domingo, 31 de dezembro de 2023

São Silvestre


    São muitas as razões pelas quais a Igreja celebra a santidade do Papa São Silvestre I desde 336, apenas um ano após sua morte. Era a esse cristão que Constantino I ouvia, e é a ele que devemos o fato deste imperador ter publicado no ano de 314, poucos dias antes de São Silvestre ser eleito papa, o Édito de Milão, concedendo ao Catolicismo liberdade de culto em terras do Império Romano.
    Não se pode esquecer, porém, que para esse feito também contribuíram a influência de Santa Helena, mãe do imperador e de família fortemente cristã, e o sonho que ele próprio teve, na noite anterior a uma decisiva batalha em 312, quando viu uma Cruz na qual estava escrito: "Sob este símbolo vencerás." De fato, na manhã seguinte ele mandou que pintassem a Cruz nos escudos de seus soldados, e assim obteve uma grande vitória na Batalha de Ponte Milvio, uma das mais importantes sobre o Rio Tibre, localizada em Saxa Rubra, arredores de Roma.


    São Silvestre foi o paciente conversor desse imperador, que só em seus últimos dias pediu o Batismo. Não obstante, levou uma vida tão correta aos olhos de Deus, graças aos frequentes conselhos de sua mãe e de nosso Santo Papa, que também se tornou Santo. Foi igualmente por velada sugestão de São Silvestre que Constantino I convocou o Primeiro Concílio de Niceia, em 325, onde foi debatida e afastada a heresia do arianismo, entre outras.
    Sábio, nosso Santo tudo fazia com humilde discrição para não dar ocasião à discórdia. Soube ser o Papa dos primeiros anos da Igreja livre, após, como romano, por algumas décadas ter sido testemunha ocular de brutais perseguições e martírios. Ora, o próprio Pilatos, por força do paganismo que praticava, já usava de extrema violência para com os judeus. São Lucas registrou: "Neste mesmo tempo, contavam alguns o que tinha acontecido a certos galileus, cujo sangue Pilatos misturara aos seus sacrifícios." Lc 13,1
    Com efeito, São Silvestre havia convocado o Primeiro Sínodo de Arles, em 314, no qual se examinou e foi banida a heresia criada por Donato, chamada donatismo, que não admitia que a Igreja perdoasse pecados cometidos após o Batismo. Mas esse Sínodo terminou provocando uma das primeiras divisões da Igreja, levando São Silvestre a provocar Constantino para que convocasse o referido Concílio de Niceia, que seguiu debelando outras heresias.
    É de seu tempo, e com uma grande ajuda do imperador, a construção da primeira Basílica de São Pedro, no mesmo lugar da atual, no Monte Vaticano, onde o Príncipe dos Apóstolos foi crucificado, pois era lugar de um antigo cemitério pagão. Ainda de seu tempo é a construção da Basílica de São João de Latrão, a Catedral do Papa, e a Basílica de São Paulo (Extra-Muros), que também contaram com virtuosos auxílios de Constantino I.


    Entre outras coisas de grande valor, como a estátua de Roma Eterna, o imperador ainda doou o Palácio Lateranense para servir de moradia para o clero. Com todos esses monumentos, os cristãos saíram de pequenas e escondidas capelas espalhadas por toda Roma, assim como das catacumbas, para abertamente viver a em prédios dignos de louvor a Deus.
    Apesar de a mãe do imperador ser católica, era São Silvestre quem pregava e dava teológicos embasamentos que cada vez mais convenciam Constantino I da Verdade da manifestação de Cristo, através da inspiração e do poder de oratória que lhe concedia o Espírito Santo, além de seu testemunho de vida, de evidente e tocante simplicidade.


    Teve um longo papado, de 21 anos, entrando para a História da Igreja como um homem de profunda espiritualidade e hábil conciliador, apesar de todos heréticos movimentos que surgiram durante os anos em que esteve na Cátedra de São Pedro.
    Foi sepultado numa basílica que passou a levar seu nome, construção iniciada por ele mesmo a partir da casa de uma família cristã, cujos subterrâneos foram escavados para abrigar um oratório devotado aos primeiros mártires da Igreja e usado por muitos cristãos que, às escondidas, aí se encontravam para reviver e atualizar a Paixão de Cristo, pelo ritual da Santa Missa. O primeiro altar a ele dedicado ainda pode ser visto.


    A atual construção é do Império Carolíngio, ou seja, do século IX, mas suas colunas são originais, do século V, quando foi concluída. Nela também foram depositados os restos mortais do venerado Papa São Martinho I, e foi concluída pelo padre São Carlos Borromeu, já no século XVI, que ativamente trabalhou em suas feitorias, melhoramentos e adornos.


    São Silvestre, rogai por nós!

Santa Catarina Labouré


    Freira vicentina, foi agraciada com cinco aparições da Virgem Maria, que aconteceram entre julho e dezembro de 1830, sendo a mais importante a de 27 de novembro, quando ela se apresentou como Nossa Senhora das Graças e mandou cunhar a medalha milagrosa, pela qual tem derramado grandes bênçãos aos que se mostram fiéis usuários.
    Zoe de Labouré, seu nome de Batismo, nasceu em 1806. Família de onze filhos, ainda criança se tornou órfã de mãe e, por inspiração do Espírito de Deus, adotou Nossa Senhora. Aos 18 anos pediu ao pai para ser freira, mas ele não lhe permitiu, alegando que precisava de ajuda para criar seus irmãos. Aos 23 anos, após todos criados, ela voltou a insistir com o pai por sua vocação religiosa, e em abril de 1830, ao obter seu consentimento, entrou para a ordem fundada por São Vicente de Paulo, pois havia sonhado com ele, dizendo que Deus a queria trabalhando para ajudar os enfermos. Escolheu o nome de Catarina, e era exemplo de devoção e dedicação aos pacientes no hospital da congregação em Paris.
    As visões que tinha de São Vicente, porém, tornaram-se muito frequentes, e ela sentiu-se na obrigação de relatá-las ao confessor espiritual, que apenas lhe pedia que escrevesse todos detalhes. Então passou a ter visões de Jesus Eucarístico e, em seguida, de Cristo Rei, no início de junho do mesmo ano, o que deixou seu confessor em alerta.
    E na noite do dia 18 de julho de 1830, um anjo (seu Anjo da Guarda?) apareceu para conduzi-la à Capela do Convento, onde Nossa Mãe Celestial por ela esperava para uma aparição de mais de duas horas. Santa Catarina, ajoelhando-se aos seus pés e apoiando os braços ao seu colo, buscou os afagos daquela que havia adotado como mãe e recebeu a Consolação que todas almas anseiam. Mas também ouviu que Deus queria encarregar-lhe de uma difícil missão, e iria demandar toda sua , sem hesitação.
    

    Entretanto, de tão impressionada com aquela aparição, Santa Catarina resolveu nada dizer a pessoa alguma, nem mesmo a seu confessor. E comedidamente aguardou a indicação de sua missão, confiante nas palavras de Nossa Senhora que lhe havia garantido: "Terás a proteção de Deus e de São Vicente, e meus olhos sempre estarão sobre ti."
    Sua incumbência finalmente foi revelada quando a Mãe do Salvador lhe apareceu em 27 de novembro de 1830. Nossa Santa assim escreveu em diário:

    "A Santíssima Virgem apareceu ao lado do altar, de pé sobre um globo, com o semblante de uma Senhora de indizível beleza; de veste branca, manto azul, tinha as mãos elevadas até à cintura e sustentava um globo figurando o mundo, encimado por uma cruzinha. A Senhora era toda rodeada de tal esplendor que era impossível fitá-la. O radiante rosto de celestial claridade conservava os olhos elevados ao Céu, como para oferecer o globo a Deus. A Santíssima Virgem baixou para mim os olhos e disse-me no íntimo de meu coração:
    'Este globo que vês representa o mundo inteiro... e cada pessoa em particular... Eis o símbolo das Graças que derramo sobre as pessoas que pedem.'
    Desapareceu, então, o globo que tinha nas mãos e, como se estas já não pudessem com o peso das Graças, voltaram-se para a terra em amorosa atitude. Formou-se em volta da Santíssima Virgem um figura oval, na qual em letras de ouro se liam estas palavras que por cima cercavam a Senhora: 'Ó MARIA CONCEBIDA SEM PECADO, ROGAI POR NÓS QUE RECORREMOS A VÓS.'
    Ouvi, então, uma voz que me dizia:
    'Faça cunhar uma medalha por este modelo. Todas pessoas que a trouxerem receberão grandes Graças, sobretudo se a trouxerem no pescoço. As Graças serão abundantes, especialmente para aqueles que a usarem com confiança.'
    Então se virou o quadro, e no verso apareceu a letra M, monograma de Maria, com uma cruz em cima, tendo um Terço na base; por baixo do M, os dois Corações, de Jesus e de Maria; o de Jesus, com uma coroa de espinhos e o de Maria atravessado por uma espada; uma coroa de doze estrelas contornava o quadro."

    Não era fácil tarefa. Onde cunharia medalhas? Quem a ajudaria? Seu confessor creria nela? E de imediato perguntou a Imaculada Virgem como poderia realizar sua missão, e ela simplesmente indicou-lhe o Padre Jean Marie Aladel.
    De fato, seu confessor ouviu-a com muita atenção, mas ainda passou dois anos observando seu comportamento para ter certeza de que se tratava de uma verdadeira aparição. Nesse período Santa Catarina manteve sua rotina, entregando-se com a costumeira dedicação às orações e ao trabalho, que, aliás, executou por 45 anos no mesmo hospital, desde que entrou no convento até o dia de sua morte em 1876, aos 70 anos.


    Uma vez cunhadas, através das medalhas realizavam-se muitíssimos milagres, que rapidamente as fizeram conhecidas e desejadas por toda população.
    Exceto ao confessor e a seu bispo, Santa Catarina nunca divulgou essas aparições. Elas fazem parte de uma importantíssima série que culminaria em Fátima, e inclui as Aparições de Quito, de Lourdes, de Salette e de Akita. De fato, a Santíssima Mãe avisou que se iniciavam 'difíceis tempos para a França e para o mundo', mas nossa Santa publicou-as apenas pouco antes de morrer, e por expressa autorização da própria Senhora Imaculada.
    Em 1947, Santa Catarina foi canonizada pelo Venerável Papa Pio XII, profícuo escritor e de heroicas virtudes.


    Ao ser beatificada em 1933, seu corpo foi exumado e encontrava-se absolutamente incorrupto, como ainda se vê em exposição na capela do convento, ao lado direito do Altar.


    Santa Catarina Labouré, rogai por nós!

sábado, 30 de dezembro de 2023

As Bem-Aventuranças


    No Sermão da Montanha, Jesus apresentou o Caminho a ser seguido por quem não se ilude com esse mundo. E tudo que Ele recomenda é verdadeira caridade pela Salvação das almas, que é a essência de Sua Doutrina. No núcleo desse 'discurso da instauração do Reino de Deus', Ele fez a proclamação das bem-aventuranças: a síntese da felicidade maior.

    "Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos Céus!" Mt 5,3

    Seja em meio à pobreza ou à riqueza material, quem tem um humilde coração já vivencia o Reino de Deus. Reconhece suas próprias limitações e sabe que os bens materiais não levam a nenhum paraíso. Não pensa em si mesmo, mas procura ajudar onde pode, como pode e a quem pode. Entrega-se nas mãos de Deus e confia em Sua Providência. Ao calar, é capaz de ouvir mais e melhor. Ao sentir o que os outros sentem, torna-se mais próximo de todos. Quem tem coração de pobre é simples, e, por ater-se à essência das coisas, mais profundamente conhece-as, desliga-se de ilusões, e assim reage com maior resignação diante de dificuldades, aflições e tribulações. Está bem perto de Deus.

    "Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados!" Mt 5,4

    Chorar diante de uma grande contrariedade não é fraqueza. É sincera demonstração de sentimentos, aversão aos desenganos, natural lamentação de infortúnios. Destes Deus compadece-Se. Quem comedidamente sofre injustiças, sem se permitir perturbar a paz alheia, comove o Sofredor Coração de Jesus. Deus é Consolador, dá forças para enfrentar os mais angustiantes momentos, e recompensa com as maiores e mais verdadeiras felicidades que se pode experimentar. A ilusória e fútil alegria é a causa das maiores tristezas, pois não saciam a alma e só aumentam o vazio espiritual.

    "Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!" Mt 5,5

    A mansidão permite conhecer mais claramente a Verdade, é reconfortante e perpetua a Paz de Cristo. À sua volta, o ambiente faz-se efetivamente presente, pois sem personalismos se tem melhor percepção da natureza e dos acontecimentos. As obras de Deus só chegam plenamente aos sentidos através da porta da serenidade, e só por ela é possível a contemplação e a inspiração. A inquietude só causa ou aumenta as tensões. Jesus ofereceu Sua Paz para que nela vivamos. Com ela devemos tocar as pessoas por nossas palavras, nossos gestos, nosso trabalho. E nas situações em que afloram a aflição ou a violência, é quando se faz perceber a verdadeira mansidão. Mas ela não se confunde com a covardia, pois também sabe perceber a hora de reagir diante do intolerável.

    "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!" Mt 5,6

    Trabalhar pelo bem do próximo, não se deixar levar por rancor ou pessimismo e purificar o próprio coração são provas de , esperança e amor. Sutilmente, Deus vai enchendo as mãos e o coração de quem pede Seus socorros contra injustiças. A silente aversão ao mundo é uma sóbria e resistente atitude, virtude de fortaleza. Quem compactua com a corrupção, ou dela foge buscando falsos prazeres, está colocando sua esperança noutra fonte que não é Deus. Nunca encontrará a Paz. Suportar humilhação, e a aparente vitória do mal, é sinal da presença do Espírito Santo e a certeza do futuro triunfo. Por sua própria fraqueza, enquanto reação humana, ou por força de Deus, o mal sempre se destina à ruína.

    "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão Misericórdia!" Mt 5,7

    Dados tão frequentes desacertos da natureza meramente carnal, por excelência a compaixão é a marca de Deus. Perceber e tratar a dor alheia com delicadeza e respeito, faz despertar o amor que se deve ao semelhante e a Deus. É impossível ser feliz virando o rosto aos que sofrem. O coração realmente misericordioso aflige-se até mesmo vendo a tristeza dos maus. A indiferença e o ódio, então, são perigosos venenos, podem matar; provocam o afastamento das pessoas e o vazio na alma, impossíveis de serem desfeitos sem o retorno à natural afeição, à solidariedade humana e ao bem querer. Quem não tem misericórdia, não encontra consolação, e sofre maiores dramas de consciência por só tardiamente vir a reconhecer o sofrimento dos outros.

    "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus!" Mt 5,8

    A pureza, a gratuidade e as boas intenções são as autênticas expressões do amor. Não há como amar competindo, negociando, buscando vantagens, vivendo de aparências e de valores materiais. Não há como perceber o amor de Deus quando se cultua fugazes prazeres, guardando supostos tesouros, agindo por escusos interesses, sustentando embustes, colecionando 'glórias' de injustiça e ilusão, usando e menosprezando o próximo. As mãos limpas de quem trabalha e oferece do que é seu, o coração sem malícia, o corpo depurado de vícios e compulsões são a verdadeira beleza da alma, e a Paz que se pode viver na terra. Assim se pode ver Deus em Suas obras e na pessoa dos outros.

    "Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!" Mt 5,9

    Obter e trazer em si a Paz de Cristo pela vida a fora é uma das maiores bençãos. Deve ser o maior objetivo do cristão, até mesmo uma obrigação, pois ela nos foi oferecida. Os ativisticamente combativos e rebeldes, na grande maioria das vezes, mais atrapalham que ajudam. Salvo raras exceções, pelo bem deve-se buscar as metas do bem. O mundo é carente de consolação e de reconciliação com Deus, e os pacificadores são Seus enviados para cumprir esse papel, para promover a esperança e o amor que levam ao Céu. Jesus deu-nos Sua Paz. Aqueles que a recebem, portanto, têm a Graça e o compromisso de partilhá-la. É através dessas pessoas que Deus quer fazer-Se conhecido.

    "Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus!" Mt 5,10

    Enquanto se multiplicam as iniquidades, os justos nadam contra a corrente defendendo os direitos dos mais sofridos e dos mais pobres. Enquanto o mundo insiste em ostentar suas efêmeras e vãs conquistas, milhões de pessoas são massacradas pela pobreza, pela enfermidade, pela fome, pela guerra e pela morte. Uma pequena parte faz festas com as riquezas da injustiça, enquanto a maioria esmola a saciação das mais elementares necessidades. As causas das maiores tribulações são sempre as mesmas: a falta de partilha, a usurpação e, mil vezes pior, a diabólica manipulação de direitos de desinformados e indefesos, orquestrada pelo comunismo e suas muitas e sutis variantes. Quem levanta a voz contra essa vil insensibilidade, portanto, estará incomodando, e certamente será chamado de radical, sofrerá ridicularização e ameaças até que se cale ou morra.

    "Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, perseguirem e falsamente disserem todo mal contra vós por causa de Mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande vossa recompensa nos Céus, pois assim perseguiram os Profetas que vieram antes de vós." Mt 5,11-12

    Hoje, em vários segmentos sociais, falar de fé, de religião ou mesmo de Deus tornou-se sinônimo de ridículo. Tem-se como dever, em nome de uma suposta boa convivência, escolher em que ambiente falar sobre o bem-estar da alma. O mundo dos instantâneos prazeres nada quer ouvir sobre o verdadeiro amor, a adoração a Deus, a contemplação, a reflexão, o crescimento espiritual, a oração, a vigília, o jejum e outras penitências. Para muitos, os bens materiais são os mais claros sinais de felicidade. Humildade, resignação, tolerância, pacifismo, castidade, pregação de amor ao próximo, oferecer a vida para servir aos necessitados, enfim, parecem fraquezas, emocionais achaques, coisa de gente que se 'acostumou com o sofrimento'. No máximo, alguns vão achar bonito 'tanta' dedicação, 'tanto' altruísmo, 'tanta' abnegação. Os mais amadurecidos, no entanto, já sabem: as verdadeiras alegrias e vitórias experimentam-se pelos afagos da presença de Deus.


JESUS É NOSSA BEM-AVENTURANÇA

    Em face da Vinda do Salvador, e de tantos e tão grandiosos milagres que fez, Ele deu-nos uma advertência: "E João chamou dois de seus discípulos e enviou-os a Jesus, perguntando: 'És Tu Aquele que há de vir ou devemos esperar por outro?' Ora, naquele momento Jesus havia curado muitas pessoas de enfermidades, de doenças e de malignos espíritos, e dado a vista a muitos cegos. Respondeu-lhes Ele: 'Ide anunciar a João o que tendes visto e ouvido: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciado o Evangelho. E bem-aventurado é aquele para quem Eu não for ocasião de queda!'" Lc 7,19.21-23
    De fato, Jesus foi bem explícito perante os judeus: "Ele disse-lhes: 'Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima. Vós sois deste mundo, Eu não sou deste mundo. Por isso, disse-vos: morrereis em vosso pecado. Porque se não crerdes o que EU SOU, morrereis em vosso pecado.'" Jo 8,23-24
    Falava, portanto, de verdadeira perseverança, pois sabia das tentações e das contrariedades que o cristão padece nesse mundo: "Bem-aventurado aquele servo a quem Seu Senhor, na Sua volta, assim encontrar procedendo!" Mt 24,46
    São Pedro vai dizer: "Caríssimos, não vos perturbeis no fogo da provação, como se vos acontecesse algo extraordinário. Pelo contrário, alegrai-vos em ser participantes dos sofrimentos de Cristo, para que possais alegrar-vos e exultar no Dia em que for manifestada Sua Glória. Se fordes ultrajados pelo Nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de Glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós." 1 Pd 4,12-14
    Quanto às nossas próprias faltas, que nos afastam de Deus, São Paulo faz lembrar a importância da Confissão: "Assim é que Davi proclama bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente das obras: 'Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades foram perdoadas, e cujos pecados foram cobertos! Bem-aventurado o homem ao qual o Senhor não imputou seu pecado (Sl 31,1s).'" Rm 4,6-7
    Na missão que a Igreja tem de pacificar o rebanho de Cristo, essa é uma importantíssima atribuição que Ele deu logo em Sua primeira aparição aos Apóstolos: "Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: 'Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, sê-lhes-ão perdoados. Àqueles a quem os retiverdes, sê-lhes-ão retidos.'" Jo 20,22-23
    E na certeza de que no ventre trazia o Redentor, Nossa Senhora bem sabia a indizível Graça que lhe foi concedida. Em visita a Santa Isabel, ela cantou, e a Igreja tratou de guardar a memória desse feito: "E Maria disse: 'Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, Meu Salvador, porque olhou para Sua pobre serva. Por isto, desde agora, todas gerações proclamá-me-ão bem-aventurada, porque em mim realizou maravilhas Aquele que é poderoso, e Cujo Nome é Santo.'" Lc 1,46-49
    Santa Isabel, com efeito, já a havia proclamado: "Bem-aventurada és tu que creste, pois da parte do Senhor hão de cumprir-se as coisas que te foram ditas!" Lc 1,45
    Ora, o próprio Cristo, após a multiplicação dos pães e dos peixes, iria dizer: "Respondeu-lhes Jesus: 'A obra de Deus é esta: que creiais n'Aquele que Ele enviou.'" Jo 6,29

    "Caminhamos na estrada de Jesus!"

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

São Tomás Becket


    Foi amigo de adolescência e juventude de Henrique II, rei da Inglaterra no século XII, mas não pensou duas vezes antes de oferecer-lhe declarada resistência quando ele quis usurpar direitos da Igreja, através das leis chamadas 'Constituições de Clarendon'. Era, na ocasião, o Arcebispo de Canterbury, principal diocese britânica, atual sede da igreja anglicana, mas de início teve que fugir para a França, pois sua vida realmente estava em risco.
    Durante a mocidade, viveu como nobre e era amante da mundana vida, desfrutando de todas regalias de um cortesão em palácios, festas, cavalgadas e caçadas. Foi educado nas melhores escolas, tendo estudado também em Paris e em Bolonha, na Itália, a primeira universidade do mundo ocidental. Ao retornar a Londres, porém, por sua inteligência e sensibilidade foi convidado por Teobaldo, Arcebispo da Cantuária, para representá-lo em importantes missões em Roma. Demonstrou, nesses tempos, um profundo apreço pela Igreja Católica, e tornou-se arcediácono dessa diocese, além de reitor da renomada Escola de Beverly.
    Destacou-se de tal modo por seu brilhantismo nessas funções que foi nomeado por seu amigo, e então rei, Henrique II, para o cargo de Chanceler da Inglaterra. Seus dons de conciliador fizeram dele um excelente diplomata, cargo que exerceu por sete anos. As pretensões de poder do rei, entretanto, afastaram São Tomás da Igreja, levando-o a participar de cobranças de antigos impostos que visavam retirar a autonomia e direitos dos bispos. Evidentemente, o clero ressentiu-se da nova postura assumida por São Tomás, que também havia retornado ao convívio dos nobres e do rei em suas festas, assim como ao mundano comportamento.
    Tão íntimo estava da família real que o próprio rei lhe confiou a educação de seu filho. Mais tarde, ele iria dizer que havia recebido mais afeição de São Tomás que do próprio pai.
    Morto Teobaldo, o rei obteve do Papa a concessão para indicar o novo arcebispo, pois Roma tentava melhorar as relações com a corte inglesa. O Papa, porém, bem sabia que seu indicado seria São Tomás, e acreditava, como defendia João de Salisbury, Bispo de Chartres, na França, em sua definitiva conversão quando assumisse as funções do arcebispado, mesmo sob fortes protestos que viriam do clero da Inglaterra.
    O Bispo de Chartres estava certo: os desígnios de Deus cumpriram-se exatamente como o Espírito Santo havia inspirado a Igreja. E frustraram as ambições do rei, que não esperava tamanha transformação como a que se deu em São Tomás. Ele fielmente abraçou a vida de virtudes, praticando a pobreza evangélica e, para penitenciar-se, passou a usar grosseiras e desconfortáveis roupas por baixo dos paramentos. Sua ordenação de sacerdócio e, no dia seguinte, de arcebispado, no ano de 1162, alguns meses após a morte de Teobaldo, foram as centelhas que fizeram seu coração verdadeiramente arder de amor ao Evangelho.


    Não demorou para que ele pedisse afastamento do cargo de chanceler, e começasse a sonegar os impostos que ele mesmo vinha ajudando a arrecadar em nome do rei. Mas em outubro de 1163 Henrique II tentou isolar São Tomás, colocando outros bispos ingleses contra ele numa reunião em Westminster, porém sem sucesso, pois ele resistiu com serenidade. Em janeiro de 1164, bastante irritado e sentindo-se traído, o rei convocou uma assembleia no Palácio de Clarendon e apresentou 16 'constituições', que retiravam a independência do clero na Inglaterra e reduzia a influência de Roma. Todos bispos, que já vinham sendo pressionados, concordaram e assinaram, exceto São Tomás.
    Sob intensa perseguição por éditos que alcançavam também seus aliados, e até por caluniosos processos a respeito de seus anos como chanceler, São Tomás fugiu para a França, onde por seis anos esteve sob a proteção do rei Luís VII. De lá, ele pediu ao Papa a excomunhão de Henrique II e o Interdicto da Inglaterra, ou seja, a excomunhão de todo país por causa do apoio que lhe davam os bispos. Em 1167, por fim, o Papa enviou representantes para resolver o conflito, mas São Tomás recusou-os sob argumento que eles lhe tiravam a autoridade, e que negociar com o rei, sob as condições que ele impunha, ofendia os princípios da Igreja.
    Em 1170, quando o Papa estava prestes a adotar o Intedicto, Henrique II nomeou seu filho como rei da Inglaterra e proclamou-se imperador. São Tomás condenou seu antigo amigo pela dissimulação e contestou a coroação realizada pelo Bispo de York, que só ele, Arcebispo da Cantuária, poderia ter realizado. Acuado, Henrique II propôs-lhe a paz, convidando-o a coroar o príncipe. O Papa Alexandre III instou que São Tomás retornasse e reabrisse as tratativas de paz a partir do território inglês.
    Obediente, ele voltou aclamado pelos fiéis, mas, conhecendo a índole do ex-amigo, bem sabia o que lhe esperava. Dizia a todos: "Voltei para morrer no meio de vós!"
    Contudo, usando de firmeza e em respeito às leis da Igreja, logo ao desembarcar em Kent excomungou todos bispos que haviam pactuado com as 'constituições' do rei, bem como os que haviam tomado parte na coroação do príncipe. Essa atitude foi usada com a gota d'água por Henrique II, que, como já havia planejado, ordenou-lhe a morte. No entanto, mesmo sabendo que seria assassinado, São Tomás não quis fugir. Disse: "O medo da morte não deve fazer-nos perder de vista a justiça."


    Vestiu sua casula e foi para os degraus do altar, cantar as vésperas do Ofício das Horas, quando recebeu violentos golpes de quatro cavaleiros do rei, sem opor resistência. Monges e um visitante, que testemunharam o ataque, também foram feridos.



    Foi nesta ocasião que se descobriu que ele usava um cilício, camisa de rude e incômodo tecido, como um modo de penitência. Tinha 52 anos.
    Em 1173, menos de três anos depois, foi declarado Santo e Mártir pelo Papa Alexandre III.
    Em 1174, após a rebelião de seus três filhos, inclusive Ricardo, que se tornaria o cruzado cognominado Coração de Leão, tomado de arrependimento, Henrique II foi ao seu túmulo para penitenciar-se, pois já se havia tornado lugar de intensa peregrinação por tantíssimas Graças alcançadas. Então levou suas relíquias para a cripta da Catedral da Cantuária, e em 1220 elas foram expostas para veneração na Capela da Trindade, proeminente parte da Catedral, por trás do principal altar.
    Além de preservar o lugar de seu martírio, há na Catedral da Cantuária uma capela dedicada à sua homenagem, onde a parte de cima de seu crânio, brutalmente decepada durante o assassinato, com muito carinho foi venerada até a 'Reforma' Protestante', quando seu túmulo foi destruído e removido.


    A urna que guardou suas relíquias na Capela da Trindade, encontra-se no Museu Victoria e Albert.


    Uma relíquia, fragmento de osso seu que estava na Hungria, recentemente foi devolvido a Inglaterra.


    Mas a maior parte delas, corajosamente defendidas por fiéis católicos, seguem sendo veneradas e levadas em procissão por ruas da área e pela ponte de Londres.


    São Tomás Becket, rogai por nós!