
    "Ninguém deve desejar satisfações e visões espirituais, aspire somente a Virtude."
    "Oh, quão doce e gloriosa é esta virtude da obediência! Nela estão todas outras virtudes, porque é concebida e gerada pela caridade. Nela está fundada a pedra da santíssima fé. É rainha tal que quem a desposa nenhum mal padece, mas tem Paz e tranquilidade. As ondas do tempestuoso mar não podem prejudicá-la e não a ofende tempestade alguma."
    "O caminho para atingir o verdadeiro conhecimento e a experiência de Deus é este: nunca abandonar o auto-conhecimento."
    "A humildade brota do auto-conhecimento."
    "Conhecendo-te, tu humilhar-te-ás ao perceber que, por ti mesma, nada és."
    "O orgulho é a raiz de todos vícios."
    "Querendo progredir, é preciso que tenhais sede."
    "A Divina Providência jamais falta ao homem, sob a condição de que ele a aceite."
    "Nesta vida ninguém vive sem Cruz."
    "Os males desta existência não são punições, mas correção a filho que ofende."
    "Devemos tudo suportar, porque o sofrimento é pequeno e a recompensa é grande."
    "A pessoa que sofre mais compartilha as dores dos outros que aqueles que nada padecem."
    "Nada mais desejo que vossa santificação."
    "Tudo quanto Eu quero ou permito tem uma finalidade: que atinjas a meta para a qual vos criei."
    "Eu recompenso quem trabalha por Minha Glória. Sou alegre e faço feliz quem cumpre Minha vontade."
    "Ao querer dar um grande tesouro a um homem, associo-lhe o peso de muitas dificuldades."
    "Eu quero que sejais Santos. Tudo que vos acontece tem essa finalidade."
    "O demônio é fraco e nada pode além daquilo que Eu lhe permita."
    "É na adversidade que se prova ter paciência e amor."
    "Por amor Deus vos criou, sem amor não podeis viver."
    "Só Tu és o Amor, somente digno de ser amado!"
    "O amor por Mim e pelo próximo são uma só coisa."
    "Toda virtude realiza-se em relação ao próximo, bem como todo pecado."
    "Eu considero feito a Mim o que fazeis aos homens."
    "Ao optar por Meu amor, o homem também faz opção de sofrer por Minha causa, qualquer que seja a modalidade da dor."
    "Pelo amor, o homem torna-se outro Cristo. É pelo amor que o homem se une a Deus."
    "Todo mal é ausência de amor."
    "Deus não deu todas qualidades nem deixou ninguém sem qualidade alguma. Por isso, precisamos um dos outros."
    "Jovens, se fores aquilo que Deus quer, colocareis fogo no mundo."
    "A amizade cuja fonte é Deus, nunca se esgota."
    "Foi no depositório da eclesiástica hierarquia que Eu guardei o Corpo e o Sangue de Meu Filho."
    "Foi no seio da Igreja hierárquica que o Senhor depositou Seu mais precioso tesouro."
    "A Eucaristia é o mais apto meio para a união do homem com Deus e maior conhecimento da Verdade."
    "Tenham a certeza de que quando eu morrer, a única causa de minha morte será meu amor pela Igreja."
    "Oh meu padre, se o senhor tivesse visto a beleza de uma só alma em estado de Graça, estaria pronto a morrer mil mortes por uma só!"
    "Oh Maria, Templo da Santíssima Trindade! Oh Maria portadora do fogo e da Misericórdia… Oh Maria, co-redentora do gênero humano porque, tendo vós fornecido vossa carne ao Verbo, foi resgatado o mundo. Resgatou-o Cristo com Sua Paixão, e vós, com vossa dor de corpo e de alma, com vossa compaixão."
    "Pai Eterno, que motivo Vos fez constituir o homem em tão grande dignidade? Foi o inefável amor pelo qual enxergastes em Vós mesmo Vossa criatura, e apaixonastes-Vos por ela! Pois foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes o ser capaz de degustar Vosso Sumo e Eterno Bem."
    "Somos Vossa imagem e Vós, a Nossa, pela união que realizastes no homem, velando a divindade com a miserável nuvem e massa corrompida de Adão. Quem foi a causa? O amor. Vós, ó Deus, fizestes-Vos homem e o homem tornou-se Deus."
    "Vós, Eterna Trindade, sois Meu Criador e eu, Vossa criatura. De novo criastes-Me, no Sangue de Vosso Filho. Nesta nova criação, conheci que Vos enamorastes da beleza de Vossa criatura."
    "Oh Eterna Trindade, foco e abismo de caridade, dissolvei já a nuvem deste meu corpo! O conhecimento que me destes de Vós, em Vossa Verdade, impele-me ao desejo de livrar-me do peso deste meu corpo e dar a vida pela Glória e louvor de Vosso Nome! Pois saboreei e vi, com a luz do intelecto, em Vossa Luz, Vosso abismo, Eterna Trindade, e a beleza de Vossa criatura."
    "Ó abismo, ó Eterna Divindade, ó profundo mar! E que mais poderíeis dar-me que Vos dar a mim? Sois fogo que sempre arde e não consome. Sois fogo que consome todo amor-próprio da alma. Sois fogo que destrói toda frieza."
    "Oh Eterno e Infinito Bem, oh louco de amor! Será que necessitais de Vossa criatura? Parece-me que sim, pois agis como se sem ela não pudésseis viver, embora sejais Vós a Vida, pois todos seres recebem a vida de Vós, e sem Vós ninguém vive… Vós enamorastes-Vos de Vossa criatura, nela pusestes Vossa complacência, como ébrio de sua Salvação! Foge de Vós, e andais à sua procura! De Vós afasta-se, e dela aproximais-Vos!"
    "Disse-me o Senhor: ‘Assim que uma alma entra no Céu, todos eleitos participam de sua glória e assim também ela participa da felicidade de todos. Meus eleitos viverão na alegria, é a felicidade proporcionada pela visão de Minha Divindade e a companhia de Jesus, Cordeiro Imolado. É uma Paz, uma perfeita alegria, uma Luz sem sombras, uma soberana, infinita, ilimitada felicidade."

    Nossa Santa morreu em 1380, no dia 29 de abril, aos 33 anos, mas em 1430, ao ser exumado, seu corpo ainda estava incorrupto. Além do livro citado, deixou 381 cartas e 26 orações da mais pura inspiração.
    É co-Padroeira do continente europeu junto à Santa Edith Stein e Santa Brígida da Suécia, além de co-Padroeira da Itália, junto a São Francisco de Assis, e padroeira dos consultores.
    Suas relíquias encontram-se sob o altar principal da Basílica de Santa Maria sopra Minerva, no centro de Roma, uma construção do século XIV, a única igreja em estilo gótico da Cidade Eterna. Seu rosto, exposto numa capela em sua homenagem, ainda não se decompôs por completo.



    Santa Catarina de Sena, rogai por nós!

sexta-feira, 28 de abril de 2023

São Luís Maria de Montfort


    No fim do século XVII, quando em todo mundo abertamente se pregava a abolição da escravatura, um Sacerdote francês convidava todos à escravidão à Nossa Senhora, através de uma das maiores obras de Mariologia da atualidade, da qual é um dos precursores: 'O Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria'.
    Nasceu no ano de 1673, em Montfort-sur-Meu, na Bretanha francesa. Sua mãe era fervorosa católica e enviou-o, aos 12 anos, ao Colégio Jesuíta São Thomas Becket, em Rennes, mais próxima cidade. Desde então nosso Santo já sentia o chamado à vida sacerdotal, e aí mesmo começou a estudar Teologia e Filosofia. Conheceu o padre local, que vivia como missionário itinerante, e percebeu que seu coração haveria de ser entregue a serviço dos mais pobres. E ao ouvir sobre o trabalho dos missionários da Companhia dos Padres de São Sulpício, que evangelizavam no Canadá, logo candidatou-se.
    Com esse intuito, em 1693 foi enviado a Paris, para o Seminário de São Sulpício, uma escola de referência para a espiritualidade francesa. Mas o dinheiro dado por seu benfeitor não era suficiente, e por dois anos ele contentou-se em viver entre os mais pobres e mendigos da cidade, enquanto frequentava as palestras de Teologia na Universidade de Sorbonne.
    Sem os devidos cuidados, gravemente adoeceu, mas foi internado e, apesar de algumas sequelas, convalesceu. Alguém do Seminário de São Sulpício soube de sua história e deu-lhe um emprego de bibliotecário, de modo a poder custear seus estudos, e durante as horas de trabalho ele dedicou-se a conhecer em profundidade as principais obras do Catolicismo, dando especial atenção aos assuntos referentes à Virgem Mãe do Céu.
    Em 1700 foi ordenado e enviado a Nantes, porém queira mesmo era pregar aos pobres, dos quais, desde a chegada a Paris, não mais se havia afastado. E para maior contrariedade, deu-se conta que toda comunidade sacerdotal local era adepta do jansenismo, heresia de um bispo holandês para quem, na prática, o ser humano é um mero objeto: já nasce predestinado ou ao inferno ou à Salvação. Essa visão tropeçava e caía, portanto, diante de um elementar ensinamento de Jesus, que disse: "Os sãos não precisam de médico, mas os enfermos. Não vim chamar os justos, mas os pecadores." Mc 2,17b
    E ainda esse: "Digo-vos que assim haverá maior júbilo no Céu por um só pecador que fizer penitência que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento." Lc 15,7
    Seus seguidores, pois, recusavam-se a absolver os pecados de quem confessasse reincidência, e, com tamanha exigência de contrição, a 'comunhão espiritual' seria para eles mais importante que a própria Comunhão Eucarística.
    A perfeita instrução doutrinária de nosso Santo, claro, não sucumbiu a esses absurdos. E frontalmente opondo-se a esses desvios, vai ser perseguido por toda vida. Como uma das consequências, foi enviado a Poitiers, na condição de capelão do hospital, e, para servir aos mais pobres entre os enfermos, começou a trabalhar com a Beata Marie Louise Trichet, de apenas 17 anos, com quem em 1715 fundaria a Congregação das Filhas da Sabedoria.


    Contudo, não desistiu de pregar e tanto quanto pôde viveu em missão por toda região da Bretanha, entre cidades e aldeias, levando a mais modesta gente o mais puro Catecismo Católico. Seu amor por Nossa Senhora era encantador, tocava o coração de todo povo. Aí começou a ser conhecido como o 'bom padre de Montfort'. Em Pontchateau, chegou a reunir milhares de pessoas para construir uma grande Via Sacra, mas terminou sendo expulso pelo bispo não só do hospital como também da diocese de Nantes.
    Tristemente compungido, vai a pé até Roma, aconselhar-se com o Papa, pedir-lhe para ser enviado ao Canadá, como era seu antigo sonho. Porém será enviado pelo Santo Padre de volta a França, justamente para fazer frente ao jansenismo, e agora com o título de Missionário Apostólico. Continuará, entretanto, sendo violentamente combatido em paróquias e dioceses. Tentaram matá-lo por envenenamento, o que ainda mais agravou seus problemas de saúde.
    Mas ele não retrocedia. Vai escrever o 'Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem Maria', onde inspiradamente justifica: "A mais perfeita devoção é aquela pela qual nos conformamos, unimos e consagramos mais perfeitamente a Jesus Cristo, pois toda nossa perfeição consiste em sermos conformados, unidos e consagrados a Ele. Ora, pois que Maria é, de todas criaturas a mais conforme a Jesus Cristo, segue daí que, de todas devoções, a que mais consagra e conforma uma alma a Nosso Senhor é a devoção à Santíssima Virgem, Sua Santa Mãe, e que, quanto mais uma alma se consagrar a Maria, mais consagrada estará a Jesus Cristo."
    Também escreveu 'O Segredo de Maria' e 'O Segredo do Rosário', assim como as regras para a Companhia de Maria, que fundaria em 1712, e para a Congregação das Filhas da Sabedoria.


    Nas proximidades de Montfort, na gruta Mervent, em São Lázaro, ele vai recolher-se por várias vezes, por muitos meses, quatro anos ao todo durante sua vida, revigorando sua vida espiritual e contemplativa.
    A Marie Louse Trichet, ele escreveu de Paris: "Sou-vos infinitamente grato. Estou sentindo o efeito de vossas orações, já que, hoje mais que nunca, vejo-me empobrecido, crucificado, humilhado. Homens e demônios desta grande cidade de Paris movem-me uma guerra que me é amável e suave. Que me caluniem, que me ridicularizem, que destruam minha reputação, que cheguem até a prender-me. Que preciosos dons! Que deliciosos manjares! Que encantadoras grandezas! São os indispensáveis séquito e companhia que a divina Sabedoria envia à casa daqueles onde deseja habitar. Quando me será dado possuir essa amável e desconhecida Sabedoria?"
    Foi muito criticado por sua 'falta de prudência', porém uma vez respondeu em carta a um amigo: "Dais-me como exemplo pessoas muito prudentes e de grande virtude, a quem ninguém pensa em censurar. Mas há duas espécies de prudência: a própria dos cristãos que vivem em sociedade, e outra que vai melhor aos missionários e homens apostólicos. Os primeiros, para prudentemente procederem, só têm que observar as regras e costumes de uma santa casa; os outros frequentemente veem-se obrigados a desprezar a própria glória para buscar a de Deus, e, para isso, têm que se lançar em mais de uma empresa que choca e até escandaliza. Não é de estranhar que se deixe em paz aos primeiros e se ataque os segundos. Quando os homens de ação são bem acolhidos pelo mundo, é sinal de que o inferno não os teme. Se a prudência simplesmente consistisse em não dar que falar, os Apóstolos não precisariam ter saído de Jerusalém, nem São Paulo teria sido obrigado a fazer tantas viagens, nem São Pedro porque fincar a cruz no Capitólio. Com uma prudência assim, não se teria sobressaltado a sinagoga, mas também não se teria conquistado o mundo."
    Para ele, como São Paulo afirmou, a Sabedoria está na loucura da Cruz: "Se fizermos qualquer coisa para não correr riscos por Deus, nunca iremos fazer algo de grande por Ele."
    O Último Apóstolo, de fato, ensinava: "Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o Evangelho, e isso sem recorrer à habilidade da arte oratória, para que não se desvirtue a Cruz de Cristo. A linguagem da Cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma divina força. Já que o mundo, com sua sabedoria, não reconheceu a Deus na Divina Sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura de Sua mensagem. Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam sabedoria. Nós, porém, pregamos Cristo Crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas, para os eleitos, quer judeus quer gregos, força de Deus e Sabedoria de Deus." 1 Cor 1,17-18.21-24
    E completou: "Ninguém se engane a si mesmo. Se alguém dentre vós julga-se sábio à maneira deste mundo, faça-se louco para tornar-se sábio, porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus..." 1 Cor 3,18-19a
    Os escritos de São Luís Maria Grignion de Montfort sobre Mariologia vieram a influenciar fortemente a devoção de quatro Papas, em especial, que a eles fizeram várias menções em suas encíclicas. São eles: Papa Leão XIII, Papa São Pio X, Papa Pio XII e o Papa São João Paulo II.


    Devoção à Nossa Senhora, ele justifica por dois princípios:
    1 - Deus quis servir-Se de Maria para a Encarnação do Cristo; e,
    2 - Deus quer servir-Se de Maria para a santificação das almas.
    Essa devoção tem cinco características:
    1 - é interior, ou seja, vem do espírito e do coração, fundamentando-se na correta visão do fulgurante papel representado por Maria no plano da Redenção, e num amor coerente a essa visão;
    2 - é terna, gerando na alma uma grande confiança, que faz recorrer a Maria em todas suas necessidades, como uma criança recorre a sua mãe;
    3 - é santa, isto é, faz com que se evite todo pecado e imitem-se as virtudes da Santíssima Virgem;
    4 - é constante, consolidando a alma no bem e fazendo com que não abandone facilmente o caminho iniciado; e,
    5 - é desinteressada, inspirando a alma a mais buscar a Glória de Deus que suas próprias vantagens.

    São luzes de sua inspiração:

    "Digo que devemos pertencer a Jesus Cristo e servi-Lo, não como mercenários servos, mas como amorosos escravos, que por efeito de um grande amor se dedicam a servi-Lo como escravos, pela exclusiva honra de pertencer-Lhe."
    "Jesus Cristo, Nosso Salvador, Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem, deve ser o fim último de todas nossas devoções."
    "Os pobres e as crianças seguiam-nO por toda parte, considerando-O um entre elas. Viam nesse Querido Salvador tanta simplicidade, benignidade, condescendência e caridade que se acotovelavam à Sua volta para d’Ele aproximarem-se."

    "Deem preferência às aldeias mais que às cidades, aos pobres mais que aos ricos."
    "Jamais a Cruz sem Jesus, nem Jesus sem a Cruz!"
    "Toma tua cruz! E não deverás arrastá-la, sacudi-la, reduzi-la ou escondê-la. Pelo contrário, leve-a bem erguida em tuas mãos, sem impaciência, nem azedume, nem murmurações... Enfim, sem qualquer vergonha ou respeito humano..."
    "O Senhor não considera tanto o sofrimento em si mesmo, mas sim a maneira como se sofre."
    "O conhecimento da eterna Sabedoria não é apenas o mais nobre e o mais doce, mas ainda o mais útil e o mais necessário, já que a Vida Eterna consiste em conhecer a Deus e Seu Filho Jesus Cristo."
    "Só Deus é minha ternura, só Deus é meu sustentáculo, só Deus é todo meu bem, minha vida e minha riqueza."
    "Deus ama tanto as crianças que as coloca como prioridade do Reino dos Céus. Por isso, quando temos um coração de criança que é dócil a Palavra de Deus e busca praticar o que Jesus ensinou, acabamos por escolher o mais fácil caminho para chegar a Salvação: o caminho da pequenez."

    "Oh! Espírito Santo, concede-me uma grande devoção e uma grande inclinação para Maria, um sólido apoio sobre seu materno seio e um assíduo recurso à sua misericórdia, para que, nela, Tu possas formar Jesus dentro de mim."
    "Divino Espírito Santo, lembrai-Vos de produzir e de formar filhos de Deus, com Maria, Vossa divina e fiel Esposa."
    "Lembrai-vos, repito-o uma segunda vez, de que Maria é o grande e único molde de Deus, próprio para fazer imagens vivas de Deus, com pouca despesa e em pouco tempo; e que uma alma que encontrou este molde, e que nele se perde, fica em breve mudada em Jesus Cristo, aí representado ao natural."
    "Sendo Maria a criatura mais conforme a Jesus Cristo, tem-se como resultado que, entre todas devoções, a que consagra e mais conforma uma alma a Nosso Senhor é a devoção a Maria, Sua Santa Mãe."
    "A consagração é conjuntamente feita à Santíssima Virgem e a Jesus Cristo; à Santíssima Virgem como ao perfeito meio que Jesus Cristo escolheu para unir-Se a nós e nós a Ele; e a Nosso Senhor como a nosso fim último, ao qual devemos tudo que somos, como a Nosso Redentor e Nosso Deus."
    "Esta devoção (à Maria) é um fácil, curto, perfeito e seguro caminho para chegar à união com Nosso Senhor, e nisto consiste a perfeição do cristão."
    "A Santíssima Virgem é o meio de que Nosso Senhor Se serviu para vir a nós; e é o meio de que nos devemos servir para ir a Ele."
    "A Santíssima Virgem é a fiel Virgem que, por sua fidelidade a Deus, repara as perdas que infiel Eva causou por sua infidelidade, e que obtém de Deus a fidelidade e a perseverança para aqueles que a ela se apegam. Por isso, um Santo (São João Damasceno) compara-a à firme âncora, porque os retém e impede de soçobrar no agitado mar deste mundo, onde tantas pessoas naufragam por não se firmarem nesta inabalável âncora."
    "Uma das razões por que tão poucas almas atingem a plenitude da maturidade de Jesus Cristo, é que Maria, a Mãe do Filho e a Esposa do Espírito Santo, não está suficientemente formada nos corações."
    "É mister fazer todas ações com Maria, isto é, em todas ações olhar Maria como um modelo acabado de todas virtudes e perfeições, que o Espírito Santo formou numa pura criatura, e imitá-lo na medida de nossa capacidade."
    
"Deus, vendo que somos indignos de receber Suas Graças diretamente de Suas divinas mãos, dá-as a Maria, afim de obtermos por ela o que Ele quer dar-nos; e também redunda em Glória para Ele, receber pelas mãos de Maria o reconhecimento, o respeito e o amor que Lhe devemos por Seus benefícios."
    "Se atentamente examinarmos o resto da vida de Jesus, veremos que foi por Maria que Ele quis começar Seus milagres."
    "Quem encontrar Maria, encontrará a Vida (Jesus Cristo)."
    "É por Maria que procuro e que vou encontrar Jesus, que eu esmagarei a cabeça da Serpente e vencerei todos meus inimigos e a mim mesmo, para a maior Glória de Deus."
    "O que Lúcifer perdeu por orgulho, Maria ganhou por humildade. O que Eva condenou e perdeu pela desobediência, salvou-o Maria pela obediência. Eva, obedecendo à Serpente, perdeu consigo todos seus filhos e entregou-os ao poder infernal; Maria, por sua perfeita fidelidade a Deus, salvou consigo todos seus filhos e servos e consagrou-os a Deus."
    "Por meio de Maria começou a Salvação do mundo, e é por Maria que deve ser consumada. Na primeira vinda de Jesus Cristo, Maria quase não apareceu, para que os homens, ainda insuficientemente instruídos e esclarecidos sobre a Pessoa de Seu Filho, não se lhe apegassem demais e grosseiramente, afastando-se, assim, da Verdade."
    "A diferença entre a primeira e a última vinda (de Jesus) é que a primeira foi secreta e oculta, e a segunda será gloriosa e retumbante; ambas, porém, são perfeitas, porque, como a primeira, também a segunda será por Maria."
    "Mas o poder de Maria sobre todos demônios há de patentear-se com mais intensidade, nos últimos tempos, quando Satanás começar a armar insídias ao seu calcanhar, isto é, aos seus humildes servos, aos seus pobres filhos, os quais ela suscitará para combater o príncipe das trevas."
    "Mil graças a Maria! Este Jesus que eu possuo é, com efeito, seu fruto, e sem ela eu jamais O teria."
    "Quanto mais uma alma estiver consagrada a Maria, tanto mais estará consagrada a Jesus Cristo."
    "Eu sou todo Teu, e tudo que é meu Te pertence, Meu amável Jesus, por meio de Maria, Tua Santa Mãe."
    "Ela (Maria) é de tal forma transformada em Ti pela Graça, que não mais vive, não mais existe. És unicamente Tu, Meu Jesus, que nela vives e reinas..."
    "A Virgem Maria 'mais ardentemente ama-Te (Jesus) e mais perfeitamente glorifica-Te que todas outras criaturas juntas.'"
    "Saúdo-te, Maria, predileta do Pai Eterno! Saúdo-te, Maria, admirável mãe do Filho! Saúdo-te, Maria, fidelíssima esposa do Espírito Santo!"
    "Ser vosso devoto, ó Santíssima Virgem, é uma arma de Salvação que Deus dá àqueles que quer salvar."
    "Ó fiel Virgem, tornai-me em todas coisas um perfeito discípulo, imitador e escravo da Sabedoria Encarnada, Jesus Cristo, Vosso Filho."
    "Que todos homens, os estudiosos e os simples, os justos e os pecadores, os maiorais e os pequenos, louvem e honrem a Jesus e a Maria, dia e noite, através da oração do Santíssimo Rosário."
    "Peço que estejam atentos, a fim de não pensarem que o Rosário é de pouca importância, como dizem os ignorantes e alguns grandes intelectuais do orgulho. Longe de insignificante, o Rosário é um tesouro de incalculável valor e inspirado por Deus."
    "É lamentável ver como a maioria das pessoas rezam o Santo Rosário, extremamente rápido e murmurando, fazendo com que as palavras não sejam claramente pronunciadas."
    "O cristão que não medita sobre os mistérios do Rosário é muito ingrato a Nosso Senhor, e mostra o quão pouco se preocupa por tudo que o Divino Salvador sofreu para salvar o mundo."
    
"Conhecerão as misericórdias de que ela (Maria) é cheia e a necessidade que têm de seu auxílio, e hão de recorrer a ela em todas circunstâncias como à sua querida advogada e medianeira junto de Jesus Cristo. Reconhecerão que ela é o mais seguro, mais fácil, mais rápido e mais perfeito meio de chegar a Jesus Cristo, e entregar-se-lhe-ão de corpo e alma, sem restrições, para assim também pertencerem a Jesus Cristo."
    "(Maria) É tão caridosa que a ninguém repele dos que imploram sua intercessão, ainda que seja um grande pecador. Pois, como dizem os Santos, nunca se ouviu dizer, desde que o mundo é mundo, que alguém que tenha recorrido à Santíssima Virgem, com confiança e perseverança, e tenha sido desamparado ou repelido."
    "Confesso com toda a Igreja que Maria é uma pura criatura, saída das mãos do Altíssimo. Comparada, portanto, à Infinita Majestade, ela é menos que um átomo; é, antes, um nada, pois que só Ele é 'Aquele que é (Ex 3,14).'"
    "Tudo que convém a Deus pela Natureza, convém a Maria pela Graça."
    "Maria é um santo lugar, o Santo dos Santos, em que se formam e modelam os Santos."
    "Só Maria achou Graça diante de Deus (Lc 1,30) sem auxílio de qualquer outra criatura."
    "O espírito desta devoção é tornar a alma interiormente dependente e escrava da Santíssima Virgem, e de Jesus por meio dela."
    "Quanto mais ganhares a benevolência desta venerável Princesa e fiel Virgem, tanto mais teu comportamento de vida estará inspirado pela pura fé."
    "Através da devoção a Maria, o próprio Jesus 'alarga o coração com uma santa confiança em Deus, fazendo com que Ele seja visto como Pai e inspirando terno e filial amor.'"
    "Minha querida e amadíssima Mãe, se for possível, faze com que eu não tenha outro espírito, a não ser o teu, para conhecer Jesus Cristo e Seus divinos desejos; que não tenha outra alma, a não ser a tua, para louvar e glorificar o Senhor; que não tenha outro coração, a não ser o teu, para amar Deus com pura e ardente caridade como tu."
    "Aprouve a Deus, atendendo a seus pedidos (de Maria) de ocultação, empobrecimento e humildade, esconder sua concepção, seu nascimento, sua vida, seus mistérios, sua ressurreição e sua assunção aos olhos de quase toda criatura humana."
    "Sua humildade (Maria) foi tão profunda, que na terra nada a seduziu mais poderosa ou mais continuamente que se esconder de si própria e de toda criaturas, para que só Deus a conhecesse."
    "Maria manteve-se muito escondida durante toda sua vida. Por isso, o Espírito Santo e a Igreja chamaram-na 'Alma Mater': Mãe escondida e secreta."
    "Tal é a vontade de Deus, que tudo tenhamos por Maria! E assim pelo Altíssimo será enriquecida, elevada e honrada aquela que, em toda sua vida, quis ser pobre, humilde e escondida até ao nada."

    "Como é feliz uma alma quando... está totalmente arrebatada e guiada pelo espírito de Maria, que é um doce e forte espírito, zeloso e prudente, humilde e corajoso, puro e fecundo."
    "Se eu soubesse que meu pecaminoso sangue poderia servir para fazer entrar no coração as verdades que escrevo em honra de minha querida Mãe e soberana Senhora, da qual sou o último dos filhos e escravos, em lugar de tinta eu usá-lo-ia para formar esses caracteres, na esperança que me anima de encontrar boas almas que, por sua fidelidade à prática que ensino, compensarão minha boa Mãe e Senhora das perdas que lhe têm causado minha ingratidão e infidelidade."

    Em 1716, durante uma missão em Saint-Laurent-sur-Sèvre, nas imediações de Nantes, com apenas 43 anos e a saúde bastante fragilizada, nosso Santo deixou esse mundo. Milhares de fieis acorreram ao seu funeral, realizado aí mesmo, e logo surgiram relatos de milagres junto a seu sepulcro.
    Em 1892, sobre a igreja dedicada a São Lourenço, do século XI, nesta pequena cidade foi concluída uma Basílica toda em granito para a devoção a ele, que é visitada por milhares de peregrinos todos anos. Nela também há uma estátua de seu último gesto, quando a gente do lugar, ao saber de seu frágil estado de saúde, acorreu para pedir-lhe uma última benção. E num esforço que lhe era característico, ele abençoou-os com o crucifixo.



    São Luís Maria Montfort, rogai por nós!