domingo, 1 de junho de 2025

São Justino


    De pais latinos, nasceu em Samaria, na cidade de Flávia Neápolis, atual Nablus, terras de Cisjordânia. Fundada pelos romanos no ano de 72 de nossa era, ficava a dois quilômetros da cidade de Siquém, lugar onde Abraão ergueu o primeiro altar quando chegou a Canaã, junto ao carvalho de Moré, após uma aparição de Deus confirmando-a como a Terra Prometida (cf. Gn 12,6-7). Siquém, aliás, que ao tempo de Jesus era chamada de Sicar, onde Ele encontrou a samaritana e prometeu Água Viva (cf. Jo 4,10).
    Na infância foi aluno dos melhores mestres, e teve aulas de História, Retórica e Poesia. Adulto, por muito tempo procurou a Verdade, peregrinando por várias escolas de Filosofia grega e aprofundando-se nas correntes do estoicismo e do platonismo. Poderia ter-se tornado um grande mestre, mas Deus atraiu-o para a experiência do deserto. Através de sua sensível inteligência, o Senhor revelou-lhe as muitas futilidades da vida social.
    Uma vez no eremitério, à beira mar conheceu um senhor de idade que lhe falou de Cristo, segundo suas próprias palavras: "como confiável testemunha da Verdade". Primeiro, colocou-o em dificuldade demonstrando a incapacidade do homem para satisfazer a aspiração pelo divino só com suas próprias forças. Depois falou-lhe dos Profetas da Bíblia, de suas profecias, e confrontou-os com os filósofos que ele havia estudado. Por fim, exortou-o à oração, literalmente dizendo: "Reza antes de tudo para que as portas da Luz te sejam abertas, porque ninguém pode ver e compreender, se Deus e Seu Cristo não lhe concedem discernir." (Diálogo com o judeu Trifão 7,3)
    E tão misteriosamente como esse ancião lhe apareceu, também despareceu (teria sido seu Anjo da Guarda?). São Justino escreveu que, após esse encontro, "Meu espírito foi imediatamente posto em brasa, e uma afeição pelos Profetas e por aqueles que são amigos de Cristo tomou conta de mim. Enquanto ponderava nestas palavras, descobri que Sua Filosofia era a única segura e útil." (Diálogo com o judeu Trifão 8,1)
   Voltou à vida urbana e continuou vestindo-se com a capa que lhe identificava como filósofo, mas, depois de presenciar uma violenta perseguição aos cristãos, ficou absolutamente estarrecido. Buscou conhecer melhor quem eram essas pessoas e como viviam, e, impressionado com tão fervorosa , que desafiava a própria morte, definitivamente entregou sua alma a Jesus.
    Foi batizado no ano de 130, aos 27 anos, em Éfeso, mesmo sabendo do grande risco em que colocava sua vida. E aí mesmo, nessa grande cidade, onde São João Apóstolo havia sido bispo, começou a ensinar o Evangelho ao invés da Filosofia de Platão, que até então tanto admirava. Tornou-se o primeiro dos Padres da Igreja, sucedendo diretamente os Padres Apóstolos, aqueles que conheceram e foram ordenados pelos próprios Apóstolos. Sua Teologia realmente impressionava a todos.
    Também é chamado de Padre Apologista, sendo o mais importante deles no século II. Apologistas foram antigos escritores cristãos que defendiam o Cristianismo de infundadas teorias acusatórias de pagãos e judeus, e difundiam a Sã Doutrina em palavras próprias à cultura de seu tempo. Exerciam, pois, a apologética, propriamente dita, defendendo os ensinamentos da nascente Igreja, e o encargo missionário, pregando a fé com contemporâneas linguagem e categorias de pensamento. Aliás, 'apologhía' em grego significa defesa.


    Em pouco tempo sua fama levou-o a Roma, onde fundou uma escola gratuita para ensinar a 'verdadeira Filosofia', pois dizia ter encontrado a arte de viver de reto modo. Muito bem embasado, lá debateu com os maiores filósofos da época, que não conseguiam vencê-lo. Fartamente escreveu, com merecido destaque para "Apologia I" e "Apologia II", nas quais enaltece o Cristianismo, e mais uma grande obra chamada "Diálogo com o judeu Trifão", que era o grande filósofo de então.
    Em seus livros deixou importantes descrições dos rituais da Santa Igreja Católica, como o mais antigo registro que se tem da Santa Missa. Também descreveu outros ritos e, uma preciosidade, como se ministrava os Sacramentos nos primórdios do Catolicismo. É o autor de uma esclarecedora anotação sobre o Batismo, que sempre dispensou a imersão em água corrente ou parada: "Os que são batizados por nós, são levados para um lugar onde haja água e são regenerados da mesma forma como nós fomos. É em Nome do Pai de todos e Senhor Deus, e de Nosso Senhor Jesus Cristo, e do Espírito Santo que recebem a loção na Água. Este rito foi-nos entregue pelos Apóstolos." (Apologia I, 61)
    Sobre a Santa Eucaristia, ele escreve: "Os Apóstolos, em suas memórias que chamamos Evangelhos, transmitiram-nos a recomendação que Jesus lhes fizera. Tendo Ele tomado o pão e dado graças, disse: 'Fazei isto em memória de Mim. Isto é Meu Corpo'; e igualmente tomando o cálice e dando graças, disse: 'Isto é Meu Sangue', e deu-Os somente a eles. Desde então, nunca mais deixamos de recordar estas coisas entre nós." (Apologia I, 66-67)
    Sobre a Confissão, que chama de Batismo de remissão dos pecados: "Designamos este alimento Eucaristia. A ninguém é permitido dele participar, sem que creia na Verdade de nossa Doutrina, que já tenha recebido o Batismo de remissão dos pecados e do novo nascimento, e viva conforme os ensinamentos de Cristo. Pois não tomamos estas coisas como comuns pão ou bebida; senão, que assim como Jesus Cristo, feito Carne pela Palavra de Deus, teve Carne e Sangue para salvar-nos, assim também o alimento feito Eucaristia (...) é a Carne e o Sangue de Jesus Encarnado. Assim nos ensinaram." (Apologias I, 65-67)
    E sobre o Domingo: "Reunimo-nos todos no dia do Sol, não só porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, criou o mundo, mas também porque neste mesmo dia Jesus Cristo, Nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Crucificaram-nO na véspera do dia de Saturno; e no dia seguinte a este, ou seja, no dia do Sol, aparecendo a Seus Apóstolos e discípulos, ensinou-lhes tudo que nós também vos propusemos como digno de consideração." (Apologia I, 66-67)
    Como citava partes do Evangelho Segundo São Mateus, Segundo São Marcos, Segundo São Lucas e provavelmente também Segundo São João, pode-se concluir que, no início da primeira metade do século II, os 4 Evangelhos já estivessem consolidados como Canônicos pela Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, ainda que vistos sem distinção entre si e chamados por São Justino de "Memórias dos Apóstolos." Poucas décadas depois, Santo Irineu, aluno de São Policarpo, apenas corroboraria esta percepção.
    Nosso Santo coloca o Cristianismo como o ápice da Filosofia grega. Jesus seria o Logos de que os filósofos falavam: "Aprendemos que Cristo é o Primogênito de Deus e que é o Logos, do Qual participa todo gênero humano." (Apologia I, 46)
    São de escritos seus:

    "Pois escolho não seguir homens ou as doutrinas dos homens, mas sim Deus e as doutrinas por Ele entregues. Pois, se tu te envolveste com alguns que são chamados cristãos, mas que não admitem essa Verdade, e se arriscam a blasfemar contra o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, dizendo que não há Ressurreição dos Mortos, e que suas almas, quando morrem, são levadas para o Céu, não imagines que eles são cristãos."
    "Entenda-se que aqueles que não são encontrados vivendo como Ele ensinou, não são cristãos, embora com os lábios professem os ensinamentos de Cristo."
    "Ninguém que é bem instruído troca verdadeira por falsa crença."
    "A Sã Doutrina não entra em um duro e desobediente coração."
    "Com efeito, do mesmo modo como Jesus Cristo, Nosso Salvador, Se fez Homem pela Palavra de Deus e assumiu a Carne e o Sangue para nossa Salvação, também nos foi ensinado que o alimento sobre o qual foi pronunciada a ação de graças com as mesmas palavras de Cristo e, depois de transformado, nutre nossa carene e nosso sangue, é a própria Carne e o Sangue de Jesus que Se encarnou."
    "Examinando a língua do paciente, os médicos descobrem as doenças do corpo, e os filósofos, as doenças da mente."
    "O mundo não sofre nada dos cristãos, mas odeia-os porque eles rejeitam seus prazeres."
    "Nós costumávamos odiar e destruir uns aos outros, e recusávamos a associar-nos com pessoas de outra raça ou país. Agora, por causa de Cristo, nós vivemos juntos com essas pessoas e oramos por nossos inimigos."
    "Nós que odiamos e assassinamos uns aos outros, agora vivemos juntos e compartilhamos a mesma mesa. Nós oramos por nossos inimigos e tentamos conquistar aqueles que nos odeiam."
    "Nós oramos por nossos inimigos. Procuramos persuadir aqueles que nos odeiam sem motivo a viver de acordo com os bons preceitos de Cristo, para que conosco possam tornar-se participantes da alegre esperança das bênçãos de Deus, o Senhor de todos."

    "Nós mesmos estávamos bem familiarizados com a guerra, o assassinato e tudo que é mau, mas todos nós, em toda vasta Terra, trocamos nossas armas de guerra. Trocamos nossas espadas por arados, nossas lanças por ferramentas agrícolas... agora cultivamos o temor a Deus, a justiça, a bondade, a fé e a expectativa do futuro que nos foi dada através do Crucificado... Quanto mais somos perseguidos e martirizados, mais os outros, em cada vez maior número, tornam-se crentes."
    "Se alguns nos acusarem, como se acreditássemos que as pessoas nascidas antes da época de Cristo não eram responsáveis perante Deus por suas ações, devemos antecipar-nos e responder a essa dificuldade. Nós fomos ensinados que Cristo é o Primogênito de Deus, e nós declaramos que Ele é o Logos do Qual toda humanidade participa. Aqueles, portanto, que viviam de acordo com a razão (logos) realmente eram cristãos, embora fossem considerados ateus, como, entre os gregos, Sócrates, Heráclito e outros como eles."
    "Consequentemente, aqueles que viveram antes de Cristo, mas não segundo o Logos, foram maus, inimigos de Cristo... ao contrário, aqueles que viveram e vivem conforme o Logos são cristãos, e não estão sujeitos a medos e perturbações."
    "Quando dizemos que Jesus Cristo foi gerado sem união sexual, foi crucificado e morreu, ressuscitou e subiu ao Céu, não propomos nada de novo ou diferente do que tu acreditas em relação àqueles a quem chamas de filhos de Júpiter."
    "E se afirmarmos que Ele nasceu de uma Virgem, aceite isso em comum com o que tu aceitas de Perseu."
    "No que dizemos que Ele tornou sãos o aleijado, o paralítico e os cegos de nascença, parece que dizemos o que é muito semelhante aos feitos que dizem ter sido realizados por Esculápio."
    "Nós desviamo-nos dos caminhos do Imortal! E com uma monótona e insensata mente adoramos ídolos, a obra de nossas próprias mãos, e imagens e figuras de homens mortos."

    "Adoramos o Deus dos cristãos, a Quem consideramos como único Criador, desde o princípio, artífice de toda Criação, das coisas visíveis e invisíveis; também adoramos o Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, que os Profetas anunciaram vir ao gênero humano como mensageiro da Salvação e Mestre da Boa Doutrina."
    "Na verdade, procurei conhecer todas doutrinas, mas acabei por abraçar a verdadeira Doutrina dos cristãos, embora ela não seja aceita por aqueles que vivem no erro."
    
"Desejamos e esperamos chegar à Salvação através dos tormentos que sofrermos por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. O sofrimento garante-nos a Salvação e dá-nos confiança perante o tribunal de Nosso Senhor e Salvador, que é universal e mais terrível que o teu."
    "Espero entrar naquela morada (o Céu), se tiver de sofrer o que dizes. Pois sei que para todos que santamente viverem está reservada a recompensa de Deus, até o fim do mundo inteiro."
    "Com o que possuímos, socorremos a todos necessitados e estamos sempre unidos uns aos outros. E por todas coisas com que nos alimentamos, bendizemos o Criados do Universo, por Seu Filho Jesus Cristo e pelo Espírito Santo."
    "Reconheço o valor das profecias que previamente anunciaram Aquele que afirmei ser o Filho de Deus. Sei que eram inspirados por Deus os Profetas que vaticinaram Sua Vinda entre os homens."
    "Esperamos receber de novo nossos próprios corpos, ainda que estejam mortos e misturados à terra, pois sustentamos que com Deus nada é impossível."
    "Por causa desta bacia de arrependimento e conhecimento de Deus, que foi ordenado pela transgressão do povo de Deus, como Isaías clama, nós cremos e testificamos que o próprio Batismo que ele anunciou é o único capaz de purificar aqueles que se arrependem. É a Água da Vida. Mas as cisternas que tu cavaste por ti mesmo estão quebradas e sem nenhum benefício. Pois qual é o uso de um batismo que só purifica a carne e o corpo? Batize a alma contra a ira e a cobiça, contra a inveja e o ódio, e eis que o corpo se torna puro!"
    "A esse Batismo dá-se o nome de iluminação, porque os iniciados nesta Doutrina ficam iluminados em sua inteligência. Mas a purificação daquele que é iluminado também se faz em Nome de Jesus Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos, e em Nome do Espírito Santo que, pelos Profetas, tudo predisse que dizia respeito a Jesus."
    "Para também termos um nascimento que não seja fruto da simples natureza e da ignorância, mas sim de uma consciente escolha, e obtermos pela Água o perdão dos pecados cometidos, sobre aquele que desejar ser regenerado e fizer penitência dos pecados é pronunciado o Nome do Criador e Senhor Deus de todas coisas, Nome que somente é invocado sobre aquele que é conduzido à Água do Batismo."
    
"Se tu estás ansiosamente à procura de Salvação, e se tu acreditas em Deus, tu podes... familiarizar-te com o Cristo de Deus, e, depois de ser iniciado (batizado), viver uma feliz vida."
    "Mas se se mostra que tão grande poder se tenha seguido, e ainda esteja se seguindo, à dispensação de Seu sofrimento, quão grande será aquele que se seguirá a Seu Glorioso Advento! Porque nas nuvens Ele virá como o Filho do Homem, assim Daniel predisse, e Seus anjos virão com Ele."

 
    Nosso amado Papa Bento XVI magistralmente resumiu suas Apologias numa audiência geral em 2007: "Nelas Justino pretende ilustrar, antes de tudo, o projeto divino da Criação e da Salvação que se realiza em Jesus Cristo, o Logos, isto é, o Verbo Eterno, a Razão Eterna, a Razão Criadora. Cada homem, como criatura racional, é partícipe do Logos, leva em si uma 'semente', e pode colher os indícios da Verdade. Assim o mesmo Logos, que Se revelou como profética figura aos judeus na Antiga Lei, parcialmente também Se manifestou, como que em 'sementes de Verdade', na Filosofia grega. Mas, conclui Justino, dado que o Cristianismo é a histórica e pessoal manifestação do Logos em Sua totalidade, origina-se que "tudo que foi expresso de positivo por quem quer que seja, pertence a nós cristãos (Apologia II 13, 4)."
    Teria sido por ciúme de outro filósofo romano, Crescêncio, a quem fragorosamente derrotou em vários debates, que São Justino foi denunciado como cristão a Marco Aurélio, o imperador filósofo a quem nosso Santo tinha dirigido sua "Apologia".
    Mas muitas autoridades romanas já estavam incomodadas com suas pregações, pois convertia muitos intelectuais e era amado pelo povo, que o tratava como Santo. Seus sermões enchiam as praças públicas, e as assembleias cristãs, rudimentos de nossas Santas Missas, eram bastante concorridas quando presididas por ele.
    Como não negava sua fé em Cristo, nem mesmo sob graves ameaças, foi supliciado e decapitado aos 61 anos, mas entre outros cristãos que estavam para ser martirizados em Roma, pois assim pediu. Não se julgava melhor que eles.


    Na costa italiana do Mar Adriático, na comuna de Monte San Vito, em Ancona, na terceira capela da Igreja Colegiada de São Pedro Apóstolo guardam-se suas relíquias.


    A igreja dos jesuítas na cidade de Valleta, em Malta, também guarda parte de suas relíquias no altar dedicado a São Joaquim e Santa Ana.


    São Justino, rogai por nós!