sexta-feira, 4 de julho de 2025

Santa Isabel de Portugal


    Tinha como tia-avó Santa Isabel de Hungria, e seu nome é uma homenagem a ela, a Santa duquesa que trouxe consolação a seu povo e revelou as reais dimensões da vida cristã aos nobres da Turíngia, região de atual Alemanha.
    Santa Isabel de Portugal nasceu em 1271, em Saragoça, Espanha, filha de Pedro II, que se tornaria rei de Aragão, mas foi criada por Tiago I, seu avô paterno, muito piedoso católico. Dele obteve uma primorosa dedicação, pois os dons que ela recebeu de Deus foram muito bem percebidos e estimulados. Desde tenra infância era visível o amor que tinha ao crucifixo, às imagens e aos cantos religiosos, e todos no reino sentiam que ali estava uma grande serva de Deus. Aos 8 anos já recitava o Santo Ofício todos dias.
    Apesar de sua extrema beleza, não era vaidosa. Gostava de vestir-se com simplicidade e tinha uma grande alegria em participar da Santa Missa. Alimentava o sonho de tornar-se freira, mas aos 12 anos, pretendida por vários príncipes de Europa, foi dada em casamento ao rei de Portugal, Dom Dinis, que tinha 19 anos. Obediente aos pais, aceitou-o como uma grande oportunidade para servir a Deus na privilegiada condição de rainha de Portugal.
    Mirando-se no feito de sua tia-avó, e também sobre o forte apelo espiritual do carisma das nascentes ordens mendicantes de São Francisco de Assis, de São Domingos e de São Pedro Nolasco, das quais era grande simpatizante, entendeu que assim poderia influenciar a nobreza daquele país a melhor servir aos mais pobres e carentes.
    E logo cativou o povo português por sua sincera caridade: distribuía dotes às pobres jovens e ajudava nos estudos os filhos dos mais modestos cavaleiros. Vividamente estimulou a vida religiosa no país: mandou construir várias igrejas, assim como o Mosteiro Beneditino de Santa Maria do Almoster e o Santuário do Espírito Santo de Alenquer.



    Fundou o Hospital dos Inocentes, construindo instalações nas cidades de Santarém, Coimbra e Leiria, nas quais iniciou oferecendo cuidados às crianças, como o nome diz, contudo acabou estendendo os mesmos serviços a idosos e enfermos. Várias damas da corte adotaram seu carisma e devotadamente colaboravam.
    Naqueles anos, Portugal havia reconquistado suas próprias terras dos invasores muçulmanos, mas a guerra deixou muitos mortos. Santa Isabel também se entregou a cuidar dos órfãos, dando-lhes abrigo e instrução. Muito ativa, junto ao esposo participou bastante na reconstrução de muitas cidades, principalmente dando condições para que os camponeses restabelecessem suas fazendas.
    Desse esforço, Dom Dinis ficou conhecido como o Rei Lavrador, e ela como a Rainha da Agricultura. É deles também a obra da fundação da Universidade de Coimbra, que é contemporânea das primeiras universidades europeias.


    Tiveram dois filhos: Constança, que se tornaria a rainha de Castela, em Espanha, e Afonso IV, que sucederia o pai como rei de Portugal. Ambos tinham a marca da educação cristã, caprichosamente transmitida pela mãe.
    Mas Santa Isabel teve que suportar entre muitas angústias a pecaminosa infidelidade do marido, da qual nasceram vários filhos bastardos. Em sua profunda piedade, porém, continuava obediente a ele e ainda acolhia seus filhos no castelo, tratando-os como se fossem dela mesma.
    Foi pela predileção do rei por um filho bastardo que Afonso IV, filho legítimo, se rebelou contra o pai e foi ao reino de Aragão e Castela pedir auxílio para enfrentá-lo, sob argumento que desonrava o sangue da família.
    Graças a Santa Isabel, a guerra entre eles foi evitada, pois ela pediu autorização ao esposo para ir a Pombal, onde seu filho já posicionava tropas. Ela havia conseguido do rei a garantia de que Afonso IV seria o primeiro da linha sucessória, e foi oferecê-la ao filho, pedindo que não combatesse contra o pai, quando conseguiu abrandar-lhe os ânimos.
    Logo após a morte do marido, nossa Santa foi em peregrinação a Santiago de Compostela, pedir a Deus por sua alma. Fez boa parte do trajeto montada em burro, mas, por maior penitência, concluiu o último trecho da viagem a pé. Lá deixou em doação todos seus ricos pertences de rainha: a coroa, as jóias e as nobres vestes.
    Foi viver no Paço de Santa Ana, uma nobre morada, vizinha ao Convento de Santa Clara de Coimbra, que ela mesma havia mandado erguer, e aí vestiu o hábito da Ordem Terceira de São Francisco. Tempos depois, também doaria esse paço ao Convento. Entregou-se totalmente a cuidar dos mais pobres e enfermos, em especial dos leprosos, que lhe atribuíam muitas miraculosas curas.


    Como a sua tia-avó, Santa Isabel da Hungria, é-lhe atribuído um grande milagre, e muito parecido. Levava no avental muitas pequenas moedas para doar aos pobres, quando nos corredores foi surpreendida pelo rei, seu esposo, que lhe perguntou aonde ia e o que levava. Um pouco constrangida, pois se conformava em suportar algumas grosserias do marido, ela respondeu: 'São rosas, meu Senhor!' Mas Dom Dinís insistiu: 'Rosas? Em janeiro?' Sem argumento, ela então lhe abriu o avental, que de fato se mostrou repleto de rosas.


    Quando já reinava Afonso IV, este declarou guerra a seu sobrinho, Afonso XI, rei de Castela, filho de sua irmã Constança, por maus tratos a sua filha, Maria, com quem havia casado. Eram um casal de primos, muito comum àquela época, portanto netos de Santa Isabel. Nossa Santa já se encontrava doente e muito frágil, mas humildemente montou em mula e cavalgou vários dias até Estremoz, onde se colocou entre os dois exércitos e evitou a guerra consanguínea. Consagrava-se assim como a Rainha da Paz.


    Santa Isabel morreu aí mesmo, na cidade de Estremoz, em 1336, aos 65 anos, vítima da peste bubônica que acometia a população de Europa e veio a dizimá-la em um terço. Como desejava ser sepultada no Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, temeram em transportar seu corpo de imediato, porque poderia decompor-se durante a viagem de cerca de 250 km. Imaginavam ser melhor trasladar apenas suas relíquias, alguns anos mais tarde.
    Mas todos ficaram surpresos ao perceberem que com o passar das horas seu cadáver adquiria cada vez mais uma suave fragrância. Exultantes, partiram para Coimbra na certeza de que se tratava de mais um corpo santo para a História da Santa Igreja Católica. Em 1625, quase 300 anos depois, quando foi canonizada, ao abrirem seu túmulo constataram que seu corpo ainda não se havia corrompido.


    Em tempos mais recentes fizeram-lhe um novo túmulo, que fica abaixo do coro do Convento de Santa Clara, a Nova.


    Santa Isabel de Portugal, rogai por nós!

quinta-feira, 3 de julho de 2025

São Tomé Apóstolo


    São Tomé, ou Tomás, na Bíblia também chamado Dídimo, que significa gêmeo, é um dos mais conhecidos Apóstolos de Jesus, marcadamente pela cena em que teria duvidado do testemunho dado por Santa Maria Madalena e pelos Apóstolos da Ressurreição de Cristo.
    Mas a vida deste grande Apóstolo não pode ficar resumida a um único momento, se é que ele realmente duvidou. Seria uma injustiça. Quando comparado aos demais Apóstolos, salta aos olhos o destaque que lhe dá São João, autor do Evangelho mais teológico e de suma importância histórica.
    São três passagens nas quais entre os Doze é ele o protagonista, induzindo diálogos e situações de grande relevância. Como se percebe na própria cena do 'ver para crer', definitivamente não era um arredio Apóstolo, afastado de Jesus e do grupo, como se esperaria de um hesitante ou incrédulo. Pelo contrário, sempre estava muito atento às Palavras do Divino Mestre e, após Sua Ressurreição, tornou-se um ativo Apóstolo, como as distâncias que percorreu e o trágico destino que teve demonstram.
    Mais: não podemos esquecer que ele acompanhava Jesus desde o início (cf. Jo 2,2), antes de muitos outros, e, o que evidencia sua apurada sensibilidade frente tantos outros discípulos, que eram mais de 72 (cf. Lc 10,1), foi um dos Doze escolhidos de primeiríssima linha, e citado pelo levita e historiador São Mateus a sua frente. Ele faz parte do segundo dos três grupos de quatro Apóstolos, invariavelmente em companhia dos estudiosos São Filipe, São Bartolomeu e São Mateus, pois também era muito bem letrado.
    Aqui temos o rol dado pelo Evangelho Segundo São Marcos: "Escolheu estes Doze: Simão, a quem pôs o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais pôs o nome de Boanerges, que quer dizer Filhos do Trovão. Ele também escolheu André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Tadeu, Simão, o Zelador; e Judas Iscariotes, que o entregou." Mc 3,16-19
    Aqui a lista do Evangelho Segundo São Mateus: "Eis os nomes dos Doze Apóstolos: o primeiro, Simão, chamado Pedro; depois André, seu irmão. Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Filipe e Bartolomeu. Tomé e Mateus, o publicano. Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu. Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que foi o traidor." Mt 10,2-4
    E aqui a lista do Evangelho Segundo São Lucas:

    "Naqueles dias, Jesus retirou-Se a uma montanha para rezar, e aí passou toda noite orando a Deus.
    Ao amanhecer, chamou Seus discípulos e dentre eles escolheu Doze, que chamou de Apóstolos: Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro; André, seu irmão; Tiago, João, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Simão, chamado Zelota; Judas, irmão de Tiago; e Judas Iscariotes, aquele que foi o traidor."
                                                  Lc 6,12-16

SUA CORAGEM

    São Tomé é apontado como um dos mais destemidos Apóstolos, prontos para sacrificar sua vida por amor a Jesus e ao Evangelho (cf. Mc 8,35). Se a citação a seguir não for entendida, como não deve ser, como uma vaga promessa de seguir Jesus até a morte, São Tomé foi o primeiro a perceber e prontificar-se para o 'batismo' (cf. Mc 10,39) pelo qual passariam todos Apóstolos, à exceção do Amado Discípulo, que morreu idoso. Está no Evangelho Segundo São João:

    "Havia um doente, Lázaro, em Betânia, povoado de Maria e sua irmã Marta.
    Maria foi quem ungira o Senhor com o óleo perfumadoLhe enxugara os pés com seus cabelos. E Lázaro, que estava enfermo, era seu irmão.
    Suas irmãs, pois, mandaram dizer a Jesus:
    - Senhor, aquele que Tu amas está enfermo.
    A estas palavras, disse-lhes Jesus:
    - Esta enfermidade não causará a morte, mas tem por finalidade a Glória de Deus. Por ela, será glorificado o Filho de Deus.
    Ora, Jesus amava Marta, Maria, sua irmã, e Lázaro. Mas, embora tivesse ouvido que ele estava enfermo, ainda Se demorou dois dias no mesmo lugar.
    Depois, disse a Seus discípulos:
    - Voltemos a Judeia.
    - Mestre, responderam eles, há pouco os judeus queriam apedrejar-Te, e voltas para lá?
    Jesus respondeu:
    - Não são doze as horas do dia? Quem caminha de dia não tropeça, porque vê a Luz deste mundo. Mas quem anda de noite tropeça, porque lhe falta a Luz.
    Depois destas palavras, Ele acrescentou:
    - Lázaro, Nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo.
    Disseram-Lhe Seus discípulos:
    - Senhor, se ele dorme, há de sarar.
    Jesus, entretanto, falara de sua morte, mas eles pensavam que falasse de sono como tal. Jesus então abertamente lhes declarou:
    - Lázaro morreu. Alegro-Me por vossa causa, por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos a ele.
    A isso Tomé, chamado Dídimo, disse a seus condiscípulos:
    - Também vamos nós, para com Ele morrermos."
                                                 Jo 11,1-16


BUSCADOR DA VERDADE

    Íntimo de Jesus, São Tomé não se chocou com a renovação do anúncio de Sua Paixão, feita logo após a Santa Ceia, e imediatamente teceu com Ele um oportuno diálogo, dando ocasião a mais uma grande revelação, quando Jesus iria apresentar-Se como o "CaminhoVerdade e a Vida", bem como, em Sua Pessoa, a própria Pessoa do Pai.
    Na verdade, o Mestre especificamente falava de Seu destino final, que é o Reino dos Céus, a Direita do Pai, para onde iria em definitivo, embora após Sua Ressurreição viesse a apresentar-Se aos Apóstolos por várias vezes durante 40 dias. Mas nosso Santo queria saber justamente a distinção entre o Reino de Deus, que eles sentiam ali a Sua volta, e este 'outro lugar' aonde Jesus iria, pois eles imaginavam que Sua manifestação já seria a instauração material e definitiva do Paraíso (cf. Lc 19,11):

    "- Não se perturbe vosso coração. Credes em Deus, também crede em Mim.
    Na casa de Meu Pai há muitas moradas. Não fosse assim, e Eu tê-vos-ia dito, porque vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e preparar-vos um lugar, voltarei e tomá-vos-ei Comigo, para que, onde Eu estou, também estejais vós. E vós conheceis o Caminho, para ir aonde vou.
    Disse-Lhe Tomé:
    - Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o Caminho?
    Jesus respondeu-lhe:
    - Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por Mim.
    Se Me conhecêsseis, certamente também conheceríeis Meu Pai. Mas desde agora já O conheceis, pois O tendes visto!
    Disse-Lhe Filipe:
    - Senhor, mostra-nos o Pai e isso basta-nos!
    Respondeu Jesus:
    - Há tanto tempo que estou convosco e não Me conheceste, Filipe! Aquele que Me viu, também viu o Pai. Como, pois, dizes: Mostra-nos o Pai?..."
                                                 Jo 14,1-9

MATERIALISMO, INDIVIDUALISMO E INCREDULIDADE

    São Tomé, contudo, movido pela mesma desconfiança que muitos de nós bem devemos confessar, teria duvidado de Sua Ressurreição e do testemunho que dela davam os Apóstolos, mesmo após três anos seguindo Jesus e presenciando curas, milagres e prodígios, porque ainda não havia visto nenhuma de Suas aparições.
    Porém, mesmo que só mencionada a Ressurreição, ele certamente teria outras dúvidas, bem mais complexas, e seriam as mesmas de muita gente ainda na atualidade: O Filho de Deus, como Ele Se apresentava, morreu? Nosso Salvador poderia morrer? Nosso Salvador não é Deus? Nosso Salvador seria um ser humano, e por isso morreu? O Filho de Deus não é Deus? E sendo Deus, haveria dois Deuses?
    Com efeito, essas perguntas não lhe eram recentes, como que por conta do Calvário da Cruz, senão desde quando o Senhor anunciou Sua Paixão pela primeira vez (cf. Mt 16,21). Ou mesmo antes, quando realizava grandes milagres mas seguia apresentando-Se como um mero ser humano (cf. Jo 5,19)! Porém, graças ao indômito espírito de São Tomé, e aos prodígios que via, as respostas também já estavam em avançados estágios. Tanto que ele até já se oferecia, como vimos, para morrer com Jesus!
    E assim, talvez por excesso de individualismo, estivesse apenas querendo constatar Sua Ressurreição por si mesmo, como os demais Apóstolos, e até discípulos e seguidores puderam. De fato, se a Ressurreição da Carne não era exatamente uma novidade, vale notar que tal milagre sempre se dava por intermédio de outra pessoa, como Elias ressuscitou o filho da viúva de Serepta (cf. 1 Rs 17,22) ou como o próprio Jesus publicamente ressuscitou o filho da viúva de Naim (cf. Lc 7,15) e, o mais impressionante, em vista do estado de decomposição do cadáver, ressuscitou São Lázaro. Ou ainda: deu-se através de uma santa relíquia, como os ossos de Eliseu fizeram ressuscitar um recém-falecido (cf. 2 Rs 13,21).
    O inaudito no caso da Ressurreição de Jesus, então, seria alguém ressuscitar a si mesmo, e assim Ele estaria comprovando mais um de Seus poderes, pois havia afirmado: "O Pai ama-Me porque dou Minha Vida para retomá-la. Ninguém a tira de Mim, mas Eu dou-a de Mim mesmo, pois tenho poder para dá-la como tenho poder para reassumi-la." Jo 10,17-18a
    Por sua luminosa inteligência, portanto, mais que uma ressurreição nosso Apóstolo estaria querendo confirmar uma intuição que já embalava sua alma, e esperava tão somente por uma prova para entregar-se à indizível alegria. Jesus não havia prometido várias vezes que ressuscitaria? Poderia ser apenas essa sua dúvida?
    Nesse sentido, é muito provável que São Tomé estivesse usando de alguma pirraça, e não apenas para com seus condiscípulos, mas, sabidamente, também para com Deus. Jesus reclamou sim de sua incredulidade, que de alguma forma era verdadeira, pois do contrário Ele não a acusaria, mas este termo pode não retratar com precisão a postura de nosso Apóstolo. Senão, como entender que já estivesse pronto para chamá-Lo de Deus? Estaria sendo o último a perceber essa realidade? Ou, na verdade, o primeiro a afirmar, de plena convicção, o que Jesus havia dito a São Filipe: que eles já conheciam a Deus porque O estariam vendo em Sua Pessoa?
    Só há uma razoável hipótese para todas essas perguntas: São Tomé concebia perfeitamente a possibilidade da Ressurreição da Carne, aliás, como ele mesmo vira a do filho da viúva de Naim e a de São Lázaro, e pela Ressurreição de Jesus ansiosamente aguardava, pois confirmaria, e em definitivo, algo ainda mais importante: Sua Divindade. Quanto a sua já efetiva realização, seria por demais insensível, ou mesmo insano, se ele colocasse em verdadeira suspeição tantos relatos de tão próxima e tão confiável gente, como a própria Santa Maria Madalena, alguns respeitáveis discípulos e todos demais Apóstolos, à exceção de Judas Iscariotes.
    Queria, no entanto, atestá-la pessoalmente, tocando ele mesmo Sua Carne rediviva, as marcas da crucificação ainda à vista segundo os testemunhos de seus companheiros. São Lucas registrou do Domingo da Ressurreição, quando ele não estava presente: "Enquanto ainda falavam dessas coisas, Jesus apresentou-Se em meio a deles e disse-lhes: 'A Paz esteja convosco!' Perturbados e espantados, pensaram estar vendo um espírito. Mas Ele disse-lhes: 'Por que estais perturbados, e por que essas dúvidas em vossos corações? Vede Minhas mãos e Meus pés, sou Eu mesmo. Apalpai e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que tenho.'" Lc 24,36-39
    Nem tão inconveniente, pois, e, como é característico do agir de Deus, sempre obtendo o melhor proveito mesmo que partindo da falibilidade humana, constatando a Divindade de Jesus, e assim abrindo espaço para a compreensão da Revelação da Santíssima Trindade, São Tomé antecipava-se às ainda incipientes conclusões dos Apóstolos, e também da Santa Igreja Católica por nascer, que atravessaria alguns séculos sendo vez e outra fustigada por heresias que levantavam incertezas justamente sobre essa questão.
    E quantos de nós, mesmo hoje, de arrogantemente individualista e imprudente modo não desprezamos tantos testemunhos de tantas maravilhas de Deus pelo mundo a fora, só porque não fomos nós mesmos que as vimos? Como simples exemplos, aí estão as aparições de Nossa Senhora pelo mundo! Quantos conhecem a Promessa de Fátima? Quantos conhecem a Aparição de Akita? Quantos sequer conhecem as promessas da devoção ao Sagrado Coração de Jesus? Ora, quantos 'Tomés' no seio da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo!
    Não por acaso, nessa mesma oportunidade, perante São Tomé Jesus vai exaltar a valorosa fé dos que creem nas maravilhas de Deus mesmo sem as ter presenciado:

    "Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos disseram-lhe:
    - Vimos o Senhor!
    Mas ele replicou-lhes:
    - Se eu não vir em Suas mãos o sinal dos pregos, e não puser meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir minha mão em Seu lado, não acreditarei!
    Oito dias depois, estavam Seus discípulos outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles.
    Estando trancadas as portas, veio Jesus, pôs-Se em meio a eles e disse:
    - A Paz esteja convosco!
    Depois disse a Tomé:
    - Introduz aqui teu dedo, e vê Minhas mãos. Põe tua mão em Meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de .
    Respondeu-Lhe Tomé:
    - Meu Senhor e Meu Deus!
    Disse-lhe Jesus:
    - Creste, porque Me viste. Felizes aqueles que creem sem ter visto!"
                                                Jo 20,24-29


TESTEMUNHA DA PRIMAZIA DE SÃO PEDRO

    Este inteligente Apóstolo também foi testemunha do Pontifício de São Pedro, ou seja, da entrega de todo rebanho de Cristo ao pescador galileu, o que ajuda a explicar a reverência que os outros Onze lhe tinham. Aí ele é mencionado em destaque, como o primeiro, só depois de São Pedro. Ativo pensador, teria ele se colocado à direita do Príncipe dos Apóstolos após a aparição de Jesus que viu?

    "Depois disso, tornou Jesus a manifestar-Se a Seus discípulos junto ao lago de Tiberíades. Manifestou-Se deste modo: estavam juntos Simão Pedro, Tomé (chamado Dídimo), Natanael (que era de Caná de Galileia), os filhos de Zebedeu e outros dois de Seus discípulos. Disse-lhes Simão Pedro:
    - Vou pescar.
    Responderam-lhe eles:
    - Nós também vamos contigo.
    Partiram e entraram na barca. Chegada a manhã, Jesus estava na praia. Esta já era a terceira vez que Jesus Se manifestava a Seus discípulos, depois de ter ressuscitado.
    Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro:
    - Simão, filho de João, amas-Me mais que a estes?
    Respondeu ele:
    - Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo.
    Disse-lhe Jesus:
    - Apascenta Meus cordeiros. Apascenta Minhas ovelhas.'" Jo 21,1-3a.4a.14-15.17b


SUA MISSÃO

    São Tomé, segundo a Sagrada Tradição, era um dos três mais velhos Apóstolos e, assim como São Tiago Maior, São João, São Bartolomeu, São Simão, São André e São Judas Tadeu, não era casado.
    Seus dons de Sabedoria, porém, estão registrados nos próprios Evangelhos, por sempre ser citado junto a São Mateus, cuja erudição inquestionavelmente emerge em seu Evangelho. Aliás, ao citar os Apóstolos em pares, São Mateus mesmo, como vimos, coloca-o à frente de si: "Jesus reuniu Seus Doze discípulos. Conferiu-lhes o poder de expulsar imundos espírito e de curar todo mal e toda enfermidade. Eis os nomes dos Doze Apóstolos: o primeiro, Simão, chamado Pedro; depois André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que foi o traidor." Mt 10,1-3
    Ele é reconhecido pelo trabalho de pregação aos povos medos e partos, além da divulgação do Nome de Jesus em Pérsia e da primeira missão cristã realizada em Índia. Aí, no ano 53 da nossa era, a mando do rei de Malipura, ele foi assassinado por um golpe de lança enquanto celebrava a Santa Missa na cidade de Madras, região sudeste do país, onde existem um monte e uma Basílica, sobre sua primeira sepultura, que levam seu nome.


    É dele o título de Apóstolo de Índia, como confirmaram os vestígios encontrados por São Francisco Xavier no século XVI. Apesar do politeísmo dominante nesse país, ele ainda é muito venerado pelos cristãos da região de Malabar, ao sul.
    No ano de 232, como presente de um rei indiano, suas relíquias foram levadas a Síria, e, em 1258, por causa das invasões muçulmanas na Terra Santa, à cidade de Ortona, centro-leste de Itália, onde lhes foi erguida uma catedral. Aí vemos a definitiva sepultura, com a lápide confeccionada durante passagem por Grécia, assim com a urna que tempos depois passou a contê-las para veneração.


    São Tomé, rogai por nós!


APÊNDICE

    Outro assunto pelo qual ditos estudiosos evocam o nome de São Tomé é a existência de um livro apócrifo, que dizem ser de sua autoria. Na verdade, o chamado 'Evangelho Segundo São Tomé' é apenas uma coleção de ditos atribuídos a Jesus. Desde os primeiros séculos, porém, estudos realmente sérios já revelaram que os verdadeiros ditos de Jesus, 'Os Discursos', também chamados de 'Logia', haviam sido ajuntados aos primeiros relatos de Sua Paixão e Ressurreição, e, como os detalhes de Sua vida e de Seus atos, formam precisamente os Evangelhos como hoje os conhecemos.
    Os ditos nesse 'evangelho' atribuído a São Tomé, a bem da verdade, são por demais filosóficos, de uma excessivamente transcendental tradição e muito alheia a mais concreta figura de Jesus, isto é, aquela como Ele é conhecido e descrito pelos demais Apóstolos. Sem dúvida, existe 'um' Jesus muito mais real e plausível nos relatos de São Pedro, através de suas Cartas e do Evangelho de São Marcos, nos de São Mateus e São João, em seus próprios Evangelhos, e nos de São Tiago Menor, e São Judas Tadeu, em suas Cartas Apostólicas. Isso só para citar aqueles que foram tão Apóstolos de Cristo como o próprio São Tomé.
    Pois aos relatos dos mais citados Apóstolos também devemos juntar o testemunho de vida de outros tantos discípulos, cujas participações foram registradas nas Escrituras, como o grupo dos 72, entre os quais certamente estavam São Matias, que se tornou Apóstolo, e São Barnabé, que por um tempo chegou a ser chamado de Apóstolo, além de íntimas testemunhas dos Apóstolos, de densidade histórica e grandeza como São Marcos, São Timóteo, São Tito e São Silvano.
    Por fim, uma decisiva pergunta: que dizer dos relatos do próprio São Lucas, um renomado médico, homem de ciência para o mundo de então e ainda de hoje? Ou outra, ainda mais desconcertante: que dizer dos relatos de São Paulo, pessoa tão densa, aliás, concreta do ponto de vista histórico e tão envolvida nos assuntos da fé de Israel à época? E sempre e mais uma vez todos esses testemunhos convergem em favor da história de Jesus que emerge dos livros canônicos.
    A pergunta que fica, então, é: por que só o 'evangelho' de São Tomé, absolutamente atípico, aliás, alheio à própria cultura judaica, à qual indubitavelmente pertencia este Apóstolo, todos outros e até Jesus, seria o verdadeiro, em detrimento dos quatro canônicos que, de modo muito mais verossímil, inclusive pelas pequenas e ligeiras discordâncias, convergem e se confirmam?
    Não bastante, existe ainda uma intenção, principalmente por parte de ateus, de polemizar quanto à identidade de quem seria seu irmão 'oculto', uma vez que Dídimo, um de seus nomes, quer dizer gêmeo. Mas mais uma vez esses 'estudiosos' vagueiam por absolutamente insólitos campos, suscitando flagrantes disparates, e, o que é pior, capciosamente deixando de lado uma montanha de informações muito mais seguras. Ou seja, falta um mínimo de seriedade em tudo isso.