sábado, 22 de novembro de 2025

Santa Cecília


    De família de nobres de Roma, os Metelos, filha de senador, Santa Cecília levava uma vida contemplativa, dedicando-se à música e aos estudos de Filosofia e dos Evangelhos. Tinha abraçado a em Cristo desde a infância, e sentia uma grande alegria indo à Santa Missa celebrada pelo Bispo Urbano, ouvindo cânticos religiosos e fazendo caridade aos pobres que sempre se juntavam à porta da igreja. Ainda muito nova, de um sermão que ouviu, desejou ser esposa de Cristo, e, secretamente, fez voto de virgindade.


    Como seus pais já faziam planos para a casar, o que era comum àquela época, ela muito resistiu e acabou tendo que revelar seu voto. Mas, achando que era apenas um infantil devaneio, e mesmo contra sua persistência, eles ofereceram-na em casamento a Valeriano, um pagão pertencente à nobreza.
    Porém, na primeira oportunidade durante as festas de núpcias, Santa Cecília falou-lhe do voto que havia feito. E assegurou-lhe que, se se convertesse, ele também poderia ver e conversar com seu Santo Anjo da Guarda, como ela mesma sempre fazia. Jovem de bom coração, impressionado, Valeriano aceitou seu voto, prometeu ajudá-la a guardar a pureza, e naquela mesma noite foi pedir Batismo ao Sacerdote.
    Valeriano tomou muito gosto pelos sermões do Bispo Urbano, e logo ajudou a converter seu irmão, Tibúrcio. E um dia, de fato, ao chegar em casa, ele viu seu Anjo da Guarda rezando ao lado de Santa Cecília.
    Mas ele tinha mais um irmão, Almáquio, que era prefeito de Roma e ficou revoltado ao saber da conversão dos irmãos, pois foram vistos ajudando a sepultar cristãos. Sentindo-se traído, eles citou-os perante o tribunal e, por acusações de testemunhas oculares, acabaram levados a julgamento. Como se recusavam a prestar cultos aos deuses pagãos, e assim renegar a fé em Cristo, foram condenados à morte por decapitação. Com eles foi morto o oficial Máximo, que ouviu seus testemunhos e também se converteu. Esses três mártires são venerados no dia 14 de abril.
    Sem saber que Santa Cecília era a razão de suas conversões, ele intimou-a e inquiriu sobre os bens de seus irmãos, pois lhe haviam confiado muitos pertences de valor para fazer caridade, mas ela garantiu que todos estavam muito bem guardados. Não mentiu, mas era um sofisma, porque já tinha distribuído quase todos entre os pobres. Ao descobrir a verdade, Almáquio, apesar da ira que o assaltou, em respeito ao senador seu pai e a sua família, e assim como fez com os seus irmãos, obrigou-a a ir ao templo pagão para oferecer sacrifício aos deuses.
    Enquanto era conduzida, cheia do Espírito de Deus, Santa Cecília falava com tanta doçura e convicção sobre Cristo aos guardas, que acabou fazendo-lhes assumir a fé que dissimuladamente já praticavam. Entre outras tocantes afirmações, pois contava com a presença e o auxílio de seu Anjo da Guarda, ela dizia-lhes: "Eu sou a noiva de Nosso Senhor Jesus Cristo."
    E para maior enfurecimento de Almáquio, eles retornaram e declararam-se incapazes de obrigá-la a cumprir tal mandado porque também eram cristãos. Eram anos de autêntico heroísmo por parte de fiéis de todas cidades, e Roma, especialmente, já era admirada e reconhecida em todo mundo como berço e sede do Cristianismo. Ora, sob a égide de Cidade Apostólica, por força dos martírios de São Pedro e São Paulo que aí se deram, o amor a Cristo era levado às últimas consequências, como se viu nos testemunhos de vida dados pelos Primeiros Santos Mártires.
    Então, para intimidar qualquer pessoa de sua corte que pretendesse seguir Jesus, Almáquio ordenou que os guardas fossem sumariamente decapitados. E ignorando a inspiração e a fé de Santa Cecília, mais uma vez inquiriu-a se preferia prestar cultos aos deuses ou morrer, ao que ela respondeu-lhe: "Melhor morrer e ser feliz, que viver e ser miserável. Tu desejas que pronunciemos uma mentira, mas ao falarmos a Verdade infligimo-te muito maior e mais cruel tortura que aquelas que tu nos fazes sofrer."
    Possesso de ódio, ele tentou matá-la com requintes de crueldade, fazendo-a agonizar por asfixia com o vapor da água das caldeiras de seu próprio palácio. Mas, por evidente milagre, ela não morreu. Sequer apresentou queimaduras pelo corpo. Então determinou que ela fosse imersa na própria água fervente, e por mais um grande milagre nada lhe aconteceu.
    Assombrado, ele mandou cortar-lhe o pescoço diante de seus olhos e de toda coorte, pois este sempre era o último recurso usado para matar muitos Santos nos primeiros séculos, mas três golpes de espada não foram capazes de separar sua cabeça do corpo. Contudo, vendo-a mortalmente ferida com um profundo corte aberto no pescoço, ordenou que ela restasse ali, deitada ao chão, sofrendo até à morte. Santa Cecília, no entanto, mantinha-se inacreditavelmente calma, em Paz, e assim resistiu por três dias, sangrando.
    Quando alguma pessoa se aproximava para limpar o sangue em volta ou ver se já havia morrido, ela serenamente anunciava o amor a Deus e aconselhava a não renegar a fé em Jesus, nem mesmo sob ameaça de morte. Todos guardas que não eram cristãos e acompanharam seu martírio, converteram-se, ainda que ocultamente. Ela dizia-lhes: "Levantem-se, soldados de Cristo, joguem fora as obras das trevas e vistam a armadura da Luz. (cf. Ef 6,11)"
    Segundo uma antiga tradição, durante seu casamento ela teria cantado: "Senhor, guardai sem mancha meu corpo e minha alma, para que eu não seja confundida." Este verso tornou-se a antífona no ofício de sua festa, e desde o século XV ela é considerada a Padroeira da música sacra e dos músicos.


    Quando seu esposo foi martirizado, e enquanto não chegava sua hora de testemunhar com a própria vida, ela garantia às pessoas a seu redor: "Nenhuma profana mão pode tocar-me, porque um anjo me protege."
    E ensinava:

    "Morrer por Cristo não é sacrificar a juventude, mas renová-la."
    "Só Cristo pode salvar da morte, e mandar os verdadeiramente culpados ao fogo eterno."
    "Estou muito feliz de sofrer todos tipos de tormentos por confessar fé em Jesus Cristo."
    "A morte e o inferno combinam-se para distrair o homem com mil inúteis faces, e seus pensamentos envolver com uma multidão de imaginários desejos."
    "O poder do homem é como uma bexiga inflada com o vento. Mas deixe uma agulha perfurar a bexiga: ela imediatamente murchará."

    Quem deu testemunho de seu martírio foi o Papa Urbano I, que, tudo indica, viu uma aparição sua: "... sepultou o corpo de Cecília entre os dos bispos e consagrou sua casa, transformando-a em igreja como ela lhe havia pedido."
    Seu martírio aconteceu sob o império de Marco Aurélio, entre os anos de 176 e 180 de nossa era. E sua casa, de fato, tornou-se uma igreja, mesmo funcionando na clandestinidade. Seu corpo foi sepultado nas Catacumbas da Via Ápia, que mais tarde ficariam conhecidas como as Catacumbas de São Calisto.


    Por grande e popular devoção durante todo Império Romano, posteriormente seu caixão foi levado à cripta que seria tratada como a do Papa Urbano I, e o Bispo Urbano, seu grande amigo e diretor espiritual, acabou sendo confundido com este Papa. Por isso, por séculos a história de Santa Cecília foi cronologicamente posicionada algumas décadas mais tarde. E quando o Catolicismo veio a ser tolerado no Império Romano, no início do século IV, por causa das invasões dos bárbaros seus restos foram escondidos em alguma igreja em Roma, e assim sua locação acabou ignorada, enfraquecendo os cultos de fé, bem como a memória e a devoção que lhe tinham.
    Mas no início do século IX Santa Cecília apareceu ao Papa Pascoal I, seu fiel admirador e devoto, e revelou onde estava o caixão de cipreste com seus restos mortais. Ao abri-lo, viram seu corpo totalmente intacto, e na mesma posição em que estava quando ela veio a falecer. Fizeram-lhe, então, uma urna de mármore e depositaram-no sob o altar da Basílica de Santa Cecília, erguida onde foi sua casa.


    Nossa Santa tinha a maior devoção de Santa Teresinha do Menino Jesus, Doutora da Igreja, que deixou este registro: "Senti por ela mais que uma devoção, uma verdadeira ternura de amiga, e tornou-se minha Santa predileta e minha confidente."
    A beata Anna Catarina Emmerich, mística alemã que viveu entre 1774 e 1824, e teve grandes revelações de Jesus e Maria Santíssima, relatou várias visões de Santa Cecília, como essas: "Vi Cecília, belíssima, com rosadas faces e finos e graciosos traços. Junto a ela estava um anjo sob forma de amável jovem, que com ela falava. Vi-a sentada em uma cadeira e os anjos ensinando-a a tocar um instrumento. Outra vez, vi Cecília sentada tocando o instrumento e o anjo segurando, a sua frente, o rolo de papel para o qual ela olhava."
    Em 1599, o Cardeal Sfondrati ordenou que a urna fosse aberta, quando mais uma vez encontraram seu corpo em incorrupto estado, exalando odores de rosas e lírios, e na mesma posição descrita pelo Papa Pascoal I. Como tinham a intenção de mantê-lo na urna sob o altar, foi feita uma escultura em mármore para ficar exposta à visitação, pois o povo, em vividamente reacesa fé, não cessava de ir à igreja para a venerar.
    Ela está entre as sete Santas nominalmente lembradas no Cânon da Santa Missa.
    No final do século XIX, foi criado um movimento histórico de reforma da música sacra, chamado cecilianismo, que se espalhou por Itália, França e Alemanha. Incluía músicos, liturgistas e outros estudiosos que buscavam restaurar a dignidade da música litúrgica, afastando-a da influência da ópera e da música folclórica.
    Também é venerada como Santa pela igreja ortodoxa.
    Como se vê nessa escultura, que com fidelidade retratou a posição em que seu corpo estava nesta última exumação, em seu último gesto, já silencioso, Santa Cecília indicou com os dedos que as Pessoas da Santíssima Trindade são um só Deus, lançando luz sobre um dos grandes debates de seu tempo e antecipando seu poderoso testemunho contra várias heresias que viriam depois.


    Santa Cecília, rogai por nós!