segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Santo André Dung Lac e companheiros


    Segundo Tertuliano, apologista e primeiro Padre Latino, que viveu nos século II e III, "O sangue dos mártires é a semente dos cristãos."
    Como em muitos lugares no mundo, onde os cristãos foram mortos por não renegar a Santa Fé, aliás, exatamente como em Roma nos primeiros séculos, heroísmo que dela fez a Sede do Cristianismo, em Vietnã não foi diferente. E um dos líderes que seguiu o Caminho de Cristo foi Santo André Dung Lac, decapitado na capital, Hanói, em 1839.
    A evangelização em suas terras havia começado ainda no século XVI, na Era da Circunavegações, com a chegada dos primeiros missionários europeus, principalmente portugueses, de várias ordens e congregações. E assim tiveram início mais de quatro séculos de violentas perseguições perpetradas pelas autoridades locais, vitimando bispos, padres, seminaristas, catequistas e leigos, sendo destes últimos a maioria pais e mães de católicos.
    Em 1580 já havia um surpreendente número de mártires em seu país. Só Roma Antiga teria visto tantos sacrifícios. E de 1625 a 1886 viu-se uma grande e sistemática perseguição aos cristãos em toda Ásia. Só em Vietnã foram mais 130 mil mortes. Assistindo vultosa escala de conversões, e enciumados pela perda da devoção que o povo lhes tinha, reis e governantes declararam ódio ao Catolicismo e morte a qualquer pessoa que anunciasse o Evangelho ou simplesmente se tornasse cristão.
    Trần An Dũng Lạc nasceu em Bac Ninh, no norte de Vietnã, em 1795, de muito pobre família. Quando seus pais procuraram trabalho em Hanói, sua guarda, então aos 12 anos de idade, foi entregue a um diligente catequista da cidade de Vinh-Tri, que prometeu dar-lhe casa e alimento. Sempre muito inteligente, ele teve educação cristã por 3 anos e foi batizado com o nome de André Dung, em homenagem a Santo André, companheiro e irmão do Príncipe dos Apóstolos. Seu mais velho irmão, que também seria ordenado, já havia sido batizado com o nome de Pedro. Aprendeu latim e chinês, e tornou-se ele mesmo catequista, viajando por todo país.
    Escolhido para estudar Teologia no Seminário de Vinh-Tri, tornou-se padre dominicano em 15 de março de 1823, pois realmente admirava o carisma da Ordem dos Pregadores: anunciar Jesus vivendo em itinerância e mendicância. Foi feito vice-pároco de Dong Chuoi, além de servir às comunidades de Doai e Son-Mieng. Incansável pregador, jejuava com frequência e batizava muita almas. Enquanto ainda era seminarista, revelou-se profícuo missionário atuando nas mais diversas regiões, muitas delas de extrema pobreza.
    Para que se tenha uma ideia da incipiente condição de seu trabalho, o alfabeto vietnamita foi criado no século XVII por Alexander de Rhodes, padre jesuíta francês, baseando-se na anotações de missionários portugueses do século anterior. Também é deste insigne pioneiro, expulso do país em 1645 e considerado 'Apóstolo da jovem igreja asiática', ainda dividida em três regiões, Tonkin, Annam e Cochinchina, o primeiro catecismo local.


    Foi preso, mas libertado graças a doações feitas pelo povo e fiança secretamente paga pela congregação. Santo André Dung Lac não concordava. Dizia: "Aqueles que morrem pela fé, sobem ao Céu. Ao contrário, nós que continuamente nos escondemos, gastamos nosso dinheiro para fugir de perseguidores. Melhor seria deixar-nos prender e morrer."
    Por esses tempos, suprimiu o nome de Dung e adotou Lac, para pregar em mais perigosas províncias com as de Hanói e Nam-Dihn.
    Como para o povo que bem assimila o catecismo, o martírio é realmente a essência do Cristianismo, simplesmente assassiná-los não surtia o desejado efeito. Assim, antes de serem mortos, para maior humilhação, os cristãos eram marcados em suas faces com as palavras 'ta dao', que significa falsa religião, além de presos e torturados por longos períodos. Maridos eram afastados das esposas, e crianças dos pais. Já os refugiados nas mais longínquas florestas e montanhas eram sumariamente executados, porque seus caçadores não deveriam 'perder tempo' prendendo-os e conduzindo-os. Contudo, quanto mais perseguidos, mais crescia o amor a Deus entre eles.


    Preso pela terceira vez, expressamente pediu a seu bispo e Vigário Apostólico de Tonquim Ocidental que não pagasse a fiança. Santo André Dung Lac e São Pedro Trương Văn Thi, padre vietnamita e seu confessor, foram transferidos de Binh-Loc a Hanói pelo rio Hong, quando numerosos fiéis os seguiram de barco ou andando pela margem, amor que provocou a grande admiração do oficial que os conduzia. Sob o império de Minh Mang, um sanguinário, foram decapitados em 21 de dezembro de 1839, na periferia da cidade, no portão de Cau-Giay, após dolorosas e intermináveis torturas.
    Contando com nosso Santo, na mais cruel fase da perseguição foram 117 mártires, a maioria destemidos atuantes entre os anos de 1830 e 1870. Entre os ordenados, eram 36 padres vietnamitas e 21 missionários estrangeiros, sendo 11 espanhóis, que eram 6 bispos e 5 padres dominicanos, além de 10 franceses: 2 bispos e 8 padres da Sociedade das Missões Estrangeiras.
    Junto a leigos, eles entregaram suas almas a Cristo em 76 decapitações, 21 estrangulamentos, 5 mutilações, 5 queimados vivos e 9 mortos por tortura. Demonstrando notáveis resignação e resistência, nenhum sequer hesitou abandonar o Catolicismo. Ora, de 1645 a 1886 foram 53 editais contra os cristãos em Vietnã, causando a morte de 113 mil fiéis ao todo, cujos bens, para que parentes e toda população soubessem, eram prontamente confiscados pelo imperador.
    Aqui temos trechos de uma carta de São Paulo Le Bao Tinh, também martirizado, escrita no ano 1843 aos alunos do seminário de Ke Vinh, atual cidade de Vinh, capital da província de Nghe An: "Eu, Paulo, prisioneiro pelo nome de Cristo, quero falar-vos das tribulações que suporto cada dia, para que, inflamados no amor de Deus, comigo louveis o Senhor, porque é eterna Sua Misericórdia. Este cárcere realmente é a imagem do inferno eterno: além de suplícios de todo gênero, tais como algemas, grilhões, correntes de ferro, tenho de suportar o ódio, as agressões, calúnias, indecorosas palavras, repreensões, maldades, falsos juramentos e, além disso, as angústias e a tristeza. (...) Como posso eu suportar este espetáculo, ao ver todos dias os imperadores, mandarins e seus guardas blasfemar o Vosso Santo Nome, Senhor, que estais sentado sobre os querubins e os serafins? Vede como Vossa Cruz é calcada aos pés dos pagãos! Onde está Vossa Glória? Ao ver tudo isto, sinto inflamar-se meu coração em Vosso amor e prefiro ser dilacerado e morrer em testemunho de Vossa infinita bondade."


    Em 1862, por fim, um tratado assinado com França começou a garantir a liberdade religiosa no país, mas ainda demoraria mais duas décadas para ser plenamente respeitado.
    Suas histórias fortemente inspiraram Santa Teresinha de Lisieux, que se candidatou voluntária entre freiras carmelitas para servir a Deus em Hanói. Ela escreveu em diário que seu grande sonho era ser missionária, nominadamente nessa cidade, mas a gravidade de sua enfermidade não lhe permitiu.
    De fato, movidos pela satânica ira do Comunismo, em 1955 russos e chineses puseram-se a aniquilar padres e bispos, além de milhares de fiéis por todo país. O efeito de mais esse abjeto banho de sangue, porém, foi inverso. Mesmo sendo totalmente tomada pela 'Revolução Socialista', que chegou a expulsar as forças dos Estados Unidos e aliados, em guerra que se expandiu para países vizinhos, como Laos e Cambodja, a população do Vietnã tornou-se a quinta maior em número de católicos de Ásia.
    Nossos 117 mártires foram beatificados em quatro separados grupos, no início do século passado, e por três Papas, mas canonizados todos juntos em 1988 pelo amado Papa São João Paulo II.


    Suas relíquias são veneradas na Igreja de Bá Chuong, na cidade de Ho Chi Minh, antiga Saigon, no sul do Vietnã.


    Santo André Dung Lac e companheiros, rogai por nós!