quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

São Basílio Magno


    Neto de mártir e de Santa Macrina Maior, filho de Santa Amélia, irmão de São Gregório de Nissa, de Santa Macrina, a jovem, e de São Pedro de Sebaste, nosso Santo foi colega de estudos de São Gregório Nazianzeno.
    Santa Macrina, sua irmã, fundou um convento e atraia muitas jovens ao Evangelho. Foi ela a grande incentivadora de São Basílio, mostrando que a mundana vida não poderia propiciar-lhe a verdadeira felicidade. Assim, após terminado os estudos, ele abraçou a evangélica pobreza e viveu em vários mosteiros em Egito, Síria, Palestina e Mesopotâmia, e em companhia de monges eremitas pelos desertos desses lugares.
    Ao retornar, resolveu consagrar-se à vida religiosa. No ano de 363 de nossa era, por volta dos 30 anos de idade, foi ordenado diácono e em seguida Sacerdote em Cesareia Mazaca, capital da Capadócia, sua cidade natal, em terras de atual Turquia, na região central. Mas para não entrar em conflito com seu arcebispo, que concordava com hereges daquele tempo e perseguia os verdadeiros católicos, retirou-se para o Ponto, hoje cidade deste mesmo país, que é banhada pelo Mar Negro, terra de Áquila e Priscila, grandes colaboradores de São Paulo, como o Livro dos Atos dos Apóstolos registrou (cf. At 18,2), e foi lugar de singular importância nas primeiras décadas do cristianismo, merecendo menção e saudação na Primeira Carta de de São Pedro (cf. 1 Pd 1,1).
    Escreveu as famosas 'Constituições', primeiríssima regra para a vida religiosa, às quais todos subsequentes fundadores de ordens e congregações católicas recorreram como documento base. Foi o fundador do primeiro mosteiro do extremo leste das terras de hodierna Turquia, ou seja, quase em Europa. O Papa São João Paulo II disse em sua Carta Apostólica 'Patres Ecclesiae': "Muitos opinam que essa tão importante instituição em toda a Igreja, como é a vida monástica, para todos séculos foi estabelecida principalmente por São Basílio, ou que, pelo menos, a natureza da mesma não teria ficado tão propriamente definida sem sua decisiva aportação."
    Por apelo de São Gregório Nazianzeno, em 365 nosso Santo voltou a Cesareia e em 370 foi ordenado bispo. Amado pelo povo, sua oratória arrebatava multidões e também tinha o respeito de judeus e pagãos. Intensamente trabalhou pelos doentes, e aos pobres doava tudo que recebia. Verdadeiramente caritativo, foi o primeiro bispo a fundar hospital, asilo e orfanato. O amado Papa Bento XVI disse dele: "Na realidade, São Basílio criou uma muito particular vida monástica: não fechada à comunidade da igreja local, mas aberta a ela. Seus monges formavam parte da igreja particular, eram seu núcleo animador que, precedendo aos demais fiéis no seguimento de Cristo e não só da , mostrava sua firme adesão a Cristo - o amor a Ele -, sobretudo com obras de caridade. Estes monges, que tinham escolas e hospitais, estavam ao serviço dos pobres; assim mostraram a integridade da vida cristã."


    Após a morte de Santo Anastácio, ele e São Gregório Nazianzeno tornaram-se os últimos defensores da Sã Doutrina no Oriente, mas isso não o desanimou. Quando não estava escrevendo, estava pregando e defendendo as decisões do Concílio de Niceia, que sustentavam que Jesus era consubstancial ao Pai, ou seja, que Jesus é Deus, o que era negado pelo arianismo, heresia muito em voga à época.
    Tomava como exemplo, pois, a mesma atitude de São Paulo e São Timóteo após o Concílio de Jerusalém, que foi o primeiro da Santa Igreja: "Nas cidades pelas quais passavam, ensinavam que observassem as decisões que haviam sido tomadas pelos Apóstolos e Anciãos em Jerusalém. Assim as igrejas eram confirmadas na fé, e dia a dia cresciam em número." At 16,4-5
    Mas tão fortes eram seus argumentos que ele, junto a seu irmão São Gregório de Nissa e seu amigo São Gregório Nazianzeno, lançaram os termos e os conceitos para a compreensão e formulação do Dogma da Santíssima Trindade, a ser debatido e corroborado no Primeiro Concílio de Constantinopla, em 381. 
    Profundo conhecedor de Filosofia e Teologia, também era muito versado em Literatura. Escrevia muito e deixou belos sermões, nos quais faz frequentes citações bíblicas, além de mais de 400 cartas nas quais se nota seu refinado e vivaz estilo. Suas palavras convertiam e ainda convertem corações com uma simplicidade que impressiona até mesmo os mais religiosos.
    Deixou obras sobre ascetismo, pedagogia, dogmática e liturgia, dentre elas uma das mais conhecidas das liturgias orientais: a 'Divina Liturgia'. Viveu, pode-se dizer, exclusivamente para pregar amor a Deus e caridade aos pobres.
    E ensinava:

    "Cada fiel é aldeado por um anjo como protetor e pastor, para conduzi-lo à Vida."
    
"Ó pecador, não te desanimes, mas recorre a Maria em todas tuas necessidades. Evoca-a em tua ajuda, pois tal é a divina vontade que ela deve ajudar em todos tipos de necessidade."
    "... e as almas que recebem o Espírito e por Ele são iluminadas, tornam-se espirituais e irradiam sobre os outros a Graça que lhe foi dada."
    "Toda ação divina começa no Pai, prossegue através do Filho e é completada no Espírito Santo."
    "O sol penetra no cristal e torna-o mais deslumbrante. Do mesmo modo, o Espírito santificante permanece nas almas e torna-as mais radiantes. Elas tornam-se como muitas bolas de fogo, irradiando Graça e amor em torno delas."
    "Através do Espírito Santo vem nossa restauração para o Paraíso, nossa ascensão ao Reino dos Céus, nosso retorno à adoção de filhos, nossa liberdade de chamar Deus Nosso Pai, nosso ser feito participantes da Graça de Cristo, nosso ser chamado de filhos da Luz, nosso compartilhamento na Eterna Glória e, em uma palavra, nosso ser levado a um estado de 'plenitude de bênção', tanto neste como no vindouro mundo..."
    "Não é Ele (Jesus) que bem começa quem é perfeito. É Ele que bem acaba quem é aprovado à vista de Deus."
    "Imita a terra, ó homem! À sua semelhança produze fruto! Não te reveles inferior à coisa inanimada. Ela nutre fruto não para seu consumo, mas para teu serviço."
    "Pertence àquele que tem fome o pão que tu guardas; àquele que está nu, a capa que tu conservas em teu guarda-roupa; àquele que está descalço, os sapatos que apodrecem em tua casa; ao pobre, o dinheiro que tu tens guardado. Assim tu cometes tantas injustiças quanto o número de pessoas às quais poderias dar."
    "Aprendi com o próprio Jesus Cristo o que é a caridade e como devemos praticá-la, pois Ele diz: 'Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros. (cf. Jo 13,35)' Jamais poderei, portanto, agradar a mim mesmo na esperança de obter o nome de servo de Cristo se não possuir em mim uma caridade verdadeira e não fingida."
    "Vende o que tens e dá-o aos pobres (cf. Mc 10,21)... porque, ainda que não tenhas matado, nem cometido adultério, nem roubado, nem dito falso testemunho, isto de nada te serve se também não fizeste o resto. Só deste modo poderás entrar no Reino de Deus."
    "O pecado define-se como o mau uso, o uso contrário à vontade de Deus daquilo que Ele nos deu para o bem."
    "Se cada homem pegasse apenas o suficiente para suas necessidades, deixando o resto para os necessitados, não haveria ricos nem pobres."
    "Quem é o homem cobiçoso? Aquele para quem a abundância não é suficiente."
    "Se tu começares a guardar a riqueza, ela não será tua. Mas se tu começares a distribuí-la, tu não a perderás."
    "Não devemos olhar com tranquilidade os pecados dos outros, senão chorarmos e nos afligirmos por sua desgraça."
    "Se tu vires teu próximo em pecado, não olhes somente para isso, mas pensa também no que ele fez ou faz de bom, e, ocasionalmente, tenta fazer isso em geral, sem julgar parcialmente, e descobrirás que ele é melhor que tu."
    "Qual é a marca do amor ao próximo? Não buscar o que é para seu próprio benefício, mas o que é para o benefício do amado, tanto no corpo quanto na alma."
    "Todo mal é uma doença da alma, mas a virtude oferece a causa de sua saúde."
    "Assim como a ferrugem corrói o ferro, assim a inveja destrói os que por ela se deixam possuir."
    "A embriaguez é a ruína da razão, a destruição da força, prematura velhice, momentânea morte."
    "A luxúria tem esses três companheiros: o primeiro, a cegueira do entendimento; o segundo, a dureza do coração; o terceiro, a falta de Graça."
    "A diferença de fio de cabelo entre vida formada e não formada não faz diferença para nós. Quem deliberadamente comete o aborto, está sujeito à pena por homicídio."
    "Nós, homens, somos facilmente propensos a pecados de pensamento. Portanto, Ele que cada coração individualmente formou, sabendo que o impulso recebido da intenção constitui o principal elemento no pecado, ordenou que a pureza na dominante parte de nossa alma seja nossa principal preocupação."
    "Se alguém se arrependeu uma vez de um pecado e volta a cometer o mesmo pecado, isso é sinal de que ele não foi purificado das causas do pecado, de onde, como de uma raiz, os brotos brotam novamente."
    "Como o piloto de um navio é testado na tempestade, o lutador é testado no ringue, o soldado na batalha e o herói na adversidade: assim é o cristão testado na tentação."
    "Devemos estar sempre atentos para que, sob o pretexto de guardar um mandamento, não sejamos encontrados descumprindo outro."
    "Não precisamos apenas ler a Sagrada Escritura, mas também aprendê-la e nela crescer. Perceba que nada está desnecessariamente registrado nas Escrituras. Não ler a Sagrada Escritura é um grande mal."
    "Nada há sem premeditação, nada negligenciado por Deus. Seu indormido olhar contempla todas coisas."
    "Não dize: 'Isso aconteceu por acaso, enquanto aquilo veio a acontecer por si só.' Em tudo que existe, não há nada desordenado, nada indefinido, nada sem propósito, nada por acaso ... Quantos cabelos estão em tua cabeça? Deus não esquecerá um só deles (cf. Lc 12,7). Tu vê-lo como nada, mas nem mesmo a menor das coisas escapa ao olhar de Deus." 
    "Assim como é impossível descrever verbalmente a doçura do mel para alguém que nunca provou mel, a bondade de Deus não pode ser comunicada claramente por meio do ensino se nós mesmos não formos capazes de penetrar na bondade do Senhor por nossa própria experiência."
    "Não devemos aceitar em silêncio as bênçãos de Deus, mas retribuir graças por elas."
    "A gratidão de um cachorro não faz envergonhar qualquer homem que seja ingrato com seus benfeitores?"
    "Sempre está satisfeito e contente, e em todos momentos dirige a Deus tua vida, pois a esperança do prêmio suaviza e alivia os sofrimentos deste mundo."
    "Muitas vezes encontramos conforto em contar o que é doloroso na experiência real."
    "Todos buscam o bem, portanto todos buscam a Deus."
    "Onde quer que tu vás, a menor planta pode trazer-te uma clara lembrança do Criador."
    "Uma árvore é conhecida por seus frutos; um homem por suas ações. Uma boa ação nunca é perdida; aquele que semeia cortesia colhe amizade, e aquele que planta gentileza reúne amor."
    "Ó homem, dá-te conta de tua grandeza considerando o preço que custaste. Olha para o preço do teu resgate e compreende tua dignidade!"
    "Comungar mesmo todos dias, recebendo o Santo Corpo e Sangue de Cristo, é boa e útil coisa; porque Ele mesmo claramente diz: 'Quem come Minha Carne e bebe Meu Sangue tem a Vida Eterna (cf. Jo 6,54).’ Quem duvidará, então, que continuamente participar da Vida não seja viver em plenitude?"
    "Qual é a marca de um cristão? Que ele seja purificado de toda contaminação da carne e do espírito no Sangue de Cristo, aperfeiçoando a santificação no temor a Deus e no amor a Cristo, e que ele não tenha nenhuma mancha nem defeito nem coisa semelhante; que ele seja santo e irrepreensível e assim coma o Corpo de Cristo e beba Seu Sangue; pois 'aquele que come e bebe indignamente, come e bebe julgamento para si mesmo. (cf. 1 Cor 11,27)' Qual é a marca daqueles que comem o Pão e bebem o Cálice de Cristo? Que eles mantenham em perpétua lembrança Aquele que morreu por nós e ressuscitou."
    "Qual é o significado e o poder do Batismo? Que o batizado se transforma nos pensamentos, nas palavras e nas obras, e se torna, em virtude do poder que lhe foi concedido, como é Aquele por Quem foi gerado."
    "O ser humano é um animal que recebeu a vocação para tornar-se Deus."
    "Quando tu te tornares de Deus na medida que Ele deseja, então Ele mesmo te concederá aos outros; a menos que, para tua maior glória, Ele escolha manter-te todo para Si mesmo."
    "Assim como um pouco de água fresca é soprado por uma tempestade de vento e poeira, da mesma forma as boas ações, que pensamos que fazemos nessa vida, estão sobrecarregados com a multidão de males."
    "Fonte de santificação, Luz de nossa inteligência, Ele (Nosso Senhor) é Quem dá de Si mesmo uma espécie de claridade à nossa razão natural, para que conheça a Verdade."
    "Para os amantes da verdade, nada pode ser colocado adiante de Deus, e n'Ele deve-se esperar."
    "O resplendor da divina beleza é algo absolutamente inefável e inenarrável."

    Morreu em 379, aos 49 anos, doente de hepatite, que lhe acometia havia muito tempo e o deixara muito magro, mas não vencia sua vontade de servir a Deus e trabalhar pelos necessitados.
    No dia de seu sepultamento, uma multidão jamais vista seguiu seu esquife pelas ruas de Cesareia Mazaca. São Gregório Nazianzeno, que por sua fragilizada saúde não pôde estar presente, escreveu a seu irmão, São Gregório de Nissa: "Basílio Santo, nasceu entre os Santos. Basílio pobre, viveu pobre entre os pobres. Basílio, filho de mártires, sofreu como um mártir. Basílio sempre pregou, com seus lábios e com seus exemplos, e sempre seguirá pregando com seus admiráveis escritos."
    Suas relíquias foram espalhadas por todo mundo cristão, e parte delas é venerada no altar a ele dedicado na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Aí estão expostas as relíquias de São Josafá Kuntsevych (1580-1623), mártir ucraniano, um dos fundadores da Congregação da Santíssima Trindade, que mais tarde se tornou a Ordem de São Basílio Magno, pois realmente se inspirou nos escritos de nosso Santo.



    Outra parte das relíquias de São Basílio Magno encontra-se no mosteiro grego de Grande Lavra, da igreja ortodoxa grega, no Monte Athos, fundado em 963.


    São Basílio, rogai por nós!

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus


    Nas Escrituras, Santa Isabel é a primeira a afirmar Nossa Senhora como Mãe de Deus. Aconteceu por ocasião da visita que a Santíssima Virgem lhe fez, logo após a Anunciação do Arcanjo São Gabriel, quando o Espírito Santo demonstrou que sempre está com ela. É leitura do Evangelho segundo São Lucas: "Ora, Isabel apenas ouviu a saudação de Maria e a criança estremeceu em seu seio. E Isabel ficou cheia do Espírito Santo, exclamando em alta voz: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o Fruto de teu ventre. De onde me vem esta honra, de vir a mim a Mãe de Meu Senhor?'" Lc 1,41-43
    De fato, por uma simples saudação de Nossa Senhora dá-se a unção do Santo Paráclito, e nesse caso, além de sobre a própria Santa Isabel, sobre São João Batista, como São Gabriel Arcanjo havia profetizado ao sacerdote Zacarias, seu pai: "Ele será para ti motivo de gozo e alegria, e muitos alegrar-se-ão com seu nascimento porque será grande diante do Senhor. Ele não beberá vinho nem cerveja, e desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo." Lc 1,14-15
    Pois ao anunciar que ela conceberia do Espírito Santo, o Arcanjo São Gabriel não diz que Deus 'está' com ela, ou seja, um momentânea condição, mas que Deus 'é' com ela: "No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: 'Ave, cheia de Graça, o Senhor é contigo.'" Lc 1,26-28
    Mas, claro, quem primeiro soube que ela seria a Mãe do Salvador, além dela mesma, foi o Divino São José, e por intermédio de seu Anjo da Guarda, como o Evangelho segundo São Mateus narrou: "Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, Sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era justo, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: 'José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois Aquele que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho, a Quem porás o Nome de Jesus, porque Ele salvará Seu povo de seus pecados.'" Mt 1,18-21
    O título de Mãe de Deus foi oficialmente reconhecido pela Igreja no ano de 431 de nossa era, no terceiro Concílio Ecumênico, o primeiro realizado em Éfeso, justamente a cidade onde Nossa Senhora viveu seus últimos anos em companhia de São João Apóstolo, e onde ele foi bispo. O Livro do Apocalipse de São João fala de retiro, talvez referindo-se à perseguição aos cristãos de Jerusalém (cf. At 8,1), que se iniciou após o martírio de Santo Estevão. Ademais, notemos nessa passagem que este Apóstolo não menciona seu santíssimo nome, como nunca fez seja em seu Evangelho, em suas Cartas ou neste Livro, e que só aí se fala na 'cabeça da Serpente' em toda Bíblia, após a menção do Livro de Gênesis, quando Deus disse da inimizade entre Maria e o Demônio (cf. Gn 3,15): "Mas à Mulher foram dadas duas asas de grande águia, a fim de voar para o deserto, para o lugar de seu retiro, onde é alimentada por um tempo, dois tempos e a metade de um tempo, fora do alcance da cabeça da Serpente." Ap 12,14
    Inscrevia-se, assim, neste Concílio, o primeiro Dogma Mariano, quando também brilhou para o mundo a inspiração de São Cirilo de Alexandria e foram decretadas as naturezas humana e divina de Jesus, que são inseparáveis. A esse respeito, o Evangelho segundo São João é determinante: "E o Verbo fez-Se carne..." Jo 1,14
    Foi, portanto, exclusivamente através da carne de Maria, que era da casa de Davi, que Deus Se fez carne. A Carta de São Paulo aos Romanos diz do Pai: "... acerca de Seu Filho Jesus Cristo, Nosso Senhor, descendente de Davi quanto à carne..." Rm 1,3
    E referindo-se a Jesus, o próprio São João Evangelista vai dizer: "... o Verbo era Deus." Jo 1,1
    Os opositores a esse Dogma diziam que Maria era apenas Mãe do Cristo, mas não Mãe de Deus. Como se pode negar, porém, por um instante sequer, a Divindade de Cristo? Como vimos acima, o Verbo é Deus, então Maria é Mãe do Verbo, logo, Mãe de Deus. Assim como era Virgem antes, durante e depois do parto. A pergunta é: se Deus respeitou sua virgindade antes do parto, por que não a preservaria depois? Ou não teria poder para tanto? Mais: o desrespeito a esse dogma não vem de uma mentalidade incapaz de enxergar a Graça de Deus na virgindade e na castidade?
    E como Mãe de Deus, ela também se tornou Mãe da Igreja, ou seja, Mãe dos seguidores de Jesus, como no Livro do Apocalipse registra São João as celestiais revelações que teve: "Cheio de raiva por causa da Mulher, o Dragão começou a combater o resto de seus filhos, aqueles que observam os Mandamentos de Deus e guardam o testemunho de Jesus." Ap 12,17
    Essa celestial maternidade já havia sido profetizada no Livro dos Salmos, inclusive indicando-a como Rainha, que seus prediletos filhos, os Santos e os Sacerdotes, reinariam sobre a Terra, e que seu nome jamais seria esquecido: "Vosso trono, ó Deus, é eterno. De equidade é Vosso cetro real. ... posta-se à Vossa direita a Rainha, ornada de ouro de Ofir. Ouve, filha, vê e presta atenção: esquece teu povo e a casa de teu pai. De tua beleza encantar-Se-á o Rei. Ele é Teu Senhor, rende-Lhe homenagens. Tomarão teus filhos o lugar de teus pais, tu estabelecê-lo-ás príncipes sobre toda Terra. Celebrarei teu nome através das gerações. E os povos louvá-te-ão eternamente." Sl 44,7.10b-12.17-18
    Ora, Nossa Mãe confirmou e replicou essa profecia, cujo cumprimento, pela devoção que tem espalhada pelo mundo, ninguém pode negar: "Por isto, desde agora todas gerações proclamá-me-ão bem-aventurada, porque em mim realizou maravilhas Aquele que é poderoso, e Cujo Nome é Santo." Lc 1,48a-19
    E o Livro do Profeta Miqueias previu a irmandade em Jesus nestes termos, inicialmente dizendo dos israelitas: "Por isso, Deus deixá-los-á, até o tempo em que der à luz aquela que há de dar à luz. Então o resto de seus irmãos voltará para junto dos filhos de Israel. Ele levantar-Se-á para apascentá-los com o poder do Senhor, com a majestade do Nome do Senhor, Seu Deus. Os Seus viverão em segurança, porque Ele será exaltado até os confins da Terra." Mq 5,2-3
    Ademais, desde Sua primeira Páscoa em vida pública, Nosso Senhor havia dito a Nicodemos, um notável fariseu, que para entrar no Céu o ser humano precisa nascer de novo: "Jesus replicou-lhe: 'Em Verdade, em Verdade, digo-te: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus.' Nicodemos perguntou-Lhe: 'Como pode um homem renascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no seio de sua mãe e nascer pela segunda vez?' Respondeu Jesus: 'Em Verdade, em Verdade, digo-te: quem não renascer da Água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus. Aquele que nasceu da carne é carne, e aquele que nasceu do Espírito é espírito.'" Jo 3,3-6


    E em Seus últimos instantes na Cruz, através de São João Evangelista determinou Jesus a essencial maternidade de Maria a todos Seus discípulos: "Quando Jesus viu Sua mãe, e junto a ela o discípulo que amava, disse à Sua mãe: 'Mulher, eis aí teu filho.' Depois disse ao discípulo: 'Eis aí tua mãe.'" Jo 19,26-27a
    Ora, a mãe carnal de São João Evangelista era Salomé, e ela igualmente assistia a crucificação: "Ali também havia algumas mulheres que de longe olhavam. Tinham seguido Jesus desde a Galileia para servi-Lo. Entre elas achavam-se Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu." Mt 27,55-56
    O Evangelho segundo São Marcos, que narrou a mesma cena, deu seu nome: "Ali também se achavam umas mulheres, observando de longe, entre as quais Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de José, e Salomé, que O tinham seguido e O haviam assistido quando Ele estava na Galileia." Mc 15,40-41a
    E o único que até então havia nascido do Espírito Santo e de Maria era o próprio Jesus: "Maria perguntou ao anjo: 'Como se fará isso, pois não conheço homem?' Respondeu-lhe o anjO: 'O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo envolvê-te-á com Sua sombra. Por isso, o Ente Santo que de ti nascer será chamado Filho de Deus." Lc 1,34-35
    Mais uma vez, portanto, temos que benditos são aqueles gerados pelo Espírito de Deus, como apontou Jesus, e, parafraseando Santa Isabel, no ventre espiritual de Maria, quer dizer, na Igreja: "E exclamou em alta voz: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o Fruto de teu ventre.'" Lc 1,42
    Foi exatamente isso que aconteceu com Apóstolos, discípulos e seguidores no Pentecostes, pois lá estava Nossa Mãe Celeste. Está no Livro dos Atos dos Apóstolos: "Voltaram eles para Jerusalém, então, do monte chamado das Oliveiras, que fica perto de Jerusalém, distante uma jornada de sábado. Tendo entrado no cenáculo, subiram ao quarto de cima, onde costumavam permanecer. Todos eles unanimemente perseveraram na oração, e com eles as mulheres, entre elas Maria, Mãe de Jesus, e os irmãos d'Ele. Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se um impetuoso vento soprasse, e encheu toda casa onde se encontravam. Então lhes apareceu línguas como de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem." At 1,12-13a.14;2,1-4
    E é isso que se dá pelo Sacramento da Crisma, inicialmente ministrado pelos Apóstolos e, depois deles, pelos Bispos da Igreja, como é até hoje: "Os Apóstolos que se achavam em Jerusalém, tendo ouvido que a Samaria recebera a Palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João. Estes, assim que chegaram, fizeram oração pelos novos fiéis, a fim de receberem o Espírito Santo, visto que ainda não havia descido sobre nenhum deles, mas apenas tinham sido batizados em Nome do Senhor Jesus." At 8,14-16
    São João Evangelista, enfim, vai dizer de nossa adesão à Igreja, fundada por Jesus: "Mas a todos aqueles que O receberam, aos que creem em Seu Nome, deu-lhes o poder de tornarem-se filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus." Jo 1,12-13
    A Primeira Carta de São João resume: "Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus." 1 Jo 5,1a
    Declara: "E Seus Mandamentos não são penosos, porque todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo." 1 Jo 5,3b-4a
    E afirmou, como vimos, que a Igreja se compõe dos filhos de Maria, e por isso era ela o principal alvo do Demônio: "Cheio de raiva por causa da Mulher, o Dragão começou a combater o resto de seus filhos, aqueles que observam os Mandamentos de Deus e guardam o testemunho de Jesus." Ap 12,17
    No ventre de Maria, pois, onde Jesus, não gerado espiritualmente, nasceu da carne, nós, nascidos da carne, somos gerados espiritualmente. Assim é o projeto de Deus, como o Apóstolo dos Gentios diz: "Aqueles que Ele de antemão distinguiu, também os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho, a fim de que Este seja o Primogênito entre uma multidão de irmãos." Rm 8,29
    A Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios disse mais: "Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram!" 1 Cor 15,20
    A Carta de São Paulo aos Efésios fala, pelo mesmo sentido e valor, em adoção: "Em Seu amor, (Deus) predestinou-nos para sermos adotados como Seus filhos por Jesus Cristo, segundo o beneplácito de Sua livre vontade, para fazer resplandecer Sua maravilhosa Graça, que nos foi concedida por Ele no Bem-Amado." Ef 1,5-7
    Bem como fala do papel do Santo Paráclito, aqui aos cristãos da igreja de Roma: "Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o Espírito de Adoção pelo qual clamamos: 'Aba! Pai!'" Rm 8,15
    Diz que ela só se completará com a Ressurreição da Carne, enquanto fala de toda criação: "Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a Adoção, a redenção de nosso corpo." Rm 8,23
    E apontando para o Sacrifício Pascal, isto é, a Comunhão Eucarística que é celebrada na Santa Missa e é a razão de ser da Igreja, seus seguidores dizem o mesmo na Carta aos Hebreus: "Aquele para Quem e por Quem todas coisas existem, desejando conduzir à Glória numerosos filhos, deliberou elevar à perfeição, pelo sofrimento, o Autor da Salvação deles, para que Santificador e santificados formem um só todo. Por isso, Jesus não hesita em chamá-los Seus irmãos..." Hb 2,10-11
    O Amado Discípulo vai no mesmo sentido, e através do Sacramento do Crisma confirma os verdadeiros fiéis: "Quanto a vós, a unção que d'Ele (Deus) recebestes permanece em vós. Se sabeis que Ele é justo, também sabei que todo aquele que pratica a justiça, d'Ele é nascido." 1 Jo 2,27.29
    Fala do amor a Deus que se expressa pelo amor à Igreja, e é a própria Unidade do Corpo de Cristo: "Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo que ama é nascido de Deus e conhece a Deus." 1 Jo 4,7
    Exaltando o Ministério do Espírito Santo, pois, São Paulo diz da Igreja: "De fato, se viverdes segundo a carne, haveis de morrer. Mas se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis, pois todos que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus." Rm 8,13
    E deu mais detalhes, ainda que indiretos, desta nova gestação. Sem dúvida, se da costela de Adão surgiu Eva, da carne da Nova Eva surgiu o Novo Adão, e assim a nova humanidade: "Como está escrito: 'O primeiro homem, Adão, foi feito vivente alma (Gn 2,7)'. O Segundo Adão é vivificante Espírito. Mas não é o espiritual que vem primeiro, e sim o animal. O espiritual vem depois. O primeiro homem, tirado da terra, é terreno, o segundo veio do Céu. Qual o homem terreno, tais os homens terrenos, e qual o Homem Celestial, tais os homens celestiais. Assim como em nós reproduzimos as feições do homem terreno, precisamos reproduzir as feições do Homem Celestial." 1 Cor 15,45-49
    É evidente que Eva é a mãe da humanidade, como está no Livro de Gênesis: "Adão pôs à sua mulher o nome de Eva, porque ela era a mãe de todos viventes." Gn 3,20
    Mas mãe meramente carnal, como Jesus disse acima: "Aquele que nasceu da carne é carne, e aquele que nasceu do Espírito é espírito.'" Jo 3,6
    Com efeito, tempos depois o próprio Deus vai restringir Seu povo aos filhos de Raquel, esposa de Isaac, que também era prefigura de Maria, como falou através do Livro do Profeta Jeremias: "Eis o que diz o Senhor: 'Ouve-se em Ramá uma voz, lamentos e amargos soluços. É Raquel que chora seus filhos, recusando-se ser consolada porque já não existem.'" Jr 31,15
    Antes de Raquel, porém, Ele havia dito que Sara, mais luminosa prefigura da Santíssima Virgem porque mãe da promessa, seria mãe de nações, rainha de povos, ou seja, para muito além das fronteiras de Israel: "Disse Deus a Abraão: 'Não mais chamarás tua mulher Sarai, e sim Sara. Eu abençoá-la-ei e dela dá-te-ei um filho. Eu abençoá-la-ei e ela será a mãe de nações, dela sairão reis de povos.'" Gn 17,15-16
    De fato, comparando Sara e Agar, que geraram filhos de Abraão, na Carta de São Paulo aos Gálatas, citando o livro de Gênesis, ele diz-se filho de Sara, a matriarca do povo de Deus: "Como Isaac, irmãos, vós sois filhos da promessa. Como naquele tempo o filho da natureza perseguia o filho da promessa, o mesmo dá-se hoje. Que diz, porém, a Escritura? 'Lança fora a escrava e seu filho, porque o filho da escrava não será herdeiro com o filho da livre (Gn 21,10).' Pelo que, irmãos, não somos filhos da escrava, mas sim da que é livre." Gl 4,28-31
    E se sua teologia ainda não a relacionava com Maria, vai relacioná-la com a Jerusalém Celestial, ou seja, com a Igreja: "A Escritura diz que Abraão teve dois filhos: um da escrava e outro da livre. O da escrava, filho da natureza, e o da livre, filho da promessa. Nestes fatos há uma alegoria, visto que aquelas mulheres representam as duas Alianças... Mas a Jerusalém lá do alto é livre, e esta é nossa mãe..." Gl 4,22-24a.26
    Por isso, fala-se do Céu como as Núpcias do Cordeiro, pois como o Espírito Santo desposou Maria, assim Jesus desposará a Igreja: "Então veio um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias dos sete últimos flagelos e me disse: 'Vem, e mostrá-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro.' Levou-me em espírito a um grande e alto monte e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do Céu, de junto de Deus..." Ap 21,9-10a
    Pois em Cristo São Paulo desdenha de qualquer outro rito, seja do judaísmo ou do paganismo: "Porque a circuncisão e a incircuncisão de nada valem, mas sim a nova criatura." Gl 6,15
    Finaliza: "Todos vós, que fostes batizados em Cristo, revestiste-vos de Cristo. Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus. Ora, se sois de Cristo, então verdadeiramente sois a descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa." Gl 3,27-29
    E explica a razão de ser do Antigo Testamento: "Então que é a Lei? É um complemento ajuntado em vista das transgressões, até que viesse a descendência a quem fora feita a promessa." Gl 3,19a
    É esta gestação e parto, obras de Deus, que o salmista, falando pelo Cristo, exalta: "Sim, fostes Vós que Me tirastes das entranhas de Minha mãe e, seguro, fizestes-Me repousar em seu seio. Fui-Vos entregue desde Meu nascer, desde o ventre de Minha mãe Vós sois Meu Deus." Sl 21,9-11
    A Carta de São Tiago também falou deste renascer que se deu em sua geração, os primeiros rebentos da Igreja: "Toda boa dádiva e todo perfeito dom vêm de cima: descem do Pai das luzes, no Qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade. Por Sua vontade é que nos gerou pela Palavra da Verdade, a fim de que sejamos como que as primícias de Suas criaturas." Tg 1,17-18
     A Primeira Carta de São Pedro, do mesmo modo, citando um Salmo: "Como recém-nascidos, com ardor desejai o leite espiritual que vos fará crescer para a Salvação, se é que tendes saboreado quão suave é o Senhor (Sl 33,9)." 1 Pd 2,2-3
    Ademais, como rejeitar a maternidade de Maria se prontamente aceitamos a paternidade dos Padres, nossos Sacerdotes, como São Paulo reclama aos coríntios? "Com efeito, ainda que tivésseis dez mil mestres em Cristo, não tendes muitos pais. Ora, fui eu que em Cristo Jesus vos gerei pelo Evangelho." 1 Cor 4,15
    Ele pede: "Como amados filhos, pois, sede imitadores de Deus. Progredi na caridade segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós entregou-Se a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor." Ef 5,1-2


APRESENTAR JESUS AO MUNDO

     Temos, portanto, que a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus foi a primeira festa mariana da Igreja em Roma, celebrada desde o século IV, antes do referido Concílio. Com justiça, devemos a Nossa Senhora a Encarnação do Cristo, porque, bem diferente de Eva que desobedeceu a Deus dando ouvido à Serpente, ao responder ao Arcanjo Gabriel aceitou submeter-se aos Seus desígnios: "Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo tua palavra." Lc 1,38
    Desígnios, aliás, nem sempre tão gloriosos, como um religioso previu durante a Apresentação do Menino Jesus no Templo de Jerusalém: "Simeão abençoou-Os e disse a Maria, Sua mãe: 'Eis que este Menino está destinado a ser causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser sinal que provocará contradições, a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações. E uma espada transpassará tua alma.'" Lc 2,34-35
    Contudo, mesmo ciente de todos percalços, a maior realização de Maria é apresentar Seu Filho, Nosso Salvador, ao mundo. E é isso o que ela vem fazendo desde o primeiro momento de Sua concepção, quando foi visitar Santa Isabel: "Naqueles dias, Maria levantou-se e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel." Lc 1,39-40
    Não foi ela que 'precipitou' o 'início' da vida pública de Jesus, instando-O a transformar água em vinho nas bodas de Caná? "Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-Lhe: 'Eles já não têm vinho.' Respondeu-lhe Jesus: 'Mulher, que há entre Mim e ti? Minha hora ainda não chegou.' Disse, então, Sua mãe aos serventes: 'Fazei tudo que Ele vos disser.'" Jo 2,3-5
    Ora, aí refulgiu a Glória de Deus entre os homens: "Este foi o primeiro milagre de Jesus. Realizou-o em Caná da Galileia. Manifestou Sua Glória, e Seus discípulos creram n'Ele." Jo 2,11
    Como se nota, São João e São Lucas expressam 'mais evoluído' Catolicismo em relação a São Mateus e São Marcos. E não só por serem posteriores. João, sem dúvida, vê-se plenamente renascido de Maria, que ele viu coroada nos Céus (cf. Ao 12,1). São 15 anos em sua companhia, da Paixão do Senhor à Assunção de Nossa Senhora, vivendo a espiritualidade mariana, fato que evidentemente concorreu para tornar o Amado Discípulo mais teológico e mais místico. Levado à contemplação, ele meditou em profundidade sobre o silêncio e o sofrimento da Mãe de Deus, cujo nome ele sequer menciona, como dissemos.
    E o Amado Médico detectou o início da veneração mariana, registrando o Magnificat, a atenção de Nossa Senhora para com as palavras dos pastores de Belém, a Apresentação do Menino Jesus no Templo, o episódio da Páscoa aos 12 anos, no qual registra a Sagrada Família como composta apenas Jesus, Maria e José, ou seja, deixando evidente que Maria não teve nenhum outro filho. Ora, ele conseguiu essas informações junto à comunidade cristã, em ambientes marianos, que por sua vez as obtiveram de Maria e de seus parentes, e tal tradição é apenas mais um evidente sinal do pronto acolhimento dado a Jesus como o Messias. Também é patente que o terceiro Evangelho é o que, de longe, mais menções faz ao Espírito Santo, fato que explicita, para que sejamos verdadeiros filhos de Deus, o vínculo entre Nossa Mãe e o Santo Paráclito, fundante detalhe da Igreja.
     A Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, pois, reverbera a autoridade da Barca de São Pedro: "Por conseguinte, desprezar estes preceitos é desprezar não a um homem, mas a Deus, que nos infundiu Seu Santo Espírito." 1 Ts 4,9
    Diz que só pelo Divino Paráclito entramos na Igreja: "É nele que vós também entrais conjuntamente, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus." Ef 2,22
    Ele também diz Quem é que zelosamente vela por ela: "Ninguém jamais odiou sua própria carne. Ao contrário, alimenta-a e cerca-a de cuidados, como Cristo faz com Sua Igreja." Ef 5,29
    Ora, até mesmo Apócrifos indicam veneração à Maria, entre eles a história de São Joaquim e Santa Ana.
    Enfim, trazemos estas palavras do próprio Jesus à Nossa Senhora, que foram reveladas a Santa Brígida: "Tu és Minha Mãe, és a Rainha do Céu, és a Mãe da Misericórdia, o consolo das almas do Purgatório, a alegria dos que peregrinam pelo mundo. És a Soberana dos anjos, a mais excelente criatura diante de Deus." (Livro I, Capítulo XVI)
    Segundo os Mandamentos da Igreja, portanto, a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus é um dos quatro dias de preceito no Brasil, junto à celebração da Imaculada Conceição de Maria, do Natal de Jesus e do Corpus Christi. E abre o calendário da Igreja de Todos os Santos, iniciando o ano litúrgico em louvação ao mais perfeito ser puramente humano gerado por Deus: Aquela que viveu toda vida guardando com perfeição a divina semelhança, pois foi 'concebida sem pecado'.

    Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores!