domingo, 26 de novembro de 2023

Um Retrato de São Paulo


    Foi na carta escrita à igreja de Filipos, que fica na Grécia, mas à época sob domínio dos macedônios, a primeira cidade da Europa a receber o Evangelho, que São Paulo nos deixou um mais conciso retrato de sua santidade. Não se sabe ao certo onde ele estava quando a escreveu: pode ter sido em Éfeso ou em Roma. E por isso não se pode afirmar se vivia os últimos dias antes do martírio. Mas é bem provável que sim, e portanto estaria em Roma, pois, além de exalar avançada espiritualidade, ele menciona o que é considerado o primeiro registro da hierarquia da Igreja, já se consolidando nas primeiras décadas. Ele diz na saudação inicial: "Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo, a todos santos em Jesus Cristo, que se acham em Filipos, com epíscopos e diáconos..." Fl l,1
    Outra frase, ao final da carta, também leva a essa hipótese: "Todos santos saúdam-vos, especialmente os da casa de César." Fl 4,22
    Ou ainda por citar o pretório, que era o tribunal romano, deixando claro que ele estava preso: "Em todo pretório e por toda parte tornou-se conhecido que é por causa de Cristo que estou preso." Fl 1,13
    Mas o que mais chama atenção é que nosso Santo não está triste, ou sequer contrariado. É a carta em que mais fala em alegria! Mais vezes até que na Segunda aos Coríntios, que é bem mais extensa! Ainda nos primeiros versículos, ele inscreve: "Em todas minhas orações, sempre rezo com alegria por todos vós, recordando-me da cooperação que haveis dado na difusão do Evangelho, desde o primeiro dia até agora." Fl 1,4-5
    No último capítulo, ele torna a exortar e insiste: "Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos!" Fl 4,4
    E, estejamos certos, ele não falava de alegria por vão entusiasmo, pois já estamos diante de um Paulo preparado, que profetiza o próprio martírio: "Meu ardente desejo e minha esperança são que em nada serei confundido, mas que, hoje como sempre, Cristo será glorificado em meu corpo (disto tenho toda certeza), quer por minha vida quer por minha morte. Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro." Fl 1,20-21
    Mostra-se, no entanto, preocupado com o projeto da Salvação: "Sinto-me pressionado dos dois lados: por uma parte, desejaria desprender-me para estar com Cristo, o que seria imensamente melhor. Mas, de outra parte, continuar a viver é mais necessário, por causa de vós..." Fl 1,23-24
    Então pede pela união entre os discípulos e assim pela Unidade da Igreja, pois sabia que esse era o mais brilhante sinal que os seguidores do Nazareno poderiam dar: "Quer eu vá ter convosco quer permaneça ausente, desejo ouvir que estais firmes em um só espírito, unanimemente lutando pela do Evangelho..." Fl 1,27
    Na verdade, ele tão somente lembrava uma condição que Jesus havia firmado: "Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros." Jo 13,35
    Porque é por sua coesão que a Igreja reflete a Glória de Deus, como Jesus rezou ao Pai: "Dei-lhes a Glória que Me deste, para que sejam Um, como Nós somos Um: Eu neles e Tu em Mim. Para que sejam perfeitos na Unidade e o mundo reconheça que Me enviaste e os amaste, como amaste a Mim." Jo 17,22-23
    E, em tocante modéstia, o Último Apóstolo implorava por essa unidade em nome da Comunhão que com eles tinha, como uma consolação pelas tribulações que passava: "Se me é possível, pois, alguma consolação em Cristo, algum caridoso estímulo, alguma comunhão no Espírito, alguma ternura e compaixão, completai minha alegria permanecendo unidos. Tende um mesmo amor, uma só alma e os mesmos pensamentos. Nada façais por espírito de partido ou vanglória, mas que a humildade vos ensine a considerar os outros superiores a vós mesmos." Fl 2,1-3
    Alertava-os, ademais, do Caminho da Cruz: "... porque a vós é dado não somente crer em Cristo, mas ainda sofrer por Ele." Fl 1,29
    E assim pedia: "Sustentais o mesmo combate que me tendes visto travar, e no qual sabeis que eu agora continuo." Fl 1,30
    Por ter entendido perfeitamente, e na própria carne, a mensagem de Jesus, ele aproveita para pregar humildade e obediência. Eis uma parte do 'Hino Cristológico', que ele recita: "Sendo Ele de divina condição, não Se prevaleceu de Sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-Se aos homens. E sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-Se ainda mais, tornando-Se obediente até a morte, e morte de Cruz." Fl 2,6-8
    E conclui afirmando a divindade de Jesus: "E toda língua confesse, para a Glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é Senhor." Fl 2,11
    Havendo-se entregue por completo nas mãos de Deus, ele não tinha nenhuma dúvida de como se dava a Graça da santificação: "Estou persuadido de que Aquele, que em vós iniciou esta excelente obra, dá-lhe-á o acabamento até o Dia de Jesus Cristo. Porque é Deus, segundo Seu beneplácito, Quem em vós realiza o querer e o executar." Fl 1,6;2,13
    Por isso, recomendava: "Fazei todas coisas sem murmurações nem críticas, a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, íntegros filhos de Deus no meio de uma depravada e maliciosa sociedade, onde brilhais como luzeiros no mundo, a ostentar a Palavra da Vida." Fl 2,14-15
    Prometeu-lhes seu mais íntimo colaborador: "Espero no Senhor Jesus em breve enviar-vos Timóteo, para que me traga notícias vossas e eu sinta-me reconfortado. Pois não há ninguém como ele, tão unido em sentimento comigo, que com tão sincera afeição se interesse por vós." Fl 2,19-20
    Atesta, então, o imprescindível feito do Pentecostes para a Salvação: "Porque os verdadeiros circuncisos somos nós, que prestamos culto a Deus pelo Espírito de Deus, pomos nossa Glória em Jesus Cristo, e não confiamos na carne." Fl 3,3
    De expressiva maturidade, era um Paulo que de nada se orgulhava, mas com grande amor guardava o maior tesouro que Deus já concedeu a humanidade: a Revelação do Mistério de Cristo: "Na verdade, julgo como perda todas coisas em comparação com esse supremo bem: o conhecimento de Jesus Cristo, Meu Senhor." Fl 3,8
    E apenas nesse sentido perseverava: "Anseio pelo conhecimento de Cristo e pelo poder de Sua Ressurreição através da participação em Seus sofrimentos, tornando-me semelhante a Ele na morte, com a esperança de conseguir a Ressurreição dentre os mortos." Fl 3,10-11
    Pois apesar de todas Graças que alcançou, e não foram poucas, ele ainda não se considerava digno da Vida Eterna: "Não pretendo dizer que já alcancei a Ressurreição, ou que cheguei à perfeição. Não. Mas empenho-me em conquistá-la..." Fl 3,12
    Voltou a falar do corpo incorruptível, quando menciona a verdadeira família que se forma em torno do Pai, em oposição aos inimigos da Cruz: "Nós, porém, somos cidadãos dos Céus. É de lá que ansiosamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará nosso mísero corpo, tornando-o semelhante a Seu Corpo glorioso..." Fl 3,20-21
    Tinha plena certeza dos auxílios de Deus: "Não vos inquieteis com nada! Em todas circunstâncias apresentai a Deus vossas preocupações, mediante a oração, as súplicas e a ação de graças." Fl 4,6
    Demonstra conhecer plenamente a Paz que Jesus derramou sobre a Igreja: "E a Paz de Deus, que excede toda inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos em Cristo Jesus." Fl 4,7
    E docemente sustenta o desapego material e a resignação: "Sei viver na penúria, e também sei viver na abundância. Estou acostumado a todas vicissitudes: a ter fartura e a passar fome, a ter abundância e a padecer necessidade." Fl 4,12


    Realmente tinha grande afeição para com os filipenses: "Portanto, meus muito amados e saudosos irmãos, alegria e coroa minha, assim continuai firmes no Senhor, caríssimos." Fl 4,1
    Deixou uma frase que, como afirmação da fé, é repetida em todo mundo: "Tudo posso n'Aquele que me fortalece." Fl 4,13
    E se eles seriam um povo especial para São Paulo, o Apóstolo dos não judeus, é bom lembrar que ele não foi a essa cidade por acaso, mas chamado por Deus, numa visão que teve do príncipe daquela nação como São Lucas narrou, que nessa ocasião foi seu companheiro e colaborador: "De noite, Paulo teve uma visão: um macedônio, em pé, diante dele, rogava-lhe: 'Passa à Macedônia, e vem em nosso auxílio!' Assim que teve essa visão, procuramos partir para a Macedônia, certos de que Deus nos chamava a pregar-lhes o Evangelho. Embarcados em Trôade, fomos diretamente à Samotrácia e no outro dia a Neápolis. E dali a Filipos, que é a principal cidade daquele distrito da Macedônia, uma colônia romana." At 16,9-12a
    À sua chegada, aí sequer havia uma sinagoga: "No sábado, saímos fora da porta para junto do rio, onde pensávamos haver lugar de oração. Aí nos assentamos e falávamos às mulheres que se haviam reunido." Ap 16,13
    E já aí a tocante caridade dos filipenses vai contrariar os procedimentos de São Paulo, que preferia pagar seus custos com o próprio trabalho: "Uma mulher, chamada Lídia, da cidade dos tiatirenos, vendedora de púrpura, temente a Deus, escutava-nos. O Senhor abriu-lhe o coração, para atender às coisas que Paulo dizia. Foi batizada junto à sua família, e fez-nos este pedido: 'Se julgais que tenho fé no Senhor, entrai em minha casa e ficai comigo.' E obrigou-nos a isso." At 16,14-15
    Isso se deu pouco depois do Concílio de Jerusalém, quando ele já fazia acompanhar-se de outro ilustre cristão: São Timóteo: "Chegou (São Paulo) a Derbe e depois a Listra. Ali havia um discípulo, chamado Timóteo, filho de uma judia cristã, mas de pai grego, que gozava de ótima reputação junto aos irmãos de Listra e de Icônio. Paulo quis que ele fosse em sua companhia." At 16,1-3
    E ao lado de São Silvano, ele exorcizou uma vidente local, quando acabaram açoitados e presos: "Certo dia, quando íamos à oração, eis que nos veio ao encontro uma moça escrava que tinha o espírito de Pitão, a qual com suas adivinhações dava muito lucro a seus senhores. Pondo-se a seguir a Paulo e a nós, gritava: 'Estes homens são servos do Deus Altíssimo, que vos anunciam o Caminho da Salvação.' Repetiu isto por muitos dias. Por fim, Paulo enfadou-se. Voltou-se para ela e disse ao espírito: 'Ordeno-te em Nome de Jesus Cristo que saias dela.' E na mesma hora ele saiu. Vendo seus amos que se lhes esvaecera a esperança do lucro, pegaram Paulo e Silas e levaram-nos ao foro, à presença das autoridades. Em seguida, apresentaram-nos aos magistrados, acusando: 'Estes homens são judeus, amotinam nossa cidade. E pregam um modo de vida que nós, romanos, não podemos admitir nem seguir.' O povo insurgiu-se contra eles. Os magistrados mandaram arrancar-lhes as vestes para açoitá-los com varas. Depois de terem-lhes feito muitas chagas, meteram-nos na prisão, mandando ao carcereiro que os guardasse com segurança." Ap 16,16-23
    Ele vai dizer destas punições aos cristãos da cidade de Tessalônica, para onde partiu em seguida: "Apesar de maltratados e ultrajados em Filipos, como sabeis, ousamos, confiados em nosso Deus, pregar-vos o Evangelho de Deus em meio de muitas lutas." 1 Ts 2,2
    E para explicá-las, fez esta defesa da Verdade que anunciava: "Nossa pregação não provém de erro, nem de fraudulentas intenções, nem de engano. Mas como Deus nos julgou dignos de confiar-nos o Evangelho, falamos não para agradar aos homens, e sim a Deus, que sonda nossos corações. Com efeito, nunca usamos de adulação, como sabeis, nem fomos levados por interesseiros fins. Deus é testemunha. Não buscamos glórias humanas, nem de vós nem de outros." 1 Ts 2,3-6
    São Lucas, porém, tratou de dar detalhes dos sobrenaturais fatos que aconteceram enquanto eles estavam presos em Filipos, e que o Batismo não requer idade nem um rio para imersão: "Pela meia-noite, Paulo e Silas rezavam e cantavam um hino a Deus, e os prisioneiros escutavam-nos. Subitamente, sentiu-se tão grande terremoto que se abalaram até os fundamentos do cárcere. Logo se abriram todas portas e se soltaram as algemas de todos. O carcereiro acordou e, vendo abertas as portas do cárcere, supôs que os presos haviam fugido. Tirou da espada e queria matar-se, mas Paulo bradou em alta voz: 'Não te faças nenhum mal, pois estamos todos aqui.' Então o carcereiro pediu luz, entrou e lançou-se trêmulo aos pés de Paulo e Silas. Depois conduziu-os para fora e perguntou-lhes: 'Senhores, que devo fazer para salvar-me?' Disseram-lhe: 'Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua família.' Anunciaram-lhe a Palavra de Deus, a ele e a todos que estavam em sua casa. Então, naquela mesma hora da noite, ele cuidou deles e lavou-lhes as chagas. Imediatamente foi batizado, ele e toda sua família. Em seguida, ele fê-los subir para sua casa, pôs-lhes a mesa e alegrou-se com toda sua casa por haver crido em Deus." At 16,15-34
    E ao final da Carta aos Filipenses, São Paulo registra a diferenciada acolhida que teve dos fiéis, agradecendo pelas ofertas feitas em nome de sua missão: "Vós que sois de Filipos, bem sabeis como, no início de meu evangélico ministério, quando parti da Macedônia, nenhuma comunidade abriu comigo contas de dar e receber, senão somente vós. Já em Tessalônica, por duas vezes mandastes o que me era necessário. Tudo recebi, e em abundância. Estou bem provido depois que recebi de Epafrodito vossa oferta: foi um suave perfume, um sacrifício que Deus com agrado aceita." Fl 4,15-16.18

    São Paulo, rogai por nós!