terça-feira, 21 de maio de 2024

Pelo Rio Grande do Sul

 Nossa caridade, espiritual e material, pelo povo do Rio Grande do Sul

Textos para Celular

 Acesso: dizemasescrituras.blogspot.com

As Cruzadas


    O correto entendimento sobre a razão de ser das Cruzadas aponta, inquestionavelmente, para a devoção e o religioso zelo, de motivação popular. Apesar da quase exclusiva imagem de guerra que se faz destes acontecimentos, dados entre 1096 e 1272, o certo é que as viagens de europeus à Terra Santa eram uma constante todos anos, iniciada muitos séculos antes, e tão somente por peregrinação, quase uma obrigação para os cristãos à época. Muitas das 'Cruzadas', portanto, menos que arregimentação para guerra, contavam com essa tradição para fazer número, ocupar espaços e eventualmente enfrentar violentas invasões de árabes que atacavam ordens religiosas e dominavam sagrados lugares, profanando e destruindo monumentos, símbolos religiosos e relíquias. Aliás, acreditar que a cristandade se levantou em guerra para usurpar lugares pacificamente ocupados pelos verdadeiros donos daquelas terras é, na verdade, brutal desinformação, movida por ingenuidade, ou simplesmente malícia.
    Quanto à postura dos líderes da Igreja Católica, não foi apenas em assuntos relativos às Cruzadas, ou à Inquisição, que se questionaram sua santidade. Durante toda Idade Média, quando eclodiam os centros urbanos e crescia a busca pelo conhecimento, do religioso e popular fervor também nasciam  as propostas de mudança de conduta e as fundações de novas ordens, que indiretamente pugnavam pela 'renovação' da Igreja sob a ótica do ativismo de então e se revelaram muito combativas. Ou seja, eram os próprios fieis católicos, àquela época em número cada vez maior pelo expressivo crescimento populacional, que questionavam o clero. Na verdade, como sempre fizeram e ainda hoje fazem.
    E os papas, ao contrário do que se pretende fazer acreditar, não detinham nem o controle nem a unidade política e administrativa da Europa, se é que algum dia tal centralização existiu. A diversidade de nações e as remanescentes rusgas, de seculares conflitos entre povos de distintas culturas, faziam de algumas regiões do continente um enorme desafio para qualquer forma de governo. Isso também valia para a Igreja, que, como sempre, anunciava Cristo e cuidava de sua própria sustentação. Os problemas de comunicação da época, como exemplo, são apenas uma dessas dificuldades.
    Insofismável, portanto, um comum e incômodo sentimento dominava grande parte da Europa nesse período: as notícias de várias conquistas territoriais dos árabes no Oriente Médio, majoritariamente seguidores de Maomé, a maioria deles guerreiros em retirada de suas conquistas pelos primeiros avanços do que viria a ser, em 1206, o Império Mongol. Isso trazia à lembrança os horrores do Império Muçulmano dos séculos VII e VIII, do qual na atualidade quase não se fala, gerando grande temor no continente e assim à cristandade. Como viver séculos nessa apreensão? Assim, a completa tomada da Terra Santa pelos muçulmanos, em meados do século XI, foi apenas o estopim de alguns efetivos levantes.


    A Europa vivia uma ordeira e silenciosa, mas notável pujança sob social, econômica e espiritual aspectos. Reis, rainhas e nobres virtuosamente abraçavam a piedosa e caritativa vida, tornando-se grandes Santos; a escravidão era totalmente abolida em suas terras pela força moral do Catolicismo; a pacificação dos povos favorecia o franco desenvolvimento da agricultura, do artesanato, da construção civil, da metalurgia e do comércio; pequenas e fortificadas aldeias expandiam-se para muito além de seus muros, transformando-se em prósperas cidades; as corporações de trabalhadores elevavam a qualidade das obras públicas e dos serviços urbanos a níveis modernos; belíssimas igrejas eram erguidas com as mais inovadoras técnicas, com os mais nobres materiais, sob a liderança de renomados mestres de ofícios e com a voluntária mão-de-obra de toda população; surgiam as primeiríssimas universidades pelas mãos de uma maioria de estudiosos da Igreja; o antigo Direto Romano estava sendo reestudado pelo clero e aplicado no cotidiano das nações para promover a justiça. E apesar de algumas disputas e guerras entre senhores feudais e reis, fatos que mantinham presente uma belicosa atmosfera e o culto à figura de heroicos cavaleiros, o continente via-se unido pelos ideais cristãos.
    Soava, então, a prática pergunta: por que a Europa, já tão organizada em entidades políticas e em seus meios de produção, haveria de viver sob a ameaça e o medo das invasões árabes e do islamismo, que, sempre pela beligerância, assombrosamente crescia? Questionava-se, com pertinência, se não seria mais prudente detê-lo antes de sua total expansão pela Europa, pois desde o século VIII Portugal já lutava para libertar-se da presença árabe em seu próprio território, sucesso que definitivamente só alcançaria no século XI, enquanto a Espanha vivia a plenitude de uma 'invasão branca', iniciada no século VII e só totalmente suprimida em 1492. E a expansão islâmica no Mar Mediterrâneo só terminaria em 1571, na Batalha de Lepanto, na Grécia, encampada pela Liga Santa.


    Como dissemos, os próprios cruzados e seus pregadores católicos, muitos deles leigos, combatiam a postura da Igreja em seu 'conservadorismo' e 'pacifismo', ou mesmo no 'imobilismo' das ordens meramente contemplativas. São claras as evidências de que a maior parte da incitação às Cruzadas vinham de fora do clero. Muitos letrados jovens e de ambos os sexos, de costumes já afeitos à vida urbana, tentavam protagonizar uma doutrinária e moral reforma no seio da Igreja aventada pelo 'humanismo', que viria a ser a raiz do calamitoso protestantismo, do pretenso iluminismo, do doentio naturalismo e, em seguida, do diabólico comunismo. Mesmo que só idealisticamente, diga-se, e bem distantes dos exemplos de humildade de São Francisco de AssisSão Domingos e São Pedro Nolasco, esta ruidosa geração fortemente pressionava os religiosos por um suposto aperfeiçoamento espiritual, que na verdade não passava de mero e juvenil voluntarismo.
    E a Igreja, em sua constante missão de promover a Salvação das almas, para corrigir indecorosas condutas de alguns de seus membros e frear tal reformista sanha, em definitivo instituía a proibição de casamento para os Sacerdotes e vetava a fundação de novas ordens. E buscando autênticas melhoras de sua organização institucional, da releitura e do aperfeiçoamento do Direito Romano nascia nesses tempos o Direito Canônico, que ainda hoje serve de base para ordenamentos jurídicos na maioria dos países e inspira regulamentos de muitíssimas instituições pelo mundo.
    Por outro lado, os reis guerreiros, no ardor de suas devoções ou sequiosos de poder e prestígio, não se reportavam ao Papa antes de levantar seus exércitos. Tampouco havia unidade entre os generais muçulmanos: por tradição desta fé, eles eram natos conquistadores, com grande ascendência sobre seu povo, mas nem sempre imbuídos de difundir o islamismo. A modo do próprio Maomé, que primeiro se tornou rico, em seguida líder militar e depois político, antes de dizer-se profeta, a principal meta era apossar-se de terras, e assim de suas riquezas, o que paulatinamente conseguiam numa sequência de assaltos, ataques, pilhagens e invasões. Só então, quando possível, impunham sua religião.
    Por fim, o surgimento de novos burgos, agora pequenos postos de comércio pelas principais estradas da Europa, e que se tornariam novas e importantes cidades, era impulsionado pelo mercado em larga escala com as Índias. Esse intercâmbio passava pelo Oriente Médio e era suprido pelas constantes peregrinações aos santos lugares, mas também fomentava a cobiça e os saques entre os árabes. Com isso, a mera sobrevivência desses novos centros e a continuidade do desenvolvimento europeu claramente estavam em perigo, como se verá ainda em 1571, na decisiva Batalha de Lepanto, que contou com os prestimosos auxílios de Nossa Senhora do Rosário.


    Além de defender a Terra Santa, as peregrinações e o comércio, portanto, é certo dizer que as Cruzadas foram fruto do idealismo de uma crescente população européia, principalmente de jovens religiosos de classe média e baixa, já mencionados, e eles não queriam apenas lutar, mas declaradamente permanecer no Oriente Médio, onde em Constantinopla ainda resistia acalentado o 'sonho' do Império Romano. Daí, numa estratégia de ocupação de território, veio o 'alistamento' de todo e qualquer cristão que se dispusesse a viver na Terra Santa, de crianças a idosos. Ora, acreditar que houve uma Cruzada em que meninos e velhos, só porque eram pobres, foram enviados para fazer guerra aos árabes é coisa de insanos.
    Uma das Cruzadas, por sinal, foi motivada pelo desespero de um imperador bizantino que temia a aproximação dos turcos a Constantinopla, e acabou pedindo ajuda ao Papa, contando com sua influência sobre reis, nobres e senhores feudais europeus em empenho militar. Ao que o Papa atendeu, fazendo exortação à cristandade, tanto por compaixão como por legítimo interesse em converter os ortodoxos gregos e bizantinos ao Catolicismo, como em contrapartida se comprometeram o imperador e o patriarca de Constantinopla.
    Ao longo desse período, porém, apenas três papas efetivamente propuseram-se a lançar mão de exércitos para libertar a Palestina, como os romanos nomearam esta região. Até renomados Santos estiveram envolvidos em algumas dessas campanhas: desde a simples exortação, como empreendeu Santa Catarina de Sena, passando pela criação de escoltas armadas para a proteção dos peregrinos, feita por São Bernardo, chegando à organização para batalhas, procedimento do mesmo São Bernardo e de Santo Alberto Magno, ou ainda participar dos embates, nos quais se lançou São Luís, rei da França.
    As Cruzadas às quais tradicionalmente se refere, isto é, as atividades guerreiras, eram na verdade uma grande ilusão de alguns segmentos cristãos. Dados os políticos interesses de algumas nações, bem como dos nascentes burgos, muitas de suas coordenações eram motivadas por interesse econômico de negociantes europeus, que queriam rotas comerciais abertas para o Oriente, e pela oportunidade de reis e senhores europeus demonstrarem força e ampliarem suas influências políticas. E como a verdadeira origem dessas empreitadas, especificamente, temos os normandos, que, querendo garantir interesses comerciais, anteciparam o início das Cruzadas fazendo incursões naquelas terras quando diferentes grupos árabes ainda nem detinham linhas militares propriamente organizadas. Foi deles a ideia de que era possível reconquistar, por batalhas, Jerusalém e a Palestina.
    Mas as chances desse projeto, como pouco mais tarde se revelariam, eram apenas uma fantasia coletiva. As terras, de muitas áreas quase inóspitas, eram demasiadamente extensas para serem ocupadas e, mesmo que assim conseguissem manter aberto o caminho para as Índias, também muito pouco rentáveis para os padrões da Europa: sequer bastariam para a sobrevivência. A gente local e os recém-chegados maometanos eram de culturas radicalmente estranhas. Isto é, enquanto objetivo militar, apossar-se destes territórios era um gigantesco esforço. A simples entrada de um exército na Terra Santa, confrontando vários e estrategicamente inexpressivos inimigos, que nessas terras apenas gradualmente se instalavam e logravam sobreviver, e só ao longo de décadas se estabeleceriam, já significaria uma brutal e indiscriminada matança.
    E a manutenção de algumas cidades conquistadas seria extremamente dispendiosa, pois a fúria combativa dos verdadeiros exércitos muçulmanos era motivada pelo mais rude e conquistador instinto: a própria sobrevivência! Isso os unia e fazia da defesa de seus novos domínios um capricho de honra. Enfim, a coordenação de forças entre os próprios cruzados, nem sempre tão amigos entre si, ou, em alguns casos, viscerais inimigos, assim como as diversas realidades de povos, línguas e culturas que encontravam pelo caminho, complicavam ainda mais essa meta.
    Na verdade, vários papas e religiosos logo perceberam a patente impossibilidade da reconquista dos sagrados lugares, e até tentaram impedi-la, tanto pela carnificina que ensejava como por ser apenas uma perigosa provocação ao vasto e originalmente belicoso Islã. A Igreja, ali mesmo na Europa, em vários assuntos já tinha muitos opositores, fossem eles políticos, cismáticos ou não-cristãos. O clero já moderava históricas e 'naturais' rivalidades entre francos, ingleses, germânicos, lombardos, normandos e gregos, uma vez que todos então se tornavam poderosos reinos e latentemente guerreiros. Os papas desse período, como São Silvestre, fielmente encarnando a tradição de seus antecessores, e já remontando vários séculos, revelaram-se hábeis conciliadores entre reis e nobres em frequentes desentendimentos e disputas.


     Como dito, também havia contenciosas dissidências entre os próprios cruzados, e para citar algumas tinha-se gregos contra romanos e francos contra normandos. Estes simplesmente não podiam participar de um exercício conjunto, ou sequer encontrarem-se a caminho da Terra Santa: esqueciam-se de todo e qualquer objetivo e irascivelmente voltavam-se uns contra os outros. Essas flagrantes divisões e o idealismo europeu só irritavam os generais muçulmanos, que por experiência eram grandes estrategistas: desde a fundação do Islã forjavam suas histórias em décadas de longas batalhas por possessões. E por esses tempos todos já esperavam que cedo ou tarde os otomanos definitivamente tomassem Constantinopla, pondo fim ao Império Romano no Oriente, como de fato aconteceu em 1453. Era inevitável, uma questão de crescimento populacional.
    Logo viriam, no mesmo sentido, as próprias avaliações militares resultantes das primeiras campanhas: as Cruzadas não eram nem gloriosas, como se cantava na Europa, nem sequer minimamente eficazes para manter aberto o caminho à Terra Santa. Os Templários, honrosa ordem que surgiu no lugar onde havia o Templo de Jerusalém com o intento de proteger os peregrinos em viagem, a despeito do religioso fervor e do heroísmo, breve também desapareceria.
    Foram nove Cruzadas, ao todo. As três primeiras, e que tiveram envolvimento direto dos papas, foram movidas por puro entusiasmo, sem a menor possibilidade de sucesso. Os nobres, que vestiam armaduras e partiam, não podiam obrigar ninguém a ir à guerra, pois deixar suas terras imersas em intrigas não parecia uma boa estratégia para quem pretendia voltar nos braços da glória. Os reis germânicos eram os mais poderosos à época, e, cada um por si, tinham a declarada pretensão de restaurar o Império Romano do Ocidente. Usavam as Cruzadas como demonstração de poder, mas não percebiam a animosidade que contra si despertavam nos mais próximos vizinhos, pois a restauração do Império também era a cobiça de outros reis europeus. E sem nenhum exagero, considerando questões de defesa, para todos eles a centralização do poder na Europa, mais que um desejo, era uma necessidade.
    O Papa Inocêncio IV, entretanto, de pronto rejeitou a ingerência do vigente Sacro Império Romano-Germânico nos assuntos do clero. E foi um grande feito: depois de vários momentos em que se verificou externa influência, era definitivamente instituída a independência da Igreja frente a todo e qualquer poder político. E, de fato, esta autonomia consolidou-se e nenhum outro governante jamais voltou a pleitear qualquer autoridade sobre a Fé Católica. O papado foi fortalecido, enquanto o Sacro Império Romano-Germânico, o último do Ocidente, começava seu lento declínio. A Sicília, economicamente bem estruturada, ainda desafiou o poder papal pretendendo centralizar as forças da Europa, mas não teve o menor êxito.
    A Inglaterra, enquanto influente reino, também surgiu nessa época, quando alcançou grandes avanços políticos e econômicos graças à organização de seu governo e aos serviços de diplomacia, que prestavam entre reinos em conflitos. Essas funções hierárquicas, burocráticas e oficiais foram patentemente copiadas da Igreja, onde já eram usadas com sucesso por papas e bispos havia vários séculos. E muitos dos nobres ingleses tiveram sua educação confiada a bispos, escolas religiosas ou mesmo universidades que estavam surgindo, como a de Bolonha, tida como a primeira do Ocidente, e a de Paris, onde a maior parte dos professores eram religiosos católicos.
    A administração da Bretanha, portanto, que mais tarde se revelou tão eficaz também em suas ex-colônias, deve-se aos modelos de registro, documentação e organização funcional criados pela Igreja. Tal e qual a obediência ao Papa, por exemplo, a fidelidade ao rei que aí se instituiu foi um valioso instrumento. Aliás, como já vinha sendo amplamente implementada entre os feudos franceses, que também imitavam a Igreja. Esse modelo sustentava-se por força de uma boa rede de informação, que levava tudo ao conhecimento do monarca. Eram os 'olhos e ouvidos do rei'. Os reis germânicos, com terras tão vastas, não conseguiram a mesma coesão e eficácia.
    Contudo, para quem não conhece História, as Cruzadas foram apenas uma flagrante incoerência de gente que se dizia religiosa, mas por mera ambição e maldade acabou pegando em armas e entregando-se a verdadeiros massacres de inocentes. Até parece que elas se davam contra os originários habitantes ou que os invasores árabes chegavam à Terra Santa de forma natural e ordeira, sem passar a fio de espada religiosos cristãos nem destruir históricos e sagrados monumentos. Estes que se acham os 'santos' da modernidade esquecem inclusive o direito de legítima defesa. Ou do mero direito de defesa, que em certos casos também se torna um dever moral, pois, para surpresa de muitos, a Igreja prevê sim uso de força militar entre nações quando houver dano grave e durável, quando os males de tal ação não gerarem um mal maior que o mal a ser eliminado, e quando houver reais condições de êxito. Claro, tudo isso após esgotadas todas chances de acordos de paz.
    Quem não defenderia sua família, sua casa ou sua propriedade, onde quer que ela se localizasse, em caso de violenta agressão? Por que a Igreja não faria o mesmo durante a invasão muçulmana à Terra Santa, onde haviam muitos religiosos, igrejas e conventos, além de sede dos mais importantes e sagrados lugares que deram origem à sua fé?
    Por fim, para quem não conhece os Evangelhos, e para que se tenha melhor ideia do que representam a pura realidade e a força das circunstâncias, temos algumas frases do próprio Jesus:
    - sobre os difíceis tempos do início da pregação do Evangelho: "... quem não tiver espada, venda o manto para comprar uma." Lc 22,36
    - sobre a ruptura com a cultura mundana: "Não julgueis que vim trazer a Paz à terra. Vim trazer não a Paz, mas a espada." Mt 10,34
    - sobre a perseguição aos Profetas e aos justos: "Serpentes! Raça de víboras! Como escapareis ao castigo do inferno?" Mt 23,33
    - sobre o fim dos tempos: "Quanto aos que Me odeiam, e que não Me quiseram por Rei, trazei-os e massacrai-os em Minha presença." Lc 19,27

    "Aceitai, ó Senhor, nossa oferta!"

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Deus castiga!


A JUSTIÇA DE DEUS

    Deus é Deus de Misericórdia, não há dúvida, mas Ele também é, e indefectivelmente, Deus de Justiça! E só esta noção já é o bastante para que se entenda a razão de ser do Purgatório, pois ninguém poderá aproximar-se d'Ele sem antes passar por uma completa purificação, como é o caso da grande maioria de nós, que não alcança a santidade. São Paulo diz: "Será descoberto pelo fogo. O fogo provará quanto vale o trabalho de cada um. Se a construção resistir, o construtor receberá a recompensa. Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém de alguma maneira passando através do fogo." 1 Cor 3,13b-15
    Mais do que observamos, a justiça de Deus frequentemente é mencionada nas Escrituras. O próprio Jesus tratou de apontá-la logo no início de Sua vida pública, ao ser batizado por São João Batista: "Da Galileia foi Jesus ao Jordão ter com João, a fim de ser batizado por ele. João recusava-se: 'Eu devo ser batizado por Ti, e Tu vens a mim?' Mas Jesus respondeu-lhe: 'Deixa por agora, pois convém que cumpramos a completa justiça.' Então João cedeu." Mt 3,13-15
    Ele pregou que sua busca é uma bem-aventurança, ainda no Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!" Mt 5,6
    Advertiu, entretanto, que quem a buscasse seria perseguido, mas ganharia um lugar junto a Deus: "Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus!" Mt 5,10
    Esta justiça vai muito além de terrenos parâmetros. Referindo-Se a alguns religiosos de então, Jesus mostrou-Se exigente: "Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus." Mt 5,20
    E deles mesmos tratou de cobrar, jogando-lhes em face e exortando-os à perfeita interiorização da fé: "Ai de vós, hipócritas escribas e fariseus! Pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais os mais importantes preceitos da Lei: a justiça, a Misericórdia, a fidelidade. Eis o que era preciso praticar em primeiro lugar, contudo sem deixar o restante." Mt 23,23
    Recomendava-a, pois, como o mais elevado valor aos olhos de Deus: "Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber; e não andeis com vãs preocupações. Porque os homens do mundo é que se preocupam com todas estas coisas. Mas Vosso Pai bem sabe que precisais de tudo isso. Antes buscai o Reino de Deus e Sua justiça, e todas estas coisas sê-vos-ão dadas por acréscimo." Lc 12,29-31
    E deu este testemunho de São João Batista: "João veio a vós no caminho da justiça e não crestes nele. Os publicanos e as prostitutas, porém, creram nele. E vós, vendo isto, nem fostes tocados de arrependimento para nele crerdes." Mt 21,32
    Sua plena revelação, ainda segundo Jesus, seria obra do Espírito Santo: "E quando Ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do Juízo. Convencerá o mundo a respeito do pecado, que consiste em não crer em Mim. Ele convencê-lo-á a respeito da justiça, porque Eu Me vou para junto de Meu Pai e vós já não Me vereis. Ele convencê-lo-á a respeito do Juízo, que consiste em que o príncipe deste mundo já está julgado e condenado." Jo 16,8-11
    Ela já era mencionada com uma das quatro cardeais virtudes no livro da Sabedoria: "E se alguém ama a justiça, as virtudes são seus frutos. Ela ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza, que na vida são os mais úteis bens aos homens." Sb 8,7
    E Zacarias, quando do nascimento de seu filho, São João Batista, disse que esta seria uma das duas condições para bem servir a Deus, pois por Jesus Seu Reino estaria estabelecido: "Assim exerce Sua Misericórdia com nossos pais, e recorda-Se de Sua Santa Aliança, segundo o juramento que fez a nosso pai Abraão: de conceder-nos que, sem temor, libertados de mãos inimigas, possamos servi-Lo em santidade e justiça, em Sua presença, todos dias de nossa vida." Lc 1,72-75
    O completo estabelecimento da justiça de Deus, porém, será a obra final de Jesus, como profetizado havia séculos, pois Ele sempre agiu discretamente, evitando alarde sobre Seus milagres: "Abertamente proibia-lhes de falar sobre isso, para que se cumprisse o anunciado pelo Profeta Isaías: 'Eis Meu Servo a Quem escolhi, Meu Bem-Amado em Quem Minha alma pôs toda Sua afeição. Farei repousar sobre Ele Meu Espírito e Ele anunciará a justiça aos pagãos. Ele não disputará, não elevará Sua voz; ninguém ouvirá Sua voz nas praças públicas. Não quebrará o caniço rachado, nem apagará a mecha que ainda fumega, até que faça triunfar a justiça. Em Seu Nome, as pagãs nações porão sua esperança (Is 42,1-4).'" Mt 12,16-21
    São Paulo diz o mesmo: "Ele descerá do Céu com os mensageiros do Seu poder, por entre chamas de fogo, para fazer justiça àqueles que não reconhecem a Deus e aos que não obedecem ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus." 2 Ts 1,7b-8
    Garante, contudo, ao dizer de Jesus: "Porque n'Ele se revela a justiça de Deus..." Rm 1,17a
    E resumiu: "Veio para ensinar-nos a renunciar à impiedade e às mundanas paixões, e a viver neste mundo com toda sobriedade, justiça e piedade... " Tt 2,12
    Ele recomenda, neste sentido, a companhia dos membros da Igreja a São Timóteo: "Foge das paixões da mocidade, busca com empenho a justiça, a , a caridade, a Paz, com aqueles que invocam o Senhor com pureza de coração." 2 Tm 2,22
    Identifica como "Ministros da Justiça" os Sacerdotes da Igreja: "Pois, se o próprio Satanás se transfigura em anjo de Luz, parece bem normal que seus ministros se disfarcem em Ministros de Justiça, cujo fim, no entanto, será segundo suas obras." 2 Cor 11,14b-15
    Exalta, em exortação a São Timóteo, a Luz de Deus nos santos livros: "E desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que elas têm o condão de proporcionar-te a Sabedoria que conduz à Salvação, pela fé em Jesus Cristo. Toda Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus torna-se perfeito, capacitado para toda boa obra." 2 Tm 3,15-17
    E esperava a 'Coroa dos Santos': "Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé. Resta-me, agora, receber a coroa da justiça, que o Senhor, Justo Juiz, me dará naquele Dia. E não somente a mim, mas a todos que com amor aguardam Sua aparição." 2 Tm 4,7-8
    Como Zacarias, pai de São João Batista, ele zelava por essas duas qualidades: "Renovai sem cessar o sentimento de vossa alma, e revesti-vos do novo homem, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade." Ef 4,23-24
    E pediu aos romanos: "Pois, como pusestes vossos membros a serviço da impureza e do mal para cometer a iniquidade, ponde agora vossos membros a serviço da justiça para chegar à santidade." Rm 6,19b
    Falou-lhes da obediência como o oposto do pecado: "Não sabeis que, quando vos ofereceis a alguém para obedecer-lhe, sois escravos daquele a quem obedeceis, quer do pecado para a morte, quer da obediência para a justiça? E, libertos do pecado, tornastes-vos servos da justiça." Rm 6,16.18
    Apontou-a como uma dádiva, na Carta aos Efésios: "Ora, o fruto da Luz consiste em toda bondade, justiça e Verdade. Procurai o que é agradável ao Senhor, e não tenhais cumplicidade nas infrutíferas obras das trevas. Pelo contrário, abertamente condenai-as." Ef 5,9-11
    E também como parte da 'armadura' de Deus: "Ficai alerta, à cintura cingidos com a Verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da Paz." Ef 6,14-15
    Ela era constante objeto de suas pregações, como quando foi preso e apresentado diante do procurador de judeia: "Mas, como Paulo lhe falasse sobre a justiça, a castidade e o futuro Juízo, Félix, todo atemorizado, disse-lhe: 'Por ora, podes retirar-te. Na primeira ocasião, chamá-te-ei.'" At 24,25
    Rezou, enfim, para que os filipenses produzam de seus frutos: "Peço, em minha oração, que vossa caridade se enriqueça cada vez mais de compreensão e critério, com que possais discernir o que é mais perfeito e tornei-vos puros e irrepreensíveis para o Dia de Cristo, cheios de frutos da justiça, que provêm de Jesus Cristo, para a Glória e louvor de Deus." Fl 1,9-11
    São Tiago Menor exaltava, como meio de alcançar este fruto, a Paz oferecida por Jesus: "O fruto da justiça semeia-se na Paz, para aqueles que praticam a Paz." Tg 3,18
    E alertava para o pecado capital da ira: "Já o sabei, meus diletíssimos irmãos: todo homem deve ser pronto para ouvir, porém tardo para falar e tardo para irar-se, porque a ira do homem não cumpre a justiça de Deus. Rejeitai, pois, toda impureza e todo vestígio de malícia, e com mansidão recebei a Palavra em vós semeada, que pode salvar vossas almas." Tg 1,19-21
    São Paulo ensinava o mesmo, e até invocou uma significativa passagem do Deuteronômio: "Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: 'A Mim a vingança. A Mim exercer a justiça', diz o Senhor (Dt 32,35)." Rm 12,19
    São Pedro apontou-a como o sentido da vida do cristão: "Carregou (Jesus) nossos pecados em Seu Corpo sobre o madeiro para que, mortos para nossos pecados, vivamos para a justiça." 1 Pd 2,24
    Até alertava para possíveis sacrifícios: "Se fordes zelosos do bem, quem vos poderá fazer mal? E até sereis felizes se alguma coisa padecerdes por causa da justiça!" 1 Pd 3,13-14
    Disse que foi graças a ela que os pagãos também chegaram à fé: "Simão Pedro, servo e Apóstolo de Jesus Cristo, àqueles que, pela justiça de Nosso Deus e do Salvador Jesus Cristo, por partilha alcançaram tão preciosa fé como a nossa. Graça e Paz sejam-vos dadas em abundância por um profundo conhecimento de Deus e de Jesus, Nosso Senhor!" Pd 1,1-2
    E falou da eterna morada, prometida por Jesus: "Nós, porém, segundo Sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça." 2 Pd 3,13
    São João Evangelista indicava essa marca de Cristo: "Filhinhos, ninguém vos seduza: aquele que pratica a justiça é justo, como Jesus também é justo." 1 Jo 3,7
    Falou dos renascidos do Espírito Santo, como Jesus ensinou a Nicodemos: "Se sabeis que Ele (Deus) é justo, também sabei que todo aquele que pratica a justiça é nascido d'Ele." 1 Jo 2,29
    E fez esta radical distinção: "É nisto que se conhece quais são os filhos de Deus e quais os do Demônio: todo aquele que não pratica a justiça não é de Deus, como também aquele que não ama seu irmão." 1 Jo 3,10


A NECESSÁRIA JUSTIFICAÇÃO

    Ora, São Paulo atesta na Missão de Jesus a plena justificação do ser humano: "Mas fostes lavados, mas fostes santificados, mas fostes justificados, em Nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito de Nosso Deus." 1 Cor 6,11b
    Já não dava crédito aos rituais do Antigo Testamento, mas somente à indizível Graça que nos foi concedida por Cristo: "E não por causa de obras de justiça que tivéssemos praticado, mas unicamente em virtude de Sua Misericórdia, Ele salvou-nos mediante o Batismo da regeneração e renovação, pelo Espírito Santo, que por meio de Cristo, Nosso Salvador, em profusão nos foi concedido. Para que a justificação obtida por Sua Graça nos torne, em esperança, herdeiros da Vida Eterna." Tt 3,5-7
    Ele explica: "Porquanto pela observância da Lei nenhum homem será justificado diante d'Ele, porque a Lei se limita a dar o conhecimento do pecado. Mas, agora, sem o concurso da Lei, se manifestou a justiça de Deus, atestada pela Lei e pelos Profetas. Esta é a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo, para todos fiéis, pois não há distinção. Com efeito, todos pecaram e todos estão privados da Glória de Deus e gratuitamente são justificados por Sua Graça. Tal é a obra da Redenção, realizada em Jesus Cristo: Deus destinou-O para ser, por Seu Sangue, vítima de propiciação mediante a fé. Assim Ele manifesta Sua justiça, porque no tempo de Sua paciência Ele havia deixado sem castigo os pecados anteriores. Assim, digo eu, Ele manifesta Sua justiça no presente tempo, exercendo a justiça e justificando aquele que tem fé em Jesus. Onde está, portanto, o motivo de gloriar-se? Foi eliminado. Por qual Lei? Pela das obras? Não, mas pela Lei da fé. Porque julgamos que o homem é justificado pela fé, sem as observâncias da Lei." Rm 3,20-28
    Pois a Vinda do Espírito de Deus é o grande diferencial da Nova Aliança: "O que era impossível à Lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus fez. Enviando, por causa do pecado, Seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado, condenou o pecado na carne a fim de que a justiça prescrita pela Lei fosse realizada em nós, que vivemos não segundo a carne, mas segundo o espírito. Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, se realmente o Espírito de Deus habita em vós. Se alguém não possui o Espírito de Cristo, este não é d'Ele. Ora, se Cristo está em vós, o corpo, em Verdade, está morto pelo pecado, mas o espírito vive pela justificação." Rm 8,3-4.8-10
    Assim também explicou, distinguindo meras práticas religiosas de uma verdadeira interiorização da fé, a adesão dos não-judeus ao cristianismo: "Então que diremos? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justificação, a que vem da fé, ao passo que Israel, que procurava uma lei que desse a justificação, não a encontrou. Por quê? Porque Israel a buscava como fruto não da fé, e sim das obras." Rm 9,30-32a
    Anunciando, pois, o Cristo, ele convictamente pregou em Antioquia da Pisídia: "Todo aquele que crê, por Ele é justificado de tudo aquilo que não pôde ser pela Lei de Moisés." At 13,39
    E nestes termos denunciava o erro dos Judeus, por rejeitarem Jesus: "Desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque a finalidade da Lei é Cristo, para justificar todo aquele que crê." Rm 10,3-4
    Ele pregava a Graça como sucessora do Antigo Testamento, e torna a mencionar a definitiva justiça como efeito da futura Vinda de Jesus: "Já estais separados de Cristo, vós que procurais a justificação pela Lei. Decaístes da Graça. Quanto a nós, é espiritualmente, da fé, que aguardamos a esperada justiça." Gl 5,4-5
    Exaltava, portanto, o Sacrifício Pascal: "... porque cremos n'Aquele que dos mortos ressuscitou Jesus, Nosso Senhor, o Qual foi entregue por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação." Rm 4,24b-25
    Igualmente pregou aos coríntios: "Aquele que não conheceu o pecado, Deus fê-Lo pecado por nós, para que n'Ele nós nos tornássemos justiça de Deus." 2 Cor 5,21
    Disse mais do Espírito Santo, como a grande dádiva da Nova Aliança: "Ora, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, revestiu-se de tal Glória que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos no rosto de Moisés por causa do resplendor de sua face, embora transitório, quanto mais glorioso não será o Ministério do Espírito! Se o ministério da condenação já foi glorioso, muito mais há de sobrepujá-lo em Glória o Ministério da Justificação !" 2 Cor 3,7-9
    E ele mesmo dava exemplo de prudência e humildade: "De nada me acusa a consciência! Contudo, nem por isso sou justificado. Meu Juiz é o Senhor." 1 Cor 4,4
    De fato, Jesus contou essa parábola: "Subiram dois homens ao Templo para orar. Um era fariseu, o outro, publicano. O fariseu, em pé, orava em seu interior desta forma: 'Graças dou-Te, ó Deus, porque não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros. Nem como o publicano que ali está. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos meus lucros.' O publicano, porém, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: 'Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!' Digo-vos: este voltou para casa justificado, e não o outro. Pois todo aquele que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado." Lc 18,10-14
    Falando de vigília, Ele avisou do peso de cada simples palavra: "Eu digo-vos: no Dia do Juízo os homens prestarão contas de toda vã palavra que tiverem proferido. É por tuas palavras que serás justificado ou condenado." Mt 12,36-37
    São Tiago Menor também falou do que elas significam para uma verdadeira religiosidade: "Se alguém pensa ser piedoso, mas não refreia sua língua e engana seu coração, então é vã sua religião." Tg 1,26
    E se não são as "obras da Lei" que nos levam a justificação, como São Paulo diz referindo-se aos rituais judeus, as obras de caridade são absolutamente impreteríveis. São Tiago Menor argumenta: "A pura e sem mácula religião aos olhos de Deus e Nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas em suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo. Vedes como o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé? Do mesmo modo Raab, a meretriz, não foi ela justificada pelas obras, por ter recebido os mensageiros e tê-los feito sair por outro caminho? Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta." Tg 1,27;2,24-26
    De equivalente modo são os rituais da Igreja, isto é, os Sacramentos, e em específico o da Confissão, como São Pedro pregou: "O Senhor não retarda o cumprimento de Sua promessa, como alguns pensam, mas usa da paciência para convosco. Não quer que alguém pereça. Ao contrário, quer que todos se arrependam." 2 Pd 3,9
    São Paulo diz dos Sacramentos: "Na qualidade de colaboradores Seus, exortamo-vos a que não recebais em vão a Graça de Deus." 2 Cor 6,1
    Principalmente o Santíssimo Sacramento: "Portanto, todo aquele que indignamente comer o Pão ou beber o Cálice do Senhor, será culpável do Corpo e do Sangue do Senhor. Que cada um examine a si mesmo, e assim coma desse Pão e beba desse Cálice. Aquele que O come e O bebe sem distinguir o Corpo do Senhor, come e bebe sua própria condenação." 1 Cor 11,27-29
    Exortava, então, à devida contrição: "Examinai a vós mesmos, se estais na fé. Provai-vos a vós mesmos. Acaso não reconheceis que Cristo Jesus está em vós?" 2 Cor 13,5a
    Só não deu muitos detalhes de como se alcança o dom da verdadeira fé, tão raro na atualidade: "Essa é a Palavra da fé, que pregamos. Portanto, se com tua boca confessares que Jesus é o Senhor, e se em teu coração creres que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. É crendo de coração que se obtém a justiça, e é professando com palavras que se chega à Salvação." Rm 10,8b-10
    Foi sucinto, mencionando apenas a catequese: "Logo, a fé provém da pregação, e a pregação exerce-se em razão da Palavra de Cristo." Rm 10,17


DEUS CASTIGA!

    O mundo, porém, segue em sua loucura como os Salmos cantam: "O pecador gloria-se até de sua cupidez, o cobiçoso blasfema e despreza a Deus. Em sua arrogância, o ímpio diz: 'Não há castigo, Deus não existe.' É tudo e só o que ele pensa." Sl 9,24-25
    Em contrapartida, os Provérbios ensinam: "... o Senhor castiga aquele a quem ama, e pune o filho a quem muito estima." Pr 3,12
    Também Jó: "Bem-aventurado o homem a quem Deus corrige! Não desprezes a lição do Todo-poderoso, pois Ele fere e cuida. Se golpeia, Sua mão cura." Jó 5,17-18
    Bem como os seguidores da tradição de São Paulo: "Aliás, temos na terra nossos pais que nos corrigem e, no entanto, olhamo-los com respeito. Com quanto mais razão havemos de submeter-nos ao Pai de nossas almas, o Qual nos dará a Vida? Os primeiros educaram-nos para pouco tempo, segundo sua própria conveniência, ao passo que Este o faz para nosso bem, para comunicar-nos Sua santidade. É verdade que toda correção parece, de momento, antes motivo de pesar que de alegria. Mais tarde, porém, granjeia aos que por ela se exercitaram o melhor fruto de justiça e de Paz." Hb 12,9-11
    Jó, em sua experiência, já havia observado bênçãos e punições: "Por isso, eu rogarei a Deus, apresentarei minha súplica ao Senhor. Ele faz grandes e insondáveis coisas, incalculáveis maravilhas; espalha a chuva sobre a terra e derrama as águas sobre os campos; exalta os humildes e dá nova alegria aos que estão de luto; frustra os projetos dos maus, cujas mãos não podem executar os planos; apanha os jeitosos em suas próprias manhas, e os projetos dos astutos tornam-se prematuros: em pleno dia encontram as trevas, e andam às apalpadelas ao meio-dia como se fosse noite." Jó 5,8-14
    Com efeito, Moisés mesmo havia assentado: "Todas maldições cairão sobre ti, persegui-te-ão e alcançá-te-ão até que sejas exterminado, porque não ouviste a voz do Senhor, Teu Deus, e não guardaste os Mandamentos e as leis que Ele te impôs." Dt 28,45
    Os seguidores de São Paulo também anotaram punições, referindo-se aos 40 anos que Israel passou no deserto: "A Palavra anunciada por intermédio dos anjos era a tal ponto válida, que toda transgressão ou desobediência recebeu o justo castigo." Hb 2,2
    Assim como o livro da Sabedoria, versando sobre os mais graves erros: "Mas os ímpios terão o castigo que merecem seus pensamentos, uma vez que desprezaram o justo e se separaram do Senhor. Desgraçado é aquele que rejeita a Sabedoria e a disciplina! A esperança deles é vã, seus sofrimentos, sem proveito, e as obras deles, inúteis. Suas mulheres são insensatas e seus filhos malvados. A raça deles é maldita." Sb 3,10-12
    E ainda São Paulo, falando da situação de recalcitrantes e rebeldes perante o Juízo Final: "Eles sofrerão como castigo a eterna perdição, longe da face do Senhor e de Sua Suprema Glória. Naquele dia, Ele virá e será a Glória de Seus Santos e a admiração de todos fiéis, e também vossa, porque crestes no testemunho que vos demos." 2 Ts 1,9-10
    Não por acaso, Tobit, pai de Tobias, rezava pelo abrandamento dos castigos a ele e à gente de seu tempo: "Vós sois justo, Senhor! Vossos juízos são cheios de equidade, e Vossa conduta é toda Misericórdia, Verdade e justiça. Lembrai-vos, pois, de mim, Senhor! Não me castigueis por meus pecados e não guardeis a memória de minhas ofensas, nem das de meus antepassados. Se fomos entregues à pilhagem, ao cativeiro e à morte, e se nos temos tornado objeto de mofa e de riso para os pagãos entre os quais nos dispersastes, é porque não obedecemos às Vossas leis. Agora Vossos castigos são grandes, porque não procedemos segundo Vossos preceitos e não temos sido leais para Convosco." Tb 3,2-5
    Daniel igualmente intercedeu pelo povo de Israel, durante o exílio na Babilônia: "Senhor, dignai-vos, pela Vossa Misericórdia, afastar de Vossa Santa Cidade, Jerusalém, Vossa cólera e Vossa exasperação, porque é devido às nossas iniquidades e aos pecados de nossos antepassados que Jerusalém e Vosso povo são alvo dos insultos por todos nossos vizinhos." Dn 9,16
    E Deus, demostrando que os judeus não tiveram só privilégios, disse através do Profeta Amós quando se aproximava o cativeiro na Assíria: "'Ouvi, israelitas, o Oráculo que o Senhor pronunciou contra vós, contra todo povo', disse Ele, 'que tirei do Egito. Dentre todas raças da terra, só a vós conheço. Por isso, castigá-vos-ei por todas vossas iniquidades.'" Am 3,1-2
    O próprio Jesus falou sobre o tema, advertindo as igrejas do fim do primeiro século: "Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima teu zelo, pois, e arrepende-te." Ap 3,19
    Deixou claro o poder que dava às dioceses, prometendo à da Filadélfia: "Eu entrego-te adeptos da sinagoga de Satanás, desses que se dizem judeus e não o são, mas mentem. Eis que os farei vir prostrar-se a teus pés, e reconhecerão que Eu te amo." Ap 3,9
    Aos Seus Sacerdotes, deu o poder de perdoar ou condenar: "Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: 'Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, sê-lhes-ão perdoados. Àqueles a quem os retiverdes, sê-lhes-ão retidos.'" Jo 20,22-23
    Previu até mesmo a excomunhão: "Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente. Se te ouvir, terás ganho teu irmão. Se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, a fim de que toda questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas. Se recusa ouvi-los, dize-o à Igreja. E se também recusar ouvir a Igreja, seja ele para ti como um pagão e um publicano." Mt 18,15-17
    São Paulo dela usou, na comunidade dos coríntios: "Pois eu, em verdade, ainda que distante corporalmente, mas presente em espírito, já julguei, como se estivesse presente, aquele que assim se comportou. Em Nome do Senhor Jesus, reunidos vós e meu espírito, com o poder de Nosso Senhor Jesus, seja esse homem entregue a Satanás para mortificação de seu corpo, a fim de que sua alma seja salva no Dia do Senhor Jesus." 1 Cor 5,3-5
    Claramente falava do poder da Igreja para corrigir e impor penitências: "Nós aniquilamos todo raciocínio e todo orgulho que se levanta contra o conhecimento de Deus, e cativamos todo pensamento e reduzimo-lo à obediência a Cristo. Também estamos prontos para castigar todos desobedientes, desde que vossa obediência seja perfeita." 2 Cor 10,5-6
    Até perguntou aos coríntios: "Porque o Reino de Deus não consiste em palavras, mas em atos. Que preferis? Que eu vá visitar-vos com a vara, ou com caridade e espírito de mansidão?" 1 Cor 4,20
    E exigindo penitência antes que se receba o Santíssimo Sacramento, ele explicou o agir de Deus: "... Ele castiga-nos para não sermos condenados com o mundo." 1 Cor 11,32
    Também registrou terríveis castigos à gente de seu tempo: "Porque, conhecendo a Deus, não O glorificaram como Deus nem Lhe deram graças. Mudaram a majestade de Deus incorruptível em representações e figuras de homem corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso, Deus entregou-os aos desejos de seus corações, à imundície, de modo que entre si desonraram os próprios corpos. Trocaram a Verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura em vez do Criador, que é bendito pelos séculos. Amém! Por isso, Deus entregou-os a vergonhosas paixões: suas mulheres mudaram as naturais relações em relações contra a natureza. Do mesmo modo os homens, deixando o natural uso da mulher, arderam em desejos uns para com os outros, cometendo homens com homens a torpeza, e recebendo em seus corpos a paga devida a seu desvario." Rm 1,21a.23-28
    No livro do Apocalipse, pois, temos esta grave sentença de Jesus contra a Igreja de Tiatira: "Mas tenho contra ti que permites a Jezabel, mulher que se diz profetisa, seduzir Meus servos e ensinar-lhes a praticar imundícies e comer carne imolada aos ídolos. Eu dei-lhe tempo para arrepender-se, mas não quer arrepender-se de suas imundícies. Desta vez, lançá-la-ei num leito, e com ela os cúmplices de seus adultérios para aí muito sofrerem se não se arrependerem de suas obras. Pela peste farei perecer seus filhos, e todas igrejas hão de saber que Eu sou Aquele que sonda os rins e os corações, porque a cada um de vós darei segundo suas obras." Ap 2,20-23
    Deus Pai também havia sentenciado as mais severas punições. Desde àqueles que murmuravam contra Moisés no deserto, mesmo tendo visto Suas obras, até aos anjos caídos, como alertou São Judas Tadeu: "Quisera trazer-vos à memória, embora saibais todas estas coisas: o Senhor, depois de ter salvo o povo da terra do Egito, fez em seguida perecer os incrédulos. Os anjos que não tinham guardado a dignidade de sua classe, mas abandonado seus tronos, nas trevas Ele guardou-os com eternas correntes para o Julgamento do Grande Dia." Jd 5-6
    Nosso Salvador, enfim, falou da condenação total, isto é, do inferno: "Depois Jesus começou a censurar as cidades onde tinha feito grande número de Seus milagres, por terem-se recusado a arrepender-se: 'Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidônia tivessem sido feitos os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo ter-se-iam arrependido sob o cilício e a cinza. Por isso, digo-vos: no Dia do Juízo haverá menor rigor para Tiro e para Sidônia que para vós! E tu, Cafarnaum, serás elevada até o Céu? Não! Serás atirada ao inferno! Porque se Sodoma tivesse visto os milagres que foram feitos dentro de teus muros, subsistiria até este dia. Por isso, digo-te: no Dia do Juízo haverá menor rigor para Sodoma que para ti!'" Mt 11,20-24
    O próprio Judas Iscariotes, um de Seus Apóstolos, não teve perdão, em face dos privilégios de estar por mais de três anos em Sua companhia. Jesus disse: "O Filho do Homem vai, segundo o que d'Ele está escrito, mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem for traído! Melhor sê-lhe-ia que nunca tivesse nascido..." Mt 14,21
    E antes do fim dos tempos, como foi revelado a São João Evangelista, cruéis e massivas punições recairão sobre a humanidade, executadas pelos quatro anjos da morte: "Os cavalos tinham crina como uma juba de leão e de suas narinas saíam fogo, fumaça e enxofre. E uma terça parte dos homens foi morta por esses três flagelos que lhes saíam das narinas. Porque o nocivo poder dos cavalos também estava nas caudas; tinham cabeças como serpentes e com elas causavam dano. Mas o restante dos homens, que não foram mortos por esses três flagelos, não se arrependeu das obras de suas mãos." Ap 9,17b-20
    Aliás, as punições dos últimos tempos não parecem ser novidade para ninguém, como se lê no Apocalipse: "Ainda vi, no Céu, outro grande e maravilhoso sinal: sete anjos que tinham os sete últimos flagelos, porque por eles é que deve consumar-se a ira de Deus." Ap 15,1
    Mas Sua cólera não se reserva apenas para o Juízo Final. São Paulo avisa: "A ira de Deus manifesta-se do alto do Céu contra toda impiedade e perversidade dos homens, que pela injustiça aprisionam a Verdade." Rm 1,18
    Ora, o anúncio das punições aos desobedientes aos Mandamentos, feito por Deus ainda ao tempo dos Levíticos, e que certamente se cumpriram antes da Vinda de Cristo, é aterrador: "Farei cair sobre vós a espada para vingar Minha Aliança. Se vos ajuntardes em vossas cidades, lançarei a peste no meio de vós e sereis entregues nas mãos de vossos inimigos. Tirá-vos-ei o pão, vosso sustentáculo, de tal sorte que dez mulheres o cozerão em um só forno e entregá-vos-ão por peso: comereis e não ficareis saciados. Se, apesar disso, não Me ouvirdes, e ainda Me resistirdes, marcharei contra vós em Meu furor e castigar-vos-ei sete vezes mais por causa de vossos pecados. Comereis a carne de vossos filhos e de vossas filhas." Lv 26,23-29
    Punições essas que durariam por gerações do povo de Israel: "Perecereis entre as nações, e a terra inimiga consumi-vos-á. Os que sobreviverem consumir-se-ão por causa de suas iniquidades na terra de seus inimigos, e também serão consumidos por causa das iniquidades de seus pais, que levarão sobre si. Assim, eles confessarão suas iniquidades e as de seus pais, as transgressões cometidas contra Mim, porque Me resistiram. E, por isso, Eu também lhes resisti e levei-os à terra de seus inimigos. Se, então, humilharem seu incircunciso coração e sofrerem a pena de sua iniquidade, Eu lembrar-Me-ei de Minha Aliança com Jacó, de Minha Aliança com Isaac e com Abraão, e lembrar-Me-ei dessa terra." Lv 26,38-42
    Algo análogo tornou a acontecer ao tempo do Profeta Jeremias: "Depois que o rei queimou o rolo que continha os Oráculos escritos por Baruc, que Jeremias lhe ditara, a Palavra do Senhor foi dirigida ao Profeta nestes termos: 'Toma outro rolo, e nele escreverás todos Oráculos contidos no primeiro que foi queimado por Joaquim, rei de Judá.' Pois bem, eis o que diz o Senhor a respeito de Joaquim, rei de Judá: 'Nenhum de seus descendentes ocupará o trono de Davi. Ficará seu cadáver exposto ao calor do dia e ao frio da noite. Assim castigarei a iniquidade nele, em sua raça e em seus servidores. E sobre eles, sobre os habitantes de Jerusalém e sobre o povo de Judá farei cair todos flagelos de que os ameacei, sem que Me houvessem escutado." Jr 36,27-28.30-31
    E este Profeta, em contemplação, assentia: "Concedeis vossos favores a milhares, e castigais os filhos por causa dos pecados dos pais." Jr 32,18a
    Tal castigo, em tão graves tempos, dava-se mesmo contra religiosos: "Quando esse povo ou algum profeta ou sacerdote vier perguntar-te: 'Qual o novo fardo do Senhor que anuncias? Di-lhe-ás: 'Fardo? És tu esse fardo e dele alijar-Me-ei', Oráculo do Senhor. E o profeta, o sacerdote ou o leigo que ousar dizer: 'Oráculo do Senhor', Eu castigá-lo-ei, assim como sua família." Jr 23,33-34
    Pois ao anunciar os Dez Mandamentos, Deus havia dito ao povo de Israel através de Moisés: "Eu sou o Senhor, Teu Deus, um zeloso Deus que vingo a iniquidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que Me odeiam, mas uso de Misericórdia até a milésima geração com aqueles que Me amam e guardam Meus Mandamentos." Ex 20,5b-6
    Por isso, ensinam os Provérbios: "O princípio da Sabedoria é o temor ao Senhor!" Pr 9,10
    Mas o próprio Deus iria reclamar através de Ezequiel, dando a entender que tais castigos aos descendentes não se davam sem existência de culpa: "A Palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 'Por que repetis continuamente esse provérbio entre os israelitas: Os pais comeram verdes uvas, mas são os dentes dos filhos que ficam embotados? Por Minha Vida', Oráculo do Senhor Javé, 'não tereis mais ocasião de repetir esse provérbio em Israel. É a Mim que pertencem as vidas, a vida do pai e a vida do filho. Ora, é o culpado que morrerá.'" Ez 18,1-4
    E vai argumentar: "'É o pecador que deve perecer. Nem o filho responderá pelas faltas do pai nem o pai pelas do filho. É ao justo que se imputará sua justiça, e ao mau sua malícia. Se, no entanto, o mau renuncia a todos seus erros para praticar Minhas leis, e seguir a justiça e a equidade, então ele decerto viverá, não há de perecer. Não lhe será tomada em conta qualquer das faltas cometidas: ele há de viver por causa da justiça que praticou. Terei Eu prazer com a morte do malvado?' Oráculo do Senhor Javé. 'Antes não desejo Eu que ele mude de proceder e viva? E se um justo abandonar sua justiça, se praticar o mal e imitar todas abominações cometidas pelo malvado, viverá ele? Não! Não será tido em conta qualquer dos atos bons que houver praticado. É em razão da infidelidade, da qual se tornou culpado, e dos pecados que tiver cometido que deverá morrer." Ez 18,20-24
    Contudo, essa prática de penitência continuaria ainda no período de Neemias, quando da reconstrução do Templo de Jerusalém"No vigésimo quarto dia do mesmo mês, vestidos de sacos, e com a cabeça coberta de pó, os israelitas reuniram-se para um jejum. Os que eram de origem israelita estavam separados de todos estrangeiros, e apresentaram-se para confessar seus pecados e as iniquidades de seus pais." Ne 9,1-2
    Deus havia assegurado, entretanto, ainda no Deuteronômio: "Não morrerão os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais. Cada um morrerá por seu próprio pecado." Dt 24,16
    E isso foi reafirmado por Jesus: "Porque o Filho do Homem há de vir na Glória de Seu Pai com Seus anjos, e então recompensará cada um segundo suas obras." Mt 16,27
    Fiquemos, pois, com estas inspiradoras palavras de Nossa Senhora a Santa Brígida da Suécia: "Desta forma esperarás na Misericórdia de Deus, porque não esquecerás Sua justiça. Pensa em Sua justiça e em Seu Juízo de forma que não esqueças Sua Misericórdia, porque Ele não usa a justiça sem Misericórdia, nem a Misericórdia sem justiça." Livro I, capítulo VII

    "Fazei de nós uma perfeita oferenda!"

domingo, 19 de maio de 2024

O Pentecostes


    O Pentecostes, na tradição judaica, é a festa que comemora o dia em que Moisés recebeu de Deus as Tábuas da Lei, no Monte Sinai. Também é chamada de Festa das Semanas, porque acontece sete semanas após a data da saída do Egito, e é comemorada no primeiro dia da oitava. São, pois, cinquenta dias, daí o nome grego "Pentecostes", que significa quinquagésimo. E por causa da estação do ano, ainda é chamada pelos judeus de Festa da Colheita, da Sega ou da Primícia dos Frutos.
    Assim como as Tábuas da Lei, portanto, Deus prometeu uma nova e ainda maior Revelação, e que didaticamente se cumpriria também num dia de Pentecostes: a Nova Aliança, anunciada por Jesus e consumada pela Vinda do Espírito Santo. Está no livro do Profeta Jeremias: "'Dias hão de vir,' Oráculo do Senhor, 'em que firmarei Nova Aliança com as casas de Israel e de Judá. Será diferente da que concluí com seus pais, no dia em que pela mão os tomei para tirá-los do Egito, Aliança que violaram embora Eu fosse o Esposo deles. Eis a Aliança, então, que farei com a casa de Israel.' Oráculo do Senhor: 'Incutir-lhe-ei Minha Lei; gravá-la-ei em seu coração. Serei Seu Deus e Israel será Meu povo.'" Jr 31,31-33
    Se, por mais falar-se, mais conhecemos a Deus Pai e a Deus Filho, também devemos uma especial atenção ao Divino Espírito, Cuja Vinda deu novo significado ao Pentecostes. 'Surpresa' guardada por Deus, assim como o próprio Jesus, para a plenitude dos tempos, Ele já aparecia, sempre sutilmente, desde as primeiras linhas das Escrituras: "... o Espírito de Deus pairava sobre as águas." Gn 1,2
    Mas a humanidade caiu em pecado, como sabemos, e assim levou Deus a essa decisão, tomada ainda antes do dilúvio: "Meu Espírito não permanecerá para sempre no ser humano, porque todo ele é carne, e a duração de sua vida será de cento e vinte anos." Gn 6,3
    Entretanto, mesmo que de episódico modo, o Divino Paráclito notoriamente continuava agindo sobre aqueles que eram fiéis aos planos de Deus: "Moisés saiu e referiu ao povo as palavras do Senhor. Reuniu setenta homens dos anciãos do povo e colocou-os em volta da Tenda. O Senhor desceu na nuvem e falou a Moisés. Tomou uma parte do Espírito que o animava e pô-la sobre os setenta anciãos. Apenas repousara o Espírito sobre eles, começaram a profetizar, mas não continuaram." Nm 11,24-25
    Assim também se deu com o rei Saul, enquanto era preparado pelo Profeta Samuel: "À entrada da cidade encontrarás um grupo de Profetas descendo do alto lugar, precedidos de saltérios, de tímpanos, de flautas e de cítaras, profetizando. O Espírito do Senhor também virá sobre ti, profetizarás com eles e tornar-te-ás um outro homem." 1 Sm 10,5b-6
    E falando sobre a teimosia do povo de Israel, Neemias assentiu perante Deus: "Vossa paciência para com eles durou muitos anos. Vós fazíei-lhes admoestações pela inspiração de Vosso Espírito, que animava Vossos Profetas." Ne 9,30a
    Mesmo estrangeiros percebiam Sua ação, como foi o caso do faraó e da nobreza do Egito, referindo-se a São José do Egito, filho de Jacó: "'Poderíamos', disse-lhes ele, 'encontrar um homem que tenha, tanto quanto este, o Espírito de Deus?'" Gn 41,38
    E no livro da Sabedoria, o sagrado autor bem demonstra saber como e a Quem recorrer: "Que homem, pois, pode conhecer os desígnios de Deus, e penetrar nas determinações do Senhor? E quem conhece Vossas intenções, se Vós não lhe dais a Sabedoria, e se do mais alto dos Céus Vós não lhe enviais Vosso Espírito Santo?" Sb 9,13.17
    Até já descrevia Seu agir: "A Sabedoria não entrará na perversa alma, nem habitará no corpo sujeito ao pecado. O Espírito Santo Educador das almas fugirá da perfídia, afastar-Se-á de insensatos pensamentos, e a iniquidade que está por vir repeli-Lo-á." Sb 1,4-5
    Passados alguns séculos, contudo, Deus, através do Profeta Ezequiel, prometeu reunir Seu povo. Era a Unidade da Igreja, que o Espírito Santo iria realizar através da Comunhão: "... Eu dá-lhes-ei um só coração e animá-los-ei com um Novo Espírito. De seu corpo extrairei o coração de pedra para substituí-lo por um coração de carne, a fim de que observem Minhas Leis, guardem e pratiquem Meus Mandamentos, sejam Meu povo e Eu, Seu Deus." Ez 11,19-20
    Assim prometia que, em mais notória revelação, daria Nova Vida aos Seus fieis: "... quando Eu derramar em vós Meu Espírito para fazer-vos voltar à Vida, e quando hei de restabelecer-vos em vossa terra, então sabereis que Eu sou o Senhor..." Ez 36,14
    E que, pela Nova Aliança firmada por Jesus, o Divino Paráclito definitivamente permaneceria entre nós. Deus disse através do Profeta Isaías: "'Mas virá como Redentor a Sião e aos arrependidos filhos de Jacó,' Oráculo do Senhor. 'Eis Minha Aliança com eles', diz o Senhor: 'Meu Espírito, que sobre ti repousa, e Minhas Palavras, que coloquei em tua boca, não deixarão teus lábios nem os de teus filhos, nem os de seus descendentes', diz o Senhor, 'desde agora e para sempre.'" Is 59,20-21
    Com efeito, Jesus vai garantir aos Apóstolos, e assim a Igreja: "E Eu rogarei ao Pai, e Ele dá-vos-á outro Paráclito, para que convosco fique eternamente." Jo 14,16
    Mas, como visto, já era por inspiração do Espírito de Deus que Profetas e homens Santos escreviam o Antigo Testamento. São Pedro afirma: "Esta Salvação tem sido o objeto das investigações e das meditações dos Profetas, que proferiram Oráculos sobre a Graça que vos era destinada. Eles investigaram a época e as circunstâncias indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava e que profetizava os sofrimentos do mesmo Cristo, e as Glórias que deviam segui-los." 1 Pd 1,10-11
    Também assim foi durante a própria passagem de Jesus entre os Apóstolos, como São Lucas registrou: "... contei toda sequência das ações e dos ensinamentos de Jesus, desde o princípio até o dia em que foi arrebatado ao Céu, depois de ter dado, pelo Espírito Santo, Suas instruções aos Apóstolos que escolhera." At 1,1a-2
    E desta forma tem sido desde então. São Paulo escreve aos efésios: "Lendo-me, podereis entender a noção que me foi concedida do Mistério de Cristo, que em outras gerações não foi manifestado aos homens da maneira como agora tem sido revelado pelo Espírito aos Seus Santos Apóstolos e profetas." Ef 3,4-5
    Alegando o Sacramento da Crisma, portanto, São João Evangelista garante: "Vós, porém, tendes a Unção do Santo e sabeis todas coisas. Que permaneça em vós o que tendes ouvido desde o princípio. Se em vós permanecer o que ouvistes desde o princípio, vós também permanecereis no Filho e no Pai. E não tendes necessidade de que alguém vos ensine. Mas, como Sua Unção vos ensina todas coisas, assim é ela verdadeira e não mentira. Permanecei n'Ele, como ela vos ensinou." 1 Jo 2,20.24.27b


O SALVADOR ANUNCIA O ESPÍRITO DA PROMESSA

    Cumpriram-se, então, os tempos, e veio São João Batista para preparar o povo para a Vinda do Salvador. O Arcanjo São Gabriel, ao anunciar seu nascimento a Zacarias, seu pai, deixou informado Quem moveria este arauto: "... e desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo..." Lc 1,15
    Tal unção deu-se através de Nossa Mãe Celeste, a Esposa do Divino Paráclito: "Naqueles dias, Maria levantou-se e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Ora, apenas ouviu Isabel a saudação de Maria, a criança estremeceu em seu seio, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo." Lc 1,39-41
    Pois ao receber a Anunciação, Nossa Senhora ouviu de São Gabriel como se daria a Encarnação do Salvador: "O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo envolver-te-á com Sua sombra. Por isso, o Santo Ente que de ti nascer será chamado Filho de Deus." Lc 1,35
    E quando São João Batista batizou Jesus, lá estava o Santo Paráclito completando a primeira manifestação pública da Santíssima Trindade: o Pai falando do Céu, o Filho Encarnado e o Espírito como uma pomba: "Depois que Jesus foi batizado, logo saiu da água. Eis que os Céus se abriram e se viu descer sobre Ele, em forma de pomba, o Espírito de Deus. E do Céu ouviu-se uma voz: 'Eis Meu Amado Filho, em Quem ponho Minha afeição.'" Mt 3,16-17
    Ao iniciar Sua vida pública, pois, na sinagoga Jesus leu uma profecia do livro do Profeta Isaías, que na verdade era o discurso inaugural de Sua Missão, antecipado pelas Escrituras ao povo de Deus havia sete séculos: "O Espírito do Senhor repousa sobre Mim, porque o Senhor Me consagrou pela Unção. Enviou-Me a levar a Boa Nova aos pobres, curar os corações doloridos, anunciar aos cativos a redenção, e aos prisioneiros a liberdade; proclamar o Ano da Graça do Senhor, e um dia de vingança de Nosso Deus; para consolar todos aflitos..." Is 61,1-2
    Porém, pouco antes de Sua Paixão, avisou que nem todas revelações seriam feitas por Ele mesmo, mas que o Divino Paráclito as arremataria: "Muitas coisas ainda tenho a dizer-vos, mas agora não podeis suportá-las. Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensiná-vos-á toda a Verdade, porque não falará por Si mesmo, mas dirá o que ouvir, e anunciá-vos-á as coisas que virão." Jo 16,12-13
    Com razão, eram pouco mais de três anos que Jesus estava na companhia dos Apóstolos, e eles já tinham esquecido algumas coisas e ainda precisavam entender outras. Mas Ele garantia que tudo seria recordado e todos esclarecimentos seriam feitos pelo Espírito de Deus: "Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu Nome, ensiná-vos-á todas coisas e recordá-vos-á tudo que vos tenho dito." Jo 14,26
    Até ajudaria os Apóstolos a testemunhá-Lo nos mais difíceis momentos: "Porque não sereis vós que falareis, mas é o Espírito de Vosso Pai que falará em vós." Mt 10,20
    Sua Paixão, aliás, era condição para a Vinda do Divino Espírito: "Entretanto, digo-vos a Verdade: a vós convém que Eu vá! Porque se Eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se Eu for, enviá-vo-Lo-ei." Jo 16,7
    Todavia, devido aos pecados sem o devido arrependimento, Ele não é derramado sobre todos, mas apenas sobre a Igreja. Jesus disse: "É o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber porque não O vê nem O conhece. Mas vós conhecê-Lo-eis, porque convosco permanecerá e em vós estará." Jo 14,17
    Por isso, a mera leitura da Palavra de Deus sem os auxílios do Santo Espírito, ou seja, a tentativa de compreensão das Escrituras sem a assistência da Igreja, leva tão somente ao erro e à morte. São Paulo diz deste Ministério, exclusivamente dado por Jesus: "Ele é que nos fez aptos para ser Ministros da Nova Aliança, não a da letra, e sim a do Espírito. Porque a letra mata, mas o Espírito vivifica." 2 Cor 3,6
    Por isso, exige a devida reverência aos membros da Igreja: "Por conseguinte, desprezar estes preceitos é desprezar não a um homem, mas a Deus, que nos infundiu Seu Espírito Santo." 1 Ts 4,8
    São Pedro, de fato, com toda sua autoridade vetou qualquer pessoal entendimento das Escrituras. Ou seja, só a interpretação dada pelo próprio Espírito da Verdade, Aquele que inspirou os sagrados livros, deve prevalecer: "Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de pessoal interpretação. Porque jamais uma profecia foi proferida por efeito de humana vontade. Homens inspirados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus." 2 Pd 1,20-21
    E assim a verdadeira Palavra de Deus vem sendo anunciada. Falando sobre os Profetas, o Príncipe dos Apóstolos diz aos cristãos: "Foi-lhes revelado que propunham não para si mesmos, senão para vós, estas revelações que agora vos têm sido anunciadas por aqueles que vos pregaram o Evangelho da parte do Espírito Santo, enviado do Céu. Revelações estas, que os próprios anjos desejam contemplar." 1 Pd 1,12
    Ora, o Espírito Santo é o próprio Deus, e só Ele pode iluminar-nos para a Verdade que liberta. São Paulo diz: "... o Senhor é o Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade." 2 Cor 3,17
    Verdade essa que é o próprio Jesus, o Verbo Encarnado, o Único que nos leva a Deus: "Jesus respondeu-lhe: 'Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por Mim.'" Jo 14,6
    E é fazendo-nos compreender Sua Palavra, isto é, mediante nossa prévia obediência, que Ele nos liberta: "Portanto, se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres." Jo 8,38
    Sem dúvida, Santo Estevão, ao condenar o Sinédrio, diz que aqueles que não acolhem Jesus e Sua Igreja estão em franca oposição ao Espírito de Deus: "Homens de dura cerviz, e de incircuncisos corações e ouvidos! Vós sempre resistis ao Espírito Santo." At 7,51
    Pois só Ele pode revelar propriamente as coisas de Deus, como o Apóstolo do Gentios diz aos coríntios: "Assim também as coisas de Deus: ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. Ora, nós não recebemos o espírito do mundo, mas sim o Espírito que vem de Deus, que nos dá a conhecer as Graças que Deus nos prodigalizou e que pregamos numa linguagem que nos foi ensinada não pela sabedoria humana, mas pelo Espírito, que exprime as coisas espirituais em termos espirituais. Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras. Nem pode compreendê-las, porque é pelo Espírito que devem ponderar." 1 Cor 2,11-14
    É por Ele que todas Graças nos são derramadas, segundo os seguidores de sua tradição: "... o Espírito Santo, Autor da Graça!" Hb 10,29
    É por Ele que se alcança a santidade, cuja finalidade São Pedro diz aos fiéis: "... eleitos segundo a presciência de Deus Pai e santificados pelo Espírito para obedecer a Jesus Cristo..." 1 Pd 2a
    Jesus foi bem explícito ao dizer como o Santo Paráclito cumpriria Sua missão, abrindo-nos os olhos à Verdade: "E, quando Ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do Juízo." Jo 16,8
    E depois de ressuscitado, em Sua última aparição ao colégio dos Apóstolos Ele disse: "Eu mandá-vos-ei o Prometido de Meu Pai. Entretanto, permanecei em Jerusalém até que sejais revestidos da força do alto." Lc 24,49
    Por isso, falando sobre o Pentecostes que acabara de acontecer, São Pedro assegurou aos peregrinos em Jerusalém: "... Jesus recebeu do Pai o Espírito Prometido e derramou-O, como estais vendo e ouvindo." At 2,33
    O Paráclito, pois, como São Paulo afirma, é a própria garantia da Salvação: "N'Ele (Cristo) também vós, depois de terdes ouvido a Palavra da Verdade, o Evangelho de vossa Salvação no qual tendes crido, fostes selados com o Espírito Santo que fora prometido, que é o penhor de nossa herança, enquanto esperamos a completa redenção daqueles que Deus adquiriu para o louvor da Sua Glória." Ef 1,13-14
    Ele assim explica o Pentecostes aos romanos: "A Lei do Espírito de Vida libertou-me, em Jesus Cristo... O que era impossível à Lei, visto que a carne a tornava impotente, Deus fez. Enviando, por causa do pecado, Seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado, condenou o pecado na carne, a fim de que a justiça prescrita pela Lei fosse realizada em nós que vivemos não segundo a carne, mas segundo o espírito. Vós, porém, não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, se é que o Espírito de Deus realmente habita em vós. Se alguém não possui o Espírito de Cristo, este não é d'Ele. De fato, se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo espírito mortificardes as obras da carne, vivereis, pois todos que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus." Rm 8,2a.3-4.9.13-14
    O cumprimento dessa promessa, portanto, marcaria um novo tempo, o tempo do Espírito Santo, o tempo da Igreja, o tempo dos Sacramentos. De fato, em Suas últimas Palavras, ou seja, pouco antes de Sua Ascensão aos Céus, Jesus vai dizer: "... descerá sobre vós o Espírito Santo e dá-vos-á força. E sereis Minhas testemunhas em Jerusalém, em toda Judeia e Samaria, e até os confins do mundo." At 1,8
    Aliás, na Festa das Tendas, conforme São João Evangelista, Ele já havia prometido esse indizível dom: "No último dia, que é o principal dia de Festa, estava Jesus de pé e clamava: 'Se alguém tiver sede, venha a Mim e beba. Quem crê em Mim, como diz a Escritura: De seu interior manarão rios de Água Viva (Zc 14,8; Is 58,11).' Dizia isso referindo-Se ao Espírito que haviam de receber os que n'Ele cressem, pois ainda não fora dado o Espírito, visto que Jesus ainda não tinha sido glorificado." Jo 7,37-39

O NASCIMENTO DA IGREJA

    No livro dos Atos dos Apóstolos, São Lucas deu mais detalhes da última aparição de Jesus aos Onze, antes de iniciar a caminhada final até Betânia, onde ocorreria a Ascensão: "E a eles manifestou-Se vivo depois de Sua Paixão, com muitas provas, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas do Reino de Deus. E comendo com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem o cumprimento da promessa de Seu Pai, 'que ouvistes', disse Ele, 'da Minha boca. Porque João batizou na água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias.'" At 1,3-5
    Cinquenta dias após a Páscoa da Ressurreição, por fim, chegou o grande momento. A confusão de línguas da Torre de Babel seria desfeita, a Igreja já nasceria católica, quer dizer, universal, falando a todas nações, pois através dela o Espírito de Deus Se manifestou por completo, e em profusão a humanidade voltou a experimentar a natureza divina: "Todos eles unanimemente perseveravam na oração, e com eles as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos d'Ele. Quando chegou o dia de Pentecostes, todos eles estavam reunidos no mesmo lugar. De repente, do céu veio um barulho como o sopro de um forte vendaval, e encheu a casa onde eles se encontravam. Apareceram, então, umas como línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem." At 1,14;2,1-4


    E como São Pedro iria invocar em pregação aos judeus que ali acorreram, deu-se o cumprimento da profecia de Joel: "Depois disso, derramarei Meu Espírito sobre todos viventes, e vossos filhos e as filhas tornar-se-ão profetas. Entre vós, os velhos terão sonhos e os jovens terão visões! Nesses dias, até sobre escravos e escravas derramarei Meu Espírito!" Jl 3,1-2
    Assim, movida por tão poderosa Graça, a força da Igreja tornava-se irresistível. Muitos religiosos judeus eram tocados: "Grande número de sacerdotes também aderia à ." At 6,7
    E como previsto por Jesus, que disse que o testemunho dos Apóstolos se daria na Judeia, na Samaria e nos confins da terra, veio em seguida o 'Pentecostes dos Samaritanos': "Os Apóstolos que se achavam em Jerusalém, tendo ouvido que a Samaria recebera a Palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João. Estes, assim que chegaram, fizeram oração pelos novos fiéis, a fim de receberem o Espírito Santo, visto que ainda não havia descido sobre nenhum deles, mas somente tinham sido batizados em Nome do Senhor Jesus. Então os dois Apóstolos impuseram-lhes as mãos e receberam o Espírito Santo." At 8,14-17
    E assim, através dos auxílios do Santo Paráclito, a Igreja estabeleceu-se e cresceu: "A Igreja então gozava de Paz por toda Judeia, Galileia e Samaria. Ela estabelecia-se caminhando no temor do Senhor, e a assistência do Espírito Santo fazia-a crescer em número." At 9,31
    Por fim, sempre sobre a guia do Espírito de Deus e mais uma vez através da pregação de São Pedro, em breve também os não judeus, ou seja, os povos dos 'confins da terra' participariam da Comunhão Espiritual: "Enquanto Pedro refletia sobre a visão, disse-lhe o Espírito: 'Eis aí três homens que te procuram. Levanta-te! Desce e vai com eles sem hesitar, porque sou Eu Quem os enviou.'" At 10,19-20
    Era o "Pentecostes dos Gentios", que se deu na casa de Cornélio: "Ainda estando Pedro a falar, o Espírito Santo desceu sobre todos que ouviam a Santa Palavra. Os fiéis da circuncisão, que tinham vindo com Pedro, profundamente admiraram-se vendo que o dom do Espírito Santo também era derramado sobre os pagãos, pois eles os ouviam falar em outras línguas e glorificar a Deus. Pedro então tomou a palavra: 'Porventura pode-se negar a Água do Batismo a estes que receberam o Espírito Santo como nós?'" At 10,44-47
    Sim, porque a pregação dos Apóstolos não eram só palavras, como São Paulo atesta em carta aos tessalonicenses: "Nosso Evangelho foi-vos pregado não somente por palavra, mas também com poder, com o Espírito Santo e com plena convicção." 1 Ts 1,5
    Ele é a força que auxiliava os Apóstolos a testemunhar a Ressurreição de Jesus, como visto perante o Sinédrio, porque a obediência a Deus é inalienável condição para recebê-Lo: "Pedro e os Apóstolos replicaram: 'Antes importa obedecer a Deus que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, que vós matastes, suspendendo-O num madeiro. Deus elevou-O pela mão direita como Príncipe e Salvador, a fim de dar a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados. Deste fato, nós somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus deu a todos aqueles que Lhe obedecem.'" At 5,29-32
    Desde o nascimento da Igreja, portanto, os caminhos são decididos por Ele: "Enquanto celebravam o culto do Senhor, depois de terem jejuado, disse-lhes o Espírito Santo: 'Separai-Me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho destinado.' Então, jejuando e orando, lhes impuseram as mãos e os despediram." At 13,2-3
    Pelo sim e pelo não: "Ao chegarem aos confins da Mísia, tencionavam seguir para a Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu." At 16,7
    Principalmente nos assuntos de alta relevância, como aconteceu no Concílio de Jerusalém. Após o voto de São Pedro, São Tiago Menor vai concluir: "Com efeito, bem pareceu ao Espírito Santo e a nós não vos impor outro peso além do indispensável seguinte..." At 15,28
    Ele é que constitui os diferentes graus dos sacerdócios, como São Paulo disse aos Anciãos de Éfeso: "Cuidai de vós mesmos e de todo rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastorear a Igreja de Deus, que Ele adquiriu com Seu próprio Sangue." At 20,28
    Ele é Deus de amor manifestando-Se em Sua plenitude: "Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado." Rm 5,5
    É Ele que nos concede a Comunhão Espiritual: "A Graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a Comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!" 2 Cor 13,13
    O Amado Discípulo assegura: "Se mutuamente nos amarmos, Deus permanece em nós e Seu amor é perfeito em nós. Nisto é que conhecemos que estamos n'Ele e Ele em nós, por Ele ter-nos dado Seu Espírito." 1 Jo 4,12b-13
    Essa Comunhão, porém, só é possível através do perdão dos pecados exclusivamente concedido pela Igreja, conforme prescrição de Jesus, que o ministra por ação de Seu Espírito, soprado por Ele mesmo sobre Seus escolhidos para este fim: "Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: 'Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, sê-lhes-ão perdoados. Àqueles a quem os retiverdes, sê-lhes-ão retidos.'" Jo 20,22-23
    Por isso, ainda no dia do Pentecostes, São Pedro exigia a devida penitência: "Pedro respondeu-lhes: 'Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em Nome de Jesus Cristo para remissão de vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.'" At 2,38
    Dos já convertidos, São Paulo exigia o devido respeito: "Ou não sabeis que vosso corpo é Templo do Espírito Santo, que em vós habita, o Qual recebestes de Deus e que, por isso mesmo, já não vos pertenceis?" 1 Cor 6,19
    Diz que Ele é nossa via de acesso à Igreja: "É n'Ele (Cristo) que vós também entrais, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus." Ef 2,22
    Lembrando a garantia que Ele representa, pedia mais: "Não contristeis o Santo Espírito de Deus, com o Qual estais selados para o Dia da Redenção." Ef 4,30
    Referindo-se aos ensinamentos de Jesus, São João Evangelista afirma que Ele é a marca de todo cristão: "Quem observa Seus Mandamentos permanece em Deus e Deus nele. É nisto que reconhecemos que Ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu." 1 Jo 3,24
    E também menciona a obediência à Igreja: "Quem conhece a Deus, ouve-nos; quem não é de Deus, não nos ouve. É nisto que conhecemos o Espírito da Verdade e o espírito do erro." 1 Jo 4,6b
    É o Paráclito, enfim, que, além da Comunhão Eucarística, distribui os dons de Deus: "Mas um e o mesmo Espírito distribui todos estes dons, repartindo a cada um como Lhe apraz." 1 Cor 12,11
    E todos eles são-nos concedidos especificamente para a construção da Igreja, que é uma só: "Assim, uma vez que aspirais aos dons espirituais, procurai tê-los em abundância para edificação da Igreja." 1 Cor 14,12
    Por isso, como vimos, São Paulo diz: "Se alguém não possui o Espírito de Cristo, este não é d'Ele." Rm 8,9
    Ora, ele avisou que sem os auxílios do Santo Paráclito sequer podemos reconhecer que Jesus é Deus: "... ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão sob a ação do Espírito Santo." 1 Cor 12,3
    De fato, como o Profeta Zacarias previu, é Ele que nos faz olhar com outros olhos para o Crucificado: "Derramarei um Espírito de Graça e oração sobre a casa de Davi e sobre os moradores de Jerusalém, e eles olharão para Mim. Quanto Àquele que transpassaram, chorarão por Ele como se chora pelo único filho. Amargamente vão chorá-Lo, como se chora por um primogênito." Zc 12,10
    Esse 'Batismo' do Pentecostes também havia sido previsto por São João Batista, que disse a seus discípulos: "Eu batizo-vos com água, em sinal de penitência, mas Aquele que virá depois de mim é mais poderoso que eu e nem sou digno de carregar Seus calçados. Ele batizar-vos-á no Espírito Santo e em fogo." Mt 3,11
    E as línguas de fogo sobre as cabeças dos membros da Igreja foram mencionadas por Jesus: "Vim trazer fogo à terra, e quanto desejaria que já estivesse aceso!" Lc 12,49
    Fogo esse que inicialmente nos vem por Sua Palavra, com o poder de Seu Espírito, como foi aceso no coração dos discípulos que iam a Emaús no Domingo da Ressurreição: "Não se nos abrasava o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e explicava as Escrituras?" Lc 24,32
    São Paulo, pois, zelosamente cuidando da missão da Igreja, trata de exortar-nos: "Não extingais o Espírito." 1 Ts 5,19
    Porque se o ministério de Moisés foi grandioso graças às Tábuas da Lei, ele compara: "... quanto mais glorioso não será o Ministério do Espírito?" 2 Cor 3,14
    Sem o Espírito de Deus, portanto, não temos Vida. E, olhando para o mundo, vemos como nos falta ser insuflada uma verdadeira renovação... Cantemos, pois, com o Salmista: "Todos esses seres esperam de Vós que lhes deis de comer em seu tempo. Vós dai-lhes e eles recolhem-no; abris a mão, e fartam-se de bens. Se desviais o rosto, eles perturbam-se; se retirai-lhes o sopro, expiram e voltam ao pó donde saíram. Se enviais, porém, Vosso Espírito, eles revivem e renovais a face da terra." Sl 103,27-30

    "Vinde, Espírito Santo, enchei os corações de Vossos fiéis e acendei neles o fogo de Vosso amor! Enviai, Senhor, Vosso Espírito, e tudo será recriado. E renovareis a face da terra!"