Apóstolo significa enviado, e foi um exclusivo título, dado pelo próprio Jesus a quem Ele pessoalmente chamou e enviou. O Evangelho Segundo São Lucas registrou: "Ao amanhecer chamou Seus discípulos e escolheu Doze dentre eles, que chamou de Apóstolos..." Lc 6,13
Entre eles inclui-se São Paulo, a quem Ele também pessoalmente chamou (cf. At 9,4) e enviou (cf. At 22,21) em aparições, e ainda São Matias, que foi escolhido para o lugar de Judas Iscariotes, pois era um dos discípulos que com Ele esteve desde o começo, foi enviado entre os 72 (cf. Lc 10,1) e era testemunha de Sua Ressurreição, como São Pedro orientou a escolha do substituto de Judas, no Livro de Atos dos Apóstolos: "Convém que destes homens que têm estado em nossa companhia todo tempo em que o Senhor Jesus viveu entre nós, a começar do Batismo de João até o dia em que de nosso meio foi arrebatado, um deles se torne conosco testemunha de Sua Ressurreição." At 1,21-22
Ademais, temos que a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, após algum tempo, condenou o indiscriminado uso desse título: "Porventura, são todos Apóstolos?" 1 Cor 12,29
Mas esse 'exagero' no caso do São José de Anchieta, como na história de outros Santos, é uma justificável expressão de bondade. Dos primeiros religiosos a vir à Terra de Santa Cruz, na segunda leva de jesuítas, dada a 13 de Julho do ano de 1553 na cidade de São Salvador, o aqui chegado irmão José de Anchieta, aos 19 anos de idade, queria ajudar a salvar almas. Veio com outros seis por escolha do Provincial da Ordem, Simão Rodrigues, a pedido do notável Padre Manuel da Nóbrega, chamado 'Pai do Brasil', então provincial dos jesuítas no Brasil, que pedia irmãos para trabalhar na evangelização, "mesmo os fracos de engenho e os doentes do corpo." Em sua companhia, ele participaria das fundações das cidades de São Paulo de Piratininga e de São Sebastião do Rio de Janeiro, na atualidade as maiores capitais do país.
Enfermiço, tinha tuberculose óssea, que lhe causou escoliose, os ares tropicais fariam bem a esse espanhol de ascendência judia por parte de sua mãe, Mência Diaz de Clavijo y Llarena, descendente da nobreza do Arquipélago das Canárias, filha de cristãos-novos. Nascido a 19 de março de 1534, ele era natural da cidade de San Cristóbal de La Laguna, na Ilha de Tenerife, refúgio de seu pai, Juan López de Anchieta, revolucionário basco, depois de escapar de pena de morte por traição. Havia tomado parte de um levante contra o Sacro-Imperador Carlos V, mas foi poupado graças à interferência de um capitão que iria fundar a Companhia de Jesus. Era Santo Inácio de Loyola, seu parente, um espanhol extremamente dedicado ao divino projeto da Salvação, a quem cordialmente José de Anchieta seguiria. Nosso Santo foi batizado em 7 abril de 1534, na Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, atual Catedral de San Cristóbal de La Laguna, onde ainda se vê a pia de calcário vermelho usada em seu batismo Um de seus doze irmãos, Pedro Nuñez, também foi ordenado Sacerdote.
Ao 14 anos de idade, São José de Anchieta foi a Portugal, Coimbra, para estudar Filosofia no Real Colégio das Artes e Humanidades, anexo à já renomada Universidade de Coimbra. E como noviço jesuíta teve ingresso a 1 de Maio de 1551.
Em Salvador, capital do governo-geral do Brasil, demorou menos de três meses, pois foi chamado à capitania de São Vicente nos primeiros dias de outubro, com o padre jesuíta Leonardo Nunes, ao encontro do Padre Manuel da Nóbrega, onde permaneceria por doze anos.
Nosso Santo aprendia idiomas indígenas com grande facilidade, e assim procurava ir ao encontro de todas nações, fato que fez dele o 'Apóstolo do Brasil'. A maledicente opinião, de que a Santa Igreja Católica não se importava com as almas dos índios, encontra nele a Verdade que faz calar. Outra informação que contradiz tal mentira, além das já seculares práticas adotadas por muitos membros da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, é a publicação da bula 'Sublimis Deus' pelo papa Paulo III, em 1537, na qual ele abertamente declara que todas 'raças' são iguais perante o Criador. A história do Padre Vieira, enfim, outro jesuíta que aqui viveu entre 1614 e 1697, quando faleceu, também põe por terra essa falácia.
Em dedicação comparável a de um mártir, o irmão Anchieta ofereceu-se com o padre Nóbrega para irem sós, conseguir acordo de paz com os temíveis tamoios, que como outras etnias eram canibais. Chegou a ficar sozinho em uma de suas tribos, a de Iperoig, como garantia que eles não seriam atacados após retorno do Padre Nóbrega à Vila de São Vicente, aonde foi confirmar os termos do acordo com as autoridades portuguesas. Sua vida estava em muito delicada situação, pois os nativos guerreiros não eram unânimes em firmar o acordo, que não se restringia às relações com os portugueses, mas principalmente com os tupinambás, que eram aliados dos brancos e seus inimigos havia séculos.
Mas até mesmo esse milagre foi por estes homens de Deus alcançado: índios de várias tribos foram vistos abraçando-se na Vila de São Vicente, e aí eram recebidos pelos religiosos e habitantes com se estivessem em casa, embora fosse histórico domínio inimigo. Foi o próprio Anchieta, após ser ordenado padre em Bahia pelo bispo do Brasil, aos 32 anos, que deixou registrado estes feitos. Humilde, exclusivamente atribuía-os todos ao Padre Nóbrega.
Também deixou um singelo registro do início de suas instalações, que se tornariam a cidade de São Paulo, numa carta que escreveu a Santo Inácio de Loyola. É um belo retrato de sua espiritualidade e evangélica pobreza: "Aqui fizemos uma pequena casinha de palha, e a estreita porta de cana. As camas são redes que os índios costuram; os cobertores, o fogo, para o qual, acabada a lição à tarde, vamos buscar lenha no mato e trazemos às costas, para passarmos a noite. A roupa é pouca e pobre, sem meias ou sapato, de pano de algodão... A comida vem dos índios, que nos dão alguma esmola de farinha e algumas vezes, mas raramente, alguns peixinhos do rio, e ainda mais raramente alguma caça do mato."
A data da fundação desta cidade igualmente vem de uma anotação sua: "A 25 de Janeiro do Ano do Senhor de 1554 celebramos, em paupérrima e estreitíssima casinha, a primeira Missa, no dia da conversão do Apóstolo São Paulo, e, por isso, a ele dedicamos nossa casa!"
A fundação da cidade do Rio de Janeiro, da mesma forma, foi descrita por sua mão: "... logo no dia seguinte, que foi o último de fevereiro ou primeiro de março, começaram a roçar em terra com grande fervor e cortar madeira para cerca, sem querer saber nem dos tamoyos nem dos franceses. Mas como quem entrava em sua terra... a cerca que tem feita não é mais que um pé a tomar posse da terra... contudo é maior e basta-lhe chamar-se Cidade de São Sebastião para ser favorecida do Senhor, e merecimentos do glorioso mártir..."
Suas parcas instalações no planalto de Piratininga, onde contava com outros padres da Companhia de Jesus, iriam tornar-se o célebre Colégio de São Paulo, do qual foi regente. Ao fim do primeiro ano, esta povoação teria 130 pessoas, mas só 36 delas batizadas. Além de educar e catequizar os indígenas, também os defendia de colonizadores portugueses em tentativas de escravizá-los ou tomar-lhes mulheres e filhos. Foi ao litoral sul da capitania de São Vicente, às aldeias de Itanhaém e Peruíbe, na quaresma anterior a sua ida à aldeia de Iperoig, com o Padre Manuel da Nóbrega, para preparar o acordo de paz com os tupinambás da aldeia de Ubatuba. Aliás, o renomado cacique Tibiriçá, desta tribo, que se tornaria um grande colaborador do Padre Nóbrega, foi batizado sob o carisma de São José de Anchieta.
Tanto pela amizade com os indígenas como pelo conhecimento da região, São José de Anchieta foi muito importante para o Governador Geral do Brasil na guerra de expulsão dos franceses que haviam invadido Rio de Janeiro, desterrando a França Antártica. De fato, em 1566 foi enviado pelo Padre Nóbrega à capitania de Bahia para informar Mem de Sá dos assuntos desta guerra, e, mais importante, convencê-lo do envio de reforços portugueses, no que foi muito bem sucedido. Muito respeitado por Estácio de Sá, primeiro governador da capitania de Rio de janeiro e sobrinho de Mem de Sá, tratou de assisti-lo em seu falecimento pouco depois desta guerra, pois em combate foi gravemente ferido.
Sua obra 'Os feitos de Mem de Sá', impressa em Coimbra em 1563, sobre a luta dos portugueses contra franceses na baía da Guanabara, é uma epopeia renascentista em latim anterior a 'Os Lusíadas', de Luís de Camões. Primeiro poema épico da América, foi o primeiro poema brasileiro impresso, e a primeira obra publicada de nosso Santo. Aliás, é dele a melhor produção literária do quinhentismo brasileiro..
Ele ainda tem os títulos de 'Apóstolo do Novo Mundo', 'Pai do Teatro Brasileiro' e de 'Pai da Literatura Nacional', pois, além de históricos registros e cartas, escreveu sermões, poesias e peças de teatro para a catequização dos índios. Sua mais conhecida obra é o Auto de São Lourenço.
Era hábil, em prosa e verso, em português, castelhano, latim e tupi. Escreveu o primeiro livro de gramática tupi-guarani, a 'Arte da Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil', publicada em Coimbra no ano de 1595, de grande utilidade para o país por muito tempo. A pedido do amado Padre Manuel da Nóbrega, que queria uma peça teatral sobre o Natal de Jesus, criou uma primeira versão de sua expressiva obra 'Da Pregação Universal', que foi encenada na aldeia de São Paulo de Piratininga. Depois criou uma adaptação chamada 'Na Festa de Natal' ou 'Na Festa de São Lourenço', para os índios da aldeia de São Lourenço, atual cidade de Niterói. Ainda no fim do ano de 1553, na Vila de São Vicente havia havia apresentado pela primeira vez um presépio aos índios e filhos de colonos. Foi Regente dos Colégios Jesuítas em Rio de Janeiro e em Vitória, e Provincial Jesuíta do Brasil por dez anos, de 1577 a 1587, quando humildemente pediu para deixar o encargo.
Conta-se que seu livro 'Poema à Virgem' foi escrito na areia da praia, enquanto era voluntário refém dos tamoios nas tratativas de paz acima mencionadas. São 4172 versos que, semanas mais tarde, como prova de sua prodigiosa memória, ele transcreveu para o papel.
Aqui, trechos do Compaixão da Virgem na Morte do Filho:
Por que ao profundo sono, alma, tu te abandonas,
e em pesado dormir, tão fundo assim ressonas?
Não te move a aflição dessa mãe toda em pranto,
que a morte tão cruel do filho chora tanto?
(...)
Olha como lhe rasga a cerviz rijo espinho,
e o sangue puro risca a face toda arminho.
Pois não vês que seu corpo, incivilmente leso,
mal susterá ao ombro o desumano peso?
Vê como a dextra má finca em lenho de escravo
as inocentes mãos com aguçado cravo.
Olha como na cruz finca a mão do algoz cego
os inocentes pés com aguçado prego.
Ei-lo, rasgado jaz nesse tronco inimigo,
e c'o sangue a escorrer paga teu furto antigo!
Vê como larga chaga abre o peito,
e deságua misturado com sangue um rio todo d'água.
(...)
Ergue-te pois e, atrás da muralha ferina
cheia de compaixão, procura a mãe divina.
Deixaram-te uma e outro em sinais bem marcada
a passagem: assim, tornou-se clara a estrada.
Ele aos rastros tingiu com seu sangue tais sendas,
ela o solo regou com lágrimas tremendas.
(...)
Mas onde te arrastou, mãe, borrasca tão forte?
que terra te acolheu a prantear tal morte?
Ouvirá teu gemido e lamento a colina,
em que de ossos mortais a terra podre mina?
Sofres acaso tu junto à planta do odor,
em que pendeu Jesus, em que pendeu o amor?
Eis-te aí lacrimosa a curtir pena inteira,
pagando o mau prazer de nossa mãe primeira!
Sob a planta vedada, ela fez-se corruta:
colheu boba e loquaz, com mão audaz a fruta.
Mas a fruta preciosa, em teu seio nascida,
à própria boa mãe dá para sempre a vida,
e a seus filhos de amor que morreram na rega
do primeiro veneno, a ti os ergue e entrega.
(...)
Vives ainda, ó mãe, p'ra sofrer mais canseira:
já te envolve no mar uma onda derradeira.
Esconde, mãe, o rosto e o olhar no regaço:
eis que a lança a vibrar voa no leve espaço.
Rasga o sagrado peito a teu filho já morto,
fincando-se a tremer no coração absorto.
Faltava a tanta dor esta síntese finda,
faltava ao teu penar tal complemento ainda!
Faltava ao teu suplício esta última chaga!
Tão grave dor e pena achou ainda vaga!
Com o filho na cruz tu querias bem mais:
que pregassem teus pés, teus punhos virginais.
Ele tomou p'ra si todo o cravo e madeiro
e deu-te a rija lança ao coração inteiro.
Podes, mãe, descansar; já tens quanto querias:
Varam-te o coração todas as agonias.
Este golpe encontrou o seu corpo desfeito:
só tu colhes o golpe em compassivo peito.
(...)
Ó caminho real, áurea porta da altura!
Torre de fortaleza, abrigo da alma pura!
Ó rosa a trescalar santo odor que embriaga!
Joia com que no céu o pobre um trono paga!
(...)
Ó chaga que és rubi de ornamento e esplendor,
cravas os peitos bons de divinal amor!
Ó ferida a ferir corações de imprevisto,
abres estrada larga ao coração de Cristo!
Prova do estranho amor, que nos força à unidade!
Porto a que se recolhe a barca em tempestade!
Refugiam-se a ti os que o mau pisa e afronta:
mas tu a todo o mal és medicina pronta!
(...)
Ó morada de paz! sempre viva cisterna
da torrente que jorra até a vida eterna!
Esta ferida, ó mãe, só se abriu em teu peito:
quem a sofre és tu só, só tu lhe tens direito.
(...)
Por aí entrarei ao amor descoberto,
terei aí descanso, aí meu pouso certo!
No sangue que jorrou lavarei meus delitos
e manchas, delirei em seus caudais benditos!
Se neste teto e lar decorrer minha sorte,
me será doce a vida, e será doce a morte!
Fim
Ciosamente assumia a tutela dos índios, pois não os queria entregues aos maus exemplos de portugueses que para cá eram mandados. Suas preces pela Paz em terras brasileiras eram tão intensas que os próprios índios davam relatos de que ele levitava diante dos altares improvisados.
Nessa paternal assistência em nome de maiores contingentes, em 1569 ainda fundou a cidade de Iriritiba, ou Reritiba, no atual Estado do Espírito Santo, hoje chamada de Anchieta, onde faleceu em 1597. De grande vigor espiritual, duas vezes por mês percorria um caminho pelo litoral, daí até a ilha de Vitória, com paradas para pregar e pernoitar em Guarapari, Setiba, Ponta da Fruta e Barra do Jucu, num trecho de aproximadamente 105 quilômetros. Em Reritiba, a Igreja Matriz Nossa Senhora da Assunção e o Colégio são muito bem preservados. Fazem parte do Santuário Nacional de São José de Anchieta.
Aqui, trechos do Compaixão da Virgem na Morte do Filho:
Por que ao profundo sono, alma, tu te abandonas,
e em pesado dormir, tão fundo assim ressonas?
Não te move a aflição dessa mãe toda em pranto,
que a morte tão cruel do filho chora tanto?
(...)
Olha como lhe rasga a cerviz rijo espinho,
e o sangue puro risca a face toda arminho.
Pois não vês que seu corpo, incivilmente leso,
mal susterá ao ombro o desumano peso?
Vê como a dextra má finca em lenho de escravo
as inocentes mãos com aguçado cravo.
Olha como na cruz finca a mão do algoz cego
os inocentes pés com aguçado prego.
Ei-lo, rasgado jaz nesse tronco inimigo,
e c'o sangue a escorrer paga teu furto antigo!
Vê como larga chaga abre o peito,
e deságua misturado com sangue um rio todo d'água.
(...)
Ergue-te pois e, atrás da muralha ferina
cheia de compaixão, procura a mãe divina.
Deixaram-te uma e outro em sinais bem marcada
a passagem: assim, tornou-se clara a estrada.
Ele aos rastros tingiu com seu sangue tais sendas,
ela o solo regou com lágrimas tremendas.
(...)
Mas onde te arrastou, mãe, borrasca tão forte?
que terra te acolheu a prantear tal morte?
Ouvirá teu gemido e lamento a colina,
em que de ossos mortais a terra podre mina?
Sofres acaso tu junto à planta do odor,
em que pendeu Jesus, em que pendeu o amor?
Eis-te aí lacrimosa a curtir pena inteira,
pagando o mau prazer de nossa mãe primeira!
Sob a planta vedada, ela fez-se corruta:
colheu boba e loquaz, com mão audaz a fruta.
Mas a fruta preciosa, em teu seio nascida,
à própria boa mãe dá para sempre a vida,
e a seus filhos de amor que morreram na rega
do primeiro veneno, a ti os ergue e entrega.
(...)
Vives ainda, ó mãe, p'ra sofrer mais canseira:
já te envolve no mar uma onda derradeira.
Esconde, mãe, o rosto e o olhar no regaço:
eis que a lança a vibrar voa no leve espaço.
Rasga o sagrado peito a teu filho já morto,
fincando-se a tremer no coração absorto.
Faltava a tanta dor esta síntese finda,
faltava ao teu penar tal complemento ainda!
Faltava ao teu suplício esta última chaga!
Tão grave dor e pena achou ainda vaga!
Com o filho na cruz tu querias bem mais:
que pregassem teus pés, teus punhos virginais.
Ele tomou p'ra si todo o cravo e madeiro
e deu-te a rija lança ao coração inteiro.
Podes, mãe, descansar; já tens quanto querias:
Varam-te o coração todas as agonias.
Este golpe encontrou o seu corpo desfeito:
só tu colhes o golpe em compassivo peito.
(...)
Ó caminho real, áurea porta da altura!
Torre de fortaleza, abrigo da alma pura!
Ó rosa a trescalar santo odor que embriaga!
Joia com que no céu o pobre um trono paga!
(...)
Ó chaga que és rubi de ornamento e esplendor,
cravas os peitos bons de divinal amor!
Ó ferida a ferir corações de imprevisto,
abres estrada larga ao coração de Cristo!
Prova do estranho amor, que nos força à unidade!
Porto a que se recolhe a barca em tempestade!
Refugiam-se a ti os que o mau pisa e afronta:
mas tu a todo o mal és medicina pronta!
(...)
Ó morada de paz! sempre viva cisterna
da torrente que jorra até a vida eterna!
Esta ferida, ó mãe, só se abriu em teu peito:
quem a sofre és tu só, só tu lhe tens direito.
(...)
Por aí entrarei ao amor descoberto,
terei aí descanso, aí meu pouso certo!
No sangue que jorrou lavarei meus delitos
e manchas, delirei em seus caudais benditos!
Se neste teto e lar decorrer minha sorte,
me será doce a vida, e será doce a morte!
Fim
Ciosamente assumia a tutela dos índios, pois não os queria entregues aos maus exemplos de portugueses que para cá eram mandados. Suas preces pela Paz em terras brasileiras eram tão intensas que os próprios índios davam relatos de que ele levitava diante dos altares improvisados.
Nessa paternal assistência em nome de maiores contingentes, em 1569 ainda fundou a cidade de Iriritiba, ou Reritiba, no atual Estado do Espírito Santo, hoje chamada de Anchieta, onde faleceu em 1597. De grande vigor espiritual, duas vezes por mês percorria um caminho pelo litoral, daí até a ilha de Vitória, com paradas para pregar e pernoitar em Guarapari, Setiba, Ponta da Fruta e Barra do Jucu, num trecho de aproximadamente 105 quilômetros. Em Reritiba, a Igreja Matriz Nossa Senhora da Assunção e o Colégio são muito bem preservados. Fazem parte do Santuário Nacional de São José de Anchieta.
Posteriormente, porém, seu corpo foi transladado e sepultado em Vitória, a capital, em frente ao altar principal da Igreja de São Tiago Maior, anexa ao Colégio Jesuíta. Porém, com a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759, a igreja e o colégio foram feitos palácio do governo da província do Espírito Santo, e de alterações em alterações em 1922 totalmente descaracterizados. Até a lápide do túmulo, encomendada em Portugal e feita em granito negro, foi desrespeitosamente deslocada e posteriormente trocada por uma 'mais bonita'.
Tão amplamente venerado, em 1610 seus ossos foram levados para o Colégio dos Jesuítas de Bahia, em Salvador, que seria mais honroso lugar, e depois tentaram mesmo levar parte a Roma, onde fica a Casa Generalícia da Ordem, mas a caravela naufragou. Ainda em 1622, no processo de sua beatificação em curso em Rio de Janeiro, que fora iniciado na capitania de Bahia em 1617, uma das senhoras que o conheceu, Leonor Leme, matriarca paulista da família Leme, testemunhou: "Todos o tinham por santo publicamente!" Seu processo, porém, foi muito desfavorecido pela perseguição do marquês de Pombal aos jesuítas, dada no século seguinte.
Enfim, foi beatificado em 22 de junho de 1980 pelo amado Papa João Paulo II, e canonizado em 3 de abril de 2014 pelo Papa Francisco, que também era jesuíta.
Mesmo antes de sua beatificação, era muito admirado em Espanha, listado como um dos 'Forjadores de América', e em Tenerife, onde há uma grande imagem sua desde 1960, doação do governo do Brasil, que o retrata ainda jovem.
É co-padroeiro do Brasil desde 2015, junto à Nossa Senhora da Conceição Aparecida e São Pedro de Alcântara, desde 1826, que tinha a devoção da família real portuguesa. Foi declarado padroeiro dos catequistas do Brasil pelo Dicastério para o Culto Divino e Sacramentos, da Cúria Romana. É o patrono da cadeira de número um da Academia Brasileira de Música e está inscrito no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria, criado em 1992 pelo Congresso Nacional e exposto em Brasília.
O manto, usado em seus últimos anos, é uma de suas relíquias, guardado na Capela de Anchieta, no Pateo do Collegio de São Paulo.