domingo, 29 de dezembro de 2024

São Tomás Becket


    Foi amigo de adolescência e juventude de Henrique II, rei de Inglaterra no século XII, mas não pensou duas vezes antes de oferecer-lhe declarada resistência quando ele quis usurpar direitos da Igreja, através das leis chamadas 'Constituições de Clarendon'. Era, na ocasião, o Arcebispo de Canterbury, principal diocese britânica, atual sede da igreja anglicana, mas de início teve que fugir para França, pois sua vida realmente estava em risco.
    Durante a mocidade, viveu como nobre e era amante da mundana vida, desfrutando de todas regalias de um cortesão em palácios, festas, cavalgadas e caçadas. Foi educado nas melhores escolas, tendo estudado também em Paris e em Bolonha, Itália, a primeira universidade do mundo ocidental. Ao retornar a Londres, porém, por sua inteligência e sensibilidade foi convidado por Teobaldo, Arcebispo da Cantuária, para representá-lo em importantes missões em Roma. Demonstrou, nesses tempos, um profundo apreço pela Igreja Católica, e tornou-se arcediácono dessa diocese, além de reitor da renomada Escola de Beverly.
    Destacou-se de tal modo por seu brilhantismo nessas funções que foi nomeado por seu amigo, e então rei, Henrique II, para o cargo de Chanceler de Inglaterra. Seus dons de conciliador fizeram dele um excelente diplomata, cargo que exerceu por sete anos. As pretensões de poder do rei, entretanto, afastaram São Tomás da Igreja, levando-o a participar de cobranças de antigos impostos que visavam retirar a autonomia e direitos dos bispos. Evidentemente, o clero ressentiu-se da nova postura assumida por São Tomás, que também havia retornado ao convívio dos nobres e do rei em suas festas, assim como ao mundano comportamento.
    Tão íntimo estava da família real que o próprio rei lhe confiou a educação de seu filho. Mais tarde, ele iria dizer que havia recebido mais afeição de São Tomás Becket que do próprio pai.
    Morto Teobaldo, o rei obteve do Papa a concessão para indicar o novo arcebispo, pois Roma tentava melhorar as relações com a corte inglesa. O Papa, porém, bem sabia que seu indicado seria São Tomás, e acreditava, como suscitou João de Salisbury, Bispo de Chartres, França, em sua definitiva conversão quando assumisse as funções do arcebispado, mesmo sob fortes protestos que viriam do clero de Inglaterra.
    O Bispo de Chartres estava certo: os desígnios de Deus cumpriram-se exatamente como o Espírito Santo havia inspirado a Igreja. E frustraram as ambições do rei, que não esperava tamanha transformação como a que se deu em São Tomás. Ele fielmente abraçou a vida de virtudes, praticando a pobreza evangélica e, para penitenciar-se, passou a usar grosseiras e desconfortáveis roupas por baixo dos paramentos. Sua ordenação para o sacerdócio e, no dia seguinte, para o arcebispado, no ano de 1162, alguns meses após a morte de Teobaldo, foram as centelhas que fizeram seu coração verdadeiramente arder de amor ao Evangelho.


    Não demorou para que ele pedisse afastamento do cargo de chanceler, e começasse a sonegar os impostos que ele mesmo vinha ajudando a arrecadar em nome do rei. Mas, em outubro de 1163, Henrique II tentou isolar São Tomás, colocando outros bispos ingleses contra ele numa reunião em Westminster, porém sem sucesso, pois ele resistiu com serenidade. Em janeiro de 1164, bastante irritado e sentindo-se traído, o rei convocou uma assembleia no Palácio de Clarendon e apresentou 16 'constituições', que retiravam a independência do clero em Inglaterra e reduzia a influência de Roma. Todos bispos, que já vinham sendo pressionados, concordaram e assinaram, exceto São Tomás Becket.
    Sob intensa perseguição por éditos que alcançavam também seus aliados, e até por caluniosos processos a respeito de seus anos como chanceler, São Tomás fugiu para França, onde por seis anos esteve sob a proteção do rei Luís VII. De lá, ele pediu ao Papa a excomunhão de Henrique II e o Interdicto de Inglaterra, ou seja, a excomunhão de todo país por causa do apoio que lhe davam os bispos. Em 1167, por fim, o Papa enviou representantes para resolver o conflito, mas São Tomás recusou-os sob argumento que eles lhe tiravam a autoridade, e que negociar com o rei, sob as condições que ele impunha, ofendia os princípios da Igreja.
    Em 1170, quando o Papa estava prestes a adotar o Intedicto, Henrique II nomeou seu filho como rei de Inglaterra e proclamou-se imperador. São Tomás condenou seu antigo amigo pela dissimulação e contestou a coroação realizada pelo Bispo de York, que só ele, Arcebispo da Cantuária, poderia ter realizado. Acuado, Henrique II propôs-lhe a paz, convidando-o a coroar o príncipe. O Papa Alexandre III instou que São Tomás retornasse e reabrisse as tratativas de paz a partir do território inglês.
    Obediente, ele voltou aclamado pelos fiéis, mas, conhecendo a índole do ex-amigo, bem sabia o que lhe esperava. Dizia a todos: "Voltei para morrer no meio de vós!"
    Contudo, usando de firmeza e em respeito às leis da Igreja, logo ao desembarcar em Kent excomungou todos bispos que haviam pactuado com as 'constituições' do rei, bem como os que haviam tomado parte na coroação do príncipe. Essa atitude foi usada com a gota d'água por Henrique II, que, como já havia planejado, lhe ordenou a morte. No entanto, mesmo sabendo que seria assassinado, São Tomás Becket não quis fugir. Disse: "O medo da morte não deve fazer-nos perder de vista a justiça."


    Vestiu sua casula e foi para os degraus do altar, cantar as vésperas do Ofício das Horas, quando recebeu violentos golpes de quatro cavaleiros do rei, sem opor resistência. Monges e um visitante, que testemunharam o ataque, também foram feridos.



    Foi nesta ocasião que se descobriu que ele usava um cilício, camisa de rude e incômodo tecido, como um modo de penitência. Tinha 52 anos.
    Em 1173, menos de três anos depois, foi declarado Santo e Mártir pelo Papa Alexandre III.
    Em 1174, após a rebelião de seus três filhos, inclusive Ricardo, que se tornaria o cruzado cognominado Coração de Leão, tomado de arrependimento, Henrique II foi ao seu túmulo para penitenciar-se, pois já se havia tornado lugar de intensa peregrinação por tantíssimas Graças alcançadas. Então levou suas relíquias para a cripta da Catedral da Cantuária, e em 1220 elas foram expostas para veneração na Capela da Trindade, proeminente parte da Catedral, por trás do principal altar.
    Além de preservar o lugar de seu martírio, há na Catedral da Cantuária uma capela dedicada à sua homenagem, onde a parte de cima de seu crânio, brutalmente decepada durante o assassinato, com muito carinho foi venerada até a 'Reforma' Protestante, quando por vândalos seu túmulo foi destruído e removido.


    A urna que guardou suas relíquias na Capela da Trindade, encontra-se no Museu Victoria e Albert.


    Uma relíquia, fragmento de osso seu que estava em Hungria, recentemente foi devolvido a Inglaterra.


    Mas a maior parte delas, corajosamente defendidas por fiéis católicos, seguem sendo veneradas e levadas em procissão durante seu dia pelas ruas da área e pela famosa ponte de Londres.


    São Tomás Becket, rogai por nós!

sábado, 28 de dezembro de 2024

Santos Inocentes


     Como reação do mundo imerso em pecado, o Nascimento de Jesus provocou grandes manifestações de ira desde os primeiros momentos. No Livro do Apocalipse de São João, vemos que foi concedido a este Apóstolo, por visões, constatar este delicado momento, obra do próprio Demônio contra Nossa Senhora e o Menino Jesus: "Depois apareceu outro sinal no Céu: um grande e vermelho Dragão, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete coroas. Com sua cauda varria uma terça parte das estrelas do céu, e atirou-as à Terra. Esse Dragão deteve-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim de que, quando ela desse à luz, lhe devorasse o Filho." Ap 12,3-4
    Sem dúvida, Sua Vinda revelou o que há nos 'corações' como havia previsto Simeão, o religioso de Jerusalém que esperava a 'Consolação de Israel'. Ele disse a Maria Santíssima no dia da Apresentação do Menino Jesus no Templo, na leitura do Evangelho segundo São Lucas: "Eis que este Menino está destinado a ser causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações." Lc 2,34-35
    A Primeira Carta de São João, de fato, vai fazer uma radical diferenciação: "... todo espírito que não proclama Jesus, não é de Deus, mas é o espírito do Anticristo, de cuja vinda tendes ouvido e agora já está no mundo." 1 Jo 4,3
    O próprio Jesus afirmou, depois que ensinou o Pai Nosso aos Apóstolos: "Quem não está Comigo, está contra Mim. E quem Comigo não recolhe, espalha." Lc 11,23
    Ele realmente apresentava-Se como essencial a qualquer ser humano, ou seja, como Deus. Está no Evangelho segundo São João: "Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanecer em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto. Porque sem Mim nada podeis fazer." Jo 15,5
    E o massacre dos Santos Inocentes de Belém, primeiríssimos mártires da Igreja, mostra aonde pode chegar a crueldade das más inclinações humanas que se recusam a acolher o Cristo, como Ele mesmo denunciou em Jerusalém perante Nicodemos, um notável fariseu que O acolheu, ainda no início de Sua Missão: "... a Luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas que a Luz, pois suas obras eram más." Jo 3,19
    Mais tarde, de fato, Ele declarar-Se-ia também em Jerusalém, depois de curar um cego de nascença: "... Eu sou a Luz do mundo." Jo 9,5
    Ora, Herodes, o Grande, foi descrito por um historiador com essas palavras: "... um louco que assassinou sua própria família..." Refere-se ao fato d'ele ter mandado assassinar, por pura paranoia, dois filhos, um tio, a esposa, a sogra e dois sogros, fatos que demonstram a plena plausibilidade do Massacre dos Inocentes que se deu na cidade de Belém, como veremos.
    Mas a própria Paixão de Nosso Senhor e o significado da Santa Cruz não acenam de outra forma para os cristãos. A realidade que vivem os membros da Igreja é exatamente aquela narrada por São João Apóstolo, quando o Dragão percebeu que não poderia vencer Nossa Santíssima Mãe: "Este, então, irritou-se contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os Mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus." Ap 12,17
    E essa tristíssima página da História do Catolicismo, a História dos Santos Inocentes, foi narrada no Evangelho segundo São Mateus:

    "Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do Oriente a Jerusalém. Perguntaram eles:
    - Onde está o Rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos Sua Estrela no Oriente e viemos adorá-Lo.
    A esta notícia, o rei Herodes ficou perturbado e com ele toda Jerusalém. Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, e indagou-lhes onde havia de nascer o Cristo. Disseram-lhe:
    - Em Belém, na Judeia, porque assim foi escrito pelo Profeta (Miqueias): 'E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as cidades de Judá, porque de ti sairá o Líder que governará Israel, Meu povo (Mq 5,2).'
    Herodes, então, secretamente chamou os magos e perguntou-lhes sobre a exata época em que o Astro lhes tinha aparecido. E enviando-os a Belém, disse-lhes:
    - Ide e informai-vos bem a respeito do Menino. Quando O tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também vá adorá-Lo.
    Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram.
    E eis que a Estrela, que tinham visto no Oriente, lhes foi precedendo até chegar sobre o lugar onde estava o Menino e ali parou. A aparição daquela Estrela encheu-os de profunda alegria.
    Entrando na casa, acharam o Menino com Maria, Sua mãe. Prostrando-se diante d'Ele, adoraram-nO. Depois, abrindo seus tesouros, como presentes Lhe ofereceram ouro, incenso e mirra.
    Avisados em sonhos para não tornarem a Herodes, voltaram à sua terra por outro caminho. Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe:
    - Levanta-te, toma o Menino e Sua mãe e foge para Egito. Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o Menino para matá-Lo.
    José levantou-se durante a noite, tomou o Menino e Sua mãe e partiu para Egito. Ali permaneceu até a morte de Herodes, para que se cumprisse o que dissera o Senhor pelo Profeta: 'De Egito, Eu chamei Meu filho (Os 11,1).'
    Então vendo Herodes que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado, e em Belém e em seus arredores mandou massacrar todos meninos de dois anos para baixo, conforme o exato tempo que havia indagado dos magos. Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo Profeta Jeremias: "Em Ramá ouviu-se uma voz, choro e grandes lamentos. É Raquel a chorar seus filhos! Não quer consolação, porque já não existem (Jr 31,15)!" 
                                     Mt 2,1-18


    Conforme a Sagrada Tradição, portanto, a celebração em memória dos Santos Inocentes acontece desde o século IV, e foi oficializada no século XVI por São Pio V.

Nossa Senhora dos Inocentes

    Em Belém, próximo à Basílica da Natividade, sob a Igreja de Santa Catarina de Alexandria existe uma capela escavada em pedra que é dedicada aos Santos Inocentes. Ela antecede em muito ao tempo em que aí viveu São Jerônimo, quer dizer, já era usada para essa devoção bem antes do século IV.



    Santos Inocentes, rogai por nós!