Em 597, quando Inglaterra vivia sob constantes invasões dos saxões, oriundos de atuais terras de Alemanha, um monge beneditino italiano foi enviado para lá pelo Papa São Gregório Magno, com a difícil missão de estabelecer-se e, tanto quanto pudesse, evangelizar. Para surpresa de todos, no Natal do mesmo ano mais de 10 mil pessoas já tinham sido convertidas ao Catolicismo e batizadas, incluindo toda nobreza.
Sabemos que Santo Agostinho de Cantuária era de Roma, e, por conta de sua excelente formação, provavelmente de nobre família. Mas por seu comportamento sempre tão humilde e modesto, ou até por sua deliberada intenção de omitir a fidalga descendência, a origem e a história de nosso Santo foram relegadas ao esquecimento antes mesmo de tornar-se monge. Não sabemos sequer o ano em que nasceu. Esses detalhes certamente não eram ignorados por São Gregório Magno, que o acolheu em 'sua própria casa' logo depois de transformá-la no Mosteiro de Santo André, do qual fez prior. Ora, há registro de que nosso papa admirava muito seus conhecimentos bíblicos. Era realmente de grande erudição e de notória capacidade administrativa.
Os 40 missionários com ele enviados a Inglaterra, alguns monges beneditinos, entre eles aquele que viria a ser São Lourenço de Cantuária, de passagem por França procuraram informações sobre o país ao qual se dirigiam e as notícias eram não eram nada estimulantes: muita violência. Mas São Gregório Magno sabia a quem havia confiado tal missão. Ele deveria começar seus trabalhos entrando em contato com a rainha Berta, que era católica, filha do rei de França, Cariberto I, um dos reis merovíngios, e recentemente desposara Etelberto, o rei de Kent, à época importante reino de Inglaterra. Era o poder dominante no sudeste britânico, e Etelberto era o principal líder anglo-saxônico desde a queda de Ceaulino, rei de Saxônia Ocidental, em 592.
De toda forma, nossos missionários não começariam um trabalho a partir da estaca zero, apesar da população do reino de Kent ser de fiéis ao paganismo anglo-saxônico. Antes que as legiões romanas deixassem a província de Britânia, em 410, os britânicos já se haviam convertido ao cristianismo e o grande asceta Pelágio era nativo da região. Porém, com a retirada, o povo da região teve que se defender dos invasores saxões. A província romana também havia enviado três bispos ao Concílio de Arles, dado no ano de 314, e um bispo gaulês esteve na ilha em 396 para ajudar a resolver questões disciplinares. Ademais, materiais arqueológicos atestam uma crescente presença cristã pelo menos até o ano de 360.
Com a saída das legiões, tribos pagãs tomaram a região norte da ilha, enquanto que a região ocidental permaneceu cristã. Esta igreja britânica desenvolveu-se isolada de Roma, sob a influência de missionários de Irlanda, fortemente inspirados por São Patrício, e tinham como referência os mosteiros, não os bispados. Uma evidência da permanência do cristianismo na parte oriental da ilha é o culto a Santo Albano de Verulâmio, primeiro mártir de Britânia, que morreu por volta de 304.
Aliás, como condição para o casamento, Berta tinha levado consigo um bispo chamado Leotardo. Na cidade de Cantuária, sede do reino, eles trataram de restaurar uma igreja do tempo dos romanos, a atual Igreja de São Martinho de Tours.
Não obstante, Deus colaborava com nossos missionários: foram pessoalmente recebidos pelo próprio rei já na ilha de Thanet, a 'porta de entrada de Inglaterra'. Tão bem escoltados, entraram na corte em procissão, carregando a Cruz e entoando cantos gregorianos. O rei, hoje bem sabemos porquê, ficou muito impressionado com a personalidade de Santo Agostinho: sua inteligência e inspiração pareciam não caber em tão humilde pessoa. Sua santidade era visível.
Obtida a autorização do rei para evangelizar, eles usavam a Igreja de São Martinho de Tours para os serviços litúrgicos. Mas Santo Agostinho logo lançou mãos dos trabalhos que deram início a construção da Abadia de Kent, dedicada a São Pedro e São Paulo, que mais tarde iria levar seu nome. Cheio de fé, confiantemente construiu-a fora dos muros da cidade de Cantuária. Era a primeira abadia beneditina fora de Itália, além de marco da introdução da Regra de São Bento em Inglaterra. Séculos mais tarde, porém, com a introdução do protestantismo em Inglaterra, por ordem do rei o Catolicismo foi banido do país e muitos mosteiros foram destruídos. De sua abadia, hoje só se veem as ruínas.
Contudo, informado de frequentes boas notícias, pois ele e os monges percorriam longas distâncias e quase sempre eram bem acolhidos, o Papa São Gregório ordenou Santo Agostinho Arcebispo de Cantuária, porque, conforme registros, já chegara à ilha como bispo. Segundo São Beda, Pai da História de Inglaterra, que escreveu um século depois, a consagração como arcebispo foi feita por Etério, arcebispo de Arles, França. E sua resposta, sempre muito ativo e aproveitando os favoráveis ventos, foi fundar as dioceses de Londres e Rochester em 604. Ordenou dois missionários que haviam chegado em 601: Melito, bispo de Londres, e Justo, bispo de Rochester. Ainda ordenou vários bispos sufragâneos, para auxiliarem os bispos, além de um bispo para York. Também fundou uma escola para formar sacerdotes e missionários de origem anglo-saxã. A Catedral de Cantuária igualmente foi uma edificação iniciada por ele, ali mesmo nas imediações da abadia. Os rudimentos da atual construção eram sua sé episcopal.
Apesar da preexistência de cristãos em Irlanda e Gales, é certo que estes não se empenharam em converter os invasores saxões. Mas Santo Agostinho queria a conversão dos descendentes destes invasores, e logo conseguiu tornar-se um exemplo de catequista para todos cristãos da região. Muito fiel, manteve constante comunicação com o Papa, buscando suas instruções em pormenores sobre os mais variados assuntos, inclusive questões referentes à situação da Igreja em Gália, que viria a ser França, certamente por alguma influência que lá exercia.
Perante os bispos de origem celta que já estavam na ilha à sua chegada, deixou bastante clara sua obediência a Roma, interação que eles não procuravam cultuar. E assim até rejeitaram recomendações suas, enquanto arcebispo, quanto à autoridade papal. Enfim, Santo Agostinho não conseguiu exercer autoridade sobre os cristãos de Gales nem de Dumnônia, apesar de seus solícitos e frequentes contatos com os cristãos nativos de Inglaterra, entre os quais havia diferentes 'estilos' de Cristianismo.
Ora, sua obra não foi mais longe porque a Britânia, como os romanos chamavam a ilha, vivia constantes conflagrações, dividida em vários reinos de relacionamentos nem sempre amigáveis, além dos frequentes ataques de piratas e invasores, como citamos. Os reinos de Saxônia Ocidental e Mércia, por exemplo, estavam expandindo seus domínios para o ocidente e invadindo áreas mantidas pelos britânicos. Londres mesmo não parecia estar sobre os poderes do rei Etelberto, mas sob o reino de Essex, governado por seu sobrinho, Seberto. Este mesmo, porém, acabou sendo convertido por Santo Agostinho. E o reino de Kent, um estado do povo juto no sudeste de Inglaterra, era só um dos reinos tradicionais da Heptarquia Anglo-Saxã, que esteve vigente do ano de 455 a 871. Aí começaram as primeiras ondas de invasões germânicas. De fato, o nome Kent, que precedia os invasores jutos, era da tribo celta que aí habitava.
Enfim, a memória de Santo Agostinho de Cantuária tem um grande empecilho porque a maior parte da documentação litúrgica medieval que o menciona não o distinguem de Santo Agostinho de Hipona, Santo e Doutor da Igreja que viveu no século IV.
Santo Agostinho veio a falecer apenas 8 anos depois do início de sua missão, em 605. Seu vertiginoso sucesso em tão curto período, no entanto, não pode ser explicado apenas por sua dedicação e pureza de coração, ainda que patentes: muitos milagres, curas e prodígios, conforme registros, abriram portas e foram grande um sinal da presença de Deus em sua alma. O Evangelho Segundo São Marcos, dizendo da atividade eclesial dos discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo após Sua Ascensão, já testificava essa realidade: "O Senhor cooperava com eles, e confirmava Sua Palavra com os milagres que a acompanhavam." Mc 16,20b
Foi muito bem sucedido por seu Santo companheiro, São Lourenço de Cantuária, que nosso Santo mesmo nomeou, prevendo a própria morte. São Lourenço inspirava-se nele e foi o arcebispo até 619.
Nosso Santo é deferencialmente conhecido como o 'Apóstolo de Inglaterra', e também de especial modo lembrado pela igreja anglicana: os 'arcebispos' de Cantuária ainda hoje são nomeados para a 'Cátedra de Santo Agostinho'.
Foi enterrado no pórtico da então Abadia de São Pedro e São Paulo, em Cantuária, mas depois foi exumado e recolocado num túmulo dentro da igreja desta abadia, que logo se tornou local de peregrinação e veneração. Seu santuário tinha uma posição central entre as capelas laterais, ladeado pelos santuários de São Lourenço e Melito, que também lhe sucedeu. Mas durante a tirânica reforma protestante inglesa, foi destruído e suas relíquias perderam-se.
Em sua homenagem, foi construída a Igreja de Santo Agostinho, em Ramsgate, Kent, que está muito próxima do local de desembarque no início de sua missão.
Contudo, o original lugar de seu túmulo ainda é conhecido.
Santo Agostinho de Cantuária, rogai por nós!