domingo, 22 de junho de 2025

São Tomás More


    Primeiro leigo a ser chanceler de Inglaterra, preferiu morrer a concordar com o rei, que lhe exigiu juramento reconhecendo-o como chefe supremo da Igreja em seu país. Por adultério, soberba e vis interesses, mais uma parte do Corpo Místico de Cristo, isto é, Sua Igreja nas pessoas dos fiéis, era brutalmente dilacerado. Mas o Céu e os altares recebiam um admirável Santo, mais uma grande testemunha do verdadeiro amor a Cristo.
    Nasceu em Londres, no bairro de Chelsea a 7 de fevereiro do ano de 1478, de nobre família, "sem ser célebre", como ele mesmo a descreveu. De fato, seu pai, John More, era juiz e 'cavaleiro' do rei Eduardo IV, porém, antes de tudo, absolutamente convicto católico. Aos 13 anos São Tomás estudava na renomada Escola de Santo Antão e era coroinha de John Morton, Arcebispo da Cantuária e chanceler de Inglaterra, como era tradição, que tudo fez para enviá-lo ao Saint Mary Hall, ao Canterbury College e à Universidade de Oxford, onde acabou ficando em 1492. Aí, além de escrever poesias, se fez grande linguista, dominando muito bem, além do latim, o grego e outros idiomas, com os quais gostava de brincar. Seu pai, no entanto, preocupado com os apelos da 'vida moderna', que já àqueles tempos pervertiam as almas nas grandes cidades, mandava-lhe dinheiro apenas para os estritamente necessários gastos.
    Em 1500 graduou-se em Direito, e logo foi convidado para lecionar. Aí conheceu e se tornou íntimo amigo do teólogo humanista Erasmo de Rotterdam, que lhe dedicou seu mais famoso livro: O Elogio da Loucura. Entre os anos de 1503 e 1504, nosso Santo morou perto do mosteiro cartuxo fora dos muros de Londres, e com estes monges devotamente praticou exercícios espirituais, que muito admirava. Mas também foi nesses tempos que desistiu da vida monástica, porque seriamente considerou abraçá-la.
    Antes de decidir-se pelo Matrimônio, porém, que não o fez abandonar a vida de intensas e religiosas práticas, atenciosamente examinou sua vocação, pois de exemplar modo já havia convivido com os franciscanos de Greenwich, de 'mais moderada regra' que a dos cartuxos, para a qual avançou, o que bem demonstra sua profunda espiritualidade e aversão às mundanas coisas. Eram as Ordens mais fervorosas do reino àqueles tempos.
    Tornou-se notável como advogado, pautando sua vida pela honradez e pela modéstia, e logo foi eleito para o Parlamento representando Great Yarmouth, ainda em 1504, e em 1510 representando Londres. Tocava flauta doce e viola de gamba. Erasmo de Rotterdam registrou sobre ele: "A natureza já inventou algo mais gentil, mais doce ou mais harmonioso que o caráter de Tomas More?... nasceu e foi projetado para a amizade."
    Casou-se em 1505 e tornou a casar-se em 1511, após a morte de sua primeira esposa, com quem teve 4 filhos. A segunda esposa também havia enviuvado, e era mãe de uma filha que ele abraçou como se fosse sua, mas não tiveram filhos. Grande visionário, deu às 4 'filhas' a mesma escolaridade que deu ao filho, no que influenciou nobres famílias de sua época. Foi excelente pai, especialmente atencioso com a educação, e gostava de receber em casa muitos jovens amigos de seus filhos, interessados em conhecer um pouco de seus vastos conhecimentos, além de sempre bem humorada e generosa pessoa.
    Participava da Santa Missa todo dia e nunca deixava de visitar os mais pobres em seus bairros, e cuidava como podia de suas necessidades. Tanto que, desta veia de homem público, foi eleito membro do Parlamento como dissemos, mas, bem a seu modo de penitente, para Câmara dos Comuns, onde em 1523 foi eleito presidente. Em 1510, o recém-empossado rei Henrique VIII prorrogou seu mandato de representante de Londres, nomeando-o representante da Coroa.
    Por realmente cuidar do bem-estar de toda população, São Tomás More também teve brilhante carreira na administração pública, tendo representado inclusive a polícia de Londres, como um dos dois importantes subxerifes, tão notórias eram suas serenidade e bondade, respeitador dos desfavorecidos em suas tribulações. Serviu como conselheiro do rei e embaixador em várias diplomáticas missões, como em terras do no norte de atual Bélgica e em França. Foi vice-tesoureiro, chanceler de Lancaster e, por fim, chanceler de Inglaterra, entre 1529 e 1532, que lhe dava a importante função de juiz presidente do Tribunal da Câmara Estelar.
    Em 1521, quando o rei Henrique VIII formalmente respondeu às primeiras obras de Lutero, feitas de infundadas críticas à Igreja Católica, só o fez porque foi assessorado por nosso Santo. Tal escrito, chamado Assertio, valeu ao rei o título de 'Defensor da ', dado pelo Papa Leão X. Lutero respondeu publicando palavrões contra o monarca inglês, e este pediu a São Tomás More que compusesse uma refutação, que veio a ser famosa a Responsio ad Lutherum, publicada ao fim de 1523, na qual firmemente defendeu a supremacia papal, os Sacramentos da Igreja e a Sagrada Tradição. Mas, mesmo reconhecido por sua diplomacia e serenidade, não hesitou em ridicularizar Lutero como 'macaco', 'bêbado' e 'pequeno péssimo frade', entre outros adjetivos. Depois escreveu sob o pseudônimo de Gulielmus Rosseus, quando sem meias palavras rebateu todas teses do heresiarca, pedindo aos leitores, ao fim, desculpas pelos fortes termos que usava. O que Lutero nunca fez.
    Em 1529 publicaria Um Diálogo Sobre Heresias, no qual registrou conversas que teve com um inteligente aluno influenciado pelas ideias do protestantismo. Provou-lhe que a Igreja Católica era a única e verdadeira Igreja, estabelecida por Cristo e pelos Apóstolos, assim como a plena validade de sua autoridade, tradições e práticas. Ainda escreveu uma série de livros e panfletos em inglês e latim para esclarecer os que se faziam protestantes, além de alguns livros contra a primeira edição da tradução inglesa do Novo Testamento, de claramente tendenciosas palavras.
    Com efeito, os ingleses consideravam os protestantes e anabatistas como semelhantes aos lolardos e hussitas, cujas heresias realmente adotavam para alimentar a declarada sedição. O embaixador londrino do imperador Carlos V, do Sacro Império Romano, chamou o luteranismo de 'filho adotivo' de John Wycliffe, um 'teólogo católico' que em 1381 foi expulso da Universidade de Oxford por suas heresias.
    Contudo, nosso Santo pediu demissão em maio de 1532, pois percebeu que a 'reforma' protestante, em curso no centro de Europa desde 1517 com o apoio príncipes e nobres, avançaria sobre Inglaterra. Ora, em 1531, para contrair novo e ilegal casamento, além de confiscar bens e propriedades Igreja (quase 900 mosteiros), o rei resolveu aproveitar-se deste movimento herético e autoproclamou-se, com o apoio do Parlamento, 'papa' da igreja de Inglaterra. Nem um pouco cristão, ele mandaria decapitar Ana Bolena, com quem se casou em seguida, e também Catherine Howard, sua quinta esposa de apenas 19 anos, sob falsa acusação de infidelidade, além de instaurar uma diabólica era de sistemáticas execuções, dezenas por dia, entre 57 e 72 mil até o fim de seu reinado, de supostos traidores, a grande maioria meros fiéis católicos.
    Perante ele, sua filha Maria, que era católica, chamada de 'a sanguinária', que ordenou menos de 300 execuções durante seis anos como rainha, muitas delas de ativos partícipes desta corte de assassinos, deve ser considera uma grande pacificadora. Só com a dissolução dos mosteiros ditada por Henrique VIII, 12 mil religiosos, homens e mulheres, foram desabrigados e deslocados em Inglaterra, Gales e Irlanda. Um verdadeiro Êxodo na história desse povo, o maior desde a Conquista Normada no século XI: uma pessoa a cada 50 habitantes.
    Para agilizar sua máquina de morte, este rei criou na Torre de Londres um portão de entrada para suas vítimas, ainda visto no rio Tâmisa, próximo à Ponte de Londres, na qual as cabeças ficavam expostas.


    Sem suas funções, São Tomás More submetia sua família a sérias dificuldades financeiras, pois, dada a perseguição que sofria do rei, sequer conseguia contratos como advogado. Mas não abandonou seus princípios nem, o mais importante, sua fé.
    Seu mais famoso livro chama-se Utopia, no qual oferece uma belíssima visão de modelo de Estado e com refinadas observações satiriza as mazelas da sociedade européia, pois aí, por influência da burguesia e do comércio ultramarino, de forma generalizada iniciava-se a idolatria ao dinheiro. Nas mãos dos primeiros missionários europeus em Américas, essa obra vai ser um grande trunfo em defesa dos direitos dos indígenas. É frequentemente reimpressa. Também escreveu A História de Ricardo III, que Shakespeare retocou e adaptou para o teatro.
    Em suma, foi advogado, juiz, filósofo, autor, estadista e teólogo. Com frequência lia as obras de Santo Agostinho, e tinha o renomado Padre John Colet como diretor espiritual, que lhe moderava as práticas de penitências. Como forma de autoflagelar-se, por própria decisão sempre usou uma camisa de cilício, bastante incômoda, por baixo das típicas roupas da corte. Ela foi enviada a sua filha Margaret na véspera de seu martírio, e é preservada pelos agostinianos canoneses de Abbots Leigh, em Devonshire, condado de sudoeste de Inglaterra.
    No início de 1534, ao recusar-se a prestar juramento ao rei como autoridade superior ao Papa, São Tomás More foi preso na Torre de Londres, junto a John Fisher, Cardeal e Bispo de Rochester, que também não aceitava estas imposições do rei.


    Na prisão, por várias vezes foram pressionados para que prestassem juramento ao rei, mas eles terminantemente negavam-se. Profícuo escritor, São Tomás More aproveitou esses quase 3 meses para deixar-nos seu último livro: Diálogo de conforto contra as tribulações.
    No decorrer do processo que lhe moviam, fez uma bela e corajosa defesa da indissolubilidade do Matrimônio, do patrimônio jurídico como um grande legado da Igreja, e da total independência do Papa e do Clero em assuntos de fé perante qualquer Estado ou autoridade.
    Em reação, bem a seu modo de governar, o rei mandou decapitar a ele e ao bispo John Fisher no dia 6 de julho de 1535.


    O local da execução, em Tower Hill, foi preservado.


    Para intimidar resistentes católicos por todo reino, pois realmente era um grande exemplo e líder, o que enfurecia e aumentava os assédios do rei, sua cabeça ficou exposta durante um mês na ponte de Londres. Mas sua mais velha filha, contrariando as ordens do rei, destemidamente foi lá e resgatou-a. Acredita-se que ela tenha sido enterrada na Igreja de Saint Dunstan, em Canterbury, com os restos mortais desta sua filha, a muito bem instruída e valorosa Margaret More. Por velada influência de religiosos, seu corpo tinha sido sepultado logo após a decapitação numa cripta da Capela Real de São Pedro Ad Vincula (acorrentado), inicialmente sem nenhuma identificação. A igreja anglicana também o venera como Santo.
    Foi canonizado junto a John Fisher, mas a beatificação deles incluiu 52 outros mártires ingleses, homens e mulheres, pela gloriosa defesa da fé neste mesmo período. O Papa São João Paulo II declarou-o Patrono dos Estadistas e Políticos.


    São Tomás More, rogai por nós!